Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01591/20.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL; INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO; ORDEM DOS ADVOGADOS; APOIO JUDICIÁRIO; DADOS PESSOAIS.
Sumário:1 - Um cidadão é titular do direito à informação procedimental quando é directamente interessado num procedimento administrativo.

2 - Sendo o Requerente ora Recorrente interessado em procedimentos administrativos por si iniciados, no âmbito do quais peticiona a concessão de apoio judiciário e de entre as modalidades legalmente previstas, a atribuição de patrono [que cabe à Requerida Ordem dos Advogados indicar], e estando o mesmo a aguardar a apreciação dessa sua pretensão, ou a aguardar decisão em que foi requerida escusa no seu patrocínio pelo patrono já nomeado, tem nessa medida interesse directo e legítimo em consultar os respectivos processos administrativos, assim como o de obter certidão dos documentos que aí constem, nos termos dos artigos 82.º e 83.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPA.

3 - Para efeitos do disposto no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, quando esteja em causa o acesso a “dados pessoais” que constem desses processos administrativos, o Tribunal deve prosseguir pela avaliação em torno de saber se se verificam os termos e os pressupostos determinantes da limitação de acesso, pois que têm os mesmos de ser previamente conhecidos do Tribunal [e não, relegados para apreciação discricionária da Requerida Ordem dos Advogados], a fim de ser judicialmente aquilatado sobre se existem nesses processos documentos que evidenciem concretas razões que sejam/possam ser justificadoras de uma restrição de acesso por parte do cidadão interessado.

4 - Se o Tribunal exclui do acesso à consulta de processos e emissão de certidão os processos em que possam estar em causa dados de saúde e/ou segredo profissional de advogado/patrono, com fundamento no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, sem que tenha sido prosseguida instrução que possibilitasse esse seu conhecimento prévio, a decisão proferida não viabiliza o direito do Requerente a uma tutela jurisdicional efectiva, porque o coloca num patamar de incertitude quanto à concreta existência de dados dessa natureza.

5 - Para que o Tribunal a quo pudesse decidir com a ambiência restritiva com que decidiu, teria de ter chamado a si esses processos e analisado a sua integralidade, a fim de constatar dessa concreta existência [ou não], sendo que, verificada a existência de documento portador de “dados pessoais”, sempre estes deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade, entre o que é o interesse público e o interesse particular, o que permitiria então ao Tribunal a quo formar convicção firme e segura sobre se se justificava a limitação/condicionamento do Requerente ao conhecimento da integralidade dos elementos documentais constantes dos referidos processos administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Ordem dos Advogados
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

J., veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30 de setembro de 2020, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido por si deduzido [atinente à intimação da Ordem dos Advogados para a consulta e passagem de certidão em processos em que foi Requerente relativos à nomeação de Patronos], pois que pese embora o Tribunal recorrido tenha dado provimento parcial ao pedido, intimando a Ordem dos Advogados a permitir-lhe a consulta dos processos administrativos identificados no Requerimento inicial, bem como, a extracção de certidão dos documentos que o mesmo venha a indicar, veio a excluir [o Tribunal a quo] dessa consulta e emissão de certidão os documentos em que constem dados de saúde ou/e que revelem segredo profissional de advogado/patrono.
*
No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 103 dos autos, SITAF], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“B-Conclusões:

1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, através do qual se decidiu que o ora Recorrente tem direito a “consulta dos processos administrativos identificados no requerimento inicial, bem como, a extracção de certidão dos documentos que o mesmo venha a indicar, excluindo dessa consulta e emissão, de certidão, todavia, os documentos em que constem dados de saúde ou/e que revelem segredo profissional de advogado/patrono.”
2. Para o efeito considerou que deveria ser expurgada da consulta: - o direito de informação em causa deve ser equilibrado com a salvaguarda de outros direitos conflituantes, como seja, o direito à protecção de dados pessoais de terceiros, conforme preceitua o artigo 83.º, n.º 2, do CPA, mormente, dados relativos à saúde (incluindo dos advogados ou patronos nomeados ou com pedido de escusa);
- Mas não só. Entende-se que do direito à informação devem ser também excluídos os documentos que revelem elementos adstritos ao segredo profissional dos advogados envolvidos, tendo em vista o cumprimento do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
3. Ora, salvo o devido respeito não pode, o ora Recorrente, conformar com tal decisão, uma vez que, salvo melhor entendimento, a documentação supra referenciada não se encontra abrangida pelo segredo profissional ou possui dados de saúde.
4. Concretizando, que este processo é uma copia dos processos 2167/18.2 que correu termos neste tribunal, por sentença confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de Janeiro de 2019, no processo 1603/19.5BEPRT que correu termos neste tribunal, por sentença confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27 de Setembro de 2019, e no processo 683/19.8BEPRT que correu termos neste tribunal, por sentença confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 31 de Outubro de 2019
5. Que o pedido formulado pelo Recorrente subsume-se ao direito de acesso à informação procedimental, na medida em que a documentação em causa integra um procedimento em que o mesmo é diretamente interessado.
6. Pode ler-se na fundamentação de direito que o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 01-02-2017, no âmbito do processo 0991/16 decidiu “Titulares do direito à informação procedimental são os cidadãos directamente interessados num procedimento administrativo, e titulares do direito à informação não procedimental são todos os cidadãos, enquanto membros da comunidade, e interessados na res publicados, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo”.
7. Dissecada a factualidade dada como provada nos autos não restam dúvidas que o Recorrente assume um interesse direto nos procedimentos administrativos cuja consulta requereu, afigurando-se manifestamente ilegal a restrição de acesso à integralidade do processo.
8. O recorrente, beneficiário de apoio judiciário, é interessado na informação trocada entre a Ordem dos Advogados e o Advogado, nomeadamente quanto aos motivos que determinam o pedido de escusa que poderão, em abstrato, impedir que a Ordem proceda à nomeação de novo Advogado. Pelo que de modo algum se pode considerar que o aqui, Recorrente, é terceiro sem interesse direto nesta relação.
9. Já quanto ao invocado sigilo profissional, é sabido que este visa a proteção do cliente e da relação que se estabelece entre este e o seu advogado. Ora, no que toca aos pedidos de escusa é evidente que não em causa a relação de confiança entre Beneficiário de apoio judiciário e o patrono que pediu escusa, pelo que o Recorrente tem direito a aceder a estes documentos.
10. Devia o tribunal a quo ter observado a jurisprudência dos tribunais superiores e por aplicação dos disposto nos art.ºs 268 da CRP, 83 e 85 do CPTA, deferir a consulta integral do processo, sem as limitações impostas e a emissão de [de] cópias e/ou certidões.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim
Justiça!”
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A Recorrida Ordem dos Advogados não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais nos termos do artigo 36.º, n.º 2 do CPTA [mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que nas situações em que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões das suas Alegações resume-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em torno da interpretação dos factos e aplicação do direito, mormente, no que toca à solução jurídica aportada ao pedido formulado pelo Requerente, ora Recorrente, na medida em que este entende que não existe nenhum obstáculo de ordem legal para a recusa da consulta integral dos processos, por deles não constarem dados de saúde ou segredo profissional de advogado/patrono.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Pese embora o Tribunal a quo não tenha fixado na Sentença qual a factualidade que teve como provada, para efeitos da apreciação do presente recurso jurisdicional, e em face do que resulta do seu processado, é possível com toda a segurança jurídica fixar a que segue:

1 - O Requerente dirigiu ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados vários pedidos de consulta de processo administrativo, e possível passagem de certidão dos referidos processos [cfr. doc.s n.ºs 1 e 5 juntos com o Requerimento inicial que motiva os autos], a saber:

- Em 02 de Julho de 2020 a consulta do processo com o NP110710/2019;
- Em 01 de Julho de 2020 a consulta do processo com o NP82593/2020;
- Em 23 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP34859/2020;
- Em 23 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP85143/2019
- Em 18 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70332/2020;
- Em 18 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP105355/2017
- Em 16 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70340/2020;
- Em 16 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70351/2020;
- Em 15 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70342/2020;
- Em 09 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70347/2020;
- Em 26 de Março de 2020 a consulta ao processo com o NP207026/2019.

2 - Esses processos são relativos a pedidos de concessão de apoio judiciário que havia sido requerido pelo ora Recorrente.

3 - A consulta dos processos foi apenas permitida em alguns processos, com a expurgação dos pedidos de escusa de patrocínio apresentados pelos Advogados, e noutros ainda nem obteve resposta [Cfr. docs. n.ºs 2 e 6 juntos com o Requerimento inicial que motiva os presentes autos].

4 - A final da Petição inicial que motivou os autos, o Requerente formulou pedido do seguinte teor: “Nestes termos, deve a presente ação de intimação ser julgada procedente, por provada, e em consequência, ser o requerido intimado a facultar a consulta da integralidade dos processos com o NP110710/2019; NP82593/2020; NP34859/2020; NP85143/2019; NP70332/2020; NP105355/2017; NP70340/2020; NP70351/2020; NP70342/2020; NP70347/2020;NP207026/2019 e passagem de certidão dos documentos que vierem a ser selecionados para esse fim, bem como, a emissão de cópia ou certidão da notificação referida no oficio nr 1252/2020-AS, bem como a consulta integral do processo.”

5 – Tendo sido regularmente citada para os termos dos autos, a Ordem dos Advogados neles nada disse.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30 de setembro de 2020, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido por si deduzido [atinente à intimação da Ordem dos Advogados para a consulta e passagem de certidão em processos em que foi requerente relativos à nomeação de Patronos], e na qual o Tribunal recorrido deu provimento parcial ao seu pedido e nessa medida, veio a determinar a intimação da Ordem dos Advogados a permitir-lhe a consulta dos processos administrativos identificados no Requerimento inicial, bem como a extracção de certidão dos documentos que o mesmo venha a indicar [o que nesta parte não mereceu reparo por parte do Recorrente], tendo o Tribunal recorrido, todavia, vindo a excluir dessa consulta e emissão de certidão, os documentos em que constem dados de saúde e/ou que revelem segredo profissional de advogado/patrono [com cuja decisão não concorda o Recorrente], pelo facto de não constarem dos visados elementos documentais quaisquer dados pessoais dessa natureza.

Com o assim decidido não se conforma o ora Recorrente, tendo o mesmo sustentado para tanto e em suma, que o pedido por si formulado se subsume ao direito de acesso à informação procedimental, na medida em que a documentação em causa integra procedimentos em que o mesmo é diretamente interessado, e nesse domínio, que a documentação visada não se encontra abrangida pelo segredo profissional nem inclui dados de saúde, e que dessa forma, é ilegal a restrição de acesso à integralidade dos processos por si identificados, pois que enquanto beneficiário de apoio judiciário, é interessado na informação trocada entre a Ordem dos Advogados e o Advogado, nomeadamente quanto aos motivos que determinam o pedido de escusa, motivos esses que poderão, em abstrato, impedir que a Ordem proceda à nomeação de novo Advogado, sendo ainda que, no que é atinente ao invocado sigilo profissional, porque ele visa a sua proteção, assim como a relação que se estabelece entre si e o advogado/patrono nomeado, que decorrente dessa relação de confiança não pode existir documento cujo teor lhe esteja vedado, e nessa medida, que estando em causa pedidos de escusa, que é evidente que tem direito a aceder a esses documentos, e que em obediência do disposto nos artigos 268.º da CRP, e 83.º e 85.º do CPA, devia o Tribunal recorrido ter deferido a consulta integral dos processos, assim como a emissão de cópias e/ou certidões, sem as limitações que veio a impor.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

O Recorrente sustentou a sua pretensão recursiva que sintetizou a final das suas conclusões, na ocorrência de erro de julgamento em torno da solução jurídica decorrente da aplicação do direito, e que por essa razão deve assim ser concedido provimento ao recurso e consequentemente, proferido acórdão revogando a decisão recorrida.

Como assim perspectivamos, o núcleo essencial da pretensão recursiva do Recorrente assenta na invocação de que tem direito de acesso à integralidade da documentação constante dos processos por si identificados, por ter interesse nesse conhecimento e não constar dos mesmos qualquer dado relativo a saúde e/ou segredo profissional de advogado/patrono, e que o Tribunal a quo errou ao ter julgado parcialmente procedente o seu pedido.

Neste patamar, cumpre para aqui extractar parte da Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
De facto, compulsados os documentos juntos com o requerimento inicial, constata-se que o Requerente lançou mão de vários pedidos de protecção jurídica, solicitando, também, a nomeação de patrono pela Ordem dos Advogados.
Posto isto, o Requerente assume as vestes de interessado directo e legítimo na obtenção da informação sobre os procedimentos administrativos que lhe dizem directamente respeito, ante os quais formulou e aguarda o deferimento de uma pretensão ao abrigo do sistema do acesso ao direito.
O Requerente, porque na qualidade de interessado, tem o direito de consultar os indicados processos e o direito de obter certidão dos documentos que constem desses mesmos processos, conforme o previsto no artigo 83.º, n.ºs 1 e 3, do CPA, enquanto expressões máximas do direito à informação preconizado no artigo 82.º do mesmo diploma legal.
Pois bem, ante a inércia da Entidade Requerida, os presentes autos merecem procedência, devendo a Ordem dos Advogados ser intimada pelo Tribunal ao cumprimento do direito do Requerente à informação procedimental, tal como previsto no artigo 104.º, n.º 1, do CPTA.
[…]”
Fim da transcrição

Como extraído supra, o Tribunal recorrido apreciou e decidiu que tendo o Requerente, ora Recorrente, lançado mão de vários pedidos de protecção jurídica, onde também solicitou a nomeação de Patrono pela Ordem dos Advogados, que por essa razão tem interesse directo e legítimo na obtenção das informações em torno dos procedimentos administrativos que lhe dizem directamente respeito, pois que deles [e provindo da Ordem dos Advogados, ora Recorrida] aguarda o deferimento de uma pretensão ao abrigo do regime jurídico do acesso ao direito, e que nessa medida, na qualidade de interessado, tem o direito de consultar os indicados processos e o direito de obter certidão dos documentos que constem desses mesmos processos, sendo que, foi em face da constatada inércia da Ordem dos Advogados que o Tribunal a quo veio a determinar a sua intimação, como decorrência do disposto no artigo 104.º, n.º 1 do CPTA e artigos 82.º e 83.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPA.

Portanto, e em suma, neste segmento acima extractado, o Tribunal a quo apreciou e decidiu que sendo o Requerente ora Recorrente interessado nos procedimentos administrativos por si iniciados, no âmbito do quais peticiona a concessão de apoio judiciário e de entre as modalidades legalmente previstas, a atribuição de patrono [que cabe à Ordem dos Advogados indicar], e estando o mesmo a aguardar a apreciação de pretensão nesse domínio, que nessa medida tem interesse directo e legítimo em consultar os respectivos processos administrativos, assim como o de obter certidão dos documentos que aí constem, e que não lho tendo conferido a Ordem dos Advogados, que o Tribunal determinou a sua intimação, porque a sua actuação [da AO] é legalmente devida face ao disposto nos artigos 82.º e 83.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPA.

Deste modo, em face do que assim foi apreciado e decidido pelo Tribunal a quo, estava declarado o direito de o Requerente, ora Recorrente, ter acesso aos identificados processos administrativos, seja pela via da consulta seja via da emissão de certidão, o que a Ordem dos Advogados até aí tinha desatendido em face do que foram os pedidos que o Requerente lhe endereçou, como patenteados sob os pontos 1 e 3 do probatório.

Aqui chegados.

Como também decorre da Sentença recorrida, para além do assim decidido, ou seja, que o Requerente tinha interesse directo e legítimo no acesso à informação por si requerida [por via das consultas e da passagem de certidões], veio ainda o Tribunal a quo, a apreciar e decidir conforme para aqui se extracta como segue:

Início da transcrição
“[…]
Ainda assim, o direito de informação em causa deve ser equilibrado com a salvaguarda de outros direitos conflituantes, como seja, o direito à protecção de dados pessoais de terceiros, conforme preceitua o artigo 83.º, n.º 2, do CPA, mormente, dados relativos à saúde (incluindo dos advogados ou patronos nomeados ou com pedido de escusa).
Mas não só. Entende-se que do direito à informação devem ser também excluídos os documentos que revelem elementos adstritos ao segredo profissional dos advogados envolvidos, tendo em vista o cumprimento do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Ante o exposto, dando provimento parcial ao processo, intimo a Ordem dos Advogados para permitir ao ora Requerente a consulta dos processos administrativos identificados no requerimento inicial, bem como, a extracção de certidão dos documentos que o mesmo venha a indicar, excluindo dessa consulta e emissão de certidão, todavia, os documentos em que constem dados de saúde ou/e que revelem segredo profissional de advogado/patrono.
[…]”
Fim da transcrição

Ou seja, o Tribunal a quo julgou que o direito à informação por parte do Requerente, na sua relação com a Ordem dos Advogados não era um direito absoluto, em termos de poder conhecer todo o teor do constante nos identificados processos administrativos, pois que tinha de ser preservado o direito à protecção de dados pessoais de terceiros, como assim dispõe o artigo 83.º, n.º 2, do CPA, mormente, quanto aos dados relativos à saúde de advogados ou patronos nomeados, ou a pedidos de escusa, assim como quanto a documentos que revelem elementos relativos a segredo profissional dos advogados envolvidos, e nessa medida, que o Requerente apenas podia ter acesso parcial aos teor dos processos. Ou seja, que podendo aceder a esses processos [pela sua consulta e passagem de certidão] que de todo o modo, se neles se encontrarem documentos atinentes a dados de saúde ou segredo profissional de advogado/patrono que lhe foi nomeado, que o Requerente não pode a eles aceder, logo aquando da sua consulta.

Como assim julgamos, o que o Tribunal a quo apreciou foi que, na eventualidade de constarem nesses processos administrativos documentos atinentes a dados de saúde ou a segredo profissional de advogado/patrono, que esse conhecimento estava vedado ao Requerente, ou seja, que a Ordem dos Advogados, com esse fundamento, podia limitar o acesso a partes dos processos, sem que, todavia, o Requerente possa saber, por qualquer forma, se tal lhe for oposto pela entidade requerida [a AO], se na verdade assim se verifica, pois que efectivamente nunca terá acesso a esses elementos, pois que estão/estarão sempre vedados ao seu conhecimento.

Neste patamar.

Não tendo a Recorrida Ordem dos Advogados deduzido pronúncia [Resposta, nos termos do artigo 107.º, n.º 1 do CPTA] quanto à pretensão do Requerente, ora Recorrente, isto é, que em face da pretensão por si deduzida nos autos junto do Tribunal recorrido, a Recorrente a tanto não deduziu oposição, nem nada disse nos autos quanto ao pedido formulado pelo Requerente, fica este TCAN sem saber se nos processos administrativos constam, efectivamente, documentos atinentes a dados de saúde e/ou de segredo profissional do/s Advogado/s Patrono/s que lhe foram nomeados, incluindo pedidos de escusa.

É que esse conhecimento tem de ser efectivo, pois que não pode ser a Ordem dos Advogados a delimitar e qualificar a existência nesses documentos [que existam] de dados que devam ser protegidos, por serem relativos a terceiro e que só a este dizem respeito e a que o Requerente não deva ter acesso.

Na tese sustentada pelo Requerente, ora Recorrente, o mesmo deve ter acesso quer à consulta quer à emissão de certidão da documentação em causa, patenteada nos identificados processos administrativos, porque esses processos lhe dizem especialmente respeito e de que é por isso parte interessada, para além de que neles não consta documentação abrangida por dados pessoais de terceiro, de saúde ou segredo profissional [Cfr. conclusões 3 e 4 das Alegações].

Ora, não tendo a Ordem dos Advogados deduzido oposição à pretensão deduzida pelo Requerente junto do Tribunal a quo [nem junto deste TCAN, pois que não contrariou o fundamento que subjaz à pretensão recursiva do ora Recorrente] no sentido de se manter a exclusão de acesso à integralidade dos identificados processos administrativos, mas tendo-se o Tribunal recorrido [pese embora lhe ter reconhecido o direito à respectiva consulta e à emissão de certidões] interposto no sentido de que o Requerente não pode ter acesso a documento contendo dados de saúde e/ou segredo profissional de advogado/patrono [o que em tese geral e de acordo com o artigo 83.º, n.º 2 do CPA é apodíctico], sem que tenha sido prosseguida instrução que possibilitasse esse conhecimento, a decisão proferida não viabiliza o direito do Requerente a uma tutela jurisdicional efectiva, porque o coloca num patamar de incertitude.

Efectivamente, a decisão prolatada pelo Tribunal recorrido, e que visou [sem especificação] a exclusão da esfera de conhecimento do Requerente de dados de saúde e/ou de segredo profissional que aí possam ser constantes, não pode quedar-se pela mera abstracção, antes sim, tendo por base uma postura pro-actione e a fim de evitar ulteriores requerimentos de visados nos procedimentos [mormente, do Requerente ora Recorrente, ou da própria Ordem dos Advogados], devia prosseguir pela avaliação em torno de saber se se verificam os termos e os pressupostos determinantes dessa limitação de acesso, pois que têm os mesmos de ser previamente conhecidos do Tribunal [e não, relegados para apreciação discricionária da Requerida], a fim de aquilatar se existem nesse processos administrativos documentos que evidenciem concretas razões que sejam/possam ser justificadoras de uma restrição de acesso [neste sentido, Cfr. o recente Acórdão deste TCAN, prolatado no Processo n.º 1603/19.5BEPRT, datado de 15 de julho de 2020].

Assim é que, para efeitos de tomar a decisão sob recurso [na parte em que, a final, vem a limitar o direito de acesso do Requerente a informação/documentos que reputa ser-lhe devidos, quando, na realidade, não se sabe se nesses documentos estão ou não respaldados dados pessoais, mormente, dados de saúde e/ou de segredo profissional], tornava-se necessário que o Tribunal a quo, para decidir com a ambiência restritiva com que decidiu, tivesse chamado a si esses processos e analisado a sua integralidade, a fim de constatar dessa concreta existência [ou não], sendo que, verificada a existência de documento portador de “dados pessoais”, sempre os mesmos deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade, entre o que é o interesse público e o interesse particular, o que permitiria ao Tribunal a quo ter formado convicção firme e segura sobre se se justificava o acesso, condicionado/limitado, do Requerente aos referidos processos administrativos.

Por conseguinte, tem de proceder a pretensão recursiva do Recorrente, e para efeitos da prossecução de ulteriores termos, baixando os autos ao Tribunal recorrido, deve o mesmo [TAF do Porto] a) determinar a notificação da Ordem dos Advogados para lhe remeter [ao TAF], em envelope fechado e com carácter de “confidencial”, os Processos identificados no ponto 1.º do Requerimento inicial [n.ºs NP110710/2019, NP82593/2020, NP34859/2020, NP85143/2019, NP70332/2020, NP105355/2017, NP70340/2020, NP70351/2020, NP70342/2020, NP70347/2020, NP207026/2019], e b) apreciar e decidir sobre se os documentos que integram cada um desses Processos contêm dados pessoais [mormente, atinentes a dados de saúde e/ou de segredo profissional] de terceiro, cujo conhecimento deva estar vedado ao Requerente.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Informação procedimental; Intimação para passagem de certidão; Ordem dos Advogados; Apoio judiciário; Dados pessoais.

1 - Um cidadão é titular do direito à informação procedimental quando é directamente interessado num procedimento administrativo.

2 - Sendo o Requerente ora Recorrente interessado em procedimentos administrativos por si iniciados, no âmbito do quais peticiona a concessão de apoio judiciário e de entre as modalidades legalmente previstas, a atribuição de patrono [que cabe à Requerida Ordem dos Advogados indicar], e estando o mesmo a aguardar a apreciação dessa sua pretensão, ou a aguardar decisão em que foi requerida escusa no seu patrocínio pelo patrono já nomeado, tem nessa medida interesse directo e legítimo em consultar os respectivos processos administrativos, assim como o de obter certidão dos documentos que aí constem, nos termos dos artigos 82.º e 83.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPA.

3 - Para efeitos do disposto no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, quando esteja em causa o acesso a “dados pessoais” que constem desses processos administrativos, o Tribunal deve prosseguir pela avaliação em torno de saber se se verificam os termos e os pressupostos determinantes da limitação de acesso, pois que têm os mesmos de ser previamente conhecidos do Tribunal [e não, relegados para apreciação discricionária da Requerida Ordem dos Advogados], a fim de ser judicialmente aquilatado sobre se existem nesses processos documentos que evidenciem concretas razões que sejam/possam ser justificadoras de uma restrição de acesso por parte do cidadão interessado.

4 - Se o Tribunal exclui do acesso à consulta de processos e emissão de certidão os processos em que possam estar em causa dados de saúde e/ou segredo profissional de advogado/patrono, com fundamento no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, sem que tenha sido prosseguida instrução que possibilitasse esse seu conhecimento prévio, a decisão proferida não viabiliza o direito do Requerente a uma tutela jurisdicional efectiva, porque o coloca num patamar de incertitude quanto à concreta existência de dados dessa natureza.

5 - Para que o Tribunal a quo pudesse decidir com a ambiência restritiva com que decidiu, teria de ter chamado a si esses processos e analisado a sua integralidade, a fim de constatar dessa concreta existência [ou não], sendo que, verificada a existência de documento portador de “dados pessoais”, sempre estes deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade, entre o que é o interesse público e o interesse particular, o que permitiria então ao Tribunal a quo formar convicção firme e segura sobre se se justificava a limitação/condicionamento do Requerente ao conhecimento da integralidade dos elementos documentais constantes dos referidos processos administrativos.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida [na parte sob recurso], e em determinar a baixa dos autos ao TAF do Porto para os fins referidos supra.
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Sem custas.
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Notifique.
*
Porto, 08 de janeiro de 2021.


Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira