Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02134/17.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO;
CONCORRÊNCIA DE CULPAS - IMPROPRIEDADE E FALTA DE ULTILIDADE DO RECURSO;
AMPLIAÇÃO DO RECURSO;
Sumário:I- Inexistindo uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o Tribunal Superior terá que conceder na prevalência da decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.

II- Legitimando os autos a aquisição processual de que o Autor circulava de forma desligada às condições materiais e legais que se impunham na via onde circulava, há concorrência de culpas.

III- Havendo culpa de ambos intervenientes, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou.

IV- A discussão judicial da validade de uma cláusula vertida nas condições especiais da apólice aposta no contrato de seguro celebrado entre o Município Recorrente e a interveniente Companhia de Seguros (...), S.A., só pode servir um de dois propósitos:

V- O exercício do direito de regresso por parte do Município Recorrente na hipótese da Companhia de Seguros intervir em juízo com o estatuto processual de interveniente acessória,
Ou,

VI- O alargamento” da condenação atravessada no dispositivo também à Companhia de Seguros (...), S.A. no pressuposto desta assumir o estatuto processual de interveniente principal.

VII- Verificando-se que a Companhia de Seguros(...), S.A foi admitida a intervir em juízo na qualidade de interveniente principal, é de manifesta evidência que o presente recurso relaciona-se com a hipótese de “alargamento” da condenação atravessada no dispositivo também à Companhia de Seguros(...), S.A.

VIII- Ocorre, porém, que a discussão associada ao segundo propósito mostra-se reservada ao Autor, pois que este é o ente verdadeiramente dotado de legitimidade processual para questionar a absolvição da interveniente declarada nos autos.

IX- Assim sendo, e à mingua de tal intervenção processual por parte do Autor, apresenta-se distintivo que a condenação atravessada no dispositivo já não pode ser alterada, por se mostrar já cristalizada em juízo, o que nos transporta, inelutavelmente, para a evidência da impropriedade e falta de interesse do presente recurso jurisdicional, impondo-se, por isso, a recusa de procedência do mesmo.
X- A possibilidade de apreciar o pedido de ampliação do objecto do recurso está dependente de uma outra possibilidade, a de o recurso interposto pelas recorrentes poder proceder.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
AA e Município ..., melhor identificados nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA, vêm interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que (i) desatendeu a exceção de prescrição do direito do Autor suscitada nos autos; (ii) julgou procedente a invocada exclusão do contrato de seguro quanto aos danos sofridos pelo autor e, em consequência, absolveu a interveniente do pagamento perante este de qualquer montante peticionado nestes autos; e (iii) julgou parcialmente procedente a presente ação, consequentemente, condenando o Município ... no pagamento ao Autor da quantia de € 16,800,00, acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do pedido quanto ao mais.
Alegando, o Recorrente AA formulou as seguintes conclusões: “(…)
1. As declarações prestadas pelo A. descrevem com pormenor o passeio de bicicleta, as condições de visibilidade e luminosidade, a forma como circulava, o local do acidente, a forma como o acidente se desenrolou e os danos sofridos.
2. As declarações do A. quanto ao acidente estão gravadas do minuto 7 a minutos 1:19:14, e são de uma extensão, clareza e minúcia que não deixam margem para dúvidas.
3. O A. descreveu de forma exaustiva o embate e a dinâmica do acidente nos minutos 13:00:00 a 27:00:00 da gravação.
4. O A. explicou que circulava a cerca de 30 km hora, com luzes de cruzamento (médio), que embateu com a bota e o pedal, que o pino se encontrava no centro da via, redondo de cor branca sobre um traço contínuo branco e que por esse motivo não o conseguiu visualizar apesar da iluminação que trazia.
5. O A. nunca disse que seguia desatento, pelo contrário, circular a 30 km hora numa ciclovia o que exige atenção redobrada.
6. Não existe qualquer prova ou evidência de tal facto.
7. Por manifesta falta de prova, tem de considerar-se o facto constante do ponto 4 dos factos provados, como não provado.
8. Já os pontos K e L dos factos não provados, porque incorretamente julgados, devem também ser revistos e considerados como provados.
9. A foto do quadro da bicicleta, junta com a petição inicial, último documento, evidencia sem margem para qualquer dúvida o dano sofrido pelo velocípede.
10. Acresce que, quanto aos pontos K e L dos fatos não provados, o dano no quadro e o valor do mesmo, das declarações do A., concretamente a minutos 1:02:42 até 1:09:45 da gravação, o A. refere que partiu o quadro, que era em fibra de carbono e que substituiu o quadro.
11. Mais informou que procedeu ao pagamento em prestações de 100,00€.
12. Acresce ainda que, a testemunha BB, minutos 1:39:25 a 2:12:00 da gravação, corroborou a informação,
13. Com efeito, diz esta testemunha, minuto 1:39:29 da gravação, que viu a bicicleta, que estava no chão, arranhada e pareceu-lhe que estava partida, mas não me preocupei muito com a bicicleta mas com ele que estava com a perna com bastante sangue, mas sei que estava danificada, bastante danificada.
14. Acrescentou ainda que o A. ficou abalado em virtude do acidente e que passado uma semana ainda referia “e partiu a bicicleta” - minuto 1:42:35 da gravação
15. Deste modo, impõe-se a alteração do ponto K da matéria de facto dada como não provada, a qual deve ser considerada provada.
16. Quanto ao valor do dano, a factura pro-forma é suficiente para se fazer tal prova, pois mesmo que o A. não tivesse adquirido outro quadro teria ficado com aquele partido e e sempre o prejuízo sofrido seria similar.
17.Sendo assim também o ponto L dos factos não provados, deve ser considerado como provado, alterando-se assim a decisão quanto à matéria de facto.
18. O A. não teve qualquer culpa ou contributo na produção do sinistro.
19. Os fatores que determinaram a não visualização do obstáculo pelo A. foram somente a cor branca do mesmo, a ausência de refletores, a ausência de sinalização e a ausência de iluminação.
20. Por esse motivo é de excluir a culpa do lesado, sendo a R. condenada no pagamento da quantia indemnizatória de 24.000,00€ fixada inicialmente.
21. Sem prescindir, a ser imputada qualquer culpa ao lesado, sempre a proporção de 1/3 se revela manifestamente excessiva atenta a concreta situação apurada, devendo por isso ser reduzida em proporção nunca superior a 10% (…)”.
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Já quanto ao seu recurso, o Recorrente Município ... rematou nos seguintes termos: “(…)
1ª) Tal como se refere no ponto 28 dos factos provados, em 28.10.2013, entre o Município ... e a interveniente foi firmado documento escrito intitulado “responsabilidade civil”, ao qual foi atribuído o número de apólice ...78, vigente à data do sinistro, com uma franquia estabelecida de € 200,00, pelo qual esta última assumiu o risco decorrente da atividade exercida pelo Município.
2ª) O contrato de seguro em causa teve por objecto a transferência da responsabilidade civil geral do segurado/Município para a seguradora, ou seja, da responsabilidade civil extracontratual daquele e, assim, a cobertura dos danos por ele eventualmente causados a terceiros.
3ª) A alínea a) do ponto 1 da cláusula 2ª do capítulo II - Condições Especiais da Apólice, ao excluir da cobertura do seguro os danos decorrentes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade, bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis, está a desvirtuar e esvaziar consideravelmente o conteúdo do próprio contrato de seguro, prejudicando desmedida e injustificadamente, por um lado, o segurado e beneficiando, também desmedida e injustificadamente, por outro, a seguradora e pondo até em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato.
4ª) Com base no disposto nos artigos 12°, 15°, 16° e 18° alíneas b) e d) do Decreto Lei n° 446/85 de 25/10 (regime jurídico das cláusulas contratuais gerais), a cláusula em causa é uma cláusula contratual geral proibida e nula, porque contrária à boa fé, à confiança suscitada nas partes (dado o sentido global das cláusulas contratuais em causa) e ao objectivo que as partes visam atingir negocialmente.
5ª) A nulidade é invocável a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigo 286° do CC).
6º) Se se entender que as aludidas disposições legais (do Decreto Lei n° 446/85 de 25/10) são inaplicáveis in casu porquanto estão excluídos do seu âmbito de aplicação os contratos submetidos a normas de direito público (artigo 3° alínea c) do mesmo diploma), há que concluir que a cláusula em apreço é contrária à boa fé (artigo 762° n° 2 do CC), à confiança suscitada nas partes (dado o sentido global das cláusulas contratuais em causa) e ao objectivo que as partes visaram atingir negocialmente (artigo 334° do CC).
7º) É que, não estamos, obviamente, no domínio da responsabilidade objetiva em que, de acordo com o disposto no n.° 2 do artigo 483.° do Código Civil, “Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
8º) Ora, se a responsabilidade civil extracontratual em causa no contrato de seguro dos autos e neste processo depende de culpa, esta resulta precisamente do não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade, ou da não adopção das medidas de segurança aconselháveis, ou seja, exatamente do conteúdo da exclusão contratual em causa.
9º) Assim, tal exclusão desvirtua e esvazia consideravelmente o conteúdo do próprio contrato de seguro, prejudicando desmedida e injustificadamente, por um lado, o segurado e beneficiando, também desmedida e injustificadamente, por outro, a seguradora e pondo até em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, uma vez que o conteúdo de tal cláusula implica que nunca a seguradora responderia, em vez do segurado, pela reparação de danos causados por este, isto no âmbito de tal contrato, o que acarreta uma inaceitável violação dos princípios da boa fé e da confiança.
10º) Na verdade, para que o segurado seja civilmente responsável ele tem de ter agido com culpa, ou seja, incumprindo normas legais ou regulamentares, ou os usos próprios da atividade, ou não adotando medidas de segurança aconselháveis, sendo que, ao assim proceder, integra a previsão da cláusula excludente da responsabilidade, pelo que esta, ao abrigo de tal cláusula, nunca será assumida pela seguradora, o que desvirtua e esvazia o conteúdo do contrato de seguro, obstaculizando a prossecução da finalidade visada com a celebração do mesmo.
11º) A estipulação de tal cláusula viola, pois, os princípios da boa fé (artigo 762° n° 2 do CC) e da confiança (artigo 334° do CC), o que sempre acarretaria abuso do direito na invocação da mesma por parte da seguradora, o que equivale à inexistência do direito.
12º) A exceção de abuso do direito é de conhecimento oficioso e pode ser invocada inovadoramente em sede de recurso (acórdão do STJ de 04/04/2002, proferido no processo n° 02B749, in www.dgsi.pt).
13º) A cláusula em causa é, ainda, nula por tornar o objeto negocial legalmente impossível (artigo 280° n° 1 do CC), visto que a pretendida transferência da responsabilidade civil extracontratual do segurado/Município para a seguradora e a cobertura dos danos por ele eventualmente causados a terceiros, nunca seria obtida por impossibilidade legal decorrente de, para haver responsabilidade do Município transferível para a seguradora, sempre ter de ocorrer um incumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade, ou a não adopção das medidas de segurança aconselháveis, o que, nos termos daquela cláusula, excluiria a cobertura do contrato.
14º) A decisão recorrida viola, por isso, claramente, as normas dos artigos 16° e 18° alíneas b) e d) do Decreto Lei n° 446/85 de 25/10, 334° e 762° n° 2 do Código Civil. (…)”.
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Notificada da interposição de recurso por parte do Município ..., a Interveniente Companhia de Seguros A..., S.A apresentou contra-alegações - as quais integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objeto do recurso - que rematou da seguinte forma: “(…)
1º. Tendo em conta os factos provados 7 a 12 e o facto não provado alínea O), supra transcritos, fácil é de concluir que a culpa verificada ao Réu, Município Recorrente, pelo não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade, ou da não adopção das medidas de segurança aconselháveis, não foi um acto ou omissão esporádico, súbito e muito menos inesperado, demonstrando, antes, uma atitude de total alheamento como entidade responsável pela manutenção; vigilância e fiscalização dos vários equipamentos e sistemas públicos a seu cargo, como, desde logo se demonstra pela inexistência no local de luz pública quando, face às características; cor e local de colocação do pino - todo branco, já não tendo quaisquer faixas refletoras e se confundir no horizonte com a linha contínua (também branca) que divide a faixa de rodagem o que dificultaram a sua visualização pelo autor à hora a que circulava na dita ciclovia.
2º. Ora, todos esses factos, demonstram violações grosseiras e já dolosas (na vertente de dolo eventual) dos deveres que estão acometidos ao Réu/Recorrente pois que, a ocorrência de um sinistro, naquelas circunstâncias, era mais do que esperado, não tendo sido omissões/comportamentos ocorrido “de véspera”, razão pela qual a absolvição da aqui Interveniente e seguradora do Réu, por aplicação da exclusão prevista na alínea a), Ponto 1, da 2.2 Cláusula de Exclusões, tem toda a propriedade.
3º. Chegados aqui, pelas especificas características que envolvem estes factos, pergunta-se SE, perante este total desprezo pelas regras mais básicas e elementares a cargo do Réu, se a cláusula de exclusão esvazia e/ou desvirtua o contrato de seguro subscrito entre o Réu e a aqui Interveniente, OU SE a existência desta cláusula na apólice de seguro, funciona como uma forma de o segurado ter limites de atuação de forma a saber e cuidar que, nem toda a sua culpa, no não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade, bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis na violação de normas, têm cobertura e, assim, não estar descartado de toda e qualquer responsabilidade e obrigações que legalmente lhe são imputáveis só porque tem um seguro?
4º. Cremos que deverá ser esta a interpretação a ter com a inclusão desta exclusão e das outras que infra se reclamarão, tanto mais que, caso assim não fosse, qualquer segurado colocado nesta posição como está o Réu Município quando, ainda por cima, existe sobre si uma presunção de culpa, simplesmente se desoneraria de quaisquer obrigações - e vemos que neste caso, foram várias as violações por si perpetradas, como demonstram os factos provados 7 a 12 e o não provado, em O) - só porque existe uma seguradora por trás!
5º. O presente contrato de seguro tem como âmbito a responsabilidade civil extracontratual de uma entidade municipal, como o Réu, mas terá sempre de se atender à atitude do Réu de forma a ser avaliada casuisticamente, para se perceber se a sua atitude demonstra um total desrespeito por várias das suas obrigações, sob pena se se ser anulada/desvirtualizada, inclusive, a própria noção de sinistro.
6º. Efetivamente estando provado que o Município/Segurado tinha conhecimento da situação de perigo que aquele pinoco representava, equaciona-se, assim, se justificadamente que não se estava perante um sinistro, ou seja, de um evento fortuito, incerto e imprevisível, que possa vir a concretizar o risco transferido por via do seguro!
7º. Neste caso, além de estarmos perante uma omissão dolosa do segurado (pois sabendo de toda a situação existente no local - factos provados 7 a 12 e não provados, alínea O) - e do perigo real ali existente, nada fez para o evitar ou remover), estamos perante um evento que era previsível e certo, afastando a natureza fortuita e incerta de um sinistro!
8º. A exclusão invocada pela Recorrida, julgada procedente na douta sentença, não desvirtua e esvazia o conteúdo do próprio contrato de seguro pois, se assim não fosse, quem ficaria prejudicada de forma desmedida e injustificada, seria sempre a seguradora, pelo total alheamento e até da existência de um comportamento provocador por parte do segurado face às obrigações por si omitidas e possibilitadoras que um acidente se avizinhe como certo e previsível, só porque tem celebrado um contrato de seguro de RC Extracontratual.
9º. Paralelamente, com a inclusão nas apólices deste tipo de exclusões, como a aqui colocada em crise pelo Réu, contribui-se para o equilíbrio das prestações deste contrato, verdadeiramente sinalagmático, como é o contrato de seguro.
10º. O contrato de seguro aqui em análise, da RC Extracontratual da atividade municipal do segurado a favor de terceiro, lesado, tem como cobertura eventos súbitos, inesperados e imprevistos que, pela sua atuação possam ocorrer e que se encontram bem definidos e delimitados na Cláusula 1.- Âmbito da Cobertura, Ponto1, alíneas a) a o); Pontos 2 a 6 - vide apólice devidamente tida como assente nos presentes autos.
11º. Perante tal enquadramento, qualquer “declaratário medianamente" esclarecido, que pretendeu ver abrangidas coberturas que especificamente constam das condições particulares, sabe também que as mesmas têm um âmbito de aplicação, limites, e situações taxativamente excluídas, em contraposição ao valor do prémio a pagar, sendo falso que o contrato em causa, com as coberturas contratadas pelo Réu, Recorrente, fiquem em perigo e/ou esvaziadas de conteúdo e deixem de prosseguir qualquer utilidade para si, enquanto segurado só porque estão previstas exclusões, como a considerada na douta sentença.
12º. Quer porque se verificar a correspondência com o texto de todas as cláusulas que titulam o contrato em discussão (n°.1 do art°.238° do C. Civil), quer porque e em bom rigor, só as condições gerais, constituem verdadeiras clausulas de adesão, não tendo, por outro lado, sido alegado pelo Réu o desconhecimento dessas mesmas cláusulas, de cobertura e de exclusão por si contratadas há tantos anos, atenta a vigência da apólice, e como todas as exclusões que fazem parte do presente contrato de seguro delimitam, pela negativa, o próprio âmbito do contrato de seguro, após tantos sinistros participados sem que o Réu viesse denunciar o contrato de seguro em causa e/ou colocar reservas sobre a aceitação desta ou de outras questões, constitui manifesto abuso de direito e má fé!
13º. Aqui chegados, é forçoso perguntar se o Réu/Recorrente olvida que NÃO EXISTE a cobertura TOTAL de nenhum RISCO, sob pena de o prémio a cobrar pela companhia ter de ser igual ao do próprio capital máximo garantido????!!!
14º. O pretendido pelo Réu/segurado, é que seria, sim, contra os princípios que ele mesmo invoca, por colocar a seguradora SEMPRE A RESPONDER por danos causados no decurso da sua atividade SEM TER CUMPRIDO OS MAIS ELEMENTARES DEVERES E OBRIGAÇÕES QUE LHE ESTÃO ACOMETIDOS enquanto entidade municipal para a segurança, tendo violado, também o dever objectivo de cuidado que lhe está imposto.
15º. É dentro deste binómio, implicando a concreta análise dos deveres e obrigações acometidos ao Réu Município e que, por decorrência da sua atividade, possam não ter sido cumpridos mas que nunca podem corresponder a uma práxis reiterada; imprevidente; desmazelada e de total incauto, que deve ser enquadrada, ou afastada a cobertura da presente apólice de seguro com a aplicação, designada e legitimamente da cláusula de exclusão considerada pela douta sentença, sob pena de a própria noção de sinistro e risco seguro a cargo da seguradora, ficar esvaziado e sem aplicação, porque sempre seria obrigada a ver para si transferida TODA E QUALQUER RESPONSABILIDADE do segurado, mesmo aquela perpetrada nestes termos!
16º. A delimitação pela negativa do âmbito de uma apólice de seguro, com a previsão de exclusões como a aqui em análise, não só não viola os princípios da boa fé (artigo 762° n° 2 do CC) e da confiança (artigo 334° do CC), como, pelo contrário, IMPÕE A RESPONSABILIZAÇÃO AO SEGURADO de TER DE AGIR COM OS CUIDADOS E DEVERES QUE LHE SÃO LEGALMENTE IMPOSTOS DE FORMA EXMPLAR, não tornando, assim, nula por tornar o objeto negocial legalmente impossível (artigo 280° n° 1 do CC), como o Réu/Recorrente argumenta.
17º. Pelo exposto, mutatis mutandi, deve a pretensão do Réu/Recorrente, ser considerada um verdadeiro abuso de direito e, como tal, sendo de conhecimento oficioso, poder ser uma exceção invocada inovadoramente em sede de recurso (acórdão do STJ de 04/04/2002, proferido no processo n° 02B749, in www.dgsi.pt).
18º. Assim sendo, a douta decisão ora colocada em crise, não viola as normas dos artigos 16° e 18° alíneas b) e d) do Decreto Lei n° 446/85 de 25/10, 334° e 762° n° 2 do Código Civil, quando aplicou a exclusão vertida no texto da apólice tida como assente e nunca questionada pelo Réu/segurado durante os longos anos em que a presente apólice vigorou, face aos factos provados e que demonstram uma atitude dolosa do segurado, na vertente de dolo eventual, perante a possibilidade mais do que anunciada de um acidente naquele local face aos perigos ali existentes, como veio, realmente, a ocorrer.
19º. Sem prescindir: ao contrário do pugnado pelo Réu/Recorrente, as reclamadas disposições legais do Decreto Lei n° 446/85 de 25/10, não são aplicáveis ao presente caso, porquanto estão excluídos do seu âmbito de aplicação os contratos submetidos a normas de direito público (artigo 3° alínea c) do mesmo diploma.
20º. Sem prescindir, sempre se requer, à cautela, a AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DE RECURSO a título subsidiário para reapreciação da matéria de exceção invocada pela aqui Recorrida, legitimada para tal porque não teve vencimento de causa e, assim, não pôde ter recorrido sobre estas questões que, SMO, o douto Tribunal A Quo não atendeu devidamente na decisão encontrada (n°1, do Art. 631.° do CPC) e/ou não mesmo se pronunciou como se passa a invocar, desde logo quanto à verificação da prescrição para a aqui Interveniente, pois tendo o A. intentado a presente demanda contra o Réu Município ... no âmbito do Instituto da RC Extracontratual, decorrente dos factos que alega e descreve na PI, nos termos do disposto na Lei 2110, de 19 de agosto de 1961 e Lei 67/2007 de 31 de dezembro, com a presunção que resulta do Art. 493.° do CPC, o direito de indemnização fundado na responsabilidade civil por factos ilícitos prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete - n° 1 do Art° 498° do C. Civil.
21. é que, dispõe o art. 323.° do CC que a prescrição só se interrompe com a citação ou notificação judicial de qualquer acto no qual o lesado exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o seu direito. O A. nunca interpelou judicialmente a aqui Interveniente no prazo de três anos de que dispunha, a contar dos factos em discussão (25/10/2014 - facto prova 1.), e antes de ocorrer a prescrição de um eventual seu direito de indemnização que tivesse sobre a aqui Ré.
22º. Por outro lado, a aqui Recorrida/Seguradora A... foi admitida a intervir nos presentes autos a título de Interveniente Principal (art.ºs 312.° CPC), ou seja, como tendo os direitos e deveres de Ré (art.s311.° e 312.° CPC).
23º. Tendo a petição inicial dado entrada a 19.10.2017 - facto provado 29 -; tendo o Réu/Recorrente sido citado a 24.10.2017 - facto provado 30 e tendo a aqui recorrida sido citada para a presente acção no passado dia 16 de outubro do ano de 2018 - facto provado 33- verifica-se a prescrição suscitada. Neste sentido, entre outros, vide Douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 29.09.2016, Proc. 1612/11.2TVLSB-AL1-2.
24º. Por outro lado, o entendimento do douto Tribunal A Quo para afastar, designadamente, a alínea w), das exclusões da apólice - facto provado ...8 - não merece a nossa aceitação pelas seguintes razões: os termos “infraestruturas” e “equipamentos” municipais que a exclusão, prevista nesta alínea w), indica, não podem ter o entendimento preconizado na douta sentença porque, nada na apólice, é indicado para tal significado.
25º. No presente caso, estamos perante equipamentos, como o são quer o poste de iluminação publica que não tinha lâmpadas e, assim, não iluminava a via, quer o próprio pino que foi propositadamente colocado no meio da ciclovia de forma a delimitar os sentidos e que não possuía as faixas refletoras necessárias para ser visualizado sem qualquer problema e não se confundir com o prolongamento da própria linha delimitadora da faixa, também pintada de branco.
26º. Todas estas falhas/omissões, decorrem da falta e deficiente assistência técnica e de manutenção dos ditos equipamentos Municipais e que, paralelamente, se verificaram numa infraestrutura, como tem de ser qualificada uma via pública de circulação de bicicletas, até pelo significado que está determinado de Infraestrutura no dicionário da língua Portuguesa - como sendo um “conjunto de instalações, equipamentos e serviços, geralmente públicos e que garantem o funcionamento de uma cidade”
27º. Nesse sentido, deve ser revogado o entendimento da douta sentença, e aplicada ao caso a presente exclusão que determina também e, paralelamente, a absolvição da aqui Interveniente de todos e quaisquer danos reclamados pelo A.
28º. Atendendo ao facto provado sobre a própria inexistência de sinalização devida no local para o dito pino, tal não pode deixar de ser caracterizado e de constituir, manifestamente, um claro “Erros deficiência e omissões na planificação de tráfego”, conforme consta da alínea ag), da Clausula 2.- das Exclusões!
29º. A sinalização de uma ciclovia, não deixa de ser uma obrigação de planificação do tráfego a cargo do Município onde se encontra, in casu, ao Réu/Recorrente.
30º. Sobre esta especifica exclusão, salvo erro da aqui Recorrida na leitura da douta sentença que, a existir, desde já se penitencia, o douto Tribunal A Quo nem se pronunciou, o que sempre constitui uma nulidade da douta sentença, que aqui se invoca.
31º. Assim sendo, quer pela aplicação da exclusão prevista na alínea w), quer pela aplicação da exclusão prevista na alínea ag), face aos factos provados nesta acção, sempre estaria a Interveniente isenta de ver para si transferida a obrigação de indemnizar o A., devendo ser absolvida dos pedidos, o que aqui expressamente se reclama.
32º. Já quanto à exclusão prevista no Ponto 6., alínea a), da Cláusula 2.3 das Exclusões, cumpre referir que, conforme a aqui Recorrida já referiu em A.) DA INEXISTÊNCIA DE NULIDADE QUANTO À CLÁUSULA prevista na alínea a) do ponto 1 da cláusula 2.3 do capítulo II - Condições Especiais da apólice - facto provado ...8 -, o comportamento demonstrado pelo Réu/Recorrente, enquadra-se muito para além da mera negligencia, configurando um verdadeiro comportamento doloso, na vertente de dolo eventual.
33º. A douta sentença afastou a exclusão do Ponto 6., a), porque se limitou a entender que não houve intenção do Réu/Recorrente em produzir tais danos - motivação da douta sentença e pág. 32 - nas pessoas de qualquer administrador, diretor, gerente ou membros de órgão de fiscalização. Ou seja, entendeu não existir dolo, na vertente de dolo direto e necessário.
34º. Todavia, não é o que a exclusão em análise diz, pois por um lado fala actos ou omissões dolosas do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável ou das pessoas cuja responsabilidade seja garantida por esta Apólice, bem como os actos ou omissões que constituem violação dolosa de normas ou regulamentos e quaisquer multas ou coimas” - sic,
35º. e, por outro lado, refere-se à existência de dolo mas que, para efeitos desta apólice e em especifico desta exclusão, deve entender-se dolo eventual.
36º. Ora, dando aqui por integralmente reproduzida a douta motivação e verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual explanados na douta sentença, só se pode concluir que os factos demonstram uma atitude de total alheamento de vários deveres do Réu no cumprimento das suas obrigações como entidade responsável pela manutenção; vigilância e fiscalização dos vários equipamentos e sistemas públicos a seu cargo, como, desde logo a inexistência no local de luz pública quando, face às características; cor e local de colocação do pino - todo branco, já não tinha quaisquer faixas refletoras e se confundia no horizonte com a linha contínua (também branca) que divide a faixa de rodagem, vide motivação da douta sentença, págs. 9 e 10 - dificultaram a sua visualização pelo autor à hora a que circulava na dita ciclovia.
37º. Ora, todos esses factos, constituem violações grosseiras e já dolosas (na vertente de dolo eventual) dos deveres que estão acometidos ao Réu/Recorrente, pois que a ocorrência de um sinistro, naquelas circunstancias, era mais do que esperado!
38º. Assim sendo, pode concluir-se que o Réu não atuando com a diligência devida e esperada quando colocou um pino de sinalização no meio de uma ciclovia e não o ter sinalizando, nem se encontrando o poste com iluminação que ali existia no local e o deveria iluminar, nem tendo recolocado as faixas refletoras no pino, não podia deixar de considerar como altamente previsível a ocorrência de um acidente como aqui veio a ocorrer!
39º. Face ao exposto, verifica-se a existência de dolo, na vertente de dolo eventual, Isto porque, tendo em conta as características do local; do pino e da falta de refletores, bem como da falta de sinalização a indicar a sua existência e da inexistência de luz no poste de iluminação publica situado naquele local, a produção de danos - materiais e/ou corporais - era, mais do previsível a ocorrência de um acidente: era inevitável, uma questão de tempo!
40º. Perante os factos provados na douta sentença e que não se colocam em crise, o Réu/Recorrente conformou-se com essa possibilidade de verificação do risco emergente da omissão dos deveres a si impostos sobre o cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade, bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis, caracterizando-se o seu comportamento como doloso na vertente eventual.
41º. O Réu/Recorrente omitiu de forma dolosa, na vertente de dolo eventual, obrigações no cumprimento de deveres e legislação que, como os factos provados demonstram, não desconhecia.
42º. Mesmo que tais omissões tenham sido praticadas pelos seus funcionários (nunca tendo a aqui Interveniente atribuído a outras pessoas, como diretores, ou órgãos, como erradamente a douta sentença alude), sem que tivessem sido perpetrados de forma intencional, foram, no entanto, praticadas com a plena consciência e representação de que, danos/sinistros poderiam ocorrer, o que significa que representaram plenamente a possibilidade de tal resultado, ocorrência de sinistros e consequentes danos, perante as circunstâncias em que estavam a laborar!
43º. Por outro lado, e além de integrar a noção contratual de dolo, que leva à exclusão do sinistro da cobertura da apólice nos termos supra aludidos, estamos perante factos perpetrados pelo Réu/Recorrente que extravasam o próprio conceito de sinistro, entendido como um evento futuro, súbito e inesperado, cujo risco da sua ocorrência é transferido por via do seguro para a Seguradora, conforme já supra invocado e que novamente se reitera.
44º. É que o contrato de seguro é um contrato bilateral ou sinalagmático, formal e aleatório, na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto, ou seja, um sinistro ou "evento aleatório" - cfr. Art.° 1° do D.L. 72/2008 de 16 de abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro) - em que se manifeste o risco objecto do contrato.
45º. Considerando que a ocorrência de danos originados pelo acidente aqui em discussão nos autos, era mais do que expectável, quase garantido, perante os factos provados, ou seja, o sinistro era, mais do que previsível, inevitável, não estamos perante um evento que permita constituir a Seguradora na obrigação de indemnizar, por não estarmos perante danos decorrentes da concretização do risco abrangido pelo seguro, inerente à ocorrência de um sinistro/evento súbito e inesperado, fortuito ou incerto,
46º. constituindo também uma exclusão que deve ser aplicada ao presente caso e que exclui a obrigação da Interveniente ver para si transferida a responsabilidade de indemnizar os danos atribuídos ao Réu, segurado, devendo ser revogada a decisão em contrário tida pelo douto Tribunal A Quo (…)”.
*
Notificado do interposição do recurso jurisdicional por parte de AA e da ampliação de recurso deduzida pela Interveniente Principal, o Recorrido Município ... produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
1º) No que concerne ao ponto 4. dos factos provados (provado que o A. seguia “De forma pouco atenta à via”), tal como se refere na sentença recorrida, em sede de motivação da decisão da matéria de facto, mais precisamente na respectiva página 9, nas declarações de parte que prestou, o A. disse que ia a “pensar na vida”, sendo que foi notória a “atrapalhação” do mesmo na justificação do sucedido, pelo que, de acordo com os princípios da oralidade e da imediação, bem como as regras da experiência, não existe qualquer razão para que a sentença seja revogada nesta parte.
2º) Relativamente ao que foi decidido em K) e L) da decisão da matéria de facto (não provado, respectivamente, que “Devido ao embate, o velocípede do autor partiu o quadro Cannondale Scalpel 29 Preto T-M” e que “A reparação do quadro tem um custo de € 3.499,99”) refere a sentença recorrida, novamente em sede de motivação da decisão da matéria de facto, mais precisamente nas respetivas páginas 13 e 14, que esta alegação apresentou a dificuldade originária de nem sequer se ter demonstrado que o autor tenha batido com a bicicleta no pino, sendo estranhíssimo como é possível não invocar nenhum dano a não ser no quadro da bicicleta, o que tudo ficou patente nas declarações de parte, esquivando-se o autor em respostas mais ou menos abstratas, bem como nas contradições com o depoimento da testemunha BB,
3º) Mais referindo que foi junto aos autos uma simples fatura proforma, não se tendo demonstrado qualquer espécie de reparação ou aquisição do quadro da bicicleta, apresentando o A., em declarações de parte e a este propósito, um discurso fugidio, abstrato e marcadamente comprometido, pelo que mais uma vez ao abrigo dos princípios da oralidade e da imediação, bem como das regras da experiência, não existe qualquer fundamento para que a decisão recorrida seja alterada nesta parte.
4º) Quanto aos documentos indicados como provas pelo A. (fotografia e fatura proforma), o respectivo teor foi impugnado no artigo 28° da contestação, sendo que a fotografia não mostra que o quadro daquela bicicleta em concreto estava partido e a fatura proforma não demonstra que o quadro que dela consta foi vendido ao A. e muito menos que este pagou o respectivo preço.
5º) No que concerne à culpa do lesado ficou provado que o A. seguia desatento e em contramão, o que foi causal do acidente, pelo que dúvidas não podem existir acerca da respectiva culpa.
6º) Quanto à percentagem da culpa atribuída ao lesado (30%), deverá entender-se que a mesma até é benevolente para o A. atentas as circunstâncias, pelo que também aqui a sentença recorrida não merece qualquer censura.
B) RESPONDER à ampliação do âmbito do recurso requerida pela interveniente COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA., a título subsidiário:
B.1) DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
Nesta matéria nenhuma censura merece a sentença proferida.
Na respectiva contestação o Réu requereu a intervenção principal provocada da COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA..
Por despacho notificado às partes em 10/10/2018 e, por isso, já transitado em julgado, aquele requerimento do Réu foi deferido.
O artigo 316° n° 3 alínea a) do Código de Processo Civil refere que “O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida”.
O artigo 317° n° 1 do Código de Processo Civil refere que “Sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação”.
Ora, tal como resulta do ponto 28 dos factos provados, o Município ... transferiu a responsabilidade civil resultante de eventuais acidentes decorrentes dos factos alegados pelo A. para a Companhia de Seguros A..., S.A., sendo que, se se viesse a apurar que existiu alguma responsabilidade do Réu Município ..., então deveria responder a referida COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA..
Portanto, não se trata aqui do exercício, por parte do A. contra a COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA., do direito de indemnização a que alude o artigo 498° n° 1 do Código Civil, aplicável por força do artigo 5° do REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS.
Aliás, o A. nem sequer demandou a COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA., nada peticionando contra a mesma.
Trata-se, isso sim, do direito do Município ... de, por ter transferido a responsabilidade civil resultante de eventuais acidentes decorrentes dos factos referidos para a Companhia de Seguros A..., S.A., se se vier a apurar que existe alguma responsabilidade do Réu, ver responder a referida COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA..
Este direito do Município ..., como se viu, foi reconhecido por despacho notificado às partes em 10/10/2018 e, por isso, já transitado em julgado, pelo que, neste processo, nem sequer é já discutível o tipo de incidente em causa.
Portanto, não se aplica aqui o disposto no artigo 498° n° 1 do Código Civil.
Tal como refere o acórdão do STJ citado na sentença proferida “(..J a intervenção da seguradora não se apoia na responsabilidade civil extracontratual mas sim na responsabilidade contratual emergente do contrato de seguro (...)”.
Quando muito aplicar-se-ia o prazo de prescrição de 5 anos para o exercício dos direitos, do segurado contra a seguradora, emergentes de contrato de seguro, prazo esse previsto no artigo 121° n° 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto Lei n° 72/2008 de 16/04.
Ora, esse prazo não foi ultrapassado, pelo que não pode proceder a exceção perentória de prescrição invocada pela interveniente.
Deverá, pois, a ampliação do âmbito do recurso improceder nesta parte.
B.2) DAS EXCLUSÕES DA COBERTURA DO CONTRATO DE SEGURO
Tal como resulta do ponto 28 dos factos provados “Em 28.10.2013, entre o Município ... e a interveniente foi firmado documento escrito intitulado “responsabilidade civil”, ao qual foi atribuído o número de apólice ...78, vigente à data do sinistro, com uma franquia estabelecida de € 200,00, pelo qual esta última assumiu o risco decorrente da atividade exercida pelo Município, e em cujas condições especiais se pode ler:
“(…)
Capítulo II
Condições Especiais
(…)
Cláusula 2ª. Exclusões
1. Ficam sempre excluídos das garantias deste contrato os danos:
a) Decorrentes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis;
(…)
w) Decorrentes de falta e/ou deficiente assistência técnica, revisão, reparação ou manutenção das infraestruturas e equipamentos Municipais;
(…)
ag) Erros, deficiências ou omissões na planificação de tráfego;
(…)
6. Ficam absolutamente excluídos das garantias deste contrato os danos:
a) Decorrentes de actos ou omissões dolosas do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável ou das pessoas cuja responsabilidade seja garantida por esta Apólice, bem como os actos ou omissões que constituem violação dolosa de normas ou regulamentos e quaisquer multas ou coimas. Entende-se por acto doloso, todo o acto intencional praticado com o intuito de produzir dano ou com representação da possibilidade desse resultado
Entende a seguradora que se verifica a causa de exclusão prevista na cláusula 2a n° 1 alínea w) das condições especiais (danos decorrentes de falta e/ou deficiente assistência técnica, revisão, reparação ou manutenção das infraestruturas e equipamentos Municipais).
O que se provou, com relevância nesta matéria, foi o seguinte:
“(…) 10. Não existia qualquer tipo de sinalização na via que identificasse a existência daquele obstáculo;
11. Nem existe iluminação pública no local;
12. O formato, a cor e a localização do pino dificultaram a sua visualização pelo autor”.
A este propósito refere a sentença recorrida que “(…) não estamos perante uma simples infraestrutura ou equipamento municipal no sentido em que a cláusula o toma. Com efeito, estamos aqui perante um dano causado numa via de circulação, na via pública, especial, é certo, mas que não perde essa natureza; tal como sucederia numa estrada municipal, por exemplo. O sentido de infraestrutura utilizado na cláusula aponta no sentido um local destinado a um certo propósito específico (por exemplo, eventos desportivos, culturais, etc..., podendo abranger um pavilhão, um estádio, um teatro, etc...), e não a todo e qualquer espaço que pertença ao domínio público municipal”.
Ora, como se viu dos factos provados, as falhas apontadas ao Réu consistiram na falta de sinalização do obstáculo na via e na falta de iluminação pública no local.
Não existe, pois, qualquer relação ou semelhança entre tais faltas e a falta e/ou deficiente assistência técnica, revisão, reparação ou manutenção de infraestruturas e equipamentos Municipais, pelo que bem andou o tribunal a quo ao não considerar verificada tal causa de exclusão.
Entende, ainda, a seguradora que se verifica a causa de exclusão prevista na cláusula 2º n° 1 alínea ag) das condições especiais (danos decorrentes de erros, deficiências ou omissões na planificação de tráfego).
Mais uma vez se refere que, como se viu dos factos provados, as falhas apontadas ao Réu consistiram na falta de sinalização do obstáculo na via e na falta de iluminação pública no local.
O contrato de seguro não define o que se deve entender por planificação de tráfego, sendo que tal falha tem de ser muito mais extensa do que uma mera falta de sinalização de um obstáculo ou de iluminação pública num local.
A sentença recorrida refere-se a este aspeto dizendo que “Também não existe nos autos qualquer erro, deficiência ou omissão na planificação de tráfego”, pelo que, ao contrário do que refere a interveniente, houve pronúncia expressa sobre esta matéria na sentença.
Assim, também aqui bem andou o tribunal a quo ao não considerar verificada tal causa de exclusão.
Entende, por último, a seguradora que se verifica a causa de exclusão prevista na cláusula 2º n° 6 alínea a) das condições especiais (danos decorrentes de actos ou omissões dolosas do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável ou das pessoas cuja responsabilidade seja garantida por esta Apólice, bem como os actos ou omissões que constituem violação dolosa de normas ou regulamentos e quaisquer multas ou coimas. Entende-se por acto doloso, todo o acto intencional praticado com o intuito de produzir dano ou com representação da possibilidade desse resultado).
A este propósito a sentença refere que “No que respeita à invocação das alíneas do ponto 6 da mesma cláusula, não se provou que tenha existido qualquer ato ou omissão dolosa por parte do segurado (...).
E, na verdade, assim é.
A diferença entre a causa de exclusão em apreço e a que se encontra prevista na cláusula 2a n° 1 alínea a) das condições especiais (danos decorrentes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da atividade bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis) consiste precisamente no facto de na cláusula 2º n° 6 alínea a) das condições especiais se exigir o dolo ao contrário do que sucede cláusula 2º n° 1 alínea a) das condições especiais.
Assim, tal como refere a sentença, não se tendo provado a existência de dolo, não se pode ter por verificada a causa de exclusão em apreço, pelo que, mais uma vez, bem andou o tribunal a quo (…)”.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir.
* *
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:
(i) Quanto ao recurso interposto por AA, determinar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, mormente, por violação das “(…) artigos 7º, 10º e 11º do RRCEE e 563º e 570º do Código Civil (…)”.
(ii) Quanto ao recurso interposto pelo Município ..., apurar se a decisão judicial recorrida viola “(…) as normas dos artigos 16º e 18º alíneas b) e d) do Decreto Lei nº 446/85 de 25/10, 334º e 762º nº 2 do Código Civil (…)”.
(iii) Em caso de procedência do interposto pelo Município ... recurso, e quanto à ampliação de recurso pretendida nos autos, determinar se a decisão judicial posta em crise no presente recurso, ao julgar inverificada a exceção de prescrição do direito do Autor, incorreu em erro de julgamento de direito.
E na resolução de tais questões que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
* *
III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
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III.1- Recurso interposto por AA
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III.1.1- Do imputado erro de julgamento de facto e de direito
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1. Estas questões estão veiculadas nas conclusões das alegações de recurso supra transcritas, substanciando-se na dupla alegação de que:
(i) O facto vertido no ponto 4) do probatório carece de lastro probatório, devendo considerar-se como não provado, ao contrário do que sucede com o tecido fáctico consignado nas alíneas K) e L) dos factos não provados, que, por incorretamente julgado, deve ser revisto e considerado como provado.
(ii) O A. não teve qualquer culpa ou contributo na produção do sinistro, sendo, por isso, de excluir a culpa do lesado, ou, quando assim não se entenda, considerar-se que o Autor apenas contribuiu para a produção do sinistro na percentagem de 10%.
2. Vejamos, sublinhando, desde já, que dois esteios argumentativos que se vêm de elencar invocados, não obstante de natureza diversa, conexionam-se, pelo que serão objeto de análise conjunta.
3. Assim, e entrando no conhecimento de tal constelação argumentativa, importa que se comece que a alteração da tecido fáctico fixado em 1ª instância encontra-se reservada para as situações em que a prova produzida imponha decisão diversa, que não sucede quando o Tribunal ad quem, apreciada essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo, não imposta pela prova produzida.
4. Realmente, inexistindo uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o Tribunal Superior terá que conceder na prevalência da decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
5. Na posse deste enquadramento, ponderemos do dissídio suscitado, adiantando-se, desde já, que a decisão recorrida não padece dos vícios que o Recorrente lhe comina.
6. Na verdade, a única prova produzida ao nível da dinâmica do acidente visado dos autos consistiu nas declarações de parte prestadas pelo Autor, aqui Recorrente.
7. Pois bem, ouvido este depoimento, não vemos que do mesmo resultem factos diversos daqueles supra indicados ou que se deva fazer qualquer alteração corretiva ao ponto 4) do probatório.
8. De facto, o Autor começa por afirmar inicialmente que o acidente descrito nos autos emergiu da circunstância ter embatido com a zona do pedal do lado direito da sua bicicleta num pino existente na linha contínua divisora existente no meio da faixa de rodagem.
9. Porém, quando confrontado com a evidência de que seguia pela via de trânsito contrária àquela que dizia respeito ao seu sentido, afirmou antes que era capaz de ter batido antes com a roda da frente no pino e voado de seguida.
10. A primeira versão é, no entanto, mais consistente com o demais tecido fáctico apurado nos autos, especialmente o vertido sob o ponto 14) dos factos provados, donde emerge que, em razão do embate com o referido pino, o Autor sofreu uma fratura bimaleolar direita [peroneal], tipo B de Weber, o que só pode significar que o Autor embateu com o tornozelo do lado direito no pino existente no meio da faixa de rodagem.
11. Por sua vez, quando questionado porque circulava de tal forma, o Autor referiu que ia a pensar na sua vida, não se tendo apercebido da existência de um pino no meio da faixa de rodagem, muito devido ao facto do referido pino se confundir no horizonte com a linha contínua divisora existente no meio da faixa de rodagem.
12. Ora, o facto de “ir a pensar na sua vida” reflete uma atitude despreocupada com as variantes geográficas envolvidas, o que é plenamente compatível com a aquisição processual de que o Autor seguia de forma de forma pouco atenta à via.
13. Tal convicção surge potencialmente reforçada pelo facto da invocada dificuldade de visualização do pino só existir na hipótese de se circular no caso de seguir exatamente pelo meio da via alinhado com a linha contínua, portanto, de forma desligada às condições materiais e legais que se impunham na via onde circulava.
14. Daí nada haja a objetar no que tange à convicção positiva do Tribunal a quo no tocante à factualidade reportada no ponto 4) dos factos provados da sentença recorrida.
15. Idêntica asserção é atingível no tocante ao tecido fáctico consignado nas alíneas K) e L) dos factos não provados.
16. Na verdade, embora não seja de afastar a possibilidade de produção de danos situados no quadro da bicicleta em razão do acidente descrito nos autos, também não é de afastar a forma como o Tribunal a quo concebeu a produção do acidente, o que nos transporta para a implausibilidade do embate da bicicleta do Autor com o pino existente na via.
17. Como se sumariou no aresto deste T.C.A.N., de 18.03.2016, tirado no processo nº. 02837/09.6BEPRT: “(…) Sendo livre a apreciação da prova pelo julgador de 1ª instância - v.g., quanto à prova testemunhal (artigo 396.º do CC), prova por inspeção (artigo 391.º do CC), prova pericial (artigo 389.º do CC) - e construída dialeticamente na base dos princípios da imediação e da oralidade, na reapreciação da decisão de facto a efetuar pela 2ª instância é necessário à sua modificação que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente e em caso de dúvida, v.g. face a depoimentos contraditórios entre si ou à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos referidos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova (…)” [destaque nosso].
18. Assim sendo, nos termos desta jurisprudência, propendemos para o sentido acolhido pelo Tribunal a quo.
19. Por conseguinte, em consonância com a lógica que se vem supra de expor, falece inteiramente o primeiro fundamento do recurso em análise.
20. Ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)
1. No dia 25.10.2014, algures entre as 18:30 horas e as 19:30 horas, o autor seguia na Ciclovia de ...;
2. Conduzindo o velocípede sem motor, de marca Cannondale, modelo Scalpel, à data sua pertença;
3. No sentido ..., com as luzes de cruzamento acesas;
4. De forma pouco atenta à via;
5. Quando assim seguia, cerca de 350 metros depois do cruzamento com a Rua ..., ..., coordenadas .......66, o autor embateu com a perna direita num pino circular em metal que se encontrava implantado sobre a linha contínua branca divisória da faixa de rodagem da referida ciclovia;
6. Sendo o autor projetado sobre a bicicleta, caindo desamparado no piso;
7. O pino em causa era de metal, de cor branca, com uma base quadrada de 12 cm, e com uma altura de cerca de 70 cm;
8. Foi ali colocado pelo Município enquanto entidade que mandou executar a ciclovia, com o objetivo de impedir a invasão da mesma por outros veículos, designadamente automóveis ligeiros;
9. Tendo os serviços municipais conhecimento da sua existência;
10. Não existia qualquer tipo de sinalização na via que identificasse a existência daquele obstáculo;
11. Nem existe iluminação pública no local;
12. O formato, a cor e a localização do pino dificultaram a sua visualização pelo autor;
13. O autor já conhecia o local;
14. Em razão do embate, o autor sofreu uma fratura bimaleolar direita (peroneal), tipo B de Weber;
15. Tendo sido submetido em 27.10.2014 a intervenção cirúrgica de osteossíntese com placa e parafusos, no Hospital ...;
16. Com posterior imobilização gessada durante seis semanas;
17. Em 06.04.2016 foi submetido a cirurgia para extração do material de osteossíntese;
18. Após essa cirurgia, o autor utilizou apoio externo para auxiliar a marcha, uma bengala, durante cerca de sete meses;
19. Foi-lhe prescrita fisioterapia e ortóteses “foot up”;
20. O autor nasceu em .../.../1978, e já tinha antecedentes clínicos de limitação do arco de movimento do pé e tornozelo por pé pendente à direita, sequela de fratura dos ossos da perna e cirurgias de correção feitas cerca de16 anos antes do acidente, que lhe determinaram incapacidade de 61%;
21. Pelo que já se encontrava reformado por incapacidade;
22. Devido às lesões provocadas pelo acidente, o autor ficou a padecer de grau de incapacidade de 2,98 pontos;
23. Não consegue andar descalço, por ter constantemente irritada e dorida a base do pé;
24. Devido ao embate e aos tratamentos cirúrgicos a que foi submetido, bem como ao período de reabilitação, o autor sofreu dores, fixadas em grau 4, numa escala de 0 a 7;
25. Bem como, devido às intervenções cirúrgicas, ostenta cicatriz junto ao tornozelo direito, com cerca de 10 cm, com afetação da respetiva estética num grau fixável em 2, numa escala de 0 a 7;
26. O autor possui um feito sociável, era uma pessoa alegre e expansiva;
27. A situação gerada pelo acidente, respetivas lesões, tratamentos e sequelas provocaram no autor mágoa e desgosto;
28. Em 28.10.2013, entre o Município ... e a interveniente foi firmado documento escrito intitulado “responsabilidade civil”, ao qual foi atribuído o número de apólice ...78, vigente à data do sinistro, com uma franquia estabelecida de € 200,00, pelo qual esta última assumiu o risco decorrente da atividade exercida pelo Município, e em cujas condições especiais se pode ler:
“(…)
Capítulo II
Condições Especiais
(...)
Cláusula 2ª Exclusões
1. Ficam sempre excluídos das garantias deste contrato os danos:
a) Decorrentes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares, ou dos usos próprios da actividade bem como da não adopção das medidas de segurança aconselháveis;
b) Resultantes de responsabilidade civil que seja imputável ao Segurador por obras realizadas sem ser por administração direta;
c) Resultantes de responsabilidade civil que seja imputável ao Segurado após obras realizadas em regime de administração direta;
(…)
f) Resultantes de responsabilidade civil profissional que seja imputável a Arquitetos, Engenheiros, Projetistas e Advogados ao serviço do segurado;
(…)
h) Resultantes de danos imputáveis a empresas municipais;
(...)
j) Resultantes de atividades que estejam sujeitas a seguro obrigatório de responsabilidade civil; (…)
w) Decorrentes de falta e/ou deficiente assistência técnica, revisão, reparação ou manutenção das infraestruturas e equipamentos Municipais;
x) Resultantes de defeitos ou ineficácia de produtos utilizados pelo Segurado no exercício da sua actividade;
y) Resultantes de exploração de quaisquer atividades alheias e/ou acessórias à actividade principal do Segurado;
(…)
ae) Impostos por situações de interesse público;
(…)
ag) Erros, deficiências ou omissões na planificação de tráfego;
ah) Imputáveis a entidades alheias ao município nomeadamente que com este tenham celebrado quaisquer contratos de prestação de serviços;
(...)
al) No âmbito da Responsabilidade Civil Profissional;
(...)
6. Ficam absolutamente excluídos das garantias deste contrato os danos:
a) Decorrentes de actos ou omissões dolosas do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável ou das pessoas cuja responsabilidade seja garantida por esta Apólice, bem como os actos ou omissões que constituem violação dolosa de normas ou regulamentos e quaisquer multas ou coimas. Entende-se por acto doloso, todo o acto intencional praticado com o intuito de produzir dano ou com representação da possibilidade desse resultado;
(…)
k) Resultantes de Responsabilidade de Administradores, diretores, gerentes e membros de órgãos de fiscalização da empresa segura por erros de gestão (...);
(…)
p) Danos genéticos ou enfermidades genéticas ou hereditárias;
(…)”;
Cf. documento junto com a contestação da interveniente;
29. A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 19.10.2017, via SITAF - cf. comprovativo de entrega junto aos autos;
30. Tendo o réu Município ... recebido o ofício de citação em 24.10.2017 - cf. comprovativo de aviso de receção junto aos autos;
31. O Município ... apresentou a sua contestação em 23.11.2017, tendo aí requerido a intervenção principal da seguradora interveniente - cf. comprovativo de entrega junto aos autos;
32. Em 09.10.2018 foi proferido despacho judicial no sentido de admitir a requerida intervenção - cf. despacho de 09.10.2018 junto aos autos;
33. A interveniente recebeu o ofício de citação em 16.10.2018 - cf. comprovativo de aviso de receção junto aos autos (…)”.
21. Assente a realidade que antecede, vejamos agora se assiste razão ao Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento de direito.
22. Realmente, defende o Recorrente que não teve qualquer culpa ou contributo na produção do sinistro, sendo, por isso, de excluir a culpa do lesado, ou quando assim, não se entenda, considerar-se que o Autor apenas contribuiu para a produção do sinistro na percentagem de 10%.
23. Porém, sem qualquer amparo de razão.
24. Na verdade, é inequívoca a contribuição do Autor para a produção do acidente descrito nos autos, atenta a forma desatenta com que seguia na via em questão [cfr. ponto 4) do probatório].
25. De facto, não fora as circunstâncias do Autor (i) seguir exatamente pelo meio da via alinhado com a linha contínua e de (ii) - nas suas próprias palavras – “ir a pensar na vida”, muito provavelmente, teria avistado a existência de um pino situado no meio da linha contínua divisora da faixa de rodagem e, na sequência de tal, se desviado do mesmo, evitando o embate com o mesmo.
26. Sendo assim, há que considerar que existem elementos factuais que permitem evidenciar a concorrência de culpas ou “concausalidade” na produção do acidente verificado nos autos nos autos.
27. Atentas as circunstâncias enunciadas antecedentemente, não se afigura desrazoável definir a medida da culpa do Autor, na produção dos danos relativamente aos quais é reclamado ressarcimento, em 30%.
28. Concordamos, portanto, com a percentagem atribuída na sentença recorrida: 70% para ao Réu Município e 30% para o Autor, aqui Recorrente.
29. Por tudo isto, nega-se provimento ao recurso do demandante AA e confirma-se a sentença recorrida no[s] segmento[s] decisório[s] em análise.
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III.2- Recurso interposto pelo Município ...
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III.2.1- Do imputado erro de julgamento de direito
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30. A decisão judicial recorrida, como sabemos, (i) desatendeu a exceção de prescrição do direito do Autor suscitada nos autos; (ii) julgou procedente a invocada exclusão do contrato de seguro quanto aos danos sofridos pelo autor e, em consequência, absolveu a interveniente do pagamento perante este de qualquer montante peticionado nestes autos; e (iii) julgou parcialmente procedente a presente ação, consequentemente, condenando o Município ... no pagamento ao Autor da quantia de € 16,800,00, acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do pedido quanto ao mais.
31. O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, impetrando-lhe erro de julgamento de direito.
32. Realmente, o Recorrente sustenta que a alínea a) do ponto 1 da cláusula 2.ª do capítulo II – Condições Especiais da Apólice é “(…) é uma cláusula contratual geral proibida e nula, porque contrária à boa fé, à confiança suscitada nas partes (dado o sentido global das cláusulas contratuais em causa) e ao objectivo que as partes visam atingir negocialmente (…)”, violando, por isso, a decisão recorrida as “(…) normas dos artigos 16º e 18º alíneas b) e d) do Decreto Lei nº 446/85 de 25/10, 334º e 762º nº 2 do Código Civil (…)”.
33. Adiante-se, desde já, que o presente recurso não irá vingar.
34. Na verdade, a discussão da validade da cláusula vertida na alínea a) do ponto 1 da cláusula 2.ª do capítulo II – Condições Especiais da Apólice aposta no contrato de seguro celebrado entre o Município Recorrente e a Companhia de Seguros A..., S.A., só pode servir um de dois propósitos:
35. O exercício do direito de regresso por parte do Município Recorrente na hipótese da Companhia de Seguros intervir em juízo com o estatuto processual de interveniente acessória,
36. Ou,
37. O alargamento” da condenação atravessada no dispositivo também à Companhia de Seguros A..., S.A. no pressuposto desta assumir o estatuto processual de interveniente principal.
38. Debruçando-nos sobre o caso sujeito, verifica-se que a Companhia de Seguros A..., S.A foi admitida a intervir em juízo na qualidade de interveniente principal, portanto, com estatuto equiparado à de parte.
39. Neste enquadramento e perante a lógica supra exposta, é de manifesta evidência que o presente recurso relaciona-se com a hipótese de “alargamento” da condenação atravessada no dispositivo também à Companhia de Seguros A..., S.A.
40. Ocorre, porém, que a discussão associada ao segundo propósito mostra-se reservada ao Autor, pois que este é o ente verdadeiramente dotado de legitimidade processual para questionar a absolvição da interveniente declarada nos autos.
41. Assim sendo, e à mingua de tal intervenção processual por parte do Autor, apresenta-se distintivo que a condenação atravessada no dispositivo já não pode ser alterada, por se mostrar já cristalizada em juízo.
42. O que nos transporta, inelutavelmente, para a evidência da impropriedade e da falta de interesse do presente recurso jurisdicional, impondo-se, por isso, a recusa de procedência do mesmo.
43. Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise, o que determina, nos termos do art. 636º, nº 1, do NCPC, a prejudicialidade do objecto da ampliação do recurso.
44. De facto, como se sumariou no aresto do S.T.A., de 03.11.2021, tirado no processo nº. 02505/10.6BEPRT 0458/17: “(…) a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do Recorrido, prevista no artigo 636.º do CPC, visa, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo deixou consignado em arestos anteriores: “permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes), mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência”. Portanto, a possibilidade de apreciar o pedido de ampliação do objecto do recurso está dependente de uma outra possibilidade, a de o recurso interposto pelas recorrentes poder proceder” [destaque nosso].
45. Ao que se provirá no dispositivo.
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V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:
(i) NEGAR PROVIMENTO a ambos os recursos interpostos nos autos e manter a sentença recorrida;
(ii) NÃO TOMAR CONHECIMENTO da ampliação do objeto do recurso formulada nos autos.
Custas do recurso interposto por AA pelo Recorrente.
Custas do recurso interposto pelo Município ... pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 10 de março de 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia