Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00114/11.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PROVA
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
ART. 13.º CPPT
ART. 99.º LGT
Sumário:I - Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, em despacho devidamente fundamentado.
II - O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso do despacho interlocutório
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C..., LDA., pessoa colectiva n.º 5…, com sede em L…, concelho de Tondela, interpôs recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferido em 08/07/2011, que dispensou a produção de prova testemunhal, e, bem assim, da sentença proferida em 24/03/2014, pelo mesmo Tribunal e que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta contra as liquidações de IVA do ano de 2006 e juros compensatórios no montante global de € 113.671,47.

Relativamente ao recurso do despacho que dispensou a produção de prova testemunhal, a Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
A. A C..., LDA., apresentou uma impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA com referência ao ano de 2006.
B. As liquidações adicionais de IVA impugnadas nos presentes autos resultam do facto de a Administração Fiscal não aceitar a dedutibilidade do IVA suportado com a aquisição de vinho e de uvas às sociedades comerciais Caves…, Lda, e V…, Lda., porquanto desconsiderou a existência de tais transacções comerciais.
C. A C... alegou, todavia, a efectividade dessas transacções na sua petição de impugnação e descreveu factos objectivos que sustentam essa mesma efectividade (cfr. artigos 14.º, 21.º, 22.°, 24.° e 30.° do articulado inicial).
D. Para prova desses factos, a C... arrolou, na petição de impugnação judicial, testemunhas que têm conhecimento directo dos factos em apreço, da real situação patrimonial da C... e das mercadorias adquiridas e vendidas pela empresa, e que, consequentemente, seriam úteis à prova da efectividade das transacções efectuadas e inerente possibilidade de dedução do IVA então suportado.
E. A natureza dos factos alegados impõe, com especial pertinência, que sejam ouvidas as testemunhas que podem fornecer ao Tribunal factos objectivos que confirmem ou infirmem o narrado naqueles artigos da impugnação judicial.
F. O apuramento da situação patrimonial da C... e da efectiva aquisição das mercadorias em causa necessita, para além de uma cuidadosa e profunda análise dos documentos apresentados, da inquirição das testemunhas arroladas que, pelo conhecimento directo e especializado que possuem, são essenciais para a boa decisão da presente lide e esclarecimento dos factos de que cumpre conhecer.
G. O despacho recorrido que dispensa a inquirição das testemunhas infringe o preceituado no artigo 99° da LGT e nos artigos 114°, 115°, 118.° e 119.° do CPPT e deve ser revogado, com todas as consequências legais.
Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, com todas as consequências legais, nomeadamente, ordenando-se a realização da inquirição de testemunhas requerida.

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Não houve contra-alegações.
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Relativamente ao recurso interposto da sentença, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a alegada dívida de IVA adicionalmente liquidada à C... com referência ao exercício de 2006.
B. Tal liquidação adicional, mantida pelo Tribunal a quo, decorreu do facto de a Administração Fiscal ter considerado que as operações de aquisição de vinho e uvas às sociedades comerciais Caves…, Lda. e V…, Lda. no exercício de 2006 não ocorreram de facto, razão pela qual a dedução do respectivo IVA titulado pelas mesmas facturas havia sido indevida.
C. A C... não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, razão pela qual deduz o presente recurso.
Do défice instrutório:
D. O Tribunal a quo considerou que a Impugnante não logrou afastar os indícios apontados no relatório de inspecção tributária; todavia, paradoxalmente, não ordenou nos autos a realização das diligências de prova que se impunham para o apuramento dos factos alegados e que vêm, inclusivamente, propostas e requeridas pela C....
E. A C... apontou, na petição que dá causa aos presentes autos, um conjunto de factos susceptíveis de afastar a pretensão tributária subjacente às liquidações impugnadas.
F. Perante os factos trazidos aos autos pela C..., ao Tribunal incumbia a promoção processual de todas as diligências com vista ao esclarecimento material e substancial desses factos fundamentais sujeitos a julgamento, nos termos do disposto nos artigos 13.°, n.° 1 e 115.°, n.° 1, do CPPT e 99.°, n.° 1, da LGT.
G. O processo tributário é enformado pelos estruturantes princípios de justiça, da procura da verdade material e do inquisitório, que impõem que o julgador realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cf., em especial, artigos 99°, n.° 1, da LGT e 13°, n.° 1, do CPPT e Acs. STA de 2/7/97, rec. 21.502, 5/4/00, rec. nº 24.713 ou 12/2/2003, proc. 01293/02), não estando o julgador sequer limitado às provas que as partes apresentarem ou requererem.
H. A omissão do Tribunal a quo é tanto mais manifesta quanto a própria Impugnante, na sua petição inicial, requereu a inquirição dos funcionários que procederam ao registo, transporte, recepção ou pagamento das mercadorias em questão e a realização de perícia colegial à sua contabilidade e existências, visando comprovar a aquisição da mercadoria em causa à Caves…, Lda. e V… Lda. e a respectiva indispensabilidade para a realização dos proveitos que declarou e sujeitou a imposto.
I. O Tribunal a quo fez tábua rasa dos princípios do inquisitório e da busca da verdade material nos presentes autos, verificando-se um manifesto défice instrutório, que influi na decisão da causa, na medida em que a prova dos factos alegados nos autos que frontalmente afastam a pretensão da Administração Fiscal é indiscutivelmente relevante para a justa composição da lide, podendo, em consequência, influir decisivamente na decisão da causa.
J. Por via da omissão das diligências úteis ao apuramento da verdade em face dos factos alegados, foi cometida uma irregularidade no processo que influi no exame ou decisão da causa, redundando, assim, tal irregularidade processual numa nulidade, nos termos do disposto no artigo 201.°, n.° 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT.
De todo o modo,
K. O Tribunal a quo, ao não ter ordenado as diligências tendentes ao apuramento da efectividade das transacções em causa, como lhe era legalmente exigível (nomeadamente, ordenando a perícia requerida na petição inicial ou a inquirição dos trabalhadores com conhecimento directo dos factos, que veio igualmente requerida na petição inicial), violou os princípios do inquisitório e do apuramento da verdade material (artigos 13.°, n.° 1, do CPPT e 99.°, n.° 1 da LGT), razão pela qual a sentença recorrida deve ser revogada em conformidade, o que se requer.
Caso assim não se entenda,
Da nulidade resultante da não produção da prova pericial requerida
L. Na petição de impugnação que dá causa aos presentes autos, a C... requereu a realização de uma perícia à sua contabilidade para comprovação do exposto nos artigos 14.º e ss. da mesma petição inicial, designadamente, tendo em conta as existências iniciais e finais de 2006, deveria esclarecer-se se, sem a aquisição de mercadorias à sociedade comercial Caves…, Lda. e à V…, Lda., teria sido possível o volume de vendas registado naquele exercício.
M. A C... requereu, pois, a realização de uma perícia, indicando o respectivo objecto e enunciando a questão de facto que pretendia - e continua a pretender - com a mesma ver esclarecida, tudo em cumprimento do disposto nos artigos 108.°, n.° 3 e 116.° do CPPT e 475.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, reputando tal produção de prova por necessária para assegurar a possibilidade de defesa judicial do seu direito de dedução fiscal do IVA suportado nas aquisições realizadas no exercício de 2006 à Caves…, Lda. e à V…, Lda.
N. Tal prova requerida não foi produzida em primeira instância, tendo sido proferida sentença sem que a prova pericial fosse ordenada, e sem que a C... tivesse sido notificada de qualquer despacho que houvesse incidido sobre tal requerimento de produção de prova pericial que a tivesse expressa e concretamente indeferido.
O. Esta irregularidade cometida no processo influi no exame ou decisão da causa, porquanto a decisão de dispensar ou de ordenar a realização da prova pericial é indiscutivelmente relevante, podendo influir decisivamente na decisão da causa (e, no caso concreto, tanto influi na decisão da causa, que o Tribunal a quo acaba por considerar que a C... não fez prova da referida indispensabilidade das compras para as vendas que realizou e existências finais).
P. Por via da omissão de decisão sobre a realização da requerida perícia nos autos, foi cometida uma irregularidade no processo (violação do disposto nos artigos 13.° e 115.° do CPPT, 99.°, n.° 1, da LGT, 152.°, n.° 1, e 476.° do CPC (aplicáveis ex vi artigo 2°, alínea e), do CPPT) que influi no exame ou decisão da causa, consubstanciando-se, assim, tal irregularidade processual numa nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.° 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT, nulidade que aqui expressamente se vem arguir, com as devidas e legais consequências. - Ac. STA de 31.01.2002, rec. 26653 e Ac. STA de 10.07.2002, proferido no proc. 025998.
Q. E não se admitirá sequer a hipótese de a prova pericial requerida ter sido implicitamente indeferida nos presentes autos aquando da prolação de despacho de indeferimento da produção de prova testemunhal - cf. despacho de 8 de Julho de 2011, caso em que, nessa hipótese que ora se admite por mero dever de patrocínio, sempre ocorreria, desde logo, uma manifesta violação do princípio do contraditório nos presentes autos (consagrado no artigo 3.°, n.° 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT), consubstanciando-se tal violação numa irregularidade que, de per se, influi na decisão da causa e que, como tal, é cominada com nulidade nos termos do disposto no artigo 195.°, n.° 1, do CPC ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT, que, à cautela, aqui expressamente, e igualmente, se vem arguir.
R. Sendo certo que, atentos os mais basilares princípios constitucionais, como o principio constitucional de tutela jurisdicional efectiva (cf. art.° 20.º da CRP), e processuais, como o principio da tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária (cf. artigo 96.° do CPPT) ou o principio geral da boa fé, as decisões que afectem os interesses das partes - como vem a ser a decisão de indeferir ou ordenar a produção de um meio de prova requerido -, devem ser - e só podem ser - expressas, assumidas ou declaradas, por forma a que, sendo comunicadas às partes, sobre as mesmas os sujeitos processuais possam tomar a devida posição e accionar os mecanismos de reacção que eventual e legalmente lhes assistam, não sendo sequer possível compatibilizar o dever de fundamentação das decisões dos juízes, patente, por exemplo, no artigo 154.° do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, com uma decisão que não seja tomada de forma expressa.
De todo o modo,
Da nulidade por falta de fundamentação de facto da decisão aqui posta em crise
S. Na alínea C) dos factos provados, o Tribunal a quo julgou, de uma forma de sobremaneira original, todo um conjunto de indícios e conclusões constantes do relatório de inspecção tributária, limitando-se a transcrever uma parte do relatório de inspecção tributária com base no qual foram emitidas as liquidações adicionais impugnadas nestes autos.
T. As conclusões vertidas no relatório de inspecção tributária não constituem, por si, factos: são, precisamente, meras conclusões e ilações da autoria da Exma. Inspectora Tributária que, naturalmente, não se podem travestir de factos e não podem ser julgados provados, sem mais, como aparentemente o faz o Tribunal a quo, para mais sem fundamentar a sua convicção relativamente a esses factos.
U. Ao Tribunal a quo competia retirar as suas próprias conclusões em face dos factos que considerasse provados nos autos.
V. Discriminar provém do latim discriminare e tem por base cernere (passar pelo crivo”, “peneirar”), e significa precisamente separar, diferenciar, distinguir, o mesmo é dizer especificar e individualizar os factos a fim de se poderem distinguir, de forma a que sobre eles se faça a adequada subsunção jurídica.
W. Reproduzir um excerto do relatório de inspecção tributária - donde constam, note-se, conclusões retiradas pela Sra. Inspectora - obviamente não satisfaz os requisitos legais e de forma alguma pode ser referenciado como matéria de facto.
X. Não basta reproduzir extractos (na sua esmagadora maioria, conclusivos ou consubstanciando indícios relativos a terceiros A Caves…, Lda. e a V…, Lda., a que a C... é necessariamente alheia) do relatório de inspecção tributária, mas impõe-se especificar e individualizar os factos nela vertidos, e os elementos que levaram a que a convicção do Juiz, de que os mesmos resultaram provados ou não provados, se formasse - o que não sucede no caso dos autos, razão pela qual, também por esta via, a sentença deverá ser nula por absoluta ausência de motivação factual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.° 1 e 615.º, n.° 1, alínea b), do CPC, e artigos 2.°, alínea e), e 125.° do CPPT e aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
Sem prescindir,
Da matéria de facto:
Da alínea C) dos factos provados:
Y. Ainda no que respeita à referida alínea C) dos factos dados como provados, em que o Tribunal a quo se limitou a transcrever uma parte do relatório de inspecção tributária, importará relembrar que a Lei não atribui qualquer especial valor probatório aos relatórios de inspecção tributária em relação à prova produzida pelos contribuintes.
Z. Para prova da efectividade das aquisições, constam do procedimento administrativo junto aos autos múltiplos elementos documentais/contabilísticos relativos às transacções efectuadas com a Caves…, Lda. e a V…, Lda.
AA. Em acréscimo, a C... arrolou diferentes testemunhas, entre os quais, por exemplo, vários fiéis dos diferentes armazéns onde foram recepcionados o vinho e uvas adquiridos aos fornecedores em questão (muito embora a respectiva inquirição tenha sido dispensada pelo Tribunal a quo, por despacho de 08.07.2011, o que, aliás, motivou o recurso oportunamente interposto pela C... e que agora irá subir).
BB. E, ademais, para demonstrar a efectividade das aquisições de vinho efectuadas, requereu na sua petição de impugnação, inclusivamente, uma perícia à sua contabilidade para, perante a comprovação das existências iniciais e finais de 2006, apurar se teria sido possível atingir o volume de vendas realizado naquele exercício pela C... (e que foi sujeito a imposto) sem a aquisição das mercadorias em questão à Caves…, Lda. e à V…, Lda. — perícia que, relembre-se, não chegou a ser ordenada pelo Tribunal, nem por este expressamente dispensada, o que motivou, aliás, o vício já apontado supra.
CC. A genuinidade ou falsidade dos documentos que constam dos autos não foram arguidas pela Administração Tributária, nem foi feita prova de os mesmos documentos não fazerem parte da contabilidade da C..., por exemplo.
DD. O Tribunal a quo não poderia ter considerado como provado - ainda para mais sem sequer fundamentar essa sua convicção e limitando-se a transcrever as conclusões de um relatório de inspecção tributária -, todo um conjunto de factos (ou melhor, indícios e conclusões) que resultaram contraditados pelos elementos documentais que, sem serem impugnados pela contra-parte, se encontram juntos aos autos.
EE. Assim, sem prescindir da nulidade já invocada por ausência absoluta de fundamentação de facto da sentença aqui posta em crise, sempre se impõe desde logo, e uma vez que não se encontram enunciadas os fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal a quo de julgar provada esta concreta alínea C) da matéria assente, e considerando que os factos (rectius, indícios e conclusões) nela contidos se reputam por essenciais para o julgamento da causa, deverá ser ordenada a baixa do processo à 1.ª instância nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT.
FF. E, em acréscimo, atenta a deficiência da decisão sobre esta alínea da matéria de facto, deverá a mesma ser anulada, nos termos do disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, com as demais consequências legais.
GG. Se assim não se entender, e considerando o que se vem de expor, sempre se imporá a alteração do julgamento efectuado sobre a alínea C) da matéria de facto dada como provada, passando tal alínea para o elenco dos factos não provados, o que aqui respeitosamente se requer, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 662.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT.
Das alíneas A) e B) dos factos não provados:
HH. A decisão da matéria de facto, constante da alínea B) dos factos não provados, revela-se deficiente, em face da comprovação da possibilidade de apuramento dos montantes das existências, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 662.°, n.° 2, alínea c), do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, se requer a este Tribunal se digne anular a decisão da matéria de facto constante da referida alínea.
Em acréscimo,
II. A não prova do facto constante da alínea A) dos factos não provados (para além de não se encontrar, uma vez mais, justificada ou fundamentada) sempre vem contrariada pelos elementos dos autos e até pelo senso comum.
JJ. Os indícios recolhidos pela Administração Fiscal respeitam às vendedoras ou fornecedoras: à Caves… Lda. e à V…, Lda; a C... não sabe, nem pode saber, sobre as considerações que são tecidas no Relatório de Inspecção Tributária sobre esses fornecedores, nem se estes são contribuintes cumpridores, quais as viaturas que utilizam na sua actividade comercial - se próprias, se locadas, se emprestadas, se outro -, onde armazenam as suas mercadorias ou onde as adquirem.
KK. A circunstância de os fornecedores poderem encontrar-se em situação fiscal irregular não pode prejudicar a C... que se limitou a celebrar com essas empresas transacções comerciais, pagou o preço acordado e entregou-lhes o IVA legalmente devido. - cf. Ac. TCA Sul de 21.05.2002, proferido no proc. o.° 6316/02.
LL. A C..., para vender o vinho que vendeu, necessariamente precisou que tal vinho e uvas viessem de algum lado.
MM. O ónus da prova que incide sobre a C... não se estende ao ponto de lhe incumbir provar onde terá o seu fornecedor adquirido a mercadoria que lhe vendeu.
NN. A C... demonstrou nos autos que adquiriu as mercadorias em questão, como aliás, facilmente se conclui através do dizer popular invocado pelo Tribunal noutros processos entre as mesmas partes:
“Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”.
OO. Se, como resulta do anexo III ao Relatório de Inspecção Tributária, a C... vendeu 209.487.960,00 ltrs de vinho durante o ano de 2006 - cf. anexo III do Relatório de Inspecção Tributária, sendo certo que estas vendas do exercício de 2006 concorreram para os proveitos realizados nesse exercício, tendo sido sujeitas a imposto.
PP. A C... apenas tinha existências iniciais no ano de 2006 no montante de 87.082.328 ltrs (cf. Anexo 1 do Relatório de Inspecção Tributária);
QQ. A C... vem a ter existências finais, nesse mesmo exercício, de 83.215.639 ltrs (cf. Anexo I do Relatório de Inspecção Tributária);
RR. A C... necessitou de adquirir vinho e uvas ao fornecedor em questão, caso contrário, sem ter comprado vinho ou matéria-prima para o efeito, não poderia ter vendido os litros de vinho que vendeu e, ainda assim, ter as existências finais que teve.
SS. A C... não possuía, no início de 2006, o vinho que logrou vender durante o ano, pelo que teve necessariamente de o adquirir, tendo-o feito, entre outros fornecedores, à Caves…, Lda. e à V…; o mesmo será dizer que à C..., os cabritos que vendeu, vieram-lhe das aquisições que fez a esses fornecedores, que ora são reputadas como inexistentes.
TT. O Tribunal a quo não poderia ter considerado como não provado, ainda para mais com a fundamentação com que o fez (conforme já se adiantou supra) um facto é corroborado pelos documentos contabilísticos e reforçado por toda a demonstração de vendas e aquisições efectuadas e mesmo pelo senso comum, pelo que se impõe a sua alteração, passando esta alínea A) dos factos não provados para o elenco dos factos provados, o que aqui respeitosamente se requer, ao abrigo do disposto no artigo 662.°, n.° 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT.
UU. No modesto entender da C..., este facto provado impunha uma decisão diferente daquela que veio a ser, a final, proferida: impunha a procedência da impugnação das liquidações adicionais de IVA do exercício de 2006, por o IVA das referidas aquisições, suportado pela C..., ter sido por si legitimamente deduzido, ao abrigo do disposto nos artigos 19.º a 22.° do CIVA.
Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 159/162 dos autos, no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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Objecto do recurso - por ora, a única questão a apreciar e decidir é a seguinte:
Fundamentação do despacho judicial recorrido

II. Fundamentação

1. Matéria de facto

Com interesse para a decisão dos presentes recursos, considera-se apurada a seguinte factualidade:
§ – O despacho que dispensou a produção de prova testemunhal tem o seguinte teor:
“(…)
Veio a Impugnante indicar os artigos da PI sobre os quais hão-de versar os depoimentos requeridos.
Importa, agora, em jeito de saneamento dos autos, apreciar se os artigos indicados, pela Impugnante, consubstanciam matéria de facto, e a sê-lo, averiguar se os mesmos não são susceptíveis de prova documental, inclusive junta nos autos.
Assim vejamos.
São indicados os seguintes artigos/pontos da Petição Inicial:
- 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, e 30.º.
Da leitura de todos os artigos indicados, afigura-se-nos dispensável a produção de prova testemunhal relativamente aos mesmos.
*
Fundamentando.
Dos artigos indicados a grande maioria tem suporte documental, consistindo muitos dos artigos em ilações retiradas dos próprios documentos, e enquanto tal, isso só é admissível em sede de alegações.
Falamos do(s) artigo(s), 22.º, 30.º.
No mais o teor dos artigos/pontos indicados é de conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, logo não carece de qualquer produção de prova, constituindo alguns factos notórios que não carecem de alegação ou de prova.
Neste último segmento enquadram-se os seguintes artigos: 21.º, 23.º, 24.º (estes dois últimos também por documento).
*
A isto acresce, a regra contida no art. 393.º do CC, definindo as limitações da admissibilidade da prova testemunhal, afastando este meio de prova quando o facto (sublinhado nosso) estiver plenamente provado por documento ou outro meio de prova com força probatória plena.
O exposto deve ser conjugado com o teor do art. 342.º do mesmo diploma, o qual nos indica que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (sublinhado nosso).
Pelo exposto, o Tribunal dispensa a inquirição das testemunhas arroladas, nos termos do art. 114.º do CPPT.
(…)”
§ - Este despacho foi proferido após apresentação de peça processual pela impugnante, enviada por correio registado em 21/06/2011, cujo teor transcrevemos parcialmente:
“(…) C..., Lda. vem, em cumprimento do ordenado, informar que mantém interesse na produção da prova testemunhal requerida, devendo os depoimentos das testemunhas versar sobre os factos constantes dos artigos 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 30.º da petição de impugnação.
Estes factos não têm suporte documental directo e os depoimentos das testemunhas revelar-se-ão esclarecedores no que se refere, especialmente, à efectividade das transacções realizadas com a Caves…, Lda. e a V…, Lda. no ano de 2006. (…)”

§ - A sentença recorrida deu como assente os seguintes factos:

“A) A Impugnante declarou o início de atividade em 01/01/1975, e é sujeito passivo de IRC, coletada no Serviço de Finanças de Tondela, exercendo a atividade de "Comércio por grosso de bebidas alcoólicas" com o código CAE n° 51341 (atual 46341) e enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável. Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, apresentando continuadamente crédito de IVA, cfr. Relatório de Inspeção, fls. 4 e 5 que correspondem a fls. 24 e 25 do PA, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; estes factos não foram questionados pela Impugnante;
B) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu realizaram ação de inspeção à sociedade impugnante, em cumprimento da Ordem de Serviço n° OI 201000065 com código de atividade 12215019 emitida pela Divisão de Inspeção Tributária I, a qual foi desencadeada por proposta de análise interna, de âmbito geral e incidência no exercício de 2006, cujo procedimento teve início em 26/01/2010 e terminou em 14/07/2010, vide fls. 4 do Relatório constantes de fls. 24 do PA;
C) Do relatório de inspeção tributária elaborado extrata-se:
"A.1 Existências
A sociedade não declara inventário permanente das mercadorias. As existências declaradas correspondem ao saldo de quantidade existente em cada um destes livros e em cada armazém a data de 31 de Dezembro.
... os livros de registo das existências somente apresentam o registo dos movimentos das mercadorias por DA e ou DAA não havendo qualquer correspondência com a fatura contabilística e ou mesmo a guia.
Deste modo contabilisticamente a existência somente de inventário intermitente implica a falta de conhecimento, no decurso do exercício, das quantidades e do valor das existências em armazém e impossibilidade de um apuramento, a qualquer momento, dos resultados obtidos nas vendas.
Por outro lado, tendo-se procurado fazer um confronto entre o registo contabilístico das faturas de aquisição, a data de receção das respetivas vendas e o seu registo nos respetivos livros de contas correntes de existências, verifica -se, por vezes, um desmesurado desfasamento temporal.

Verificam-se ainda situações de entregas diretas, isto é, a sociedade por vezes compra a dado fornecedor e vende diretamente para o cliente, isto é, a mercadoria não entra em qualquer armazém da sociedade, indo diretamente do fornecedor para o cliente.
A.3.1 - Compras-Mat. Primas, Subsid. e de Consumo
Atendendo aos quadros conclui-se que a sociedade declarou ter vinificados a quantidade total de 137.406 hectolitros (13.740.600 litros).
Foi questionado como foi obtida a quantidade de litros a partir das uvas recepcionadas ao técnico dos escritórios que elabora os mapas ma Lagesosa, tendo este referido que não foi utilizado qualquer cálculo tendo sido dados fornecidos pela administração
Foram confrontados os mapas apresentados ao IVV, em que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade com a respetiva faturação constante da contabilidade, tendo sido detectados vários tipos de irregularidades.
i) a quantidade declarada no mapa apresentado ao IVV não coincide com a constantes das facturas (do respectivo fornecedor de uvas) registado na contabilidade.
Foi solicitada a justificação à sociedade, tendo sido dito que o correcto é o contabilizado, que os mapas do IVV foram realizados manualmente, não conseguindo justificar a razão das diferenças, referindo ter sido lapso
que se encontram discriminados todos os fornecedores de uvas e a respectiva quantidade ... tendo sido detectadas facturas para sujeitos passivos já falecidos... referiram que é muito dificil o seu controlo, sendo muitas vezes os descendentes que trazem as uvas com o cartão do vinicultor ainda em nome do falecido .
... os documentos de aquisição (documentos internos) e de acompanhamento (DA's) de uvas são realizados na própria empresa. Dos documentos internos de aquisição, uma parte é realizada num programa específico enquanto a outra é efectuada no processador Word. Relativamente a estes últimos documentos a funcionária encarregou de os emitir alegou utilizar sempre o mesmo original, não dispondo assim de qualquer salvaguarda em suporte informático.
A.4 - Acareação: Existências - Compras - Vendas
... considerando todos os pressupostos acima expostos, pode aferir-se que os registos contabilísticos da sociedade (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) não permitem um efectivo controlo das existências finais e vendas a partir das existências iniciais, compras e produção.

... tendo-se tentado realizar o confronto entre os registos das existências, produção, compras e vendas, uma das conclusões a que se chega é que as diferenças tanto são no sentido positivo como negativo.
(…)
B - Identificação e análise de fornecedores não declarantes
Decorrente da análise de reembolsos de IVA solicitados pela sociedade inspeccionada relativamente, ainda ao exercício de 2004, onde constava, o fornecedor "Caves…, Lda. ". com N/PC: 5…, que evidenciava no cadastro do sistema informático incumprimento continuado das suas obrigações declarativas em sede de IVA e IRC, foi realizada informação e proposta a emissão de fichas de prospecção, tendo sido remetidas à respectiva Direcção de Finanças de lisboa, da área da sede/domicílio do sujeito passivo.
(…)
Foram recolhidos indícios que nos permitem concluir que as facturas emitidas pela entidade "Caves…, Lda. ", ao sujeito passivo em análise, não traduzem operações efectivas.
(…)
As facturas de mercadorias emitidas por “Caves …”, e "V… ", foram todas realizadas com liquidação de IVA, contudo as correspondentes mercadorias deram entrada nos livros de contas correntes de existências, dos entrepostos de "C... ", conjuntamente com outras adquiridas com isenção, não se verificando qualquer separação.
- como foi liquidado IVA em todas as facturas de "Caves … " e de "V… ", tal implicou que a sociedade "C..." deduzisse tal imposto nas suas declarações periódicas (solicitando o reembolso ao Estado) e o emitente (no caso das "Caves …"). sujeito passivo não declarante não entregasse nos cofres cio Estado o respectivo imposto liquidado.
Atendendo aos factos anteriormente descritos e à análise realizada, reforçam-se os indícios indicados nos elementos enviados pelas Direcções de Finanças de lisboa e de Santarém no sentido da inexistência de transacções entre as entidades "Caves…, Lda." e "C… " e entre "V…, Lda." e "C… ".
Os factos enunciados sustentam que as operações entre as empresas "C…. Lda. ". NIPC: 5…e "V…. Lda. ". NIPC: 5… (emitentes) e o sujeito passivo 'C..., SA' N/PC 5… (utilizador), foram inexistentes na medida em que não suportam qualquer venda de mercadoria efectiva, tratando-se de transacções fictícias, com o único objectivo de obtenção de vantagem patrimonial, consubstanciada na dedução indevida de IVA e na contabilização de custos, com reflexos no apuramento da matéria tributável em IRC.(. . .), cfr. fls. 13 a 61 do Relatório constante do PA;
D) A impugnante foi notificada do projeto de relatório da inspeção tributária, por ofício n.º 07801, de 20/07/2010 da Direção de Finanças de Viseu, a fim de poder exercer o direito de audição nos termos do art.60.º da LGT e do art.60.º do RCPIT, o que fez através de requerimento apresentado em 10/12/2009, vide fls. 13 a 17 do PA anexo.
E) Por ofício n.º 14175 de 17/12/2009, foi a impugnante, notificada do relatório de inspeção tributária, vide fls. 18 e 19 do PA;
F) Na sequência do mencionado relatório de inspeção tributária, foram emitidas as liquidações impugnadas n.ºs 10291318, 10291320, 10291322, 10291324, 10291326, 10291324, 10291326, 10291328, 10291330, 10291332, 10291334, 10291336, 10291319, 10291321, 10291323, 10291325, 10291327, 10291329, 10291331, 10291333, 10291335 e 10291337, no montante global a pagar de € 113.671,47, de que a Impugnante foi notificada no início de Setembro de 2010, constando das aludidas liquidações, como data limite de pagamento, o dia 30/11/2010, cfr. fls. 13 a 32 destes autos;
G) A presente impugnação foi apresentada, via postal, expedida em 24/02/2011, vide código de barras do registo postal aposto a fls.2 dos autos. folha 1 da P.I..
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Factos não provados
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa outros factos que estejam em contradição com os supra referidos, nomeadamente:
A) As aquisições de mercadorias às sociedades Comerciais Caves…, Lda. e V…, Lda., durante o exercício de 2006 e os demais que têm as referidas aquisições como pressuposto.
B) Que, relativamente ao ano de 2006, os registos contabilísticos da Impugnante (sem inventário permanente) e seus auxiliares (mapas de existências) permitam um efetivo controlo das existências finais e vendas a partir das existências iniciais, compras e produção.
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A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos documentais e outros indicados em cada alínea dos factos provados e não provados.”

2. O Direito

As liquidações adicionais de IVA impugnadas nos presentes autos resultam do facto de a Administração Fiscal não ter aceitado a dedutibilidade do IVA suportado com a aquisição de vinho e de uvas às sociedades comerciais Caves…, Lda. e V…, Lda., porquanto desconsiderou a existência de tais transacções comerciais.
A recorrente alegou a efectividade dessas transacções na sua petição de impugnação:
No artigo 14.º refere que as mercadorias foram efectivamente adquiridas tal como decorre dos documentos contabilísticos regularmente arquivados, e utilizadas na actividade comercial da C..., Lda.
Vinho e uvas são as mercadorias que a ora recorrente necessita para o desenrolar da sua actividade, visto que se dedica ao armazenamento e compra para revenda de vinho e produtos vínicos – cfr. artigo 21.º da petição inicial.
No artigo 22.º invoca que no ano de 2006, para além das inúmeras compras de vinho e uvas que efectuou, teve necessidade de adquirir à Caves…, Lda., e à V…, Lda. vinho e uvas, tendo efectivamente pago por essas mercadorias o montante acordado.
A justificação para comprar mercadorias a este fornecedor – classificado pela Administração Fiscal como «não habitual», mas que se tornou um fornecedor regular desde então - , deveu-se ao facto de tais aquisições se revelarem vantajosas para a C..., Lda. do ponto de vista comercial – cfr. artigo 23.º da petição inicial.
No artigo 24.º refere que tais compras serviram para incrementar a actividade comercial da C..., Lda., permitindo-lhe aumentar as vendas e os respectivos proveitos, os quais foram, naturalmente, sujeitos a imposto.
No artigo 30.º da petição de impugnação invoca que a C..., Lda. pagou efectivamente à Caves…, Lda, e à V…, Lda. pelas mercadorias em causa, tendo esta realmente entregue o vinho e as uvas, as quais foram, posteriormente, utilizadas na actividade comercial da aqui recorrente.
Para prova desses factos, a C..., Lda. arrolou, na petição de impugnação judicial, testemunhas que, segundo alega, têm conhecimento directo dos factos em apreço, da sua real situação patrimonial e das mercadorias adquiridas e vendidas pela empresa, e que, consequentemente, seriam úteis à prova da efectividade das transacções efectuadas e inerente possibilidade de dedução do IVA então suportado.
Alegou, ainda, que a natureza dos factos invocados impõe, com especial pertinência, que sejam ouvidas as testemunhas que podem fornecer ao Tribunal factos objectivos que confirmem ou infirmem o narrado naqueles artigos da impugnação judicial. O apuramento da situação patrimonial da recorrente e da efectiva aquisição das mercadorias em causa necessita, para além de uma cuidadosa e profunda análise dos documentos apresentados, da inquirição das testemunhas arroladas que, pelo conhecimento directo e especializado que possuem, são essenciais para a boa decisão da presente lide e esclarecimento dos factos de que cumpre conhecer.
Por seu turno, no artigo 8.º da contestação, a Fazenda Pública refere expressamente que relativamente aos fornecedores da impugnante “Caves…, Lda.” e “V…, Lda.”, apurou a inspecção tributária que os documentos de suporte das aquisições não titulam operações reais, pelos motivos que destacou nos artigos seguintes da contestação.
É neste contexto que a recorrente alega que o despacho recorrido, que dispensa a inquirição das testemunhas, infringe o preceituado no artigo 99.° da Lei Geral Tributária (LGT) e nos artigos 114.°, 115.°, 118.° e 119.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e deve ser revogado, com todas as consequências legais.
Antes de mais, cumpre, então, apreciar a fundamentação do despacho interlocutório proferido em 08/07/2011. Não olvidamos que a recorrente peticiona a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene a inquirição pelo Tribunal das testemunhas. No entanto, a análise de tal pedido reconduz-se a um controlo objectivo por parte deste tribunal, que passará sempre pela verificação e conhecimento da fundamentação ínsita no despacho recorrido; pois é, designadamente, em face das normas legais invocadas no despacho em crise que se poderá discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso. Em síntese, a fundamentação do despacho ditará se a motivação do tribunal a quo se adequa ao pedido da recorrente.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC) – correspondente ao anterior artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC – que se aplica com as necessárias adaptações aos despachos (cfr. artigo 613.º, n.º 3 do CPC), é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A jurisprudência tem-se mostrado reiterada no sentido de a nulidade ínsita na alínea b) apenas se verificar quando haja absoluta falta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, medíocre ou errada, visto o tribunal não se encontrar adstrito à obrigação de apreciação de todos os argumentos das partes. Por outro lado, apenas abrange a falta de motivação da própria decisão e não a falta de justificação dos respectivos fundamentos.
Em jeito de conclusão, tem sido uniformemente entendido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com apoio no texto desta disposição, só se verificar nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação.
Ora, extrai-se do despacho recorrido que, em grande parte, a motivação para a dispensa de prova testemunhal se prende com a inexistência de factos invocados:
“(…) Dos artigos indicados a grande maioria tem suporte documental, consistindo muitos dos artigos em ilações retiradas dos próprios documentos, e enquanto tal, isso só é admissível em sede de alegações.
Falamos do(s) artigo(s), 22.º, 30.º.
No mais o teor dos artigos/pontos indicados é de conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, logo não carece de qualquer produção de prova, constituindo alguns factos notórios que não carecem de alegação ou de prova.
Neste último segmento enquadram-se os seguintes artigos: 21.º, 23.º, 24.º (estes dois últimos também por documento). (…)”
Em face do exposto, não se verifica nulidade do despacho, pois, conforme supra mencionado, a mesma consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Nestes termos, e independentemente da questão de saber se a fundamentação ínsita na decisão é ou não convincente, se está certa ou errada ou, ainda, se está incompleta, não pode dizer-se que ocorra nulidade do despacho recorrido.
De harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Por sua parte, o artigo 114.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).
É aqui pertinente o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713:
“No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.”
Ora, analisando o pedido da recorrente e o teor do despacho recorrido, ressalta que o tribunal recorrido dispensou a prova testemunhal por ser seu entendimento que os factos ínsitos nos artigos indicados terem, na grande maioria, suporte documental, invocando o disposto no artigo 393.º do Código Civil, que afasta a admissibilidade da prova testemunhal quando o facto estiver plenamente provado por documento ou outro meio de prova com força probatória plena; referindo-se, especificamente, aos factos constantes dos artigos 22.º e 30.º da petição de impugnação.
Ora, percorridos os autos, não se vislumbra a que documentos com força probatória plena se refira o tribunal recorrido, tanto mais que a fundamentação se mostra incompleta, pois não indica quais são e onde se localizam esses documentos.
Paralelamente, não entendemos que a especificidade da matéria em discussão reclame prova documental – por documento escrito, nem que se justifique chamar à colação os artigos 364.º, n.º 1 e 393.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Por um lado, a lei não exige como forma da declaração negocial, no contrato de fornecimento em causa, documento autêntico, autenticado ou particular, nem tão-pouco exige que as declarações respectivas se provem por documento. Pelo que a situação dos autos não se subsume a quaisquer destes normativos.
Por outro lado, na simulação do negócio jurídico não é posto em causa que as declarações negociais respectivas foram efectivamente emitidas, imputando-se apenas a tais declarações o vício de vontade de ambos os contraentes, que pode ser objecto de prova testemunhal (a não ser que a simulação seja invocada pelos próprios simuladores – artigo 394.º, n.º 2 do mesmo Código).
Nesta conformidade, estando em causa produzir prova quanto aos factos de o vinho e as uvas terem sido efectivamente entregues pela Caves…, Lda. e pela V…, Lda. e ter a recorrente efectivamente pago por essas mercadorias o montante acordado, conforme invocado nos artigos 22.º e 30.º da petição inicial, mostra-se também adequada a prova testemunhal sugerida pela recorrente. Principalmente porque este tribunal não conseguiu encontrar prova documental ínsita nos autos susceptível de confirmar, por si só, estes factos que consideramos simples e, por isso, susceptíveis de produção de prova.
Admitimos que o vinho e as uvas são as mercadorias que a ora recorrente necessita para o desenrolar da sua actividade, visto que se dedica ao armazenamento e compra para revenda de vinho e produtos vínicos, que não se mostra questionado nos autos. Logo, tal facto apresenta-se como evidente, podendo, como considerou o tribunal a quo, revestir a natureza de notório, não carecendo de prova (cfr. artigo 412.º, n.º 1 do CPC).
Não há qualquer dúvida que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, como se sustenta no despacho recorrido. Contudo, a entrega de vinho e uvas, o pagamento destes produtos, entre quem ocorreu determinada transacção de entrega de vinho e uvas e recebimento da respectiva prestação pecuniária, que tem subjacente uma factura, consubstanciam factos susceptíveis de produção de prova.
Deveria o tribunal a quo ter-se pronunciado especificamente sobre a pertinência e utilidade da inquirição das testemunhas, e, na eventualidade de prescindir desta inquirição, explicar a motivação subjacente, ao abrigo do disposto no artigo 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 99.º da Lei Geral Tributária (LGT). O que não foi efectuado com a amplitude necessária.
Saliente-se que, apesar de o poder de realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados estar previsto oficiosamente, sempre poderá ser exercido a requerimento das partes ou do Ministério Público, não perdendo de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário – cfr. anotação ao artigo 99.º da Lei Geral Tributária, efectuada por António Lima Guerreiro, na página 413, na Edição de Rei dos Livros.
Ora, a concretização do princípio do inquisitório em direito fiscal abstrai-se de aspectos formais, relevando somente, como vimos, averiguar se determinada diligência é substancialmente útil.
Na verdade, o tribunal a quo considerou que seria um acto inútil, proibido por lei, determinar a inquirição das testemunhas indicadas pela recorrente, com os fundamentos constantes do despacho recorrido. Todavia, quanto à factualidade descrita nos artigos 22.º e 30.º da petição inicial julgamos que o tribunal recorrido errou, pois trata-se de factos que poderão, eventualmente, permitir retirar ilações de facto, designadamente, concluir se determinadas transacções são reais, se ocorreram efectivamente.
Face ao exposto, o recurso merece provimento, e, por conseguinte, fica prejudicada a decisão do demais fundamento de recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC.

Relembra-se que o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC. É manifestamente o caso dos presentes autos.
Vejamos.
É evidente que o provimento deste despacho interlocutório tem interesse para a recorrente, já que, na sua óptica, a inquirição das testemunhas é essencial para alcançar o cabal esclarecimento (pelo menos) dos factos alegados nos artigos 22.º e 30.º da petição inicial, ou seja, saber se o vinho e as uvas foram entregues por Caves…, Lda. e pela V…, Lda. e se a ora recorrente lhes pagou o respectivo preço acordado.
Saliente-se que o tribunal a quo, com relevância para a decisão da causa, não logrou apurar, tendo considerado não provadas as aquisições de mercadorias às sociedades Comerciais Caves…, Lda. e V…, Lda., durante o exercício de 2006 e os demais que têm as referidas aquisições como pressuposto.
Por outro lado, na sentença recorrida assumiu-se expressamente que a prova indicada pela impugnante redundou manifestamente insuficiente para afastar os indícios recolhidos pela Administração Tributária determinantes de os documentos de suporte das aquisições não titularem operações reais. Aí se escreveu: “(…) a impugnante não logrou desfazer os indícios colhidos (…)”, mas também não lhe permitiu produzir cabal e amplamente essa prova.
Na verdade, independentemente do eventual apuramento da verdade material poder vir a revelar-se favorável ou não à impugnante, em primeira linha, estando em causa uma decisão que lhe é desfavorável, sempre o provimento do recurso interlocutório lhe interessa ostensivamente; podendo ou não, em segunda linha, reflectir-se em modificação da sentença recorrida.
Contudo, este tribunal de recurso poderá aferir, no contexto dos autos, a sugestão de inquirição de testemunhas, ponderar se a diligência solicitada pela impugnante é útil para o apuramento dos factos e se os mesmos poderão ter influência na decisão do mérito da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
Note-se que a Fazenda Pública não se opôs à diligência de inquirição das testemunhas, tendo arrolado também uma testemunha. Pelo que nos parece fundamental, para prova dos factos referidos supra e invocados nos artigos 22.º e 30.º da petição inicial, que a mesma possa ser efectuada através da inquirição das testemunhas identificadas. Na verdade, tal inquirição afigura-se razoável, adequada e útil, uma vez que a recorrente alega que as testemunhas têm conhecimento directo dos factos em apreço, entre as quais, por exemplo, vários fiéis dos diferentes armazéns onde foram recepcionados o vinho e uvas adquiridos aos fornecedores em questão, da real situação patrimonial da C..., Lda. e das mercadorias adquiridas e vendidas pela empresa, e que, consequentemente, seriam úteis à prova da efectividade das transacções realizadas e inerente possibilidade de dedução do IVA então suportado. Logo, potencialmente, os seus depoimentos permitirão ao tribunal concluir acerca da factualidade considerada não provada.
Ora, passando a apreciação do mérito da causa por averiguar se determinadas transacções são reais; considerando a matéria que o tribunal a quo entendeu não apurada e a sua afirmação, na sentença, de a impugnante não ter logrando afastar os indícios apontados no relatório de inspecção tributária (desfazer os indícios colhidos), forçoso é concluir que se impõe atender o pedido de mais instrução formulado pela impugnante.
Assim, reitera-se que o recurso merece provimento (cfr. artigo 660.º do CPC), e, por conseguinte, fica prejudicada a decisão do demais fundamento de recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC.

Conclusão/Sumário

I - Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, em despacho devidamente fundamentado.
II - O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC

III. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:
conceder provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório, revogando-o e anulando todos os actos subsequentes com ele incompatíveis;
julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto relativamente à decisão final;
ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de se proceder à inquirição das testemunhas e, após, prosseguirem os ulteriores termos se a isso nada mais obstar.
****
Sem custas.

D.N.

Porto, 30 de Abril de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves