Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02825/14.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/15/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA; NOTIFICAÇÃO AO ARGUIDO; INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS; NOTIFICAÇÃO DO ADVOGADO; NULIDADE INSUPRÍVEL; ARTIGO 37º DA LEI Nº. 58/2008, DE 09.09.
Sumário:
I- A falta de notificação do despacho que indeferiu uma diligência probatória requerida na defesa consubstancia a omissão de uma formalidade essencial à defesa adequada no âmbito do procedimento disciplinar, o que constitui nulidade insuprível nos termos do disposto no nº.1 do artigo 37º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº. 58/2008, de 09.09, com a consequente invalidade da respetiva decisão punitiva.
II- A falta de notificação do mandatário do trabalhador para a inquirição de testemunhas constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, que integra nulidade insuprível nos termos do disposto no nº.1 do artigo 37º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº. 58/2008, de 09.09, com a consequente invalidade da respetiva decisão punitiva. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE VNG
Recorrido 1:FJRP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
FJRP, devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF do Porto] a presente Ação Administrativa Especial contra a CÂMARA MUNICIPAL DE VNG, rectius, contra o Município de VNG, peticionando a invalidação da deliberação da Câmara Municipal de VNG de 08 de setembro de 2014, mediante a qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de 30 dias de suspensão, cujo cumprimento foi suspenso pelo período de um ano.
O T.A.F. do Porto julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou a deliberação impugnada.
É desta sentença que o MUNICÍPIO DE VNG vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
A - A diligência de acareação requerida pelo recorrido foi julgada desnecessária, por despacho fundamentado, por não ser essencial para a descoberta da verdade.
B - O indeferimento deste pedido, legalmente permitido, não ocasiona nulidade do processo, muito menos insanável.
C - A notificação do despacho que indefere a diligência probatória pode ocorrer juntamente com a decisão final do processo sem que tal cerceie as oportunidades de defesa do arguido.
D - A instrutora não estava obrigada a notificar a Mandatária do recorrido da data, local e ordem da inquirição das testemunhas.
E - O recorrido foi notificado da data e hora de realização da inquirição e poderia ter exercido os seus direitos processuais.
F - Em todo o caso, essa eventual irregularidade não foi alegada pelo arguido até à decisão final, pelo que se considera suprida, sendo certo que a falta de notificação nunca seria uma nulidade insuprível.
G - Não se verifica nenhuma das nulidades que o recorrido imputa ao processo disciplinar, cuja justeza não tenta sequer contrariar.
H - Ao decidir de modo diferente a douta sentença em crise não fez a mais correcta aplicação do direito aos factos assentes, violando o art. 37º do Estatuto Disciplinar, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente e mantenha o acto impugnado
Termos em que, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo revogada a sentença em crise e substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente assim fazendo Vªs Exªs, como habitualmente, inteira e sã Justiça.
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que se alude no artigo 146º, nº.1 do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do CPTA e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do artigo 37º, mormente do seus nº.1 e 2, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº. 58/2008, de 09.09 [doravante ED].
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1. O Autor é “assistente operacional, a exercer funções na Divisão Municipal de Oficinas, com o nº de ordem 1220” – cfr. Acusação, a fls. 70 a 67 do Processo Administrativo [PA] apensado ao suporte físico dos autos;
2. Em 05 de fevereiro de 2014 foi enviado um ofício ao Autor com o assunto “Processo Disciplinar nº 1/2014/RVC”, informando-o que “Em cumprimento do Despacho do Exmo. Senhor. Vice Presidente Eng. PA, e nos termos do nº 3 do artigo 39º da Lei 58/2008 de 09 de Setembro, informo Vª Exa., que na presente data se inicia o processo disciplinar acima identificado” – cfr. Cota e Ofício, a fls. 14 e 13 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
3. No dia 22 de abril de 2014 foi elaborada “Acusação” referente ao processo referido em 2), por violação dos deveres de “obediência e assiduidade”, “correcção”, “obediência e correcção”, “assiduidade e pontualidade” e “zelo, obediência e lealdade” – cfr. Acusação, a fls. 70 a 67 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
4. Por requerimento datado de 13 de maio de 2014, o Autor apresentou defesa, pedindo a audição de testemunhas, “uma acareação entre o arguido e o declarante/participante JR– Eng. –, quanto ao alegado sob 2 b), 3, b) e da resposta, atentas as contradições, afigurando-se útil à descoberta da verdade” e juntando procuração – cfr. resposta e sobrescrito, a fls. 89 a 76 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
5. Por despacho de 22 de maio de 2014, a instrutora do processo referido em 2) determinou que “as testemunhas sejam notificadas para inquirição. Os documentos com ordem de trabalhos sejam juntos aos presentes autos.” – cfr. despacho, a fls. 90 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
6. Por ofício de 28 de maio de 2014, o Autor foi informado da data e hora a que as testemunhas referidas em 4) iriam ser ouvidas – cfr. ofício, a fls. 98, e registo postal, a fls. 119, do PA apensado ao suporte físico dos autos;
7. Nos dias 02, 03 e 04 de junho de 2014 foram ouvidas as testemunhas indicadas pelo Autor, que compareceram perante “RVC, técnica superior, nomeada instrutora do processo disciplinar, e […] CA, secretária” – cfr. Autos de declarações, a fls. 116 a 102 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
8. Por despacho de 16 de junho de 2014, a instrutora do processo referido em 2) determinou a “Notificação para audição do trabalhador SS (nº de ordem 2…1)” e a “Notificação da coordenadora da escola EB1 da J…, Dra. FBA” – cfr. despacho, a fls. 133 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
9. Em 19 de junho e 10 de julho de 2014 foram ouvidas as pessoas referidas em 8), perante “RVC, técnica superior, nomeada instrutora do processo disciplinar, e […] CA, secretária” – cfr. Autos de declarações, a fls. 138/139 e 144/145 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
10. No dia 16 de julho de 2014 foi proferido despacho pela instrutora do processo referido em 2), com o seguinte teor: “Pela Defesa Escrita apresentada, o arguido vem requerer que seja realizada a diligência de prova por acareação entre ele e o participante, o Engº JR, quanto ao alegado nos pontos 2b), 3,5b) e 6 da defesa á acusação em tempo útil apresentada. Considerando que a diligência requerida deve reputar-se como essencial no interesse à resolução do presente processo e imprescindível para a descoberta da verdade material estando aqui em questão a Acareação como meio de prova. Parece haver fundamento atendível para a realização da diligência requerida pelo arguido, se verificada no presente processo contradição nos factos apresentados na defesa para a aludida diligência, só assim parece existir fundamento para a diligência afigurar-se útil à descoberta da verdade. Dos autos do presente processo, poderá aferir-se não existir contradição nos factos aludidos, as provas recolhidas, mais concretamente a prova testemunhal indicada pelo arguido, atestada com todas as outras diligências por mim ordenadas, não parece deixar dúvidas quanto à verdade e prova dos factos, ao não existir contradição entre os mesmos, a aceitação da diligência requerida seria manifestamente impertinente e desnecessária, de acordo com o estipulado nº1 do artigo 53º da Lei 58/2008, de 9 de Setembro, pondo em causa a utilidade dessa diligência probatória. Face ao fundamento apresentado determino que a diligência probatória requerida pelo arguido não seja realizada.” – cfr. despacho, a fls. 133 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
11. No dia 22 de julho de 2014 foi elaborado “Relatório Final” onde foi proposta a “aplicação ao arguido FJRP, Assistente Operacional, a pena de suspensão pelo período de 30 dias, nos termos do nº4 do artigo 10º, e do artigo 17º do Estatuto Disciplinar, suspendendo-se a aplicação da pena pelo período de um ano, nos termos do nº1 do artigo 25º da Lei 58/2008, de 09 de setembro que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas” – cfr. Relatório Final, a fls. 159/148 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
12. Em reunião da Câmara Municipal, de 08 de setembro de 2014, foi “Deliberado por unanimidade aprovar, precedido de votação secreta, aplicar a pena de suspensão pelo período de 30 dias, nos termos do nº. 4 do artigo10º. E do artigo 17º. Do Estatuto Disciplinar, suspendendo-se a aplicação da pena pelo período de um ano, nos termos do nº. 1 do artigo 25º. Da lei nº. 58/2008, de 09 de Setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, ao trabalhador FJRP”, proposta no relatório referido em 11) – cfr. ata da deliberação, a fls. 161 do PA apensado ao suporte físico dos autos;
13. Por ofício datado de 16 de setembro de 2014, foi o Autor informado da decisão referida em 12) – cfr. ofício, a fls. 165 do PA apensado ao suporte físico dos autos.
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III.2 - DO DIREITO
Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a sentença recorrida, ao decidir no sentido da ocorrência de duas nulidades insupríveis no procedimento disciplinar visado nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito.
Vejamos, sublinhando, desde já, que o direito disciplinar aqui em análise é predominantemente regulado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº. 58/2008, de 09.09.
Dispõe o artigo 37º do apontado Estatuto Disciplinar, epigrafado “Nulidades”:
“(…)
1 - É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
2 - As restantes nulidades consideram-se supridas quando não sejam reclamadas pelo arguido até à decisão final.
3 - Do despacho que indefira o requerimento de quaisquer diligências probatórias cabe recurso hierárquico ou tutelar para o respectivo membro do Governo, a interpor no prazo de cinco dias.
4 - O recurso referido no número anterior sobe imediatamente nos próprios autos, considerando-se procedente quando, no prazo de 10 dias, não seja proferida decisão que expressamente o indefira.
(…)”.
Entendeu o Sr. Juiz a quo, neste conspecto, e no mais essencial, que as circunstâncias não controvertidas no presente recurso da (i) falta de notificação do despacho que indeferiu uma diligência probatória requerida na defesa e, bem assim, de (ii) falta de notificação da mandatária do trabalhador para a inquirição de testemunhas, consubstanciavam nulidades insupríveis nos termos do supra transcrito preceito de lei ordinária, que, consequentemente, declarou.
Para tanto, socorreu-se, sobretudo, da seguinte fundamentação jurídica:
”(…)
No caso dos autos, foi proferido despacho que indefere uma diligência probatória requerida pelo Autor, o que é permitido, desde que cumpridos os pressupostos do artigo 53.º do ED. No entanto, tal despacho sempre tem de ser notificado ao trabalhador, para que este se possa pronunciar, nomeadamente através do recurso previsto no número 3 do artigo 37.º, e em momento anterior à decisão punitiva, para que o referido recurso não seja esvaziado de sentido, uma vez que o seu intuito [demonstrado na cominação prevista no número 4 daquele artigo] é garantístico, para que seja possível realizar uma diligência probatória abusivamente indeferida e que esta tenha efeitos na decisão final. Ora, ocorrendo a notificação do indeferimento, como sucedeu no presente caso, já com a própria decisão final [e, acrescente-se, como mero anexo do relatório], torna-se claro que não foi cumprido o objectivo de tal norma, pelo que se mostra prejudicado o direito de defesa do trabalhador e o princípio do contraditório, o que constitui nulidade insanável do processo disciplinar, nos termos do número 1 do artigo 37.º do ED (…)”.
E mais adiante [agora já no tocante à patenteada falta de notificação da mandatária da mandatária do trabalhador para a inquirição de testemunhas]:
“(…)
Sobre tal matéria, já o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 17 de Outubro de 2006, referia que “Tendo em atenção o disposto no artigo 32º, n.ºs 3 e 10 e artigo 18º da Constituição, constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a falta de notificação do Advogado constituído pelo arguido para poder estar presente à inquirição de testemunhas arroladas na resposta, a qual integra a nulidade insuprível prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 42.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro.”
Também no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Junho de 2008 se diz que, “ tendo em atenção o disposto no artigo 32º, n.ºs 3 e 10 e artigo 18º da Constituição, constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a falta de notificação do Advogado constituído pelo arguido para poder estar presente à inquirição de testemunhas arroladas na resposta, a qual integra a nulidade insuprível prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 42.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro.” Nesta linha de orientação, que julgamos ser hoje uniformemente acolhida, é inquestionável que falta de notificação do mandatário da data de inquirição de testemunhas arroladas pela defesa constitui a omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade.”
Também o mais hodierno Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23 de Março de 2012, tirado no processo 00290/09.3BEPNF, lapidarmente refere que “Deve ser notificado da inquirição das testemunhas, arroladas após a acusação, com vista a poder estar presente a essa diligência, o mandatário do arguido, em processo disciplinar, de molde a poder ser assegurado, em plenitude, o direito de defesa e princípio do contraditório.”
No que é acompanhado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Julho de 2013, que postula que “Em processo disciplinar constituem omissão de formalidade essencial, geradora de nulidade insuprível, a falta de notificação do advogado para inquirição de testemunhas arroladas na resposta”.
Atentos os arestos reproduzidos, afigura-se claro que a mandatária do Autor havia de ter sido notificada para estar presente na inquirição das testemunhas que este arrolou. Não tendo sucedido tal notificação – e não tendo a mandatária estado presente na diligência – encontrou-se coarctado o direito de defesa do então arguido, o que, nos termos do artigo 37.º do ED, implicava omissão de formalidade essencial e, portanto, nulidade insuprível, que se impõe declarar.
(…)”.
Desta fundamentação discorda o Recorrente, que lhe imputa erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 37º, nºs.1 e 2 do ED.
Não obstante as suas doutas alegações, cremos não assistir razão qualquer ao Recorrente.
O Tribunal a quo mais não fez do que acolher na sentença recorrida aquilo que foi já afirmado reiteradamente pela jurisprudência dos Tribunais Superiores desta jurisdição, no sentido de que:
(i) nada pode ser produzido ou levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que do mesmo passo se abra ao arguido a possibilidade de o mesmo se poder pronunciar sobre tal matéria, ainda que se trate de diligências requeridas pelo próprio arguido no presente processo.
(ii) constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada a falta de notificação do advogado constituído pelo arguido para estar presente à inquirição das testemunhas arroladas na resposta.
Neste sentido, e quanto à decidida nulidade insuprível por falta de notificação de despacho que indefere diligência probatória, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.04.1999, no Acórdão do Pleno tirado no processo nº. 28897 [Apêndice ao DR, de 08.05.2001, 620], com o seguinte sumário: “(…) “I - Nada no processo disciplinar, sob pena de ocorrência de nulidade por falta de audiência e defesa do arguido (art. 42.º , n.º 1 do Est. Disc.) pode ser levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que se faculte ao mesmo a possibilidade de se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório). II - Isto ainda que se trate de diligências probatórias requeridas no processo pelo próprio arguido”.
- Deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 05.12.2014, tirado no processo que, P. 00046/13.9BEAVR, sobre caso em que se discutia a falta de notificação de relatório pericial ao arguido: (...) nada no processo disciplinar pode ser produzido ou levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que do mesmo passo se abra ao arguido a possibilidade de o mesmo se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório). E isto assim é ainda que se trate de diligências requeridas no processo pelo próprio arguido. É que, se assim não fosse, o arguido ver-se-ia cerceado no seu direito de audiência e defesa pelo simples facto de ter sido ele próprio a requerer a diligência em causa, no interesse da sua defesa, o que seria inadmissível, pois o que está em jogo é facultar-lhe a possibilidade de ele se pronunciar sobre o resultado ou conteúdo da diligência de prova. O arguido tem pois o direito de se pronunciar sobre todo e qualquer material probatório levado ao processo disciplinar, havendo que facultar-lhe para o efeito prazo razoável antes da decisão punitiva. (…)”.
- deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 22.01.2016, tirado no processo nº. 00047/13.7BEAVR, em caso idêntico ao referido 00046/13.9BEAVR, “(…) No caso dos autos está assente (e não é controvertido) que a arguida, ora Recorrente, não foi notificada do relatório de perícia informática, realizada aos computadores utilizados no dia da prática dos factos disciplinares de que é acusada e pelos quais foi condenada, diligência de prova que havia sido por si requerida no âmbito do procedimento disciplinar. Ora, o exercício do contrário e a audiência e defesa do arguido (garantias asseguradas no artigo 32.º da CRP e 37.º do ED), impunham que a arguida tivesse sido notificada do resultado de tal diligência de prova, por si requerida, em momento prévio à notificação do ato punitivo. Nem pode afirmar-se, em contrário, que tal notificação nenhuma projeção teria sobre a descoberta da verdade, pois caso a arguida tivesse tido oportunidade de contraditar o resultado de tal diligência de prova, não é seguro que os factos apurados tivessem sido exatamente os mesmos (…).
Já no que tange à nulidade insuprível por falta de notificação da mandatária do trabalhador para a inquirição de testemunhas podem ver-se, de entre outros, os seguintes arestos:
- do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.2.99, Rec. nº 38989, que entendeu que "constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, que integra nulidade insuprível, nos termos do nº 1 do art. 42º do Estatuto Disciplinar, a falta de notificação do advogado constituído pelo arguido para estar presente à inquirição das testemunhas arroladas na resposta, bem como para assistir às diligências complementares (inquirição de testemunhas) realizadas oficiosamente, nesta fase".
- Do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.01.2005, tirado no processo nº. 12628/03: ”(…) No caso concreto, verifica-se que o mandatário do arguido não foi notificado para qualquer diligência probatória, em especial para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o que constitui nulidade insuprível (cfr. arts. 269º e 32º nº 3 da C.R.P. e 42º nº 1 do Estatuto Disciplinar). Ora, como refere a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste T.C.A., citando o Ac. do STA (Pleno) de 27.499, Rec. nº 28897, "nada no processo disciplinar, sob pena de ocorrência de nulidade por falta de audiência e defesa do arguido (art. 42º nº 1 do Estatuto Disciplinar) pode ser levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que se faculte ao arguido a possibilidade de se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório). Isto ainda que se trate de diligências probatórias requeridas no processo pelo próprio arguido". Também o Ac. do STA de 11.2.99, Rec. nº 38989 entendeu que "constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, que integra nulidade insuprível, nos termos do nº 1 do art. 42º do Estatuto Disciplinar, a falta de notificação do advogado constituído pelo arguido para estar presente à inquirição das testemunhas arroladas na resposta, bem como para assistir às diligências complementares (inquirição de testemunhas) realizadas oficiosamente, nesta fase" (cfr. no mesmo sentido, o Ac. STA de 22.1.94, Ap. DR de 18.04.97, p. 8218). A nosso ver esta orientação jurisprudencial foi consolidada e reforçada com a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, que consagrou o direito fundamental de todos se fazerem acompanhar por advogado perante qualquer autoridade (cfr. Diário da Assembleia da República, 1ª Série, nº 95, de 18 de Julho de 1997, p. 34 662). Verifica-se, pois, a nulidade insuprível invocada (…)”.
- deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.03.2012 no processo: 00290/09.3 PNF, com o seguinte sumário: “(…) “1. Deve ser notificado da inquirição das testemunhas, arroladas após a acusação, com vista a poder estar presente a essa diligência, o mandatário do arguido, em processo disciplinar, de molde a poder ser assegurado, em plenitude, o direito de defesa e princípio do contraditório. 2. Verificando-se essa notificação ao mandatário e estando ele presente na data e local das inquirições, verifica-se a nulidade insuprível prevista no art.º 42.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar, que importa a nulidade da decisão disciplinar, a proibição pelo instrutor do procedimento disciplinar do mandatário assistir à inquirição dessas testemunhas.”;
- do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.10.2013, tirado no processo nº. 01489/12, com o seguinte sumário: ”(...) Tendo em atenção o disposto no artigo 32º, n.ºs 3 e 10 e artigo 18º da Constituição, constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a falta de notificação do Advogado constituído pelo arguido para poder estar presente à inquirição de testemunhas arroladas na resposta, a qual integra a nulidade insuprível prevista na segunda parte do n.º 1 do artigo 42.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro (…)”;
- e mais recentemente, deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 05.04.2018, tirado no processo nº. 01653/14.8BEPRT:” (…) O disposto nos artigos 6º e 40º do Regulamento Disciplinar de 1913 tem de ser compaginado com o disposto nos artigos 18º e 32º, n.ºs 3 e 10, Constituição da República Portuguesa que asseguram um amplo direito de defesa ao arguido em processo disciplinar, constitui omissão de formalidade essencial qualquer restrição a esse direito. A presença de advogado não sendo obrigatória deve no entanto ser facultada ao arguido em todos os actos processuais relevantes, incluindo o depoimento das testemunhas, dado permitir que aquele esteja acompanhado por alguém tecnicamente preparado para dilucidar as questões jurídicas que se colocam, e fazê-lo em favor da posição do cliente (neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09.12.2011, processo 93/06.7 VIS). Independentemente da liberdade do depoimento - e naturalmente esta está pressuposta – a presença do advogado do arguido poderia permitir suscitar questões ou perspectivas mais favoráveis ao arguido. Daí que, tal como decidido, se tenha de concluir pela preterição, no procedimento disciplinar em apreço, de uma formalidade essencial ao exercício do direito de defesa do arguido, a notificação do seu advogado para, querendo, estar presente na diligência de inquirição de uma testemunha (…)”.
Assim, são infundadas as críticas que o Recorrente dirige contra a decisão com fundamento em erro de direito, por violação do artigo 37º, nºs.1 e 2 do ED.
Na verdade, e quanto à primeira nulidade insuprível decidida, não tendo o despacho que indeferiu uma diligência probatória requerida na defesa [acareação] sido notificado ao arguido, este ficou impedido de exercer o seu direito ao contraditório, o que consubstancia a omissão de uma formalidade essencial à sua defesa adequada no âmbito do procedimento disciplinar, com a consequente invalidade da respetiva decisão punitiva.
Refira-se que não assiste razão ao Recorrente quando advoga que o despacho visado pode ser validamente notificado ao Recorrente com a decisão final, pois é bom de ver que essa possibilidade não cumpre a função de assegurar o contraditório, que vimos destacando como essencial no âmbito do procedimento disciplinar.
Ademais, cabendo recurso no prazo de cinco dias dessa decisão de indeferimento [cfr. nº. 3 do artigo 37º do ED], a consagração da tese defendida pelo Recorrente teria um verdadeiro efeito de implosão da efetivação deste instrumento processual, o que não se pode admitir.
Na verdade, a previsão da possibilidade se recorrer deste tipo de decisões tem como escopo incidental a possibilidade de se permitir ao arguido carrear para a decisão final do procedimento disciplinar todo os factos suscetíveis de ponderação no âmbito do juízo disciplinar previamente à prolação de decisão final.
Ora, nada disto é atingível com notificação a final do despacho que indefere uma diligência probatória requerida pelo próprio arguido, como defende o Recorrente.
Por sua vez, e agora no tange à segunda decidida nulidade insuprível, e sendo certo que a mesma se verifica no caso em apreço, também não procede o argumento do Recorrente, segundo o qual a irregularidade decorrente da falta de notificação da mandatária do trabalhador para a inquirição de testemunhas ficou suprida em virtude da falta da sua arguição até à decisão final, numa clara alusão do preceituado no nº.2 do artigo 37º do ED.
Na verdade, só supríveis as irregularidades que não contendam com falta de audiência do arguido, bem como as que resultem de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
Esse, porém, não é caso que nos movemos, pois a patenteada falta de notificação do mandatário para estar presente na diligência probatória de inquirição de testemunhas integra-se no âmbito das nulidades insupríveis associadas à “falta de audiência do arguido”,
Efetivamente, o âmago desta nulidade integra, sobretudo, as situações em que a defesa é dificultada por restrições injustificáveis dos direitos e instrumentos aptos a habilitar o arguido a defender a sua posição, como sucede aqui.
Logo, não se enquadrando a ilegalidade apontada no género delimitado no n.º 2, do art. 37º do ED, assoma evidente que a mesma não pode ser suprida.
Concludentemente, nenhum erro de julgamento de direito se divisa na sentença recorrida quanto às decididas nulidades insupríveis por (i) falta de notificação do despacho que indeferiu uma diligência probatória requerida na defesa e por (ii) falta de notificação da mandatária do trabalhador para a inquirição de testemunhas.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em conformidade, confirmada a sentença recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente em ambas as instâncias.
Registe e Notifique-se.
Porto, 15 de fevereiro de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco