Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00233/11.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
REQUISITOS
ÓNUS DA PROVA
BENS PENHORÁVEIS
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
Sumário:I. Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
II. De acordo com o disposto nos artigos 342º do CC, 74º, nº 1 da LGT e170º, nº 3 do CPPT, o ónus da prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido.
III. O facto de determinados bens já terem sido penhorados no âmbito de outros processos executivos, não impede que sobre os mesmos venha a recair nova penhora.
IV. Referindo-se a lei a prejuízo irreparável, apenas haverá lugar à dispensa da prestação de garantia quando esta cause ao executado prejuízos que impeçam o retorno ao status quo ante.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
C…, S.A, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a reclamação apresentada, ao abrigo do disposto no artigo 276.º e ss do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho do Senhor Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva, da Direcção de Finanças do Porto (no uso de competência delegada do Director de Finanças do Porto), de 3 de Janeiro de 2011, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1848201001010107, interpôs o presente recurso formulando as seguintes conclusões:
I
Nem a recorrente está em condições legais de oferecer bens à penhora susceptíveis de assegurar a quantia exequenda e acrescido nem o Órgão de Execução Fiscal está em condições legais de os aceitar porque aquela não tem bens com idoneidade para servir de garantia ao pagamento daquela quantia exequenda e acrescido.
II
Ficou provado que tais bens, nomeadamente o edifício sede da recorrente, se encontram penhorados noutras execuções fiscais, facto que lhes retira a idoneidade legalmente indispensável à garantia do pagamento da quantia exequenda e acrescido (alínea O dos factos provados).
III
A oferta de tais bens como garantia seria recusada pelo Órgão de Execução Fiscal por falta de idoneidade necessária a assegurar o pagamento da quantia exequenda e acrescido, porquanto o respectivo valor já estava adstrito a garantir o pagamento noutras execuções fiscais, incorrendo-se, desse modo, na violação das previsões do n.º 2 do artigo 54º da LGT e artigos 169º e 199º do CPPT.
IV
Qualquer penhora de bens que ponha em causa o normal desenvolvimento da actividade da recorrente causará prejuízo irreparável, determinando a concessão da isenção de prestação de garantia, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 52º da LGT e desde que se demonstre que a insuficiência ou inexistência de bens não provenha de culpa sua.
V
Resulta do senso comum e da experiência que a penhora de créditos ou de saldos de contas bancárias da recorrente a levar a cabo pelo Órgão de Execução Fiscal põe em causa o normal desenvolvimento da actividade daquela e, por isso, é adequada a causar-lhe prejuízo irreparável.
VI
O Órgão de Execução Fiscal já consumou e pretende prosseguir com a penhora de direitos de crédito da recorrente, facto que lhe causará prejuízo irreparável, em violação do disposto no n.º 4 do artigo 52º da LGT.
VII
Ao ter indeferido na íntegra o pedido de concessão de isenção de prestação de garantia formulado pela recorrente em 22/2/2010 por despacho proferido em 3-1-2011 e não fosse a RAOEF dos autos, o OEF estaria em condições de proceder à penhora de direitos de crédito e causar, assim, àquela prejuízo irreparável.
VIII
A improcedência da reclamação dos autos concederá ao OEF liberdade para penhorar direitos de crédito e, assim, causar prejuízo irreparável à recorrente, desiderato que a lei não consente, atento o disposto na 1ª parte do n.º 4 do artigo 52º da LGT.
IX
Dos factos provados na sentença recorrida resultou demonstrado que a recorrente não só não é responsável pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis como tudo fez para reforçar os seus activos e assim aumentar e valorizar o seu património, como emerge dos factos vertidos nas alíneas L), K), P) e R) dos factos provados;
X
Ao julgar improcedente a Reclamação por considerar que a ora recorrente possui bens penhoráveis que garantem o pagamento da quantia exequenda e acrescido, a sentença recorrida fez errada aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 52º da LGT e artigos 169º e 199º do CPPT.
Nestes termos e nos melhores de direito que VV. Exas. doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada, julgando-se procedente a Reclamação de Acto do Órgão de Execução Fiscal deduzida pela recorrente nestes autos, concedendo-se a esta última a isenção de prestação de garantia, assim se fazendo JUSTIÇA”.
*
A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
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A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT] é a seguinte: saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter considerado preenchidos os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia, violando, assim, o disposto no artigo 52º, nº 4 da LGT.
*
2. Fundamentação
2.1. De facto
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como provados os seguintes factos:
A) Em 22/2/2010, a reclamante requereu a concessão da isenção da prestação de garantia no valor de 211.800,03 €, a prestar no processo de execução fiscal n.º 1848-2010/01010107, do Serviço de Finanças de Paredes, instaurado em 22/3/2010, para execução da quantia de 164.277,86 € (fls. 1 a 38).
B) Alega, em síntese, que “não tem condições económicas que lhe permitam prestar garantia e também não possui bens para tal fim, em qualquer dos casos por factos e circunstâncias acima descritas e não imputáveis à recorrente mas sim ao ilegal e injusto procedimento da Administração Fiscal” (fls. 38).
C) O pedido de isenção da prestação de garantia tem o teor do requerimento de fls. 15 a 38 dos autos e está instruído com os documentos de fls. 39 a 79, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
D) O pedido de isenção da prestação de garantia foi indeferido por despacho de 3/1/2011, proferido de fls. 215 a 222, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) O valor da garantia a prestar neste processo é de 211.800,03 € (fls. 8).
F) A reclamante não conseguiu obter a aprovação de garantia bancária para suspensão do PEF (fls. 284 a 287 e depoimento das testemunhas).
G) O lucro líquido acumulado no período de 2003 a 2006 ascendeu a € 265.759,03 e o investimento auto-financiado ascendeu ao valor global de € 334.962,00 (testemunhas e fls. 19).
H) Àquele valor de investimento acrescerá a quantia de € 112.526,90 respeitante a amortizações de capital emergentes de contratos de locação financeira celebrados pela reclamante (testemunhas).
I) O prejuízo acumulado no montante de € 414.925,31 resulta de nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, se verificarem prejuízos de € 43.759,37, € 161.321,62 e € 475.603,35 (testemunhas e fls. 20).
J) O endividamento da empresa regista uma variação crescente que se deve ao financiamento do aumento do valor dos stocks registado para aquele período, devido ao aumento dos preços dos metais não ferrosos nos mercados internacionais e à formação de stocks de novos produtos (aço inox e alumínio), com maior incidência a partir do último trimestre de 2006 e com reflexo no aumento do endividamento registado no início de 2007 emergente do pagamento dessas compras (estes novos produtos enquadram-se nos projectos de expansão e diversificação da actividade da empresa). (testemunhas e fls. 24).
K) Entre 2005 e 2007, a empresa expandiu a sua capacidade produtiva instalada, que se traduziu em variações significativas no imobilizado e nas existências (testemunhas).
L) Para atingir tal desiderato, a reclamante não aumentou o capital, optando antes por recorrer ao auto-financiamento, à não distribuição de lucros e ao endividamento junto de terceiros (testemunhas).
M) Entre 2007 e 2009 por ter resultados negativos a reclamante não conseguiu auto-financiar-se e foi obrigada a recorrer ao crédito (testemunhas).
N) A reclamante tem um património que ascende a 1.196.584,20 €, composto por terreno, edifícios e outras construções (sede), cuja avaliação por entidade credenciada reportada a Dezembro de 2007 ascende a € 680.000,00; investimento financeiro composto por cinco quotas do valor nominal correspondente a 100% do capital social da sociedade E…, Lda., NIPC 5…, no valor contabilístico de € 394.855,16 e 278 acções do Banco Santander Totta, S. A., cuja cotação em 31 de Dezembro de 2009 ascendia a € 11,61, no total de € 3.227,58; imobilizado: uma linha de corte COMEC STAMCO, no valor de € 118.501,46 (confissão da reclamante a fls. 31 e 32).
O) Estes bens já serviram de garantia a outros PEF (fls. 12 e confissão da reclamante no artigo 48.º do pedido de dispensa de prestação de garantia).
P) A reclamante adquiriu 49% do capital social da E… em Novembro de 2007, pelo montante de 122.500,00 € e os restantes 51 % em Dezembro de 2009 pelo valor de 127.500,00 € (fls. 30).
Q) A reclamante tem a correr contra si execuções fiscais que ascendem a um valor global, com juros, de cerca de 6 a 8.000.000,00 € e que em 8/4/2010 ascendia a 6.998.050,15 € (testemunhas e fls. 14).
R) A reclamante tem tido uma gestão patrimonial equilibrada (testemunhas).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado (corrigindo-se o manifesto lapso material constante da sentença que refere “julga provado”)
1 – Todos os negócios por si efectuados, que estão na origem das dívidas exequendas resultam, de efectivas transacções comerciais, devidamente facturadas e contabilizadas cujos valores foram efectivamente liquidados às empresas vendedoras.
3.1.1 – Motivação.
A matéria de facto provada resulta do teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, identificados à frente de cada um dos factos provados.
O depoimento das testemunhas relevou para a convicção do tribunal porque demonstraram que tinham conhecimento directo dos factos e não obstante serem empregados da impugnante depuseram de forma isenta e coerente.
A matéria de facto julgada não provada resultou da ausência de prova, uma vez que as testemunhas nada esclareceram quanto a esses factos e os documentos juntos com o requerimento do pedido de isenção da prestação de garantia não são suficientes para os comprovar e convencer o tribunal. Logo, sendo factos invocados pela reclamante recaía sobre ela o respectivo ónus da prova (art. 74.º, n.º 1, da LGT), pelo que na ausência de prova os factos tem de ser julgados contra ela (art. 516.º do CPC).
Acresce que a matéria de facto julgada não provada contende com a legalidade da liquidação da dívida exequenda, que foi objecto de reclamação graciosa e de acção de impugnação judicial pendente neste tribunal e não com a situação patrimonial da reclamante e com a sua influência na dispensa da prestação de garantia, pelo que acaba por ser irrelevante para estes autos.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por constituírem conceitos ou fundamentos conclusivos ou de direito ou por não relevarem para a decisão da causa.
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2.2. De direito
Em causa no presente recurso jurisdicional está a sentença do TAF de Penafiel que, julgando improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, confirmou o despacho proferido, em 3 de Janeiro de 2011, pelo Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva, da Direcção de Finanças do Porto, que havia indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela ora Recorrente no processo de execução fiscal nº 1848201001010107.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter concluído pelo não preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 52º, nº4 da LGT para a concessão da requerida dispensa da prestação de garantia.
A Recorrente insurge-se contra o decidido pelo TAF de Penafiel por entender, em síntese, que da prova produzida e dos factos assentes resulta, sem dúvida, demonstrada, por um lado, a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido – a este propósito, a Recorrente refere-se, aliás, à falta de idoneidade dos seus bens por os mesmos já terem sido penhorados noutras execuções fiscais – e, por outro, o prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia - concretamente se a mesma incidir sobre créditos ou saldos de contas bancárias, na medida em que tal poria em causa o normal desenvolvimento da actividade da executada.
Acresce que, para a Recorrente, ficou também demonstrado que a mesma não é responsável pela insuficiência ou inexistência de bens, já que tudo fez para reforçar os seus activos e assim aumentar e valorizar o seu património.
Vejamos, então.
Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Quer isto dizer que o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de bens económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
Como é sabido, o executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária [artigo 170º, n.ºs 1 e 3 do CPPT]. Com efeito, do regime geral de repartição do ónus da prova [artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT] e, bem assim, do referido artigo 170º, nº 3 do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido. Em suma, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
No caso dos autos, como resulta daquilo que já deixámos dito, a Recorrente invocou a verificação, in casu, de qualquer dos apontados pressupostos alternativos – prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia e a falta de bens económicos para a prestar – e, claro está, do pressuposto cumulativoa não responsabilidade na insuficiência ou inexistência de bens.
Como está bem de ver, o que agora importa é saber se assiste razão à Recorrente quando pretende que este Tribunal conclua, diferentemente daquilo que foi o entendimento do Mmo. Juiz a quo, que a Recorrente fez a prova que lhe competia quanto à verificação dos apontados requisitos. Note-se que, a este propósito, a Recorrente não põe em causa a factualidade provada ou a não provada; neste ponto, a divergência da Recorrente relativamente à sentença recorrida assenta unicamente na ilações de facto, ou nos juízos de valor, retirados com base na factualidade assente.
Analisemos, então, a verificação da alegada manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Para tanto, importa ter presente o que, a este propósito, ficou dito pelo Mmo. Juiz a quo:
“No caso em apreço, não obstante a reclamante alegar que a administração tributária reconheceu a insuficiência de bens penhoráveis, tal não corresponde à realidade.
Com efeito, resulta dos autos e da matéria de facto provada que o valor da garantia a prestar nestes autos é de 211.800,03 € e que o valor do património da reclamante é de 1.196.584,20 €, património que já foi dado em garantia noutros processos.
Daqui resulta que a reclamada tem bens penhoráveis de valor suficiente para garantir a quantia exequenda e o acrescido.
Com efeito, só o valor do edifício da reclamante – 680.000,00 € – é suficiente para garantir o valor da quantia exequenda e acrescido. Não pode pois dizer-se que a reclamante não tem bens penhoráveis para dar de garantia.
Apesar destes bens já terem sido dados em garantia, isso não obsta a que seja realizada nova penhora de tais bens e que seja considerada garantia bastante para suspender o PEF.
A reclamante alega que não tem bens penhoráveis para garantir a totalidade das dívidas que rondam, no mínimo, os 6.000.000,00 €. Só que a reclamante não pode invocar as dívidas dos outros PEF como fundamento para a isenção da prestação de garantia deste processo. A decisão da isenção da prestação de garantia não é verificada na sua totalidade, mas processo a processo.
No caso destes autos o valor dos bens penhoráveis da reclamante (1.196.584,20 €) é manifestamente superior ao da quantia exequenda e do acrescido (211.800,03 €). A reclamante não pode dizer, nem demonstrar, bem pelo contrário, que há uma manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis”.
Vejamos, então.
Como se vê, partindo dos factos constantes das alíneas E), N) e O), ou seja, do valor da garantia a prestar (€ 211.800,03), do valor do património da Reclamante por si indicado (€1.196.584,20) e não desconsiderando o facto de os bens já terem servido de garantia noutros processos executivos, o Mmo. Juiz pôde concluir que a Reclamante não demonstra, “bem pelo contrário, que há uma manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis”, sendo certo que o facto de os “bens já terem sido dados em garantia, isso não obsta a que seja realizada nova penhora de tais bens e que seja considerada garantia bastante para suspender o PEF”. Para a Recorrente, este raciocínio erra por não concluir, face aos mesmos factos, que os bens em causa (designadamente o imóvel correspondente à sua sede), tendo já sido penhorados noutros processos, não se mostram idóneos a garantir o pagamento da dívida exequenda, nos termos previstos nos artigos 169º e 199º do CPPT – conclusões I, II e III.
Com efeito, como acentua o Mmo. Juiz, o facto de determinados bens já terem sido penhorados no âmbito de outros processos executivos, não impede que sobre os mesmos venha a recair nova penhora. É, aliás, prática habitual, em processos de execução fiscal que não estão apensados, fazer incidir mais que uma penhora sobre o mesmo bem, nomeadamente quando os bens são de valor significativo, como é o caso. Aliás, tal prática revela uma posição de cautela da própria exequente, uma vez que pode bem acontecer que a legalidade das dívidas garantidas pela penhora de um bem venha a ser decidida contra a Administração Tributária, pelo que, nesse caso, nunca se porá a questão de a dívida ser paga com o produto da venda desse bem, fazendo sentido que o mesmo sirva simultaneamente de garantia a outra dívida, assim se acautelando os interesses da Fazenda Pública.
Portanto, por si só, a demonstração de que os bens em causa já foram penhorados anteriormente (seja o bem correspondente ao edifício-sede ou outro), não revela a alegada insuficiência, nem tão-pouco revela, de forma incontornável, como pretende a Recorrente, a inidoneidade dos bens em causa.
De resto, e em concreto quanto ao edifício-sede, ao qual a Recorrente se refere reiteradamente nas alegações do recurso (mas também, diga-se, no que respeita aos restantes bens), nunca a Reclamante referiu de forma concretizada que dívidas - de que montantes e em que processos - estão garantidas com tal bem que indicou no requerimento inicial e na reclamação, sendo certo que dos factos provados apenas se pode retirar que a Recorrente tem esse bem no seu património, que o mesmo foi avaliado em € 680.000,00 e que esse bem [tal como os restantes indicados no alínea N) do probatório, num total de €1.196.584,20], foi dado como garantia em sede de execução fiscal.
Por outro lado, como acentuou igualmente o Tribunal recorrido, para os efeitos pretendidos, não releva que a totalidade das dívidas em execução fiscal ronde os € 6.000.000,00, já que “a decisão da isenção da prestação de garantia não é verificada na sua totalidade, mas processo a processo” e neste processo – nº 1848201001010107 - a garantia é de € 211.800,03. Como efeito, a análise que aqui urge fazer passa unicamente pela consideração do montante da garantia a prestar nestes autos e não em quaisquer outros, pois nesses outros – que rondarão os 6 milhões de euros – pode nem se ter colocado ainda a questão da garantia, ou pode a mesma vir a ser dispensada ou pode até alguma das dívidas ser paga.
Há, porém, um outro aspecto que não pode deixar de ser aqui chamado à colação e que assume um papel preponderante na análise da verificação deste requisito que vimos analisando, relativo à insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda.
Com efeito, quer no requerimento inicial (numa breve passagem no artigo 45º), quer na p.i de reclamação, quer em sede de recurso, a Recorrente admite ser titular de direitos de crédito e de saldos das contas bancárias, sem nunca, porém, os identificar ou concretizar os montantes em causa. Aliás, a menção aos alegados direitos de crédito e saldos das contas bancárias fá-la a Recorrente para justificar o prejuízo irreparável que adviria da penhora dos mesmos, já que tal, em sua opinião, poria em causa o normal desenvolvimento da sua actividade.
Ora, independentemente da relevância de tal argumentação para efeitos de apreciar o requisito alternativo da dispensa de prestação da garantia - prejuízo irreparável - a verdade é que a consideração da existência de tais direitos de crédito (seja em relação a clientes ou outros, seja o direito de crédito conferido pelo depósito de dinheiro) põe em causa, em definitivo, a verificação do requisito que inicialmente vem invocado.
É que, para além de não estar demonstrada a insuficiência (ou, como insiste a Recorrente, a inidoneidade) dos bens penhoráveis que a Reclamante indicou (os constantes da alínea N) do probatório), a mesma afirma ser titular de direitos de crédito, passíveis de penhora tendente a assegurar os créditos da Fazenda Pública – cfr. artigos 223º (penhora de dinheiro ou de outros valores depositados) e 224º (penhora de créditos) do CPPT.
Ou seja, uma coisa é a Recorrente pretender demonstrar que a eventual penhora de créditos e dos saldos das contas bancárias, comprometeria irremediavelmente o exercício da sua actividade e, como tal, que era causadora de um prejuízo irreparável. Coisa diferente, como se percebe, é a consideração da existência de tais direitos para efeitos de aferir da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Dito de outro modo, não é aceitável que a Reclamante faça apelo à existência de tais créditos e saldos bancários quando pretende demonstrar que a sua penhora resulta num prejuízo irreparável, mas que, simultaneamente, os desconsidere para efeitos da demonstração da insuficiência de bens penhoráveis.
Portanto, e em síntese, conclui-se que a Recorrente, contrariamente ao que lhe era legalmente imposto (artigo 170º do CPPT, artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT) não provou este primeiro pressuposto para a dispensa da prestação de garantia – insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido – ou seja, a Executada, ora Recorrente, não provou que no seu património não existem bens penhoráveis ou, ainda que existam, tais bens são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões I a III da alegação de recurso.
Passemos, seguidamente, à apreciação do alegado prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia, a que a Recorrente se refere nas conclusões IV a VIII.
Uma vez mais, tenhamos presente o que, a este propósito, ficou dito na sentença recorrida. Assim:
“Nesta parte, a reclamante alega, em síntese, que não tendo conseguido obter a prestação de garantia junto dos bancos e não tendo capacidade financeira para prestá-la em numerário, a única solução seria oneração do seu património, só que essa oneração determinaria a diminuição de garantias junto da banca e dos fornecedores e impedi-la-ia de aceder ao crédito bancário e obstaria ao desenvolvimento da sua actividade e à consequente asfixia financeira e paralisação da actividade.
Pese embora as testemunhas inquiridas tivessem corroborado esta circunstância, o tribunal não ficou convencido, tanto mais que o património que a reclamante identificou já está onerado como garantia doutros PEF.
(…)
A reclamante tem razão na parte em que alega que a eventualidade da penhora de créditos obstará ou impedirá o desenvolvimento da sua actividade, uma vez que a impedirá de ter os meios financeiros indispensáveis ao cumprimento das suas obrigações e ao exercício da sua actividade comercial.
Mas tal facto constituiria fundamento para o prejuízo irreparável e para a isenção da prestação de garantia, caso a administração tributária viesse a exigir a penhora dos direitos de crédito. Só que não é esse o caso dos autos.
(…)
Só se a administração tributária viesse exigir a penhora de créditos ou de outros bens ou direitos que obstassem ou a impedissem de exercer a sua actividade é que a reclamante tinha fundamento para invocar o prejuízo irreparável com a prestação dessa garantia.
Como se disse estando o seu património já onerado como garantia doutros PEF, nada obstava à realização de nova penhora à ordem do PEF a que respeitam estes autos, não se vislumbrando que a constituição desta nova penhora causasse um prejuízo irreparável à reclamante”.
Vejamos, então, tendo presente, uma vez mais, que cabia à executada, ora Recorrente, alegar e provar os factos dos quais se possa concluir pelo prejuízo irreparável.
Se bem se interpreta a sentença recorrida, daí se retira que, apesar de a Reclamante ter demonstrado não conseguir obter uma garantia bancária, não ficou demonstrado que a oneração do seu património [leia-se, no contexto da sentença, os bens referidos na alínea N) dos factos provados, em especial o edifício-sede da ora Recorrente], obstaria ao desenvolvimento da sua actividade e à consequente asfixia financeira e paralisação da actividade. Para o tribunal a quo, a eventual diminuição de garantias junto da banca e dos fornecedores, em resultado da oneração do património, não ficou provada – nas palavras do Mmo. Juiz a quo, “pese embora as testemunhas inquiridas tivessem corroborado esta circunstância, o tribunal não ficou convencido (…)”.
Aqui chegados, importa desde já não perder de vista que este juízo, assim formulado, assente na convicção formada com base em prova testemunhal, não vem posto em causa, sendo certo que, no presente recurso e a este propósito, também a Recorrente não identifica concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impusessem decisão diversa sobre os mesmos.
Em sede de recurso jurisdicional, portanto, a Recorrente não se insurge quanto ao decidido relativamente às consequência de uma nova penhora sobre os bens indicados pela Executada (concretamente, sobre o seu edifício-sede), nem quanto à valoração da prova que foi produzida a este propósito e que está subjacente a esta conclusão.
O que a Recorrente não aceita, como decorre do teor das alegações e respectivas conclusões, é a circunstância de a sentença recorrida ter considerado que o prejuízo irreparável só se verificaria se a penhora viesse a incidir sobre os direitos de crédito, o que, porém, a sentença afasta dizendo que “não é esse o caso dos autos”.
Com efeito, o Tribunal recorrido, depois de ter concluído quanto à não verificação do prejuízo irreparável, nos termos já expostos, refere que já assim não seria quanto à eventual penhora de créditos, já que esta “obstará ou impedirá o desenvolvimento da sua actividade, uma vez que a impedirá de ter os meios financeiros indispensáveis ao cumprimento das suas obrigações e ao exercício da sua actividade comercial”. Porém, acrescenta o Mmo. Juiz, tal só se colocaria se a “administração tributária viesse a exigir a penhora dos direitos de crédito. Só que não é esse o caso dos autos”.
Para a Recorrente a sentença não deveria ter afastado a hipótese de a Administração Tributária vir a penhorar créditos, adiantando inclusivamente que tal até já veio a ocorrer noutro processo. E, porque assim é, pretende agora a Recorrente que este Tribunal reconheça que a penhora sobre os tais direitos (penhora de créditos e de saldos de contas bancárias – cfr. conclusão V) é causadora de prejuízo irreparável, porquanto porá em causa o normal desenvolvimento da actividade da empresa – o que, de resto, para a Recorrente resulta muito mais do senso e experiência comum do que propriamente da factualidade alegada e demonstrada.
Vejamos por partes.
Antes do mais, importa deixar claro que este Tribunal não acompanha a decisão recorrida na parte em que da mesma parece resultar uma qualquer impossibilidade de, no âmbito do processo executivo nº 1848201001010107, a Administração proceder à penhora de direitos de crédito (sejam eles créditos sobre clientes ou outros ou o direito de crédito conferido pelo depósito de dinheiro). As razões deste nosso entendimento foram já suficientemente explicitadas anteriormente quando analisámos a questão de a penhora poder incidir sobre saldos de contas bancárias ou sobre créditos. Para lá remetemos, reiterando que garantia idónea, nos termos dispostos no nº1 do artigo 199º do CPPT, pode ser qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Ora, insiste a Recorrente que a prestação de garantia sobre tais direitos iria pôr em causa o normal desenvolvimento da actividade da empresa, podendo levar à “extinção da executada/ reclamante, com efeitos devastadores nos seus trabalhadores, nos seus clientes e fornecedores, nas instituições bancárias e, porque não dizê-lo, no próprio Estado, que deixará de receber e cobrar os tributos resultantes do normal desenvolvimento da actividade da empresa”, o que traduziria o prejuízo irreparável.
Porém, não se nos afigura que a consequência de a garantia incidir sobre tais direitos de crédito (repete-se, créditos sobre clientes ou outros ou relativamente aos depósitos em contas bancárias) seja necessariamente essa. No caso, tudo dependeria dos concretos valores dos créditos ou dos saldos das contas bancárias, em contraponto com o valor da garantia a prestar que neste processo de execução fiscal (nº 1848201001010107) é de € 211.800,03.
Com efeito, a apreciação sobre a irreparabilidade do prejuízo não pode, in casu, deixar de ter em conta os montantes envolvidos. Na realidade, não é indiferente penhorar créditos no montante de € 211.800,03 quando o valor dos créditos penhoráveis é de milhões ou se tal valor for significativamente menor.
Como se disse no acórdão deste TCAN, de 29/03/12 (processo nº 00502/10.0 BEVIS), “A lei estabelece como pressuposto para a dispensa da prestação da garantia que esta cause à executada um prejuízo irreparável. Não releva para a lei o grau de dificuldade na obtenção da garantia desde que ela seja possível, nem que ela se mostre muito onerosa, ou excessivamente onerosa. Tem de causar um prejuízo irreparável, sem retorno ao status quo ante”.
Sucede, porém, que a executada, aqui Recorrente, jamais identificou e concretizou os créditos e saldos bancários, impedindo, assim, que o Tribunal possa estabelecer um contraponto entre os valores envolvidos e, desse modo, conclua, como pretendido, pela verificação do prejuízo irreparável resultante da penhora dos alegados créditos.
De tudo quanto ficou dito, podemos concluir que a Recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia, que a prestação da garantia (consistente na penhora dos bens ou direitos de que é titular) lhe cause prejuízo irreparável.
Termos em que improcedem as conclusões IV a VIII da alegação da Recorrente.
Face ao exposto, não se mostrando preenchido qualquer um dos pressupostos (alternativos) para a concessão da dispensa da prestação da garantia, desnecessário se torna averiguar sobre a não responsabilidade da Recorrente na insuficiência ou inexistência de bens (conclusão IX), já que, como se deixou explicitado, a apreciação deste requisito (cumulativo) pressupõe necessariamente a verificação de qualquer um dos apontados requisitos alternativos.
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 6 de Junho de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo