Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00042/05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/28/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA DO TCAN
DEDUÇÃO DE IVA
REQUISITOS LEGAIS DA FATURA
PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE
QUESTÕES NOVAS
Sumário:I. Da conjugação do n.º 2 do art.º 19.º n.º 2 e n.º 5 do art.º 35.º do CIVA resulta que só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, desde que cumprindo os requisitos do n.º 5 do art.º 35.º CIVA.
II. De acordo com a mecânica da liquidação do IVA a fatura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento de fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados.
III. A lei ao estabelecer, determinadas exigências relativas à emissão de faturas tem por objetivo evitar a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, o qual visa assegurar, que aos operadores económicos, seja permitido recuperar com maior justeza o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços por si efetuadas, sendo certo, que quem suporta o pagamento do IVA, é o consumidor final (sujeito passivo).
IV. A fatura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 35.° n° 5 do CIVA não está passada "em forma legal" , não permitindo deduzir o respetivo imposto.
V. No IVA e na medida em que a fatura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado o legislador adotou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o artigo 35.° n.° 5 do CIVA que exige determinados formalismos (formalidades "ad substantiam" cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos) que a recorrente não cumpriu pois nos documentos tem que constar a espécie de serviço prestado já que conforme a sua natureza a taxa do imposto também é diferente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, J…, deduziu impugnação judicial visando as liquidações de IVA dos exercícios de 1999 a 2001, no montante global de 14.293,55 euros.
Por sentença proferida em 12.04.2010, a MMª Juíza julgou improcedente a impugnação, mantendo as liquidações IVA em causa.
O Recorrente/Impugnante não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso, formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
(…)
A. O n.° 2 do artigo 19° do CIVA nunca poderia ter sido aplicado no caso em apreço, de forma contrária ao direito de dedução do Recorrente, na medida em que não se vislumbra nos factos relevantes qualquer situação de distorção à forma legal das facturas.
B. Esta previsão legal destina-se, justamente, a permitir um controlo formal das facturas. É clara a ratio da norma: em primeira linha, o legislador quer passar para os operadores uma certa competência de controlo; contudo, só investe o operador na medida em que essa competência de controlo seja na sua esfera possível e praticável.
C. A boa leitura da lei, à luz do ditame interpretativo consagrado no art. 9.° do Código Civil - em toda a sua plenitude e alcance -, assim o impõe: não se compreenderia que o legislador fosse neste ponto além do razoável - quebrando assim a sua obrigação de legislar segundo os cânones constitucionais, designadamente, de proporcionalidade nas suas dimensões de necessidade e proibição do excesso - e que impusesse aos operadores mais do que um simples controlo formal (de verificação formal dos requisitos), alijando responsabilidades que lhe estão reservadas.
D. Apesar de os aludidos requisitos previstos no n.° 5 do art. 35.° do CIVA serem mesmo considerados requisitos substanciais do direito à dedução, só o são na medida em que a não aposição dos referidos elementos formais na factura escape ao controlo objectivo do receptor da mesma, só assim lhe sendo imputável uma sanção negativa pela dita irregularidade daquela documento contabilístico - a recusa do direito á dedução.
E. O cumprimento da obrigação de controlo imposta ao operador que recebe a factura basta-se com a mera constatação objectiva daqueles elementos formais, não exigindo, como vem dito - e como razoavelmente se compreende - uma análise de mérito que vá ao ponto de exigir a confirmação da aderência à realidade de cada elemento nela constante.
F. Assim, o cumprimento da obrigação de controlo formal imposto ao operador que recebe a factura será sempre analisado na justa medida daquilo que lhe for exigível: por exemplo, se o operador compra a X mas na factura consta o nome de Y, é-lhe razoável e compreensivelmente exigível que este recuse a dita factura e ordene a sua regularização - ou pelo menos que indague qual a razão da divergência -; contudo, se da factura consta o nome da pessoa ou da empresa com que o contribuinte se relacionou efectivamente, e se essa pessoa ou empresa, antes da emissão da factura, exerceu a actividade contratada nos termos em que qualquer outra o faria, naturalmente que o operador que recebe a factura - porque há-de estar, em princípio, de boa fé - não tem por que suspeitar da conduta do emitente da factura.
G. A análise da norma do n.° 2 do artigo 19° do CIVA, feita desta forma, mais não é do que o reflexo de uma opção legislativa feita com base no critério clássico do bonus pater familiae, aprimorado com uma visão circunstanciada dos factos.
H. Assim sendo, ao ora Recorrente não seria exigível, à luz dos factos conhecidos e do que verdadeiramente impõe a lei, que este, abstraindo-se dos termos concretos das relações estabelecidas, fosse - qual detective - investigar a situação tributária dos emitentes das facturas em causa. Até porque, valha a verdade, à data dos factos semelhante investigação estaria seguramente votada ao fracasso, tendo em conta as regras do segredo fiscal e a ausência de qualquer base de dados com base na qual essa indagação pudesse ser feita.
I. Pelo que não pode o Recorrente suportar uma tão forte sanção negativa, ou seja, ver-lhe negado o direito á dedução do imposto efectivamente suportado.
J. É a própria jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que afirma que “A imputação de um juízo de censura a determinado comportamento é baseada num critério abstracto: o grau de exigibilidade de padrões de conduta colocados a um cidadão medianamente diligente, dentro dos condicionalismos da situação em apreço...” (RC, 15-7-2001: CJ/STJ, 2001, 2.º - 166).
K. No caso concreto, não restam dúvidas de que o Recorrente cumpriu a função de controlo que lhe está confiada por lei.
L. As facturas contestadas correspondem a efectivas transacções que, de facto, tiveram lugar. Os serviços nelas descritos foram efectivamente prestados, os preços que delas constam foram os preços efectivamente praticados e o IVA nelas inscrito foi efectivamente entregue aos emissores das facturas. Não estamos, pois, nem sequer na opinião da Administração fiscal, perante um problema de facturas falsas, de operações simuladas ou de preços simulados.
M. No que concerne à questão das descrições dos serviços prestados constantes das facturas em crise, deve concluir-se que as mesmas são até mais específicas do que o que é comum e aceitável no sector da construção, dada, desde logo, a natureza relativamente indiferenciada dos serviços nele prestados e o nível médio de instrução da maior parte dos agentes que nele participam (principalmente os sub-fornecedores de mão-de-obra como os de que no presente processo se trata), que, aliás, apresentam habitualmente - porque a sua actividade não requer a situação contrária - uma “estrutura administrativa” bastante rudimentar (sem que daí se possa automaticamente retirar a ilegalidade dos seus procedimentos).
N. Da lei em vigor à data dos factos apenas resulta que as facturas devem mencionar a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, especificando os elementos necessários à determinação da taxa aplicável. As disposições aplicáveis não impõem, pois, a necessidade de descrever as transacções de forma mais detalhada do que a adoptada no presente caso. No sector da construção civil, ninguém desconhece o que significa “assentamento de litocer” ou “serviço final de pedreiro”, nem nenhuma dúvida se levanta a respeito da taxa aplicável a tais serviços.
O. Conclui-se, pois, da análise do então artigo 35º do Código do IVA, que as facturas em causa obedecem a todos os requisitos legais, pelo que não se lhes pode apontar qualquer irregularidade que afaste o direito do seu destinatário a deduzir o imposto efectivamente suportado e entregue ao emissor.
P. Refutada em absoluto a possibilidade de a Administração fiscal mobilizar aqui, em concreto, o n.° 2 do art. 19.º do CIVA, por as facturas em causa cumprirem os requisitos do ar. 35.º do CIVA, resta hipotizar - num salto argumentativo que embora lógico não encontra acolhimento na fundamentação aduzida pela Administração fiscal - a aplicabilidade do regime de responsabilidade solidária à Recorrente na qualidade de adquirente dos serviços - ponderação pela qual se enfatiza a desconformidade legal da correcção operada pela Administração fiscal e se apontar para aqueles que, na acepção de veracidade das alegações que produz - respeitantes apenas, ressalte-se, à actividade e modo de operacionalização da mesma por parte dos fornecedores da ora Recorrente -, seriam os legítimos sujeitos dos actos de liquidação impugnados.
Q. É que, uma vez afastado o cenário da simulação das operações, do que se fez cabal demonstração e fará adequada prova, à Administração fiscal abrir-se-iam duas alternativas naturais exigir aos fornecedores dos bens o pagamento do imposto relativo às operações tituladas pelas facturas objecto de inspecção e por estes não entregue nos cofres do Estado; ou exigi-lo ao adquirente, aqui Recorrente, imputando-lhe a responsabilidade solidária a que alude o n.° 1 do art. 79.º do CIVA.
R. Nos termos desta disposição, o adquirente dos bens ou serviços tributáveis que seja um sujeito passivo “…é solidariamente responsável com o fornecedor pelo pagamento do imposto, quando a factura ou documento equivalente (...) contenha uma indicação inexacta quanto ao nome ou endereço das partes intervenientes; á natureza ou á quantidade dos bens transmitidos ou serviços fornecidos, ao preço ou ao montante de imposto devido.”.
S. Sendo esta última a alternativa perseguida pela Administração fiscal, sempre seria de lhe impor o reconhecimento, nos termos do n.° 2 daquele preceito, da prova inibitória da aplicação daquele regime: a de que o adquirente ou destinatário pagou “... ao seu fornecedor, devidamente identificado, todo ou parte do imposto devido Ora, no caso concreto, é evidente esse pagamento. Percebe-se, pois, por que razão terá sido este um caminho não percorrido e abandonado pela Administração fiscal.
T. Uma vez impossibilitado (ou simplesmente dificultado) o acesso aos sujeitos passivos emitentes das facturas desconsideradas, a quem, com toda a propriedade, caberia a obrigação de pagamento do imposto que lhe havia sido entregue pelo adquirente dos serviços que haviam prestado, e perante quem, legitimamente, poderia a Administração fiscal apresentar-se a liquidá-lo, acrescido dos juros e coimas devidas, ela entendeu então poder prevalecer-se das condições e restrições admitidas em relação ao exercício do direito à dedução, para o limitar na esfera da Recorrente.
U. Ao fazê-lo, a Administração fiscal retira ao IVA a neutralidade que o define e nega ao sistema comum deste imposto o seu pressuposto e elemento central.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as demais consequências legais, designadamente a anulação da sentença recorrida e dos actos tributários impugnados.(…)”

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmº. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da declaração de incompetência deste tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer o presente recurso, por o mesmo ter por fundamento matéria exclusivamente de direito.
Requereu assim, que se declare incompetente em razão da hierarquia o TCAN devendo a competência para a decisão ser atribuída ao Supremo Tribunal Administrativo.
Notificadas as partes, nada disseram.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/Impugnante as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações sendo as de saber se verifica a incompetência em razão da hierarquia do TCAN e se há erro de julgamento de direito, por incorreta subsunção jurídica à factualidade, e por violação do art.º 19.º n.2 e n.º 5 do art.º35.º do CIVA.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:

a) O impugnante foi alvo de uma acção inspectiva por parte dos SPIT que teve a sua incidência temporal sobre os exercícios de 1999 a 2001 (cf. doc. de fls. 21 a 34 do PA). ---
b) O motivo que originou a acção inspectiva prende-se com o facto de o impugnante “… não ter efectuado quaisquer entregas de IR retido, nos anos de 2001 e nos anos anteriores, quando e no que respeita a 1999, prestou serviços para clientes no montante de €152.900,01, havendo, no entanto facturas emitidas para outros sujeitos passivos, o que fará supor que não trabalha sozinho. Situação que foi confirmada pelo responsável da firma cliente” (cf. fls. 23 do PA).---
c) O sujeito passivo está enquadrado, desde 01/10/1993, em IVA no regime de periodicidade trimestral e em IRS como rendimentos profissionais – categoria B, pelo exercício da actividade de “Instalações, N.E.” (CAE 045340), dispõe de contabilidade organizada por opção (cf. fls. 27 do PA). ---
d) Na inspecção apurou-se para o ano de 1999, que o impugnante “contabilizou/declarou subcontratos, no total de €10.200,42 e deduziu IVA no total de €1.734,08, com base na factura nº 647 DE 29/12/99, do fornecedor “P…, Lda.”, NIPC: 5…. Da análise à referida factura verifica-se que a mesma não identifica correctamente os bens, apenas refere “vários móveis com medidas diversas” (cf. doc. de fls. 25 do PA).
e) Em sede de inspecção apurou-se para o exercício de 2000 que o impugnante “contabilizou/declarou subcontratos no valor de €23.907,22 e deduziu IVA no total de €4.064,23, com base em facturas, de vários prestadores de serviços (…) da análise ás referidas facturas verifica-se que as mesmas não identificam correctamente os serviços prestados, apenas são utilizadas designações genéricas como, por exemplo, “Trabalhos na obra de Perafita”, “Serviços prestados de trolha na obra de Perafita”, “Trabalhos prestados de assentamento de tijolo na obra de Perafita”, apurou-se ainda que “da consulta do cadastro do sistema informático do IVA, constatou-se que relativamente aos números dos emitentes das facturas aparece as seguintes indicações: “Contribuinte cessado no cadastro” e “contribuinte inexistente”, estas facturas, desde logo, não verificam os requisitos do nº 5 do art. 35º do Código do IVA e foram emitidas por sujeitos passivos cessados ou inexistente” (cf. fls. 25 do PA). ---
f) Apurou-se, em sede de inspecção, relativamente ao exercício de 2001 que “contabilizou/declarou subcontratos, no total de €38.937,08 e deduziu IVA no total de €6.619,30, com base em facturas, de vários prestadores de serviços (…) da análise às referidas facturas/recibos verifica-se que nas mesmas não identificam correctamente os bens/serviços prestados, apenas são utilizadas designações genéricas como, por exemplo, “trabalhos na obra de Perafita”, “assentamento de tijolo na obra de Perafita”, “Assentamento de litocer na obra de Perafita”, “Serviço Final de pedreiro Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira” apurou-se ainda que “da consulta do cadastro do sistema informático do IVA, constatou-se que relativamente aos números dos emitentes das facturas aparece as seguintes indicações: “Contribuinte cessado no cadastro” e “contribuinte inexistente”, estas facturas, desde logo, não verificam os requisitos do nº 5 do art. 35º do Código do IVA e foram emitidas por sujeitos passivos cessados ou inexistente” (cf. fls. 26 do PA). ---
g) Resulta do relatório que “da análise efectuada aos documentos que serviram de base à contabilização, dos recibos de serviços prestados, verificou-se tratar-se de recibos modelo não oficial, nos quais foi aposta a inscrição: “Serviços prestados”. Os referidos recibos contêm elementos identificativos dos beneficiários dos recibos dos rendimentos e estão assinados”. ---
h) Na parte da análise financeira apurou-se que “O sujeito passivo na sua contabilidade não releva quaisquer movimentos na conta bancos, os recebimentos e pagamentos são efectuados através da conta caixa. Em Dezembro de 1999 a conta caixa apresentava um saldo devedor muito elevado. Em 31/12/1999 foi transferido da conta caixa para a conta empréstimos do empresário o valor de €37.409,84”.---
i) No que tange a subcontratos “o sujeito passivo registou/declarou prestação de serviços, com base em facturas que apresentam como emitente firmas ou outros sujeitos passivos, já cessados á data da emissão das facturas e outros que nem sequer existem no cadastro apenas com indicações genéricas de “serviços prestados”. Todos estes “serviços prestados” foram pagos através da conta caixa” (cf. fls. 31 do PA). ---
j) Em conclusão apurou-se que “Foram relevados na contabilidade serviços prestados por sujeitos passivos inexistentes e outros já cessados à data da emissão das facturas, pagamentos efectuados através da conta caixa; Nas remunerações pagas adicionalmente aos empregados e aos outros trabalhadores não foram efectuadas retenções na fonte de IRS, nem foram efectuados descontos para a segurança social; rentabilidade do pessoal elevada face à média do sector em que está enquadrado; rentabilidade da actividade muito baixa face à média do sector em que está enquadrado, não obstante os baixos encargos com o pessoal declarados”.
k) Por tal facto, e por recurso a correcções de natureza meramente aritmética, foram emitidas as liquidações de IVA dos anos de 1999 a 2001, nos montantes de €1.734,08, €4.064,23 e de €6.619,30 (cf. doc. de fls. 22 e 23 e 42 a 44 do PA). ---
l) Através da consulta aos registos oficiais os SPIT apuraram que os fornecedores: M… era contribuinte cessado em 30/06/1998; A… era contribuinte cessado em 31/12/1995; N… era contribuinte sem actividade, Sociedade Construções…, Lda. era contribuinte não identificado e S…, Lda. era contribuinte sem actividade (cf. fls. 46 a 52 do PA).
m) As facturas nº 647, nº 16, nº 181, nº 177, nº 001, nº 180, nº 11, nº 192, nº 0088, nº 0075, nº 196, nº 185, nº 184, nº 183, nº 26, nº 25, nº 03, nº 48, nº 47, nº 00068, e nº 50, emitidas pelos fornecedores referidos em l), não foram consideradas pelos SPIT por não reunirem os requisitos previstos no art. 35º do CIVA (cf. fls. 53 a 73 do PA).

Factos não provados

Não se provaram outros factos com interesse para a presente demanda, mormente não resultou provado que empresas ou pessoas o impugnante subcontratou e para que específicos serviços. ---
Também não resultou provado com a clareza necessária, que obras e dentro destas que serviços foram concretamente contratados com o impugnante. ---
As demais asserções da douta petição integram conclusões de facto/direito ou meras considerações pessoais dos impugnantes. ---

Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC, procede-se ao aditamento à matéria de facto:
n) No ano de 1999, consta da contabilidade do Recorrente, a seguinte fatura:
1. n.º 647, datada de 29.12.1999, emitida por P…, Lda., contendo na designação “Vários móveis com medidas diversas” preço total 2 392 650$00 (cfr. fls. 53 do PA apenso aos autos);
o) No ano de 2000, constavam da contabilidade do Recorrente, as seguintes faturas:
1. n.º 11 datada de 31.10.2000, emitida por M…, contendo na designação “Trabalhos na obra de Perafita” preço total 837 851,00$00. (cfr. fls. 59 do PA apenso aos autos);
2. n.º 16 datada de 30.12.2000, foi emitida por M..., contendo na designação “Serviços prestados de trolha na obra de Perafita” preço total 440 200$00 (cfr. fls. 54 do PA apenso aos autos);
3. n.º 180 datada de 30.11.2000, emitida por A… contendo na designação “Trabalhos prestados de assentamentos de tijolo” preço total 526 371$00. (cfr. fls. 58 do PA apenso aos autos);
4. n.º 177 datada de 29.12.2000, emitida por A… contendo na designação “Serviços Prestados de Pedreiro no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira Posto de Transformação ” preço total 2 322 450$00. (cfr. fls. 56 do PA apenso aos autos);
5. Fatura n.º 181 datada de 30.12.2000, emitida por A… contendo na designação “Serviços prestados de pedreiro na obra de Perafita” preço total 31198$00. cfr. fls. 55 do PA apenso aos autos);
6. Fatura n.º 001 datada de 30.11.2000, emitida por Nuno Miguel da Costa Pereira contendo na designação “Serviços prestados de trolha na obra de Perafita” preço total 1 168 919$00. (cfr. fls. 57 do PA apenso aos autos);
p) No ano de 2001, constavam da contabilidade do Recorrente, as seguintes faturas:
1. n.º 184 datada de 30.03.2001, emitida por Sociedade de Construções… Lda., contendo na designação “Assentamento de litocer na obra de Perafita” preço total 471 227$00. (cfr. fls. 65 do PA apenso aos autos);
2. n.º 196 datada de 30.04.2001, emitida por Sociedade de Construções… Lda., contendo na designação “Assentamento de litocer na obra de Perafita” preço total 1 092 75536 2191$00. (cfr. fls. 63 do PA apenso aos autos);
3. n.º 192 datada de 30.05.2001, emitida por Sociedade de Construções… Lda., contendo na designação “assentamento de litocer na obra de Perafita” preço total 1 092 751$00. (cfr. fls. 60 do PA apenso aos autos);
4. n.º 03 datada de 30.06.2001, emitida por sociedade de S… Lda., contendo na designação “Assentamento de litocer na obra de Perafita” preço total 963 776$00. (cfr. fls. 69 do PA apenso aos autos);
5. n.º 25 datada de 30.09.2001, emitida por sociedade de S… Lda., contendo na designação “Assentamento de azulejo na obra de Perafita . Assentamento de azulejo no estabelecimento Prisional Paços de Ferreira” preço total 363 858$00. (cfr. fls. 67 do PA apenso aos autos);
6. n.º 26 datada de 30.09.2001, emitida por sociedade de S… Lda., contendo na designação “Assentamento de litocer na obra de Perafita” preço total 605 920$00. (cfr. fls. 67 do PA apenso aos autos);
7. n.º 47 datada de 30.10.2001, emitida por sociedade de S… Lda., contendo na designação “Assentamento de azulejo E.P. Paços de Ferreira” preço total 1 151 058$00. (cfr. fls. 71 do PA apenso aos autos);
8. n.º 48 datada de 30.11.2001, emitida por sociedade de S… Lda., contendo na designação “Assentamento de litocer na obra de Perafita e Assentamento de azulejo no estabelecimento Prisional Paços de Ferreira” preço total 1 216 070$00. (cfr. fls. 70 do PA apenso aos autos);
9. n.º 50 datada de 30.12.2001, emitida por sociedade de S… Lda., contendo na designação “Assentamento de tijoleira E.P. Paços de Ferreira” ” preço total 929 441$00. (cfr. fls. 73 do PA apenso aos autos);
10. n.º 68 datada de 30.12.2001, emitida por sociedade de S… Lda., contendo na designação “ Serviços prestados de azulejo no estabelecimento Prisional Porto” preço total 1 111 500$00. (cfr. fls. 72 do PA apenso aos autos);
11. n.º 184 datada de 31.01.2001, emitida por A…, contendo na designação “Assentamento de litocer na obra de Perafita” preço total 120 000$00. (cfr. fls. 66 do PA apenso aos autos);
12. n.º 185 datada de 04.04.2001, emitida por A…, contendo na designação “Serviço final de pedreiro na obra de Perafita” preço total 45 397$00. (cfr. fls. 64 do PA apenso aos autos);

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A primeira questão (prévia) que cumpre apreciar e decidir é a da competência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do presente recurso, sendo que esta questão assume carácter prioritário relativamente a todas as outras, conforme decorre do disposto no artigo 13.º do CPTA aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea c), do CPPT, porquanto a sua eventual procedência prejudicará o conhecimento de qualquer outra questão.
Resulta do disposto no artigo 26º, alínea b) e do artigo 38º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do artigo 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que ao Tribunal Central Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, compete conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância, exceto quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, situação em que a competência será da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA há que ponderar as conclusões da alegação do recurso e verificar se, as questões controvertidas se resolvem mediante a exclusiva aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja porque discorda das ilações de facto que deles se retiraram, porque invoca factos que não foram dados como provados e que, em abstrato, podem não ser indiferentes para o julgamento da causa.

Da leitura das conclusões, que acima ficaram transcritas, o objeto do presente recurso, consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quer quanto á matéria de facto quer à matéria de direito.

Da análise das conclusões do recurso – j) a p) - ter-se-á de ponderar matéria de facto e dela retirar ilações de facto e após analisar se se as faturas obedecem aos requisitos formais do n.º5 do art.º 35.º do CIVA.

Nesta perspetiva, afigura-se-nos que a competência para conhecer o objeto do presente recurso, com o devido respeito por opinião contrária, é da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, uma vez que não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, mas também, matéria de facto e/ou ilações de facto.
Pelo que julga-se este Tribunal Central Administrativo Norte competente em razão da hierarquia, para dirimir o litígio.

4.2. A segunda questão a apreciar é a de saber se há erro de julgamento de direito, por incorreta subsunção jurídica à factualidade, e por violação do art.º19 n.º 2 e art.º35.º do CIVA
Vejamos:

O art.º 19.º do CIVA, na versão Decreto-Lei n.º 122/88, de 20 de Abril, previa que:” 1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

b) (..);.

2 - Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas, e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.

Por sua vez, o n.º 5 do art.º 35.º do CIVA previa que “(…) 5 - As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas deverão ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.(…)”
Assim resulta da conjugação do n.º 2 do art.º 19.º n.º 2 e n.º 5 do art.º 35.º do CIVA que só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, desde que cumprindo os requisitos do n.º 5 do art.º 35.º CIVA.
Entende a Recorrente que n.º 2 do artigo 19° do CIVA nunca poderia ter sido aplicado no caso em apreço, de forma contrária ao direito de dedução do Recorrente, na medida em que não se vislumbra nos factos relevantes qualquer situação de distorção à forma legal das faturas.
Alega que o legislador não impôs aos operadores mais do que um simples controlo formal e objetivo dos requisitos.
Que não lhe é exigível uma análise de mérito a ponto de exigir a confirmação da aderência à realidade de cada elemento nela constante.
E que não seria exigível ao Recorrente, investigar a situação tributária dos emitentes das faturas em causa e que no caso concreto, não restam dúvidas de que o Recorrente cumpriu a função de controlo que lhe está confiada por lei.
No que concerne à questão das descrições dos serviços prestados constantes das faturas em crise, que as mesmas são até mais específicas do que o que é comum e aceitável no sector da construção, dado, desde logo, a natureza relativamente indiferenciada dos serviços nele prestados e o nível médio de instrução dos agentes.
Da lei em vigor à data dos factos as disposições aplicáveis não impõem, pois, a necessidade de descrever as transações de forma mais detalhada do que a adotada no presente caso.
Concluiu-se, pois, da análise do então artigo 35º do Código do IVA, que as faturas em causa obedecem a todos os requisitos legais, pelo que não se lhes pode apontar qualquer irregularidade que afaste o direito do seu destinatário a deduzir o imposto efetivamente suportado e entregue ao emissor.
A sentença recorrida entendeu que “(…) Efectivamente, apurou-se que o emitente M… tinha cessado a actividade em 30/06/1996, o emitente A… tinha cessado a actividade em 31/12/1995, o Nuno Miguel da Costa Pereira não tinha actividade, a sociedade de construções…, Lda., constava como não identificado o mesmo acontecendo com a sociedade S…, Lda.. ---
Ora, não é admitido o direito à dedução do IVA suportado constante de factura emitida por contribuinte já cessado (neste sentido cf. Ac. do STA de 25/1172009, processo nº 0943/09, in: www.dgsi.pt.). ---
Por outra banda, as facturas daqueles emitentes não identificam correctamente os serviços prestados, usando designações genéricas como por exemplo, “trabalhos prestados na obra de Perafita”, “Assentamento de tijolo na obra de Perafita”, “Serviço final de pedreiro na obra de Perafita”, “Serviço final de pedreiro no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira”. --
Assim, do ponto de vista formal, as referidas facturas não são irrepreensíveis tal como vem alegado pelo impugnante, o que indubitavelmente limita o direito à dedução, previsto nos artigos 19º a 22º, ambos do CIVA. ---(…)”.
Como supra se pode verificar a sentença recorrida estribou-se no facto dos emitentes de faturas não terem a situação fiscal regularidade mas também no facto das mesmas não obedecerem aos requisitos do n.º 5 do art.º. 35.º do CIVA.
Com efeito, à data dos factos não era exigível que a Recorrente controlasse a situação fiscal do emitente das faturas, e por isso teremos de concordar com a Recorrente quando alega que só lhe era exigível o controlo aligeirado do emitente.
Mas já não podemos concordar com o Recorrente quando alega que as faturas em causa são até mais específicas do que o que é comum e aceitável no sector da construção, dada, a natureza relativamente indiferenciada dos serviços nele prestados e o nível médio de instrução dos agentes, pese embora essa realidade se verifique.
Aos sujeitos passivos de IVA, e aos contribuintes em geral, são-lhe impostas obrigações acessórias a quais têm conhecer e cumprir.
O Recorrente, teria de proceder ao controlo da fatura e verificar se as mesmas estavam emitidas nos termos do n.º 5 do art.º 35.º do CIVA e deveria exigir a substituição das mesmas quantas vezes fossem necessárias.
Acresce ainda referir que a exigência dos requisitos formais das faturas prende-se com os princípio basilares da mecânica do IVA e do principio da neutralidade fiscal.
A alínea a) do art.º 1.º do Código do IVA (CIVA) preceitua que estão sujeitas as imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas, no território nacional, a título oneroso, por sujeito passivo agindo como tal.
Nos termos do art.º 20.º do CIVA para que seja possível o exercício do direito à dedução é necessário que o imposto a deduzir tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo.
Como refere Clotilde Celorico Palma, In As entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado Uma Ruptura no Principio da Neutralidade, Tese de Doutoramento Edição Almedina, 47 a 91. (…) O IVA é caracterizado, essencialmente, como um imposto Indirecto, de matriz europeia, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo através dom método indirecto.
(…) É um imposto, que incide sobre todo as fases do processo produtivo do produtor ao retalhista, através do chamado método subtractivo indirecto, das facturas do crédito de imposto ou sistema de pagamentos fraccionados.
(…) O método subtractivo indirecto mais não é que uma técnica da liquidação e dedução do imposto em cada fase do circuito económico, funcionando como tal quando as transacções se processam entre sujeitos passivos do imposto com direito à dedução.. (…)
(…) O IVA a operar através deste método nas diversas fases da cadeia de produção e comercialização dos bens e serviços, vai incidir apenas sobre o valor acrescentado em cada uma, sendo o preço final do bem equivalente à soma dos valores acrescentados. (…)”
No entanto, é o consumidor final que suporta economicamente o IVA, embora não seja sujeito passivo do imposto.
O direito à dedução tem como pressuposto, que a entidade que suporta o IVA nas respetivas aquisições a montante irá realizar, a jusante, operações tributadas ou operações isentas que conferem o direito à dedução.
O sujeito passivo, atuando como tal, pode deduzir nos seus outputs (vendas bens ou serviços com IVA) o IVA suportado nos seus inputs (compra de bens ou aquisições de serviços com IVA a outros sujeitos passivos)
O direito à dedução é, portanto, um elemento central no IVA, estando o seu exercício dependente da verificação cumulativa de requisitos objetivos relacionados com o tipo de despesa e requisitos subjetivos atinentes ao sujeito passivo e requisitos formais.
De acordo com o mecanismo da liquidação do IVA a fatura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento de fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados.
A lei ao estabelecer, determinadas exigências relativas à emissão de faturas têm por objetivo evitar a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, o qual visa assegurar, que aos operadores económicos, seja permitido recuperar com maior justeza o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços por si efetuadas, sendo certo, que quem suporta o pagamento do IVA, é o consumidor final.
Garantindo assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, também elas, sujeitas ao IVA (v. acórdãos do TJEU de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n.° 24, e de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.° 48).
Como se refere no Acórdão do STA de 17.02.1999, do STA, no rec. 20593, “(…) Embora a expressão "factura" surja com frequência nos textos legais, ao menos desde 1888, quando o Código Comercial incluiu um artigo (476°) sob a epígrafe "Factura e recibo", não existe na lei definição do que seja uma factura.
Mas a arrumação do artigo 476° do Código Comercial no título consagrado à compra e venda, e o teor da sua letra - "o vendedor não pode recusar ao comprador a factura das cousas vendidas e entregues" - logo permite concluir que se trata de um documento emitido pelo vendedor, destinado ao adquirente, que deve, ao menos, identificar os intervenientes e as mercadorias objecto de transacção».
É então bom de ver que, conforme o fim a que a destina o comprador, será necessário que a factura contenha mais ou menos elementos; na maioria dos casos, o preço das mercadorias será imprescindível; em muitos casos, não poderão faltar as condições de entrega e pagamento - etc., etc..
No caso concreto, a factura não se destina, só, ao uso do comprador, mas constitui um elemento essencial, também, para o fisco, pois é o documento demonstrativo das operações sobre que incide o imposto. Assim, fácil é entender que a factura válida para efeito de IVA terá de identificar do modo mais completo possível os comprador e vendedor, as mercadorias, o preço, e a data da transacção. Trata-se de elementos todos eles relevantes para permitir identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto (sua incidência, sujeitos, taxa, cobrança, reembolsos, etc.). A falta de algum destes elementos pode pôr em risco o mecanismo concebido com o objectivo de arrecadar o imposto.
Natural é, pois, que o legislador tenha entendido que, para que o sistema, aliás, complexo, do IVA, possa funcionar, para facilitar o controlo das operações sujeitas e isentas, e para obstar à evasão fiscal, se tornava necessária, não apenas a emissão de facturas ou documentos equivalentes, na forma que entendesse cada um dos intervenientes, mas a sua emissão com um conteúdo e rigor definidos pela lei. Daí a exigência de uma forma legal. (…)”.(sublinhado nosso).
Sustenta o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 01438/06 de 21.11.2006 “(…) II)- Nesse sentido o artigo 35º do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do artº 19º nº 2 do mesmo Código.
III)- Não tem direito à dedução do IVA no caso das facturas supra referidas em virtude de nos ditos documentos, que a Administração Fiscal não considerou para efeitos de dedução do imposto, apenas é referido "prestação de Serviços" não havendo qualquer referência às quantidades.
IV)- (…)
V)- No IVA e na medida em que a factura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado o legislador adoptou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o artigo 35.° n.° 5 do CIVA que exige determinados formalismos (formalidades "ad substantiam" cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos) que a recorrente não cumpriu pois nos documentos tem que constar a espécie de serviço prestado já que conforme a sua natureza a taxa do imposto também é diferente.(…).”
E é também jurisprudência dos acórdãos do TCAS, n.º 04170/10 de 26.10.2010, 05785/12 de 21.05.2013 e 01438/06 de 21.11.2006.
No caso que nos ocupa, nas faturas em causa não se mostram cumpridas as exigências formais contidas nas als. b) e d) do citado n.º 5 do art.º 35.º do CIVA, como demonstrou a administração tributária e como consta do probatórios nas alínea n), o) e p).
Das faturas em referencia constam na designação, descrições como por exemplo, “Trabalhos prestados na obra de Perafita”, “Assentamento de tijolo na obra de Perafita”, “Serviço final de pedreiro na obra de Perafita”, “Serviço final de pedreiro no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira”, “Assentamento de litocer” ou “Serviço de pedreiro”.
Com essas descrições não é possível identificar que tipo de trabalho foi efetuado pelo emitente da fatura, nomeadamente se foi prestada somente mão de obra e nesse caso não se sabe qual o número de horas, ou se foram fornecidas matérias primas ou ainda se mesmos os dois serviços.
Nesta conformidade a fatura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 35.° n° 5 do CIVA não está passada "em forma legal" , não permitindo deduzir o respetivo imposto.
Acresce referir que o Recorrente nas conclusões e nas motivação de recurso evoca a jurisprudência do Tribunal Justiça da União Económica (TJUE) espelhada no acórdão C- 90/02 de 01.04.2004 – caso Bockemuhl- mas tal não aplicável ao caso em apreço pois a situação factual subjacente não é a mesma, trata-se de uma situação de autoliquidação de IVA, entre duas empresas de construção civil uma sediada na Alemanha, que contratou trabalhadores ingleses que lhe foram disponibilizados por uma sociedade identificada como «Jaylink Bau Ltd Building Contractors»., com endereço para contactos nos Países Baixos.
E nesse caso o TJEU – e em outros idênticos- foram sensíveis ao facto de o sujeito passivo para poder exercer o direito a dedução do IVA, julgando que (…) não [se] devem ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correcta do procedimento de autoliquidação em causa.
51..Neste contexto, é certo que uma factura tem uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis. Contudo, no caso de autoliquidação, é precisamente com base em dados controláveis que o sujeito passivo, destinatário de um fornecimento ou de serviços, deveria ter sido considerado devedor, e qual o montante de IVA devido. Uma vez que a administração fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo é, enquanto destinatário da prestação em causa, devedor do IVA, não pode impor, no que se refere ao direito do referido sujeito passivo à dedução do IVA, condições adicionais que podem ter como efeito a impossibilidade absoluta do exercício desse direito.
52. Assim, quando um sujeito passivo, enquanto destinatário de serviços, é designado devedor do IVA correspondente, a administração fiscal não pode exigir como condição adicional para permitir o direito à dedução que aquele esteja na posse de uma factura emitida em conformidade com o disposto no n.° 3 do artigo 22.° da Sexta Directiva. Com efeito, tal exigência teria como consequência que um sujeito passivo fosse, por um lado, devedor do IVA em causa enquanto destinatário dos serviços, mas corresse o risco, por outro, de não poder deduzir esse imposto. (v., neste sentido, acórdãos Bockemühl, já referido, n.° 50 a 52, de 30 de setembro de 2010, Uszodaépítõ, C-392/09, Colet., p. I-8791, n.° 38).

Nesta conformidade nada há a reparar à sentença recorrida.

4.3. Por fim o Recorrente, a título de mera hipótese, alega nas conclusões – P a R - a aplicabilidade do regime de responsabilidade solidária à Recorrente na qualidade de adquirente dos serviços.
E alega que, uma vez afastado o cenário da simulação das operações à administração fiscal abrir-se-iam duas alternativas naturais exigir aos fornecedores dos bens o pagamento do imposto relativo às operações tituladas pelas faturas objeto de inspeção e por estes não entregue nos cofres do Estado; ou exigi-lo ao adquirente, aqui Recorrente, imputando-lhe a responsabilidade solidária a que alude o n.° 1 do art.º 79.º do CIVA.
E que nos termos desta disposição, o adquirente dos bens ou serviços tributáveis que seja um sujeito passivo “…é solidariamente responsável com o fornecedor pelo pagamento do imposto, quando a factura ou documento equivalente (...) contenha uma indicação inexacta quanto ao nome ou endereço das partes intervenientes; á natureza ou á quantidade dos bens transmitidos ou serviços fornecidos, ao preço ou ao montante de imposto devido.”.
A questão aplicabilidade do regime de responsabilidade solidária à Recorrente na qualidade de adquirente dos serviços, não foi equacionada na petição inicial nem mesmo a sentença recorrida dela tomou oficiosamente conhecimento.
Dispõe o n.º 1 do art.º 627.º que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados à reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)“(grifado nosso).
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas.
Tratando-se de uma questão nova está este tribunal impedido de a conhecer.

E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário, e com a devida vénia, apropriando-nos, parcialmente das conclusões do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 01438/06 de 21.11.2006 :
I. Da conjugação do n.º 2 do art.º 19.º n.º 2 e n.º 5 do art.º 35.º do CIVA resulta que só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, desde que cumprindo os requisitos do n.º 5 do art.º 35.º CIVA.
II. De acordo com a mecânica da liquidação do IVA a fatura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento de fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados.
III. A lei ao estabelecer, determinadas exigências relativas à emissão de faturas tem por objetivo evitar a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, o qual visa assegurar, que aos operadores económicos, seja permitido recuperar com maior justeza o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços por si efetuadas, sendo certo, que quem suporta o pagamento do IVA, é o consumidor final (sujeito passivo).
IV. A fatura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 35.° n° 5 do CIVA não está passada "em forma legal" , não permitindo deduzir o respetivo imposto.
V. No IVA e na medida em que a fatura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado o legislador adotou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o artigo 35.° n.° 5 do CIVA que exige determinados formalismos (formalidades "ad substantiam" cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos) que a recorrente não cumpriu pois nos documentos tem que constar a espécie de serviço prestado já que conforme a sua natureza a taxa do imposto também é diferente.


5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 28 de maio de 2015
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Crista Travassos Bento