Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02139/14.6BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:IDENTIDADE DA CAUSA DE PEDIR; CASO JULGADO; ENSINO RECORRENTE
Sumário:
1 – A ocorrência da exceção de caso julgado, nos termos artigos 580º e 581º do CPC, pressupõe, em síntese, a existência de uma decisão que tenha já resolvido questão idêntica, entre as mesmas partes, por forma a evitar que possa vir a ser adotada decisão divergente.
2 – Não existirá uma plena coincidência de identidade da causa de pedir em duas ações quando ambas as situações controvertidas não procedam do mesmo facto e enquadramento jurídico.
Quando na anterior intimação para a proteção de direito liberdade e garantias se decidiu sobre a aplicabilidade genérica do Decreto-Lei nº 42/2012, de 22 de Fevereiro, aos alunos matriculados no ensino recorrente, e na presente Ação se discute a potencial aplicação do referido diploma a aluno que já havia anteriormente concluído o referido ensino, sem prejuízo do que se venha a decidir materialmente, não há efetivamente identidade de causa de pedir.
3 - Em síntese, na pretérita intimação, a causa de pedir circunscreveu-se à verificação da constitucionalidade dos artigos 11.º, n.ºs 4 e 6, e 15º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de Fevereiro, em decorrência da introdução de alterações na ordem jurídica a meio do ano letivo de 2011/2012, afetando as expectativas jurídicas criadas aos alunos matriculados nesse ano letivo no ensino recorrente, enquanto que na presente ação administrativa está já em causa a situação da aqui Recorrente, que já havia anteriormente concluído o ensino recorrente, no ano letivo anterior (2010/2011) e com base no qual se haviam já candidatado ao ensino superior. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MRBN
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão no segmento recorrido
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
MRBN, devidamente identificada nos autos, à margem da Ação Administrativa Especial que intentou contra Ministério da Educação e Ciência, vem, em separado, Recorrer da decisão proferida em 23 de fevereiro de 2016, no TAF do Porto, que julgou parcialmente verificada a suscitada exceção de caso julgado, absolvendo o Réu da instância relativamente aos pedidos formulados nas alíneas A), B), C) e G) da PI.
Concluiu a Recorrente MRBN no seu recurso, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que decidiu conceder provimento parcial à exceção apresentada pelo Recorrido. Ou seja, decidiu o Tribunal supra referido no sentido de:
2. "Destarte, deve a presente ação prosseguir apenas para conhecimento das questões relativas ao conhecimento do ato por assentar em ato não notificado à autora, declaração de inexistência por esse facto, da falta de fundamentação e da falta de audiência prévia. Nestes termos, é a exceção de caso julgado parcialmente procedente, consequentemente, absolvendo-se o Réu da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a), b) c) e g) da petição inicial."
3. Para efeitos de uma melhor compreensão transcreve-se as alíneas da petição inicial cujo Tribunal a quo absolveu o Recorrido: A) Reconhecendo-se que o ato impugnado nada tem que ver com o acórdão fundamento, sendo este declarado ilegal pelos apontados vícios de inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artº 2º da CRP e; B) Princípio de acesso ao ensino superior, conforme o previsto no artigo 73º e ss da CRP, mais concretamente no seu artigo 76º, nº 1; C) o princípio constitucional da liberdade de escolha de profissão previsto no artigo 47º da CRP que se encontram violados pelo ato impugnado; G) Anulado ainda por total violação de lei e contrario ao direito, na medida em que lhe é retirada uma habilitação académica que já detinha, desde anos anteriores ao da publicação do diploma legal epicentro desta situação;
4. Nesta tomada de decisão e, com o referido sentido vem o Tribunal a quo admitir que além de existir uma identidade das partes, existem também uma identidade quanto ao pedido e em relação à causa de pedir, ou seja, estão preenchidos por completo os requisitos quanto à exceção de caso julgado apresentada pelo Recorrido. Ora,
5. Não podemos acompanhar a decisão supra referida porquanto se considera não existir, na realidade e, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo uma identidade da causa de pedir.
6. A verificação da exceção de caso julgado apresentada pelo Recorrido pressupõe que, seja presente a juízo, uma causa já anteriormente, total ou parcialmente apreciada, sento esta reiteração indiciada por uma tríplice identidade cumulativa de coincidência de sujeitos, pedido e causa de pedir — de acordo com o disposto nos artigos 580º e 581º do CPC aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA.
7. A figura jurídico-processual do caso julgado pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal, afastando o risco de existir uma nova apreciação de uma questão já anteriormente decidida.
8. Na análise do caso julgado há que ter em conta duas vertentes que não se confundem: uma, que se reporta à exceção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o confronto de duas ações — contendo uma delas decisão já transitada — e urna tríplice identidade entre ambas: de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; a outra, respeitante à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, que se prende com a sua força vinculativa.
9. No caso em apreço e, como refere o Recorrido e, o Tribunal a quo, a exceção de caso julgado é invocada relativamente á ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, que correu os seus normais termos sob o nº de processo 1726/12.1BELSB, no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, em que foram intimantes os alunos no ensino recorrente, nos quais se incluía a aqui recorrente e, onde foi intimado o aqui recorrido. Ora,
10. Em primeiro lugar e relativamente á questão do primeiro requisito da exceção de caso julgado, isto é, a identidade das partes, cumpre esclarecer que não temos duvidas da existência de uma identidade de partes em ambas as ações, ainda que, na intimação a aqui recorrente era apenas uma das autoras entre as centenas de autores que participaram nesses autos, contra o aqui recorrido. Dessa forma,
11. Dúvidas não nos restam, não existindo a necessidade de perder tempo em indagações desnecessárias pois que desconfianças não restam do preenchimento desse requisito. Em segundo lugar,
12. Acompanha-se o acervo jurisprudencial do Tribunal a quo quando faz uma descrição exata do que é a identidade de pedidos, posição essa reflexo da posição do Supremo Tribunal Administrativo quanto a esta matéria, no processo nº 01035/15 ao defender que "(...) a identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe essa identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do pontos de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado. " Continuando a indagar-se sobre esta questão, defende ainda,
13. o supra referido Tribunal que "(...) razão por que o conceito nuclear do caso julgado radica na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outro. E para saber se existe ou não essa repetição, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação) fixado e desenvolvido no artº 498º (atual artº 581) mas também à diretriz substancial traçada no nº 2 do artº 497º (atual artº 580º), onde se afirma que a exceção do caso julgado (tal como a da litispendência) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processa Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 302.). " Assim,
14. tal qual a posição defendida pelo Tribunal a quo existe, de facto, uma identidade de pedidos entre a ação administrativa especial intentada pela aqui recorrente e a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias supra melhor identificada. Mas,
15. a verdadeira questão e, da qual se discorda por completo - da posição defendida pelo Tribunal a quo - está relacionada com a identidade da causa de pedir.
16. O Tribunal a quo concluiu — erroneamente - relativamente à questão supra referida que "(...) os fundamentos ou causas de pedir da intimação são coincidentes com parte da cauda de pedir da presente ação administrativa especial.", tendo, chegado a esta conclusão defendendo os argumentos infra referidos.
17. Defende o tribunal supra referido que "Como ensinava Alberto dos Reis" a causa de pedir é o ato ou facto central da demanda, núcleo essencial de que emerge o direito do autor" (CPC anotado op. cit. p. 351)", ou seja, estamos aqui a falar da base da qual desponta o direito do autor, situação que, em relação à ordem jurídica nacional requer que para além da necessidade do autor expressar a sua pretensão, o seu objetivo com a demanda, é, da mesma forma, necessário que o autor indique o facto da qual emerge o fundamento através do qual o Tribunal irá apreciar a justeza da pretensão formulada. Assim,
18. Resulta do disposto no nº 4 do artº 581º do CPC que existe "(...) identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações (...) de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido."
19. Continua o Tribunal a quo referindo que "(...) para efeitos da existência de caso julgado, de eventuais divergências ao nível do direito aplicado/aplicável, isto é, independentemente do efeitos e normas jurídicas que se extraia dos factos concretos."
20. Por fim e para fundamentar a sua posição quanto à identidade da causa de pedir vem o Tribunal a quo recorrer de jurisprudência que decorre do aresto do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, acórdão com data de 07.03.2006, proferido no processo 0803/02, aonde se afirma que "as questões suscitadas e resolvidas na sentença anulatória, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do recorrente, estão compreendidas na expressão "precisos limites e termos em que se julga" do artº 673º do CPC, ao definir o alcance do caso julgado material, pelo que também o constituem. E tal não abrange apenas os fundamentos que determinaram a anulação, mas também o eventual juízo sobre a improcedência de outros vícios que a sentença tomou conhecimento para decidir a pretensão do recorrente. Por isso, o Tribunal não pode voltar a apreciar os vícios substanciais julgados improcedentes na sentença anulatória, imputados, agora ao ato renovado, por a tal obstar a autoridade do caso julgado formado por aquela sentença."
21. Contudo, erra o tribunal a quo no juízo efetuado, já que os factos são diversos como se vem demonstrando. E,
22. Da mesma forma vem lançar mão da doutrina, nomeadamente Mário Aroso de Almeida in Manual de processo administrativo, Almedina, 2ª Ed. p. 78: "É entretanto, desde há muito, pacificamente reconhecido que o caso julgado material formado pela sentença de anulação e nulidade dos atos administrativos não se limita ao reconhecimento da invalidade do ato anulado ou declarado nulo, mas também se estende á definição, em maior ou menor medida, dos termos em que (não) se deve proceder o exercício futuro do poder manifestado através desses atos (...) o processo (...) possui um objeto compósito, na medida em que a pretensão nele deduzida pelo autor tem uma dupla dimensão: por um lado, dirige-se concreta anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado, fundada no reconhecimento da sua invalidade; mas, por outro, também se dirige ao reconhecimento, por parte do Tribunal, de que a posição que a Administração assumiu com o ato impugnado não era fundada." Assim,
23. Em relação à fundamentação jurisprudencial supra referida concorda-se por completo com ela, por esta defender a posição sempre demonstrada pela Recorrente nestes autos, pois que, defende essa posição a necessidade de impor os "precisos limites" aos termos em que se julga e, por essa via, se define a situação de caso julgado material caso a caso. Ora,
24. No caso em concreto temos uma clara situação em que entende o Tribunal a quo que existe uma identidade da causa de pedir entre estes autos de uma ação administrativa especial e a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias de que a aqui recorrente foi, entre muitos outros, autora, sendo que,
25. Essa posição, no entendimento da recorrente, e com respeito por douta posição em contrario, vai contra a posição supra referida e defendida pelo STA, pois que, o enquadramento jurídico efetuado na presente ação administrativa especial e, que serve de base para a causa de pedir nesta, não está, relacionada com a causa de pedir da intimação de que a recorrente também fez parte como autora, visto que, em tempo algum acontece uma situação em que existe um ultrapassar/violar os limites do caso julgado imposto pela sentença/acórdão proferido nessa sede.
26. Estamos verdadeiramente a falar de duas situações diversas e, de uma situação em que existe um entendimento do acórdão proferido pelo TC cujo alcance é contrário às intenções deste, ou seja,
27. Se na intimação a causa de pedir foi muito resumidamente que a introdução daquelas alterações, mais concretamente nas normas dos artigos 11º, nºs 4 e 6, e 15º, nº 5, do Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de Março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 42/2012, de 22 de Fevereiro, seriam ilegais/inconstitucionais por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2º da CRP, por serem sido introduzidas na ordem jurídica a meio do ano letivo de 2011/2012, afetando, ilegalmente, dessa forma as expectativas jurídicas criadas aos alunos já inscritos nesse ano letivo no ensino recorrente, na presente ação administrativa especial o que, de facto, está em causa não é a ilegalidade/inconstitucionalidade dessas formas no computo geral é, sim,
28. O facto dessa aplicação à recorrente, nos moldes em que está a acontecer, ou seja, aplicando essas normas aprovadas em 2012 e que entraram em vigor no ano letivo de 2011/2012, a esta, quando esta terminou o ensino recorrente no ano letivo anterior, 2010/2011, tendo mesmo sido opositora nesse ano a colocação no ensino superior.
29. Na verdade, o que está em causa, ou seja, o verdadeiro enquadramento jurídico que serve de fundamento à pretensão da recorrente nesta demanda é o facto de lhe terem sido retiradas habilitações a esta quando no ano letivo anterior às alterações supra referidas as mesmas habilitações lhe tinham sido reconhecidas por dois anos e lhe permitiram candidatar-se e ser colocada no ensino superior nacional como resulta da prova dos autos, no ano letivo de 2010/2011, o que quer dizer que,
30. A sua situação académica foi alterada/afetada negativamente pelas alterações normativas ao Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de Março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 42/2012, de 22 de Fevereiro, porquanto, está, desta forma e segundo o entendimento e execução que estão a ser dados no sentido de que a sua candidatura e respetiva colocação no ensino superior no ano letivo de 2011/2012 é ilegal e, por isso, se pretende seja a recorrente retirada do ensino superior. Assim,
31. E em resumo, a recorrente adquiriu no ano letivo de 2010/2011 habilitações académicas que lhe permitiriam — como a todos os alunos — candidatar-se ao ensino superior nacional nesse ano letivo de 2010/2011 e, no ano letivo seguinte — se assim o entendesse ou se não conseguisse entrar no curso que desejava como acabou por ocorrer no caso concreto — 2011/2012. Com esta decisão, e,
32. no entendimento que está a ser retirado do acórdão do TC e, mais importante, a forma como está a ser executado pelo recorrido viola retroativamente o direito adquirido pela recorrente no ano letivo de 2010/2011 e que lhe permitia candidatar-se ao ensino superior pelo período de dois anos.
33. Tal entendimento, é contrário ao determinado no acórdão do Tribunal Constitucional porquanto a recorrente não estava matriculada no ensino secundário recorrente.
34. Destarte, resulta errada toda a linha de raciocínio da douta sentença recorrida, sendo o meio processual usado o correto e legal,
35. Pelo que haverá de se proceder à anulação da sentença recorrida e, consequentemente ordenar o provimento do requerido
Termos em que, sempre com o douto suprimento de V/ Exa., deve a sentença, objeto do presente recurso ser anulada e substituída por outra, e assim ser atendido o pedido formulado na ação, Como é de direito e de Justiça!”
*
O Ministério da Educação e Ciência, veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recuso em 29/04/2016, nas quais concluiu:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador proferido nos autos, alegando a Recorrente que a análise efetuada pelo Tribunal a quo é insuficiente e superficial no que respeita à matéria da identidade da causa de pedir.
II. Salienta a Recorrente que tanto o Tribunal a quo como o Recorrido procedem a uma errada interpretação do Acórdão do Tribunal Constitucional, considerando aquela que a leitura correta será a que conclua que as alterações legislativas operadas pelo Decreto-lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, não se aplicam aos alunos que tenham concluído o ensino secundário recorrente em anos anteriores ao da publicitação e entrada em vigor do referido diploma.
III. Sucede, porém, que a interpretação pretendida pela Recorrente é, precisamente, aquela que não tem qualquer enquadramento nas posições sufragadas pelo Tribunal Constitucional e, consequentemente, pelo Supremo Tribunal Administrativo.
IV. Reitere-se, nesta sede, que as alterações legislativas em causa são aplicáveis aos alunos que tenham terminado o ensino recorrente em ano letivo anterior ao de 2011/2012, independentemente da data da matrícula (vide HH a JJ supra).
V. Pelo que as alterações em apreço são aplicáveis à aqui Recorrente, considerando que esta se candidatou ao ensino superior em 2012, já após a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro.
VI. Sendo este o argumento aduzido em sede de alegações de recurso pela Recorrente para fundamentar a alegada insuficiência e superficialidade que imputa ao despacho saneador, no que respeita à coincidência da causa de pedir, dada como comprovada pelo Tribunal a quo, repita-se, nada haverá a censurar na análise que este encetou.
VII. Ora, desde o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias que um dos factos e/ou argumentos aduzidos é precisamente a circunstância de alguns alunos do ensino secundário recorrente já terem terminado este nível de ensino antes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 42/2012, de 22 de dezembro.
VIII. Não tendo tal regime jurídico sido julgado inconstitucional e/ou ilegal, concluir-se-á que o mesmo é aplicável, como tem sido entendimento dos Tribunais Superiores, a todos os alunos que pretendessem prosseguir os estudos no ensino superior em 2012 e após a publicitação do aludido diploma legal, independentemente da respetiva data de conclusão, situação aplicável, portanto, à ora Recorrente.
IX. Ademais, sendo um dos argumentos já invocados em sede de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, bem como da ação administrativa especial subjacente ao presente recurso, concluir-se-á que andou bem o Tribunal a quo ao considerar que este é um dos factos jurídicos que integra a causa de pedir e, como tal, está abrangido pelo caso julgado (vide Z a EE supra).
X. Nestes termos, deve o presente recurso jurisdicional improceder uma vez que os argumentos expendidos pela Recorrente não são suscetíveis de conduzir à anulação do despacho saneador e à sua substituição por outro que permita a procedência dos pedidos aduzidos na ação.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser proferida decisão que julgue improcedente o recurso jurisdicional, por não provado, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a costumada Justiça!
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Por Despacho de 12 de dezembro de 2016 foi proferido despacho de admissão do Recurso.
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O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 28 de fevereiro de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, decorrentes da parcialmente decidida procedência da “violação de caso julgado”, sendo que o Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Matéria Factual
Consta do segmento Recorrido do Despacho Saneador, o seguinte:
“Com interesse para a decisão a proferir, fixa-se a seguinte factualidade:
i) A Autora candidatou-se ao concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2011 com base em classificações obtidas no ensino secundário recorrente, cfr. emerge do teor de fls. 44 dos autos que aqui se dão por reproduzidas.
ii) Em 11 de julho de 2012, a Autora (entre outros) apresentou junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra o Réu, que correu os seus termos sob o n.º 1726/12.1BELSB, pedindo a condenação deste a cessar qualquer ação ou omissão, por ato administrativo, regulamento ou contrato, revogando os já adotados, pelos quais lhes fosse aplicado o regime legal do Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, que alterou o disposto no Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, conforme emerge da análise de fls.119 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e consulta do SITAF no que respeita data de interposição.
iii) Fundamentaram tal pretensão, como decorre da sentença proferida, no seguinte conjunto de causas de pedir "i) são alunos do ensino recorrente, detentores e não detentores do ensino secundário, inscritos nos termos do Decreto-Lei n.º 74/2004, cujas regras de avaliação (realização de exames não previstos e alteração da fórmula de cálculo da classificação final) e da certificação dos cursos foram alteradas durante o ano letivo em curso pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, na pendência do "jogo", pela prática da entidade demandada de uma série de atos, adoção de normas e de definição de procedimentos ao abrigo deste diploma, em resultado de uma interpretação errada do mesmo; ii) as consequências desta atuação são totalmente desproporcionadas, irrazoáveis e nunca poderiam ter sido previstas pelos Autores que conformaram a sua vida ao abrigo da legislação anterior; iii) a interpretação efetuada restringe de forma inaceitável o núcleo essencial do seu direito à liberdade de aprender, do direito ao ensino, em condições de igualdade, de certeza e segurança jurídica; iii) na falta de regime transitório, está em causa a vinculação administrativa À sua adequada aplicação sob pena de inconstitucionalidade", conforme emerge da análise da sentença de fls.119 e seguintes dos autos.
iv) Em 7 de agosto de 2012, foi proferida a sentença no processo identificado ponto que antecede, julgando aquela ação procedente, e, consequentemente, foi o Requerido intimado a, no âmbito das suas competências legais, "desaplicar o regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 42/201 2, de 22 de fevereiro, quer quanto a atos passados quer quanto ao futuro, no âmbito do ano letivo de 2011/2012", conforme emerge da análise de fls. 119 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
v) Na sequência desta decisão, o aqui Réu certificou à Requerente a conclusão do seu curso de ensino Secundário recorrente, para efeitos de acesso ao ensino superior, desaplicando o referido Decreto-Lei, facto que resulta da posição das partes constante dos articulados e que emerge da análise de fls. 34 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
vi) A Autora candidatou-se ao concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2012 com base em classificações obtidas no ensino secundário recorrente e com "classificação calculada ao abrigo de sentença judicial objeto de recurso interposto pelo Ministério da Educação e Ciência para o Tribunal Central Administrativo", cfr. emerge do teor de fls. 45 dos autos que aqui se dão por reproduzidas.
vii) O Requerido (aqui Réu) interpôs recurso da decisão referida em «D)», para o Tribunal Central Administrativo do Sul, o qual, por acórdão de 08/11/2012, lhe negou provimento, cfr. emerge do acórdão constante de fls. 146 a 149 que aqui se dá por reproduzido.
viii) Deste acórdão o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional que, por acórdão de 27/06/2013, decidiu: "a) Não julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2.° da CRP, as normas dos artigos 11.°, n°s. 4 e 6, e 15., n.º 5 do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.°42/2012, de 22 de fevereiro, na interpretação segundo a qual as alterações normativas consagradas se aplicam, sem previsão de regime transitório a todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente. Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade", cfr. emerge do acórdão constante de fls. 146 a 149 que aqui se dá por reproduzido.
ix) Em cumprimento do julgado pelo Tribunal Constitucional, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu novo acórdão, em 19.12.2013, revogando a sentença do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa, referida no facto «iv)» supra, e julgando improcedente aquela intimação, cfr. emerge do acórdão constante de fls. 146 a 149 que aqui se dá por reproduzido.
x) Os Intimantes interpuseram junto do Tribunal Central Administrativo do Sul, recurso daquele acórdão indicado no facto «ix)» supra, para Supremo Tribunal Administrativo, não tendo aquele Tribunal admitido a revista, cfr. emerge de fls. 151 a 153 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
xi) A Direção Geral do Ensino Superior elaborou, em 09.04.2014, a informação I/DSAE/2014/012 pela qual se propôs, designadamente, a retificação das classificações do ensino secundário e o recálculo dos resultados finais do concurso, do qual resultava a não colocação da Autora, conforme emerge da certidão constante do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
xii) Em 10 de abril de 2014, a informação anteriormente identificada veio a merecer despacho concordante do Diretor-geral da DGES, conforme emerge da certidão constante do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em 14 de abril de 2014, foi elaborado o ofício n.º 788, com o "Assunto: Execução do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul — Processo n.º 09271/12 Concurso Nacional de acesso ao ensino superior 2012", dirigido à Autora e com o seguinte teor: "Em cumprimento da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão relativo ao Processo n.º 09271/12 e nos termos do meu despacho de 10 de abril de 2014, informa-se V. Exa. que foi retificada a sua situação no final do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2012, passando à situação de não colocada. Esta decisão resulta do recálculo das notas de candidatura para cada uma das suas opções de preferência, conforme demonstração em anexo, que passam a ser inferiores à nota de candidatura do último colocado. Para este recálculo foi considerada a classificação final de ensino secundário retificada de 197 para 185 pontos e comunicada a esta Direção-Geral pelo estabelecimento de ensino secundário através do Júri Nacional de Exames em 14 de fevereiro de 2014. Desta decisão será também notificada a instituição de ensino superior onde efetuou a respetiva matrícula e inscrição para efeitos de anulação das mesmas no par instituição/curso 0901 Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Médicas 9813 Medicina. Esta alteração da sua situação não prejudica a certificação das unidades curriculares em que obteve aprovação nem a sua eventual creditação.", conforme emerge fls. 40 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
xiv) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão a proferir senão os que antecedem.
O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base os elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica do conjunto da prova produzida nos autos, com referência à documentação constante dos autos.
Assente a factualidade que antecede, cabe, agora, entrar na apreciação da suscitada matéria excetiva.
i) VIOLAÇÃO DE CASO JULGADO
A exceção de caso julgado consiste na alegação de que a ação proposta já está decidida por sentença com trânsito em julgado.
Por outras palavras, consiste na alegação de que a causa é a repetição de outra anterior, já arrumada por sentença transitada em julgado [cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. III, 4.ª Ed., p. 86]
A verificação da exceção de caso julgado pressupõe em geral, que seja presente a Juízo uma causa já anteriormente apreciada, sendo esta repetição indiciada por uma tríplice identidade, cumulativa, isto é a coincidência simultânea de sujeitos, de pedido e de causa de pedir [cfr. art.ºs 580.° e 581.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.° 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos].
A exceção de caso julgado tem, essencialmente, o fito de prevenir que o Tribunal seja confrontado com a possibilidade de repetir o anteriormente decidido [ato inútil] ou contradizer o anteriormente decidido, com evidente prejuízo para a segurança jurídica.
Assim, em face da força e autoridade de sentença anterior, transitada em julgado, que recaíra sobre a mesma relação jurídica trazida à apreciação do tribunal, o juiz deve abster-se de apreciar de novo o mérito da causa [cfr. Alberto dos Reis, op. cit. p. 87], contudo, e como se prevê no art.° 621.° do atual CPC, tal ocorre dentro dos limites desse caso julgado, isto é, "nos precisos limites e termos em que se julga".
Importa, assim, ter presente o "caso julgado" tal como definido pelo art.° 619.° CPC [a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele] nos limites fixados pelos artigos 580.° e 581.° do CPC, e sem prejuízo do disposto nos artigos 696.° a 702.° do mesmo Código.
No caso em apreço, a exceção de caso julgado é invocada relativamente à ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, que correu termos sob o n.º de processo 1726/12.1BELSB, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e em que, de harmonia com a factualidade anteriormente assente, foram Intimantes os alunos do ensino recorrente, nos quais se incluía a Autora, e foi Intimado o Ministério da Educação e Ciência.
Embora se verifique não existir uma coincidência entre todas as partes que constavam da Intimação e as partes da presente demanda, é necessário ter presente que a decisão daquele processo vincula todas as partes daquele, onde se inclui, necessariamente, também a Autora, donde é forçoso concluir que, é aquela subjetivamente abrangida pelo efeito daquela decisão, verificando-se o requisito subjetivo de identidade das partes [parcial e no que à Autora diz respeito], entre aquela demanda e a presente.
Como resulta da matéria assente, nessa ação o pedido formulado foi "de desaplicar o regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, quer quanto a atos passados quer quanto ao futuro, no âmbito do ano letivo de 2011/2012",
Atentando ao teor literal dos pedidos, facilmente se concluiria pela não verificação da sua identidade, contudo, importa efetuar uma análise menos perfunctória.
Como referiu o colendo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 01035/15 [aresto de 07/10/2015] "a identidade dos pedidos é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe essa identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado".
Afirmou ainda, aquele colendo Tribunal, que tal é a "razão por que o conceito nuclear do caso julgado radica na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. E para se saber se existe ou não essa repetição, «deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação) fixado e desenvolvido no art.° 498.° [atual art.° 581.°], mas também à diretriz substancial traçada no n° 2 do artigo 497.° [atual art.° 580.°], onde se afirma que a exceção do caso julgado (tal como a da litispendência) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.a edição, Coimbra Editora, pág. 302.)".
Quanto ao pedido, portanto, e apesar da formulação utilizada pela Autora, verifica-se, em concreto, que o efeito jurídico pretendido (a pretensão) é a manutenção da sua situação, tal como se encontrava antes da prática do ato impugnado, correspondendo o remanescente petitório da Autora ao meio de atingir esse desiderato ou às consequências de o ter obtido.
Assim, o reconhecimento da manutenção de habilitação académica, à manutenção da matrícula e frequência da Autora no curso de medicina e o normal prosseguimento dos estudos, como reconhece a Autora e decorre do vocábulo "consequentemente" por esta utilizado no petitório, é a "consequência" da declaração de nulidade ou anulação do ato impugnado, ou seja um mero meio para atingir a sua pretensão de manter a sua classificação e de prosseguir a frequência do curso.
Destarte, se conclui que o efeito jurídico material visado com a presente ação coincide, então, com o que estava subjacente à intimação identificada nos factos assentes, e que era a desaplicação do regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de fevereiro, entretanto entrado em vigor, para que pudessem ser utilizadas as classificações finais obtidas no ensino recorrente no acesso ao ensino superior.
Consequentemente, considera-se existir identidade de pedidos entre a presente ação administrativa especial e a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias antes identificada.
Remanesce, ainda por apreciar a eventual coincidência no que concerne à causa de pedir.
Como ensinava Alberto dos Reis "a causa de pedir é o ato ou facto central da demanda, o núcleo essencial de que emerge o direito do autor" [CPC anotado op. cit. p. 351].
A ordem jurídica portuguesa exige que o autor, além de formular a sua pretensão, indique o facto de que a faz decorrer — a causa petendi — da qual irá emergir o iter através do qual o Tribunal irá apreciar a bondade da pretensão formulada.
Concretamente, resulta do n.º 4 do art.° 581.° do CPC que "há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações (...) de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido"
Donde se extrai a conclusão que é irrelevante, para efeitos da existência do caso julgado, de eventuais divergências ao nível do direito aplicado/aplicável, isto é, independentemente do efeitos e normas jurídicas que se extraia dos factos concretos.
O Autor, em sede de resposta às exceções, muito embora não se refira expressamente à exceção de caso julgado, alega relativamente à aplicabilidade do Decreto-Lei em causa, que "essas alterações devem, apenas e só afetar os alunos que frequentavam o ensino recorrente no ano letivo de 2011/2012, e não, alunos, que já há muito o haviam terminado (devidamente certificado pelo recorrente) como é o seu caso (...) este é o sentido do acórdão do TC, obviamente do TCAS, e não o que lhe pretende dar o Réu".
Se atentarmos às concretas causas de pedir da intimação, constantes do probatório que antecede, verifica-se que estas se prendem com o facto de i) os Intimantes serem alunos do ensino recorrente, detentores e não detentores do ensino secundário, inscritos nos termos do Decreto-Lei n.º 74/2004, cujas regras da certificação dos cursos e de avaliação (realização de exames não previstos e alteração da fórmula de cálculo da classificação final) foram alteradas pelo Decreto-Lei n.º 42/2012; ii) com a prática da entidade demandada de uma série de atos, adoção de normas e de definição de procedimentos ao abrigo deste diploma com consequências (no entender destes) desproporcionadas, irrazoáveis e imprevisíveis; iii) da interpretação efetuada pelo Réu restringir de forma inaceitável o núcleo essencial do seu direito à liberdade de aprender, do direito ao ensino, em condições de igualdade, de certeza e segurança jurídica (na sua perspetiva) e iv) da necessidade de aplicação de um regime transitório, sob pena de inconstitucionalidade.
Ou seja, os fundamentos ou causas de pedir da intimação são coincidentes com parte da causa de pedir da presente ação administrativa especial.
Por outra banda, convém ter presente que o presente ato foi praticado após a decisão que revogou a procedência da intimação, declarando-a improcedente mas antes do seu trânsito em julgado.
Não obstante se tratarem de atos distintos, a força de caso julgado impõe-se também ao presente conforme decorre do aresto do colendo Supremo Tribunal Administrativo, datado de 07.03.2006, proferido no processo 0803/02, em cujo sumário se afirma "as questões suscitadas e resolvidas na sentença anulatória, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do recorrente, estão compreendidas na expressão «precisos limites e termos em que se julga» do art.° 673.° do CPC, ao definir o alcance do caso julgado material, pelo que também o constituem. E tal não abrange apenas os fundamentos que determinaram a anulação, mas também o eventual juízo sobre a improcedência de outros vícios de que a sentença tomou conhecimento para decidir a pretensão do recorrente. Por isso, o Tribunal não pode voltar a apreciar os vícios substanciais julgados improcedentes na sentença anulatória, imputados agora ao ato renovado, por a tal obstar a autoridade do caso julgado formado por aquela sentença".
No mesmo sentido se pronuncia a doutrina, nomeadamente Mário Aroso de Almeida in Manual de processo administrativo, Almedina, 2.a Ed., p. 78: "É entretanto, desde há muito, pacificamente reconhecido que o caso julgado material formado pela sentença de anulação e nulidade dos atos administrativos não se limita ao reconhecimento da invalidade do ato anulado ou declarado nulo, mas também se estende à definição, em maior ou menor medida, dos termos em que (não) se deve processar o exercício futuro do poder manifestado através desses atos. (...) o processo (...) possui um objeto compósito, na medida em que a pretensão nele deduzida pelo autor tem uma dupla dimensão: por um lado, dirige-se 'concreta anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado, fundada no reconhecimento da sua invalidade; mas, por outro, também se dirige ao reconhecimento, por parte do Tribunal, de que a posição que a Administração assumiu com o ato impugnado não era fundada".
Resulta, assim, de tudo quanto o que foi anteriormente exposto que, tanto quanto respeite aos fundamentos daquela intimação, os mesmos não poderão ser usados para pôr em crise o ato impugnado, sob pena de violação do caso julgado, por consistirem em reapreciação da aplicabilidade do Decreto-Lei 42/2012 à situação da Autora.
Nem a isto obsta o entendimento da Autora de acordo com o qual existe diversidade material de situações, distinguindo entre os alunos que já tinham terminado o ensino recorrente em anos anteriores e os demais, porquanto esta foi parte (Intimante) naquela ação de intimação, e como tal ficou abrangida pelo caso julgado que aquela decisão que impõe que aquele Diploma lhe seja aplicável.
Assim, os fundamentos que, na ação em causa, respeitam à invalidade do despacho impugnado, por i) violação do princípio da segurança jurídica; ii) violação do acesso ao ensino superior; e iii) liberdade de escolha de profissão, todos relacionados com a aplicabilidade do Decreto-Lei 42/2012, ao caso em apreço, estão abrangidos pela eficácia ou força de caso julgado, impondo-se a este Tribunal.
Consequentemente, está a este Tribunal vedado o conhecimento das mencionadas causas de invalidade, verificando-se a exceção de caso julgado quanto a estas matérias.
Destarte, deve a presente ação prosseguir apenas para conhecimento das questões relativas ao conhecimento da nulidade do ato por assentar em ato não notificado à Autora, declaração de inexistência por esse facto, da falta de fundamentação e da falta de audição prévia.
Nestes termos, é a exceção de caso julgado parcialmente procedente, consequentemente, absolvendo-se o Réu da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas A), B), C) e G) da petição inicial.”

IV – Direito
Vem pela Autora interposto o presente Recurso do segmento do Despacho Saneador que julgou parcialmente procedente a exceção de caso julgado.
Analisemos então o suscitado:
Foi peticionado nas alíneas relativamente às quais o Recorrido foi absolvido da instância, o seguinte:
A) Reconhecendo-se que o ato impugnado nada tem que ver com o acórdão fundamento, sendo este declarado ilegal pelos apontados vícios de inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artº 2º da CRP e,
B) Principio de acesso ao ensino superior, conforme o previsto no artigo 73º e ss da CRP, mais concretamente no seu artigo 76º, nº 1 e ainda,
C) o princípio constitucional da liberdade de escolha de profissão previsto no artigo 47º da CRP que se encontram violados pelo ato impugnado
G) Anulado ainda por total violação de lei e contrario ao direito, na medida em que lhe é retirada uma habilitação académica que já detinha, desde anos anteriores ao da publicação do diploma legal epicentro desta situação;
Uma vez que a Recorrente só vem discordar relativamente ao preenchimento do pressuposto do caso julgado, da “identidade da causa de pedir”, apenas este será analisado.
Importa pois verificar se existirá entre a Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, preteritamente decidida e a presente Ação, identidade da causa de pedir.
A ocorrência da exceção de caso julgado, nos termos artigos 580º e 581º do CPC, pressupõe, em síntese, a existência de uma decisão que tenha já resolvido questão idêntica, entre as mesmas partes, por forma a evitar que possa vir a ser adotada decisão divergente.
Como referido por Manuel de Andrade, o caso julgado obsta «a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados».
Referia igualmente Antunes Varela que «a ordem pela qual, compreensivelmente, a lei enumera as três identidades caracterizadoras do caso julgado (a identidade do pedido, antes da identidade da causa de pedir) mostra que é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado».
Aqui, em concreto, a exceção de caso julgado foi invocada e declarada relativamente á intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, que correu termos sob processo nº 1726/12.1BELSB, do TAC de Lisboa, na qual a aqui Recorrente foi, entre muitos outros, Autora.
Em qualquer caso, como se disse já, por ser essa a única divergência entre as partes, importa apenas verificar se ocorrerá entre ambos os processos em causa, identidade da causa de pedir.
Entendeu o Tribunal a quo que "(...) os fundamentos ou causas de pedir da intimação são coincidentes com parte da causa de pedir da presente ação administrativa especial."
Decorre do nº 4 do art.º 581º do CPC que existe "(...) identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.”
Como afirmava Alberto dos Reis, no seu Código de Processo Civil Anotado, vol. III, págs. 121, 124, "há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma de lei invocada pela parte. A ação identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstrata da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal.
Daí vem que a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir", mais acrescentando que: "o Tribunal não conhece de puras abstrações, de meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam suscetíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir."
Referiu Rodrigues Bastos - "Notas ao Código de Processo Civil", Volume III, páginas 60 e 61 -, que "(...) enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual".
No que aqui releva, decidiu o Tribunal Constitucional no processo de intimação identificado, o que poderia justificar a “caso Julgado”, o seguinte:
"a) Não julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2º da CRP, as normas dos artigos 11.-°, nº.s 4 e 6, e 15º, nº 5, do Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 42/2012, de 22 de fevereiro, na interpretação segundo a qual as alterações normativas consagradas se aplicam, sem previsão de regime transitório, a todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente."
Resulta pois do decidido pelo Tribunal Constitucional que as controvertidas alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº. 42/2012, de 22 de fevereiro, não são inconstitucionais, sendo aplicáveis a todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente.
Na perspetiva da Recorrente, a decisão do TC ao não declarar a invocada inconstitucionalidade, não lhe será aplicável, na medida em que tem como destinatários tão-só os alunos “matriculados no ensino secundário recorrente”, sendo que a mesma se não encontra matriculada, pela singela razão de que havia já anteriormente completado o ensino recorrente no ano letivo anterior.
Aliás, a aqui Recorrente, já no ano letivo de 2010/2011, havia apresentado a sua candidatura ao ensino superior, sendo que as controvertidas alterações legislativas (DL nº 42/2012, de 22 de fevereiro), só entraram naturalmente em vigor no decurso do ano letivo de 2011/2012.
Sem que nos possamos evidentemente pronunciar face ao objeto da presente Ação, pois não é esse o objeto do presente Recurso, não pode, no entanto, deixar de se reconhecer que não existirá uma plena coincidência de identidade da causa de pedir na presente Ação e a pretérita Intimação, porquanto ambas as situações não procedem do mesmo facto e enquadramento jurídico.
Na realidade, na precedente intimação para a proteção de direito liberdade e garantias (processo nº 1726/12.1BELSB), que veio, a final, a ser decidida no Tribunal Constitucional, a aqui Recorrente, inserida no grupo dos seus Autores, requereu então singelamente que o Ministério da Educação fosse condenado a não aplicar o Decreto-Lei nº 42/2012, de 22 de Fevereiro, o que determinou a improcedência do peticionado, em virtude do Tribunal Constitucional se ter vindo a pronunciar pela Constitucionalidade do diploma, em função do peticionado.
Já na presente Ação, peticiona-se, bem ou mal, tão-só a aplicação do acórdão do TCAS à aqui Recorrente, na parte entendida como não abrangida pela decisão do Tribunal Constitucional, pois que de acordo com a Recorrente, o TC apenas se referiu à aplicação do Decreto-Lei nº 42/2012, de 22 de Fevereiro, que alterou o disposto no Decreto-lei nº 74/2006, de 26 de Março, a "todos os alunos matriculados no ensino recorrente" o que não seria já a sua situação, pois que, como se disse, havia já anteriormente concluído o ensino Recorrente (Não estando assim matriculada no mesmo).
Admite-se que, em função do modo como vem configurada a presente ação, o entendimento adotado pela Recorrente merece acolhimento, devendo o suscitado na mesma ser objeto de uma apreciação de mérito autónoma, em face do que inexistirá a declarada identidade da causa de pedir de ambos os processos em confronto.
Assim sendo e em síntese, na pretérita intimação, a causa de pedir circunscrever-se-ia à verificação da constitucionalidade dos artigos 11.º, n.ºs 4 e 6, e 15º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de Fevereiro, em decorrência da introdução de alterações na ordem jurídica a meio do ano letivo de 2011/2012, afetando as expectativas jurídicas criadas aos alunos matriculados nesse ano letivo no ensino recorrente, enquanto que na presente ação administrativa estaria já em causa a situação daqueles, como a aqui Recorrente, que já haviam anteriormente concluído o ensino recorrente, no ano letivo anterior (2010/2011) e com base no qual se haviam já candidatado ao ensino superior.
Sem prejuízo do que venha a ser decidido, a final, o que está em causa na presente Ação, diferentemente face à pretérita Intimação, é o facto de terem alegadamente sido retiradas à aqui Recorrente, habilitações que lhe haviam sido conferidas no ano transato, e que lhe permitiriam candidatar-se ao ensino superior.
Em função do peticionado na presente Ação, a Autora, aqui Recorrente terá adquirido o direito de se candidatar ao ensino superior no ano de 2010/2011, ainda antes das alterações introduzidas no Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de Fevereiro, o que lhe permitiria apresentar a sua candidatura ao ensino superior no ano letivo de 2011/2012 - ano letivo seguinte ao terminus do ensino secundário - e no ano letivo de 2012/2013, que é exatamente o que está em causa na presente Ação.
Aqui chegados, importa concluir que ambos os Processos (Intimação e presente Ação), ainda que, com coincidência de sujeitos e de pedido, têm divergente Causa de pedir, pois que, embora assentando em Idêntica posição normativa, tem, no entanto, diferentes factos constitutivos.
Com a decisão a proferir na presente Ação, seja ela qual for, não é beliscada a decisão adotada na Intimação, por, em função do aqui peticionado, não convergirem ambos os processos na identidade da causa de pedir, em função dos dois distintos enquadramentos jurídicos, não obstante os pedidos serem idênticos, pois que, como é unanimemente reconhecido, a exceção do caso julgado apenas ocorre nas situações de plena identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir, faltando aqui este último pressuposto, em função do modo como a Ação foi configurada.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando-se o segmento recorrido do identificado despacho, devendo a Ação prosseguir os seus subsequentes trâmites em 1ª instância.
Custas pela Entidade Recorrida.
Porto, 30 de maio de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Migueis Garcia