Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00168/11.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:REVERSÃO, INSUFICIÊNCIA DE BENS, PROVA DA EXISTENCIA DE BENS
Sumário:1- A reversão contra o responsável subsidiário depende da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia tendo por base a recolha de elementos objectivos.

2- Incumbe ao exequente o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, de acordo com o previsto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e artigo 342.º, n.º1 do Código Civil, demonstrar que não existiam bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.

3- Se o exequente demonstrar o preenchimento desses pressupostos passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquele não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão .

4- Recorrendo apenas à prova testemunhal não é possível fazer a demonstração da existência e propriedade de bens móveis da primitiva devedora, ou seja, a convicção do Tribunal a quo não pode alicerçar-se, no que tange à existência de tais bens, apenas e só no depoimento das testemunhas, impunha-se que o Recorrido em observância do dever de colaboração tivesse exibido os documentos contabilísticos comprovativos quer da existência daqueles bens, quer da sua propriedade por parte da devedora originária.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social
Recorrido 1:P.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo do Norte
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I – RELATÓRIO

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida em 30/03/2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a oposição deduzida por P. na qualidade de revertido, no âmbito dos processos de execução fiscal nº 0601200501016369 (e apensos) e nº 0601200601143590 (e apensos) a correr termos nos serviços do IGFSS contra a sociedade “O., Lda.”, por dívidas de Contribuições e Cotizações, deduziu o presente recurso, formulando nas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“Conclusões:
1. A Sentença proferida em 30 de Março de 2021 no âmbito do processo 168/11.0BECBR pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que determinou a procedência da oposição apresentada padece de manifesto erro de julgamento e de erro notório da avaliação da prova;
2. A dívida em execução e constante dos processos 0601200501016369 (e apensos) e 0601200601143590 (e apensos) ascendia, à data da reversão, a € 36.081,96 a que acresciam juros de mora e custas processuais
3. Nos termos do n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT o chamamento à execução mediante o mecanismo da reversão depende da verificação ou da inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.”
4. De acordo com o facto provado D) a Secção de Processo de Coimbra constatou que a sociedade não possuía imóveis, bens móveis sujeitos a registo e que as penhoras bancárias ordenadas foram infrutíferas;
5. Devidamente notificado para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia à reversão contra si das dívidas em execução, o Oponente nada disse quanto à eventual existência de património da devedora originária (facto provado I);
6. Somente em sede de Oposição veio colocar a questão e em termos genéricos, mencionando a obrigação de averiguação da existência de bens pelo órgão de execução mas nada juntando que levasse aquele a rever a sua decisão no âmbito do artigo (à data) 208.º, n.º 2 do CPPT;
7. Não pode a M. Juiz concluir, como fez, que o órgão de execução fiscal não cumpriu com o seu dever de averiguações ao não se deslocar às instalações da sociedade para averiguar da existência de bens móveis e dar como provada a sua existência com base na alínea T) do probatório;
8. Isto porque, de acordo com a motivação constante da sentença proferida “quanto à factualidade inserta sob as alíneas O), R), T) e U) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das três testemunhas inquiridas”;
9. A existência de bens móveis deve ser atestada, em primeira linha, através da respectiva documentação contabilística e só, como complemento desta, através de prova testemunhal (nesse sentido acórdão do TCA Norte de 12/01/2006 proferido no processo 00005/02 Braga);
10. Tanto assim é que o teor do facto provado T) é que os bens estariam na sede da sociedade e ao uso desta e não que seriam sua propriedade;
11. E não seria uma visita às instalações duma sociedade pelo órgão de execução fiscal que atestaria que quaisquer bens que aí estivessem fossem sua propriedade;
12. Nos termos do n.º 3 do artigo 23.º da LGT “Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei.”
13. E como bem diz o acórdão do TCA Norte de 7/07/2016 proferido no processo 0899/15.6BECBR “da interpretação conjugada do n.º 2 e 3 do artigo 23.º da LGT resulta que é possível emitir o despacho de reversão em momento prévio à excussão dos bens do devedor originário. Com efeito, a letra da lei não deixa margem para dúvidas quanto a essa possibilidade quando integra as expressões “bens penhoráveis” e “sem benefício da excussão”, no n.º 2 do artigo 23.º, o que só faz sentido se a reversão ocorrer antes da excussão; de igual modo, a possibilidade de “suspensão” da reversão prevista no n.º 3 do mesmo artigo só se compreende na situação em que, antes da excussão, já houve reversão, caso contrário seria desprovida de sentido útil…;
14. E ainda “apurada e provada a insuficiência dos bens da devedora originária, havendo apenas uma “dúvida residual” quanto ao exacto montante dessa insuficiência, o órgão de execução fiscal pode avançar para a reversão, embora com suspensão da execução quanto ao revertido até que seja excutido o património daquele”.;
15. Do atrás exposto resulta que, ainda que resultasse provada a titularidade pela devedora originária de “3 a 4 computadores, monitores, mobiliário de escritório, uma fotocopiadora, um fax, uma “guilhotina”, um “plotter” e programas informáticos, sempre se teria de concluir que os mesmos somente originariam uma “dúvida residual” quanto ao montante da insuficiência do património o que não seria impeditivo da reversão operada.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta decisão proferida em 30 de Março de 2021 e substituída por outra que mantenha a reversão operada, assim se fazendo JUSTIÇA.
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O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
1. Segundo o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, dependendo a reversão contra o responsável subsidiário da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
2. E segundo art. 153º n.º 2 do CPPT, o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
3. Por outro lado, porque cabe ao exequente o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários pela dívida exequenda, revertendo a execução contra eles, cabe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos legais dos quais depende essa reversão, pela demonstração de que não existem bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles são fundadamente insuficientes para a satisfação da dívida exequenda e acrescido. Ou seja, o ónus de averiguação e prova dos requisitos constitutivos do direito à reversão da execução, designadamente quanto à inexistência ou insuficiência dos bens do executado originário, não cabe ao responsável subsidiário mas, antes e em primeira linha, à exequente.
4. A al. b) do art.º 153º do CPPT, complementando o n.º 2 do art.º 23º da LGT, esclarece que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros que a AT disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido, sendo certo que, para que a insuficiência se poder considerada demonstrada é necessário que os elementos em que assenta o juízo sobre ela permitam em termos lógicos, retirar essa conclusão, o que, normalmente, exigirá que seja feita uma averiguação - Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 5ª edição, Vol. II, pág. 49.
5. Verifica-se de forma cristalina que a exequente não realizou todas as diligências que estavam ao seu alcance, para efeitos de localização de bens penhoráveis da devedora originária, bem sabendo que esta à data da reversão se encontrava em actividade, podendo e devendo dirigir-se às instalações da sociedade para aferir do seu património mobiliário ou quando muito solicitar à AT o envio dos mapas de amortização dos bens, para posteriormente decidir pela suficiência ou insuficiência do património que teria que sempre constar do auto de penhora.

Consequentemente devem Vªs Exªs julgar improcedente o recurso apresentado, com as legais consequências, assim se fazendo justiça.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais dos Senhores Desembargadores-Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações nos termos do disposto no art. 608º, 635º, nº 3 e 4 ambos do CPC, aplicável ex vi do art. 2º, alínea e) e 281º do CPPT, sendo que importa analisar se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por errada valoração da prova e, consequentemente, da matéria de direito.
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III. Fundamentação

1. Matéria de facto

“A) Contra “O., LDA.”, NIPC (…), foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0601200501016369 e apensos da SPE de Coimbra, do IGFSS,IP, para cobrança de dívida respeitante a contribuições, relativa aos anos de 2005 a 2010 – conforme documentos a folhas 19 a 26 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) Contra “O., LDA.”, NIPC (…), foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0601200601143590 e apensos da SPE de Coimbra, do IGFSS,IP, para cobrança de dívida respeitante a cotizações, relativa aos anos de 2005 e 2007 a 2010 – conforme documentos a folhas 27 a 32 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) Na matrícula da sociedade a que se alude em A) e B) foram efetuadas as seguintes inscrições:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» – conforme documento a folhas 52 a 56 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
D) Em 17.12.2010 foi prestada, no âmbito dos processos a que se alude em A) e B), informação da SPE de Coimbra do IGFSS, IP, sob o assunto “Projecto de Decisão – Reversão”, da qual consta conforme segue:

«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 63 e 64 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

E) O IGFSS, IP requereu “providência cautelar de arresto” contra o Oponente – conforme documento a folhas 235 e seguintes do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) A “providência cautelar” a que se alude em E) correu termos sob o processo n.º 675/10.2BECBR, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, o qual se encontra findo – conforme consulta do SITAF;
G) No âmbito do processo a que se alude em F) foi proferida sentença datada de 15.11.2010, da qual consta conforme segue:

«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documentos a folhas 340 a 347 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

H) A SPE de Coimbra do IGFSS, IP dirigiu ao Oponente, no âmbito dos processos a que se alude em A) e B), ofício datado de 17.12.2010, sob o assunto “Notificação para exercício de Audição Prévia em sede de Reversão”, acompanhado dos documentos denominados “Notificação Audição Prévia” e “Notificação de Valores em Dívida”, do qual consta conforme segue:

«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documentos a folhas 66 a 74 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

I) Em 30.12.2010 foi recebido na SPE de Coimbra do IGFSS, IP, no âmbito dos processos a que se alude em A) e B), requerimento em nome do Oponente, sob o assunto “Notificação para exercício de Audição Prévia em sede de Reversão”, do qual consta conforme segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 75 e seguintes do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

J) A SPE de Coimbra do IGFSS,IP dirigiu ao Oponente, no âmbito do processo a que se alude em A), documento denominado “Citação (Reversão)”, do qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documento a folhas 382 e 383 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

K) A SPE de Coimbra do IGFSS, IP dirigiu ao Oponente, no âmbito do processo a que se alude em B), documento denominado “Citação (Reversão)”, do qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documentos a folhas 376 a 381 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

L) A SPE de Coimbra do IGFSS,IP dirigiu ao Oponente, no âmbito dos processos a que se alude em A), documento datado de 05.01.2011, sob o assunto “Citação em Reversão”, do qual consta conforme segue:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)» - conforme documentos a folhas 375 a 383 e 424 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

M) O documento a que se alude em L) foi recebido em 10.01.2011 – conforme documentos a folhas 423 e 424 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) Nos períodos de pagamento das dívidas da sociedade a que se alude em A) e B), as decisões relativas à gestão da mesma sociedade cabiam ao Oponente – por admissão;
O) No decurso da respetiva atividade, a sociedade a que se alude em A) e B) sentiu dificuldades financeiras, motivadas por dívidas de clientes;
P) As dificuldades financeiras a que se alude em O) iniciaram a partir dos cinco anos, após o início da atividade da sociedade a que se alude em A) e B);
Q) As dificuldades financeiras a que se alude em O) agravaram-se nos anos de 2004 e 2005;
R) O Oponente encetou diligências com vista à cobrança judicial de uma dívida da sociedade a que se alude em A) e B), relativa ao ano de 2010;

S) No decurso da atividade da sociedade a que se alude em A) e B) o Oponente utilizou dinheiro próprio e do seu agregado familiar para satisfazer obrigações da mesma sociedade;
T) Nos anos de 2010 e 2011 encontravam-se nas instalações da sociedade a que se alude em A) e B), ao serviço da respetiva atividade, 3 a 4 computadores, monitores, mobiliário de escritório, uma fotocopiadora, um fax, uma “guilhotina”, um “plotter” e programas informáticos;
U) No decurso da atividade da sociedade a que se alude em A) e B), foram utilizados ao serviço da mesma dois veículos automóveis: um da marca “Ford”, modelo “Focus” e outro da marca “Mercedes Benz”;
V) A petição inicial da oposição foi remetida à SPE de Coimbra do IGFSS, IP em 27.01.2011 – conforme documento a folhas 427 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
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III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
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III.3. MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados, bem como, com base na respetiva admissão em juízo por parte do Oponente (cfr. artigo 22.º da petição inicial).
Quanto à factualidade sob as alíneas O) a U) do probatório, a convicção do Tribunal formou-se, ainda, com base no depoimento das testemunhas inquiridas, as quais depuseram com segurança e coerência tendo-se, por isso, e atenta a respetiva razão de ciência, mostrado credíveis e convincentes ao Tribunal.
Em particular, quanto à factualidade inserta sob as alíneas O), R), T) e U) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das três testemunhas inquiridas.
Quanto à factualidade sob a alínea P) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento da testemunha C..
Quanto à factualidade sob a alínea Q) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento da testemunha A..
Quanto à factualidade sob a alínea S) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das referidas testemunhas C. e A..”
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4 – O DIREITO

Cumpre, agora, apreciar o recurso que nos vem dirigido.

Decorre dos autos que P., na qualidade de executado por reversão, deduziu oposição judicial nos processos de execução fiscal nº 0601220051016369 e apensos e nº 0601200601143590 e apensos, instaurados no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, por dívidas de Contribuições e Cotizações, em que é originária devedora a sociedade «O., Lda.».
Tendo por base a factualidade tida como provada e não provada transcrita no probatório, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra veio a decidir pela procedência da oposição, com fundamento, no essencial, em que, cabendo ao IGFSS, IP, enquanto titular do direito de reversão, o ónus de demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes, entendeu que no caso em apreço, aquele ónus não foi cumprido pois « (…) o órgão de execução fiscal deveria ter empregue um maior esforço instrutório, nomeadamente, efetuando uma visita às instalações da devedora originária a fim de averiguar da existência de bens móveis penhoráveis, sendo que, apenas após a realização da aludida diligência poderia o órgão de execução fiscal concluir, conforme fez, pela insuficiência daqueles para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. (…) o órgão de execução fiscal não evidenciou nos autos ter esgotado todas as diligências possíveis, devendo ter ido mais longe no âmbito da instrução levada a cabo, de molde a poder considerar-se a mesma completa e “aprofundada” .».

Discorda o Recorrente de assim decidido sustentando, em síntese, que ocorre manifesto erro de julgamento e erro notório na avaliação da prova, uma vez que a alegada existência de bens móveis deve ser atestada, em primeira linha, através da respectiva documentação contabilística e só, como complemento desta, através de prova testemunhal (conclusões 1 a 10 do recurso).
Assim, o Recorrente censura o veredicto que fez vencimento na primeira instância.
Invoca, pois, o erro de julgamento na apreciação da matéria de facto.

Por outra banda, defende que ainda que resultasse provada a titularidade pela devedora originária de “3 a 4 computadores, monitores, mobiliário de escritório, uma fotocopiadora, um fax, uma “guilhotina”, um “plotter” e programas informáticos, nas instalações da primitiva devedora”, sempre se teria de concluir que os mesmos somente originariam uma “dúvida residual” quanto ao montante da insuficiência do património o que não seria impeditivo da reversão operada (conclusões 11 a 15 do recurso).
Dito isto, vejamos se assiste razão ao Recorrente, analisando o regime da responsabilidade subsidiária instituído na Lei Geral Tributária (LGT), que de resto não se mostra questionado.

Convocando as disposições legais a considerar para o exame da questão, cumpre dar nota que de acordo com o artigo 23.º, nºs 1 e 2 da LGT:

«1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão

Por seu turno, no artigo 153.º, nº 2 do CPPT, estabelece que:

«2 - O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido

Dos normativos atrás transcritos, resulta que a reversão contra o responsável subsidiário depende, no que aqui importa considerar, da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia tendo por base a recolha de elementos objectivos.

Assim, incumbe ao exequente o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, de acordo com o previsto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e artigo 342.º, n.º1 do Código Civil, demonstrar que não existiam bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.

Se o exequente demonstrar o preenchimento desses pressupostos passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquele não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão (Neste sentido, vide entre muitos outros: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.07.2015, proferido no processo n.º 08792/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Atenda-se, a este propósito, que o Supremo Tribunal Administrativo Tribunal vem considerando, que «(…) A alínea b) do nº 2 do art. 153º do CPPT complementando aquele nº 2 do art. 23º da LGT, vem esclarecer que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas).» (Acórdão de 11.04.2018, proferido no processo n.º 0140/17, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Efectivamente, pese embora o disposto no artigo 153.º, n.º 2, alínea b) do CPPT, não concretize o conceito de «fundada insuficiência» dos bens do devedor originário, o legislador avançou todavia com critérios passíveis de ser prosseguida essa avaliação, como sejam «os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha».

Baixando, agora, ao caso dos autos, constatamos, tal qual resulta da al. D) do probatório, que em 17/12/2010 foi prestada informação da SPE de Coimbra do IGFSS, IP, sob o assunto “projecto de decisão-reversão” onde se refere “2.Atendendo ao resultado das diligências de penhora/apreensão de bens da executada originária para garantia/satisfação das dívidas em apreço, patenteado nos autos, permite a conclusão de manifesta insuficiência de bens penhoráveis: 2.1 inexistência de bens imóveis (consulta CDF-Património); 2.2 Inexistência de bens móveis (consulta à BD SPE Veículos); 2.3 A solicitação de penhora em diversas instituições bancárias foi infrutífera”.

Na notificação para o exercício do direito de audição em sede de reversão feita ao Recorrido/Oponente (cfr. al. H) do probatório) é dito que “Nos termos e para os efeitos do disposto nº artigo 153º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), foram compulsados todos os dados constantes nos Sistemas de Execuções fiscais e de Identificação e Qualificação, designadamente na procura de património suficiente para garantir o ressarcimento do valor em dívida do executado, tendo-se apurado o seguinte: Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de accionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o nº 2 do art- 153º do CPPT”.

O Oponente/Recorrido notificado nos moldes supra referidos veio a exercer o direito de audição (cfr. al. I) do probatório), sendo certo que na pronúncia que apresentou não questionou a aventada insuficiência do património da primitiva devedora para solver a dívida exequenda declarada pelo, ora, Exequente/Recorrente e, por outro lado, nada aduziu no sentido de indicar, afinal, a existência de bens móveis nas instalações da primitiva devedora para que pudessem ser penhorados, mormente aqueles que as testemunhas indicaram como existentes em sede de inquirição (cfr. al. T) do probatório).

Por outra banda, dos autos também não resulta a existência de qualquer documento, contabilístico ou outro (ex. facturas de aquisição dos ditos bens móveis emitidas em nome da primitiva devedora) que comprovem a existência e propriedade dos bens.

Efectivamente, em sede de petição inicial, o Oponente não apresentou qualquer prova da existência de bens móveis da primitiva devedora, não enunciou, sequer, os bens que foram referidos pelas testemunhas, limitando-se a enunciar um dever genérico do órgão de execução fiscal de averiguação da existência de bens, mas nada juntando que levasse aquele a rever a sua decisão no âmbito do artigo 208.º, n.º 2 do CPPT.

Ora, é sabido que não há impedimento legal de que a prova da existência de património social suficiente para garantir o pagamento das dívidas exequendas seja feita através de testemunhas, uma vez que, o artigo 115º do CPPT estipula que no processo judicial tributário (como é o caso do processo de oposição) são admitidos todos os meios de prova, tal como o próprio art. 211º nº 2 do mesmo Código (que regula o processo de oposição) também dispõe. E, por outro lado, não resulta das normas gerais sobre as provas, constantes do Código Civil, a inadmissibilidade dessa prova testemunhal, sabido que o seu art. 393º apenas proíbe este meio de prova nos casos em que a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, ou quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena, o que não é manifestamente o caso dos autos.

No entanto, e para prova da existência de bens móveis da primitiva devedora, tal prova (testemunhal) desacompanhada da correspondente prova documental não se mostra suficiente para firmar convicção.

Concretizemos, apelando para o efeito ao que é dito no Acórdão do TCAN de 16/06/2005, proferido no âmbito do processo 0445/04 Disponível in: www.dgsi.pt. , onde se diz “Trata-se de um facto que, pela sua natureza, dificilmente logrará comprovação através da simples prova testemunhal desacompanhada de quaisquer elementos documentais que a ampare, isto é, desacompanhada de elementos da escrita ou da contabilidade da sociedade comprovativos de que esta possuía no seu património os apontados bens (móveis), como seja a documentação relativa à sua aquisição ou ao seu pagamento, ou a demonstração da sua contabilização no activo imobilizado da empresa.”.

Quer isto significar, que recorrendo apenas à prova testemunhal não é possível fazer a demonstração da existência e propriedade de bens móveis da primitiva devedora, ou seja, a convicção do Tribunal a quo não pode alicerçar-se, no que tange à existência de tais bens, apenas e só no depoimento das testemunhas, impunha-se que o Recorrido em observância do dever de colaboração tivesse exibido os documentos contabilísticos comprovativos quer da existência daqueles bens, quer da sua propriedade por parte da devedora originária.
Relembre-se que o Recorrido em sede de audição prévia ao projecto de reversão não indicou a existência de bens da devedora originária com vista à sua penhora, assim como, na petição inicial que apresentou também nada disse, pois pela simples leitura de tal peça processual detecta-se que não nomeou a existência dos bens referidos pelas testemunhas, nem juntou a competente prova contabilística/documental da sua existência.

Por outra banda, temos para nós que a verificação da circunstância consubstanciada na inexistência de bens penhoráveis do devedor, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, supra citada, basta-se com a consulta das bases de dados em uso na AT (no caso, do IGFSS,IP) e com a elaboração de informação dos serviços aludindo à consulta efectuada e aos resultados dessa consulta Neste sentido cfr. Acórdão do TCAS de 22/10/2020, processo 394/13.8BEALM, disponível in: www.dgsi.pt. , ao que acresce, que foram encetadas diligências junto de várias instituições bancárias para aferir da existência de contas em nome da devedora originária para eventual penhora, o que se revelou infrutífero.

Tal significa que, in casu, o Órgão de Execução fiscal fez o que lhe era exigido quanto à demonstração do pressuposto correspondente à inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (cfr. nº 2 do artigo 23.º da LGT e nº 2 do artigo 153.º do CPPT).

Assim, não podemos assentir com o Tribunal a quo quando defende que “o órgão de execução fiscal deveria ter empregue uma maior esforço instrutório, nomeadamente, efectuando uma visita às instalações da devedora originária a fim de averiguar da existência de bens móveis penhorados, sendo que, apenas após a realização da aludida diligência poderia o órgão de execução fiscal concluir, conforme fez, pela insuficiência daqueles para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”, sendo manifesto o erro de julgamento da matéria de facto por errada valoração da prova.

Por conseguinte, recuperando todas as ocorrências verificadas no processo executivo, tal como evidenciámos, e considerando que incumbia ao Recorrente averiguar efectivamente sobre o pressuposto da reversão que vimos analisando, para a partir daí poder extrair uma conclusão fundada e segura sobre a insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e sustentar a legalidade da reversão contra o devedor subsidiário, e que tal foi efectivamente feito, não podemos deixar de concluir, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na valoração que fez da prova existente nos autos. E assim sendo, não pode a sentença, com esse fundamento, manter-se na ordem jurídica, pois verificando-se a inexistência ou a fundada insuficiência do património do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido, que o mesmo foi gerente de facto e de direito, tal qual afirma no ponto 22º da petição inicial e que nada provou no que concerne à culpa, mostram-se reunidos os pressupostos da reversão da dívida exequenda contra o Recorrido.

Assim sendo, resta concluir que o recurso procede em todas as suas conclusões.

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5- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição totalmente improcedente.
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Custas a cargo do Recorrido.
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Porto, 2021-07-08


Maria Celeste Gomes Oliveira
Carlos de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos

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i) Disponível in: www.dgsi.pt.

ii) Neste sentido cfr. Acórdão do TCAS de 22/10/2020, processo 394/13.8BEALM, disponível in: www.dgsi.pt.