Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00325/07.4BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ALIENAÇÃO DE IMÓVEL.
Sumário:I - A inutilidade superveniente da lide, por força do disposto na alínea e) do art.º 287.º do CPC supõe a verificação ulterior à instauração da ação, de uma circunstância que claramente retire às partes o interesse em agir, tornando a instância desnecessária.
II- Formulado pedido de indemnização referente à desvalorização de um imóvel em consequência de obras levadas a cabo pelas rés, o interesse processual dos autores mantém-se ainda que os mesmos tenham, entretanto, alienado o imóvel em causa.
III. A venda do imóvel, num tal contexto, apenas será suscetível de relevar em sede probatória, em nada interferindo com a causa de pedir e com o pedido de indemnização emergente da desvalorização do imóvel em consequência das alegadas obras levadas a cabo em momento anterior à instauração da ação, continuando a instância a ser necessária à satisfação da pretensão dos autores.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JDSA...
Recorrido 1:A... e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE:
I.RELATÓRIO
JDSA... e ENJO..., inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional do despacho proferido em 04/10/2013 que, no âmbito da Ação Administrativa Comum que instauraram contra A... GRANDE PORTO – U… ESTRADAS DO GRANDE PORTO, S.A., e P... – CONSTRUTORAS DAS AUTO ESTRADAS DO GRANDE PORTO, A.C.E, em que pediram a condenação das ora Recorridas, a título de indemnização pelos danos causados pelas obras de alargamento do IC24, no pagamento (a) da quantia de €125.000,00 a título de desvalorização do imóvel onde residem e da (b) quantia que, em sede de ressarcimento dos demais danos, vier a ser apurada em sede de execução de sentença, julgou parcialmente procedente o pedido de inutilidade superveniente da lide, no que concerne ao peticionado sob a alínea a) do pedido formulado na petição inicial.
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OS RECORRENTES terminaram a respetiva alegação de recurso com as seguintes conclusões:
A. A decisão recorrida, ao reconhecer a (parcial) inutilidade superveniente da lide, com fundamento no facto de os Recorrentes terem alienado o imóvel em relação ao qual peticionaram uma indemnização (pela sua desvalorização), viola o disposto no artigo 277.º, alínea e) do (novo) CPC.
B. O pedido indemnizatório dos presentes autos não se fundamenta no direito de propriedade (actual) do imóvel mas na desvalorização que esse imóvel sofreu no ano de 2007, por força das obras de alargamento do IC 24 iniciadas meses antes.
C. A decisão recorrida, entendendo que o facto da venda do imóvel deveria, em conjunto com outros factos laterais, ter sido alegada pelas Recorrentes através de articulado superveniente e decidindo, nessa conformidade, pela inutilidade parcial da lide, viola o princípio da promoção do acesso à justiça (artigo 7.º do CPTA).
D. A decisão recorrida erra na interpretação da lei processual ao entender que era condição da manutenção do interesse dos Recorrentes na presente acção a propriedade actual do imóvel desvalorizado, porque o direito que se pretende fazer valer no presente processo decorre de um direito (indemnizatório) anterior a qualquer venda do imóvel, que lhe pré-existe e se mantém na esfera jurídica dos Recorrentes.
E. Ao contrário do decidido pela decisão recorrida, não há, no presente processo, inutilidade superveniente da lide pois isso só acontece, segundo a nossa mais alta jurisprudência, quando uma circunstância ulterior retire às partes o interesse em agir, o que, manifestamente, não se verifica.
F. É evidente que, ao contrário do que decidiu a decisão recorrida, os Recorrentes necessitam da tutela judicial e que pretendem tirar dela uma utilidade económico-jurídica, nomeadamente pelo ressarcimento dos danos sofridos pela acção das Recorridas.
G. Os Recorrentes mantêm a legitimidade e interesse na presente demanda, não havendo qualquer razão para se considerar extinta parte da presente instância, ao contrário do que decidiu a decisão recorrida que viola, por isso, o disposto no artigo 277.º, alínea e) do (novo) CPC.
H. O facto da alienação do imóvel deve ser tido em conta pelo Tribunal, ao abrigo do princípio da atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes (artigo 611.º do novo CPC), mas não constitui, de modo algum, razão para que seja declarada a extinção parcial da presente instância, como decidiu a decisão recorrida que deve, por isso, ser revogada.
I. Ao contrário do que vem sustentado na decisão recorrida, os Recorrentes não tinham qualquer dever de alegar o facto superveniente da venda do imóvel.
J. Ao ter sido alegado o facto relativo à venda do imóvel por uma das Recorridas, ele deveria ter sido atendido pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 588.º/1 do CPC, e não determinada a procedência da inutilidade superveniente da lide, que manifestamente não tem lugar.
K. A decisão recorrida, ao decidir como decidiu perante a alegação atempada de um facto jurídico superveniente – nomeadamente, eliminando da base instrutória os quesitos relativos à desvalorização do imóvel –, violou a lei processual, designadamente o artigo 588.º do CPC e o artigo 7.º do CPTA”.
Terminam, requerendo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, considerando o facto superveniente ocorrido ao abrigo do artigo 588.º e ss. do CPC, mantenha todo o petitório trazido a juízo pelas ora Recorrentes e, que em consequência (i) seja mantido o aditamento do facto A) da matéria assente, (ii) seja anulada a eliminação dos quesitos 39.º), 40.º), 41.º), 42.º) e 43.º) da base instrutória, e (iii) mantendo-se a lide como até à apresentação do facto superveniente, prosseguindo os presentes autos para julgamento com manutenção de todo o petitório formulado pelos ora Recorrentes na Petição Inicial.
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AS RECORRIDAS, apresentaram contra-alegação, concluindo do seguinte modo:
A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a excepção de inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção parcial da instância, nos termos da alínea e) do artigo 287.º, actual artigo 277.º do Código de Processo Civil.
B. Conforme resulta dos articulados oportunamente apresentados, tem a presente acção por fundamento o direito de propriedade dos Autores sobre um imóvel que, em consequência da realização de obras de alargamento do IC24, sofreu alegados prejuízos.
C. Nesta conformidade, a causa de pedir dos Autores encontra-se alicerçada, claro está, em tal direito de propriedade.
D. Sucede que, as ora Recorridas tendo tomado conhecimento que a casa dos Autores tinha sido vendida requereram, em sede de audiência de julgamento, que a Recorrente juntasse aos autos da escritura de compra e venda – o que foi realizado em momento muito posterior.
E. Da junção realizada compulsivamente pelos Autores, ficou confirmado que, de facto, os Autores haviam vendido a sua casa - facto superveniente que os Autores não deram a conhecer ao tribunal e que ocultaram até ao julgamento.
F. Nessa sequência, a douta decisão, ora objecto de recurso, não só considerou que o facto alusivo à alienação do imóvel deveria ter sido apresentado até à data da audiência de julgamento, mediante articulado superveniente – nos termos do actual artigo 588.º do CPC, como aliás, que a acção se desconfigurou, por modificação da causa de pedir em que se fundamenta, o que origina uma natural inutilidade superveniente da lide.
G. Com efeito, concluiu o Tribunal que, uma vez que à data da audiência de julgamento, os Autores já não eram proprietários do imóvel que, alegadamente, havia sido objecto de desvalorização, na sequência das obras realizadas, então já não estaria em causa na presente acção um pedido relativo a tal desvalorização, mas sim um prejuízo resultante da venda que entretanto se consumou.
H. Na verdade, a hipotética desvalorização ter-se-á tornado efectiva, pelo que o pedido que agora estaria em questão – o prejuízo resultante da venda do imóvel – acabaria por desconfigurar a causa de pedir fixada inicialmente pelos Autores.
I. Pelo que, desaparecendo o objecto da acção, o interesse processual na presente demanda perdeu o seu efeito útil, porquanto se tornou desnecessária a tutela judicial de qualquer direito dos Autores.
J. Acresce que, deveriam os Autores ter apresentado tempestivamente, isto é, até à data de audiência de julgamento, articulado superveniente, nos termos do qual fosse referida a venda e a condicionantes que a rodearam, em virtude da alegada desvalorização.
K. Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 588.º do actual Código de Processo Civil (doravante CPC), “Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”.
L. Na verdade, como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Setembro de 1999, “A intempestividade da apresentação de um articulado superveniente constitui uma excepção dilatória, pelo que a decisão que o desatende constitui uma absolvição da instância em relação ao pedido constante desse articulado”.
M. Resulta assim à evidência, o mérito da douta decisão recorrida que deverá, por isso, ser mantida”.
Terminam, requerendo a manutenção do despacho recorrido.
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O MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do C.P.T.A., não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1 MATERIA DE FACTO
Em aplicação do disposto no nº 6 do artº 663º do CPC, remete-se a matéria de facto, não impugnada, para os termos em que foi decidida pela 1ª instância.
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II. 2 DO DIREITO
QUESTÕES DECIDENDAS
(1) Cumpre apreciar as questões suscitadas pelos ora Recorrentes, o que deverá ser efetuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
(2) São as conclusões das alegações do recurso que definem o seu objeto e, por essa via, que delimitam a esfera de intervenção do tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
(3) Assim sendo, considerando as conclusões de recurso apresentadas pelos Recorrentes está em causa saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por ter julgado parcialmente inútil a ação instaurada pelos ora Recorrentes contra as Recorridas, quanto ao pedido de indemnização formulado sob a alínea a) do petitório e relativo à alegada desvalorização do prédio descrito sob a alínea A) da matéria de facto assente, decorrente do facto dos ora Recorrentes terem vendido o aludido imóvel em 2013.
(4) Na sentença recorrida considerou-se que «Na Petição Inicial, os Autores realizam dois pedidos, a título de indemnização pelos danos causados com o alargamento do IC 24, a saber:
a) da quantia de €125.000,00, a título de desvalorização do imóvel onde residem os Autores;
b) da quantia que, em ressarcimento de todos os demais danos, vier a ser apurada em sede de execução de sentença.
Na Petição Inicial os Autores invocam a propriedade do imóvel em causa e sua desvalorização em função das obras do alargamento do IC 24. Ora, salvo melhor entendimento, com a venda do imóvel ocorreu um facto modificativo do direito dos Autores, no que concerne à alegada desvalorização. Assim, a invocada desvalorização deixou de ser hipotética, passando a ser efectiva (a aceitar-se a tese dos Autores). Desta forma, com a venda, ocorre o único facto que poderia demonstrar a validade da sua tese. Assim, deviam os Autores terem apresentado, em devido tempo, um articulado superveniente nele referindo a venda, pedido inicial do valor da venda, dificuldades do negócio por causa do IC 24, tempo de demora da venda por causa do IC 24, preço final, etc. Ora, tal articulado podia e devia ter sido apresentado até ao início da audiência de discussão e julgamento, conforme resulta do regime do então artigo 506.º do CPC, uma vez que a venda foi realizada antes da audiência de julgamento, pelo que deveria ter sido até ao início da mesma deduzido tal articulado superveniente.
Para além disso, na data da audiência de julgamento já os Autores não eram proprietários, pelo que da forma como se encontrava configurada a acção não podiam já pedir uma desvalorização da sua casa, mas antes um prejuízo na venda da mesma; o que desconfigura totalmente a causa de pedir.
Assim, no que concerne à alegada desvalorização do imóvel ocorre uma inutilidade (senão impossibilidade) superveniente da lide, por a causa de pedir passar a ser outra e, consequentemente o pedido.
No que concerne ao peticionado sob a alínea b) do petitório, que corresponde à causa de pedir relativa a alegados danos morais, mantém a mesma validade, uma vez que foram factos pessoais vividos pelo agregado familiar, que a mudança de titular do imóvel não preclude. Assim, como não ficam precludidos os alegados danos decorrentes de eventuais reparações e possível limpeza que os Autores tivessem de realizar, em função dos alegados estragos e invocada sujidade.
Face ao exposto, decide-se:
1. Julga-se parcialmente procedente o pedido de inutilidade superveniente da lide, no que concerne ao peticionado sob a alínea a) do pedido realizado a final da Petição inicial.
2. Julga-se improcedente o pedido de inutilidade superveniente da lide em relação ao peticionado sob a alínea b) do petitório».
(5) No modo de ver dos ora Recorrentes, a decisão recorrida errou rotundamente quanto à aplicação da lei processual, uma vez que a venda do identificado imóvel em nada alterou os pedidos formulados, mantendo-se intocados os seus interesses na lide, pelo que a mesma conserva toda a sua utilidade.
Vejamos.
(6) A inutilidade superveniente da lide, por força do disposto na alínea e) do art.º 287.º do CPC supõe a verificação ulterior à instauração da ação, de uma circunstância que claramente retire às partes o interesse em agir, ou seja, que o autor, em consequência do facto superveniente, não vá tirar da lide qualquer utilidade, por a eventual procedência da ação não originar nenhuma modificação da situação concreta sujeita à apreciação do tribunal.
(7) Conforme bem se refere no Ac. deste TCAN, de 10.01.2013, proferido no processo n.º 01844/07.8BEPRT, em que foi relator o então senhor desembargador José Veloso «A utilidade da lide está, pois, correlacionada com a possibilidade de obtenção de efeitos úteis, pelo que a sua extinção, com base em inutilidade superveniente, só deverá ser declarada quando se possa concluir que o prosseguimento da acção não trará quaisquer consequências benéficas para o autor. Tal declaração exige, assim, que o juiz esteja em condições de fazer um juízo apodíctico acerca da total inutilidade superveniente da lide.
(…) Na lição de saudoso mestre, a inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do respectivo processo, consubstanciando aquilo que na doutrina se designa por modo anormal de extinção da instância, visto que a causa normal é a sentença de mérito [Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume III, páginas 364 e seguintes; Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume I, página 512]»- neste sentido, vide, entre outros, AC TCAN de 15.03.2007, Rº02101/04; AC TCAN de 14.06.2007, Rº00640/05; AC TCAN de 06.12.2007, Rº00429/04. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ver, com interesse, AC de 30.09.97, Rº39858 [comentado por Mário Aroso de Almeida, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº8, páginas 49 a 56]; AC STA de 23.09.1999, Rº42048; AC STA de 28.09.2000, Rº46034; AC STA de 19.12.2000, Rº46306; AC STA de 18.01.2001, Rº46727; AC STA de 09.01.2002, Rº46557; AC STA de 15.01.2002, Rº48343; AC STA de 29.05.2002, Rº47745; AC STA/Pleno de 30.10.2002, Rº38242; e AC STA de 20.10.2011, Rº0941/10.
(8) Isto dito, compulsados os elementos que instruíram o recurso em apreciação, verifica-se que a Recorrida, em sede de audiência de julgamento, juntou aos autos certidão do registo predial, referente ao prédio identificado na alínea A) da matéria de facto assente, como sendo propriedade dos autores, ora Recorrentes, da qual resulta que os mesmos, no ano de 2013, alienaram o referido imóvel, requerendo, em consequência, a inutilidade superveniente da lide.
(9) Ora, o pedido formulado sob a alínea a) do petitório respeita à desvalorização do prédio identificado na alínea A) da matéria de facto assente, em consequência das obras de alargamento do IC24, pelo que, o que estará em causa apurar no âmbito da ação, é saber se à data em que a presente ação foi intentada [06.02.2007] o referido prédio tinha sofrido, efetivamente, uma desvalorização em consequência de tais obras, na ordem dos €125.000,00, o mesmo é dizer, qual era o valor do imóvel dos Recorrentes antes das obras e qual passou a ser o seu valor, após a realização de tais obras, tendo em conta a data em que a presente ação foi instaurada (ano de 2007).
(10) E sendo assim, afigura-se-nos que a venda posterior do mesmo prédio não releva para o objeto da presente lide, não sendo a propriedade atual do imóvel condicio sine qua non para que os Recorrentes mantenham o seu interesse processual na presente lide, como melhor cuidaremos de explicitar.
(10) É que, os Recorrentes mantêm o seu interesse na atribuição da indemnização que requereram, e as razões em que os mesmos assentaram o pedido indemnizatório mantêm-se inalteradas.
(11) Não pode aceitar-se o argumento perfilhado pela sentença recorrida, segundo o qual, não sendo os autores, ora Recorrentes, proprietários do imóvel à data da audiência de julgamento, então já não estará em causa um pedido de desvalorização desse imóvel em consequência das mencionadas obras mas antes um prejuízo resultante da venda desse imóvel, que entretanto se consumou, ou noutra formulação, que a hipotética desvalorização ter-se-á tornado efetiva pelo que o pedido que agora estaria em questão seria o resultante da venda do imóvel.
(12) Não é pela circunstância dos autores, ora Recorrentes, terem vendido o imóvel em causa, que deixou de existir a desvalorização que alegam que o imóvel sofreu em consequência das obras realizadas pelas rés, ora Recorridas. Independentemente dos autores, ora Recorrentes terem vendido o aludido prédio, e independentemente de terem feito um bom ou mau negócio, ou quiçá, veja-se de o terem doado, o facto objectivo que ao tribunal a quo incumbe apurar é saber se o mesmo sofreu ou não a desvalorização que é invocada pelos autores, ora Recorrentes, em consequência das referidas obras, donde a sua alienação e as condições em que a mesma se processou poder relevar, apenas, em sede probatória.
(13) Em suma, a alienação do imóvel não é um motivo atinente ao objeto da presente lide que inviabilize a pretensão dos Recorrentes, em nada interferindo quer com a causa de pedir, quer com os pedidos formulados. Não é pelo facto de os Recorrentes terrem vendido esse imóvel, reafirma-se, que se extingue o direito à indemnização que reclamam pela desvalorização que o prédio alegadamente sofreu após a realização das ditas obras.
(14) Afigura-se-nos claro que na situação sub judice, os Recorrentes preservam a possibilidade de retirarem da lide uma utilidade económico-jurídica, consubstanciada, veja-se, no ressarcimento dos danos sofridos em consequência das obras de alargamento do IC24 promovidas pelas Recorridas, sendo que os Recorrentes terão legitimidade para obterem tal indemnização, uma vez que foram os mesmos que sofreram os alegados danos atinentes à depreciação do imóvel, nas circunstâncias alegadas na p.i.
(15) Por fim, os Recorrentes afirmam que, ao contrário do que vem sustentado na decisão recorrida, não tinham qualquer dever de alegar o facto superveniente da venda do imóvel e que ao ter sido alegado o facto relativo à venda do imóvel por uma das Recorridas, ele deveria ter sido atendido pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 588.º/1 do CPC, e não determinada a procedência da inutilidade superveniente da lide, que manifestamente não tem lugar, concluindo que a decisão recorrida, ao decidir como decidiu perante a alegação atempada de um facto jurídico superveniente – nomeadamente, eliminando da base instrutória os quesitos relativos à desvalorização do imóvel –, violou a lei processual, designadamente o artigo 588.º do CPC e o artigo 7.º do CPTA.
(16) Em primeiro lugar importa salientar que tendo a decisão recorrida sido proferida em momento anterior à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, é a versão anterior do CPC aquela à luz da qual as questões processuais colocadas têm de ser apreciadas.
(17) O facto referente à venda do imóvel identificado na alínea A) da matéria de facto assente, por não se traduzir na superveniência de um facto constitutivo, modificativo ou extintivo dos direitos que os autores, ora Recorrentes, pretendem ver reconhecidos com a instauração da presente ação, como resulta do que supra tivemos o ensejo de explicitar, não tinha de ser alegado pelos mesmos, em sede de articulado superveniente, nos termos previstos no artigo 506.º do CPC.
(18) É que, através de um articulado superveniente apenas pode ser invocada uma nova causa de pedir ou uma nova exceção, o que, claramente, o facto traduzido na venda do sobredito imóvel não representa no âmbito da presente lide. Tal facto [traduzido na venda do imóvel] poderá, quando muito, relevar em sede probatória, veja-se, designadamente, para apuramento do quantum indemnizatório a fixar no que concerne à alegada desvalorização do imóvel em consequência das obras levadas a cabo pelas rés, ora Recorridas.
(19) E sendo assim, não traduzindo a mencionada venda a superveniência de um facto constitutivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores, ora Recorrentes, a mesma não tem de ser atendida pelo tribunal nos termos do invocado art.º 663.º do CPC, uma vez que, nos termos da referida norma, as eventualidades supervenientes a considerar só podem ser aquelas que se traduzam em factos constitutivos, modificativos ou extintivos ocorridos até ao encerramento da discussão, podendo, quando muito, relevar como fundamento probatório.
(20) Segundo Alberto dos Reis (cfr. RLJ, 84.º-6 e ss), o art.º 663.º do CPC não pode ser aplicado por maneira a produzir alteração na causa de pedir. «O que há fundamentalmente no art.º 663.º é uma regra de conteúdo substancial. Quando a lei diz – o tribunal deve tomar em consideração, no julgamento, os factos constitutivos ou extintivos do direito que se produzirem posteriormente à proposição da acção- dita um comando que há-de ser aplicado em conformidade com as disposições do direito substantivo reguladoras da relação jurídica litigiosa. Essas disposições é que nos hão-de dizer se o facto superveniente tem realmente as características de facto constitutivo ou de facto extintivo do direito feito valer pelo autor.
A lei de processo só intervém para determinar: 1.º - Que o facto superveniente há-de conter-se na causa de pedir alegada pelo autor ou pelo réu; 2.º- Que esse facto há-de produzir-se até ao encerramento da discussão»- cfr. nota 5, pág.930 do CPC anotado por ABILIO NETO, 21.ºa edição, fevereiro/2009.
(21) Assim sendo, impera concluir que a decisão recorrida, ao decidir como decidiu e com os fundamentos com que o fez, merece censura, não devendo ser mantida na ordem jurídica.
Neste sentido se decide.
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III- DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
1. Conceder provimento ao recurso jurisdicional;
2. Revogar a decisão recorrida.
Custas a cargo das Recorridas.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 131º nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
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Porto, 15 de Julho de 2014
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves