Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01846/19.1BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/20/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO.
Sumário:I- Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 662º do C.P.C. , o Tribunal Superior só deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.

II- Vista a prova produzida nos autos, e o posicionamento das partes exarados nos respetivos articulados, justifica-se aditar à factualidade coligida no probatório os factos vertidos nos artigos 19º, 20º, 23º, 27º, 32º, 34º e 36º do requerimento inicial.

III- Conforme ditado pelo artigo 103º - A do C.P.T.A., o que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, e, portanto, prejuízos reais, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, resultariam do levantamento ou não do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado.

IV- Consequentemente, importa ao Tribunal formular um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do Autor, titular de um interesse privado de natureza económica, e que este procura tutelar através dos presentes autos de contencioso pré-contratual, com a situação do Réu, titular do interesse público de salvaguardar o cumprimento das suas atribuições.

V- Estando em causa o concurso público para execução da Empreitada de Arranjos Exteriores do Bairro de Falcão, Blocos 1 a 9, cuja urgência de reabilitação mostra-se fundada na acentuada degradação deste nos desígnios da salubridade habitacional e das condições de iluminação e de pavimentação da via pública, cujos problemas afetavam tanto a zona residencial, como a zona pública envolvente, designadamente, e no que respeita a esta última, devido à fraca iluminação da via pública, o que contribuía para o exercício de atividades ilícitas, pavimentos em mau estado de conservação, estacionamento insuficiente e ocupação de área pública por construções ilegais, e, em face da completa ausência de alegação por parte da Recorrida quanto ao juízo de ponderação entre os danos decorrentes do requerido, justifica-se o levantamento do efeito suspensivo automático da impugnação do ato de adjudicação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CMPH
Recorrido 1:ABB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
CMPH-D. S. – EMPRESA DE H. M. DO MUNICIPIO DO P…, E.M., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datado de 13.09.2019, promanado no âmbito da presente Ação Administrativa Urgente de Contencioso Pré-Contratual intentada por ABB – A. B. B., S.A., contra a aqui Recorrente, que indeferiu o seu pedido de levantamento suspensivo decorrente do artigo 103º-A do C.P.T.A.
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
A. O presente recurso tem por objeto a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de indeferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático relativamente ao contrato de empreitada sub iudice, que consiste na execução de trabalhos que visam a conclusão de um projeto de reabilitação global de um bairro social na cidade do Porto que, a ser adiado - como resulta da decisão recorrida conduzirá à manutenção, durante largos meses ou anos, de um espaço público degradado (em virtude, além do mais, da execução das obras que consistiam na primeira fase do projeto) e de um verdadeiro estaleiro a céu aberto.

B. Esse espaço público, em vez de ser devolvido aos habitantes do bairro - que dele foram privados inicialmente pela existência de construções clandestinas e degradação de estruturas e, mais recentemente, pelo resultado da realização da primeira fase das obras de Requalificação do Bairro - manter-se-á sem possibilidade de ser fruído por pessoas que já são socialmente desfavorecidas, agravando as suas dificuldades de inclusão social e desenvolvimento pessoal.

C. A isso juntam-se os efeitos sobre as infraestruturas básicas existentes e que estão em avançado estado de degradação e que, já tendo sido substituídas nos edifícios reabilitados, têm as ligações ao espaço público dependentes da execução da empreitada sub iudice.

D. A Sentença recorrida julga erradamente vários aspetos relacionados com a matéria de facto, a saber:

(i) Erro quanto ao juízo e valoração dos elementos de prova presentes nos autos, que deveriam ter servido para dar como provados os elementos de facto necessários ao levantamento do efeito suspensivo;

(") Erro quanto à fundamentação crítica e análise que levou à decisão sobre a matéria de facto considerada como não provada;

(iii) Erro de facto da matéria dada como provada.

E. Erra o Tribunal a quo ao considerar faltar prova de que a empreitada em causa nos autos (...) se encontra estritamente ligada à reabilitação do próprio Bairro" (cfr. Sentença, página 14, 3º parágrafo), isto quando isso é um facto notório e está implícito em um dos factos que foi dado como provado pelo Tribunal, concretamente o primeiro do qual resulta que "por anúncio publicado, na 2º Série do Diário da República, foi dada publicidade ao concurso para execução da empreitada de "ARRANJOS EXTERIORES DO BAIRRO (...), BLOCOS 1 A 9" (sublinhado nosso) (cfr. Sentença, página 5, 2º parágrafo).

F. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a ora Recorrente não se limitou a alegações genérica ou conclusivas; nos artigos 27º, 33º, 34º, 36º e 51º a 54º do requerimento para o levantamento do efeito suspensivo são referenciados vários documentos juntos com o mesmo requerimento - que não são sequer referenciados na sentença recorrida -, pelo que não corresponde à verdade que não tenha sido junta a competente prova dos elementos de facto que sustentam o pedido de levantamento do efeito suspensivo.

G. A decisão recorrida é, particularmente, omissa quanto às fotografias juntas aos autos, não existindo qualquer referência ou apreciação das mesmas, sequer para desconsiderar a realidade que visam atestar.

H. Assim, afigura-se errada a apreciação da prova junta que deveria, ao contrário do decidido, ter sido suficiente para provar o seguinte:

(i) A urgência da intervenção no bairro social, designadamente, devido à implementação de várias construções clandestinas ao nível dos pisos térreos e de apropriações indevidas, quer em espaços verdes como em vedações - facto que deveria ter sido considerado provado por força de documento reprográfico que constava do requerimento apresentado, sob a designação "Imagem 1".

(ii) A necessidade de criar espaços de estacionamento que respondam às reais necessidades dos moradores, uma vez que o atual estacionamento é feito através de uma utilização indevida dos passeios, o que impossibilita o trânsito por parte dos peões, em particular pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência (Imagem 2)" - facto que deveria ter sido considerado provado por força de documento reprográfico que constava do requerimento apresentado, sob a designação "Imagem 2".

(iii) A suspensão da presente empreitada terá um forte e grave impacto na sustentabilidade económica da empresa, entidade adjudicante - facto que deveria ter sido considerado provado por força de documento n.º 3 junto aos autos.

(iv) A empreitada encontrava-se organizada por fases, tendo a primeira comportado a demolição de áreas de génese ilegal, conforme consta do facto 3 considerado provado e do artigo 5º, nº 2 do PC e alegado no artigo 33º do requerimento.

(v) Segundo as regras de experiência, e fazendo recurso de parâmetros lógicos, deste facto resultam duas ilações notórias que se passam a descrever e que deveriam ter sido consideradas pelo Tribunal:

a) a demolição destas edificações comportou o sacrifício pessoal e patrimonial dos moradores do bairro.

b) a demolição de tais edificações implicou a construção de estaleiros de obras, a destruição de passeios, muros e vedações e a acumulação de resíduos e lixos que permanecerão no local até ao retomar dos trabalhos.

A suspensão da reabilitação implica a contínua degradação de todas as infraestruturas de ligação públicas que se encontram em mau estado de conservação e que permitem o abastecimento de gás, eletricidade, telecomunicações e iluminação às habitações - facto alegado no artigo 25.9 do requerimento e provado através de documento n.9 1 junto em requerimento autónomo posterior.

(vii) A suspensão do processo terá um impacto desproporcionado na capacidade financeira da empresa - facto alegado no artigo 52º do Requerimento e provado através dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos aos autos.

(viii) A suspensão do processo implica a perda de verbas públicas, que se encontravam destinadas ao exercício desta atividade - facto alegado nos artigos 53º e 54º do Requerimento e provado através dos documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos aos autos.

Assim e com o devido respeito, o Tribunal errou ao não considerar como pontos de facto provados os factos que se acabam de descrever.

I. O próprio Tribunal a quo permite-se, a este propósito, dizer uma coisa e o seu contrário já que, embora afirme que

(a) "resulta do probatório (...) [que da empreitada resultam], trabalhos de indiscutível importância para o bem-estar de todos quantos habitam no referido Bairro." (cfr. página 13 da sentença, 1º parágrafo);

(b) "Não há, pois, qualquer dúvida quanto à necessidade de execução dos trabalhos que foram objeto do concurso bem assim como faz implicações que decorreram da suspensão do ato de adjudicação do concurso à ora contra-interessada, implicações também a nível da programação da atividade da Ré que resultam da suspensão dos efeitos do contrato, tal como vem alegado'', (cfr. página 13 da sentença, 2º parágrafo); e ainda que

(c) “ (...) é certo que a suspensão do ato de adjudicação tem consequências negativas para o interesse público que a R. defende, desde logo, impedido o prosseguimento do procedimento programado e devidamente iniciado (...)" (cfr. página 14 da sentença, 1º parágrafo).

Apesar da convicção resultante das passagens transcritas esta não se reflete minimamente nos factos considerados provados.

Os factos considerados provados, com exceção dos factos 7 e 8, relacionam-se com matéria a ser discutida na ação principal, o que revela por si só uma ausência de fundamentação crítica quanto à matéria de facto trazida para o presente incidente.

Deste modo, não só errou o Tribunal na apreciação dos elementos juntos ao processo, como também incorreu em erro quanto ao juízo e valoração dos elementos de prova presentes nos autos, quanto à fundamentação crítica e análise que levou à decisão sobre a matéria de facto não provada e quanto à matéria dada como provada.

Em consequência desses erros de julgamento devem ser dados como provados e aditados à matéria de facto os elementos descritos no ponto 13 das presentes alegações.

Foi junta aos autos prova documental - fotografias, designadamente - que se dirigiam à prova de factos que o Tribunal a quo, sem que a prova fosse impugnada, desconsiderou, em violação do artigo 368.º do Código Civil, pelo que, contrariamente ao decidido, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:

(i) A urgência da intervenção no bairro social, designadamente, devido à implementação de várias construções clandestinas ao nível dos pisos térreos e de apropriações indevidas, quer em espaços verdes como em vedações.

(ii) A necessidade de criar espaços de estacionamento que respondam às reais necessidades dos moradores, uma vez que o atual estacionamento é feito através de uma utilização indevida dos passeios, o que impossibilita o trânsito por parte dos peões, em particular pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência.

N. Por outro lado, não pode, nem deve caber ao Tribunal esse papel - de impugnar a exatidão, a validade ou a veracidade dos documentos -, sob pena de violação do Princípio do Dispositivo (artigo 6.º, n.º 1 do CPC).

O. Note-se que, neste incidente, o autor não contestou e não apresentou factos alguns, alheando-se por completo do destino do mesmo, pelo que o Tribunal a quo não dispunha de qualquer elemento ou facto que pudesse contrariar os factos e elementos juntos ao processo. Ao "substituir-se" à parte o Tribunal a quo acabou a contestar a validade de um documento junto ao processo, o que contraria diretamente o disposto nos artigos 368.º do CC e a nossa jurisprudência (cf. Acórdão do TCAS, de 09.02.2017, processo 20002/16.4BCLSB, onde se decidiu que “Nos termos do artigo 368º do Código Civil as reproduções fotográficas fazem prova plena dos factos e coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exatidão.

P. Tal como já foi anteriormente referido, da decisão não consta qualquer referência às reproduções fotográficas, nem se encontra qualquer fundamentação crítica e comparativa das provas trazidas ao processo capaz de revelar a construção lógica e valorativa efetuada pelo Tribunal, o que constitui violação do disposto no n.º 4 do artigo 607º, n.º 4 do CPC e, bem assim, do n.º 3 do artigo 94.º do CPTA, conforme este TCAN reconheceu no seu Acórdão de 20.09.2018, tirado no processo n.2 166/09.4BEBJA.

Q. Afigura-se que o Tribunal a quo, tendo dado como não provados - mas sem sequer se perceber o iter lógico dessa decisão da matéria de facto - os factos em que se consubstanciam os prejuízos para o interesse público, isso conduziu o Tribunal a uma decisão que viola o n.º 4 do artigo 103º -A do CPTA, uma vez que, contrariamente ao decidido há factos concretos (que foram alegados e provados) dos quais resultaria o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático.

R. Além de resultar da aplicação que a jurisprudência tem feito do mecanismo processual aqui em causa (veja-se o Acórdão do STA de 26.04.2018, processo nº. 062/18), o deferimento resultaria também da própria doutrina citada na decisão recorrida, já o caso sub iudice satisfaz também os fatores elencados por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, concretamente:

(i) O contrato é efetivamente importante para a satisfação de necessidades coletivas;

(ii) O período de tempo que previsivelmente decorrerá até ao julgamento definitivo da ação (incluindo uma provável fase de recurso) afigura-se incompatível com a satisfação dos prementes interesses públicos em causa;

(iii) Relativamente à situação de execução do contrato também é evidente tratar-se de uma empreitada que, na sua globalidade, já foi iniciada, já foram destruídas construções clandestinas, montados estaleiros na via pública, feitas ligações provisórias que abastecem as comunidades, pelo que também este critério está preenchido.

S. De resto, os mesmos Autores assinalam a relevância de o impugnante "alegar danos suficientemente relevantes para poderem contrapor-se àqueles que tenham sido invocados pelos demandados como fundamento para o levantamento do efeito suspensivo" (sublinhado nosso) (cfr. Sentença página 9, 2º parágrafo) e, no caso sub iudice, a Autora (impugnante) não respondeu, não alegou e não provou apesar de não estar dispensado de o fazer. Facto que, apesar de citado pelo próprio Tribunal a quo na decisão recorrida, não foi minimamente considerado no âmbito do juízo que cabia fazer quanto deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo.

T. De resto, está a dita Autora completamente desinteressada do destino deste incidente e do eventual início das obras, bem ao contrário do que o voluntarioso Tribunal a quo supõe e, com base nessa suposição, decidiu, tudo razões que só podem levar a concluir ter o Tribunal a quo violado o critério de decisão previsto no n.º 4 do artigo 103.º-A do CPTA.

(…)”.


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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não produziu contra-alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o artigo 146º, nº.1 do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios – artigo 36.º n.º 2 do C.P.T.A. – cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento (i) da matéria de facto e de (ii) direito.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
“(…)

1) Por anúncio publicado na 2ª Série do Diário da República, foi dada publicidade ao Concurso para execução da Empreitada de ARRANJOS EXTERIORES DO BAIRRO (…), BLOCOS 1 A 9”;

2) A empreitada envolve a execução dos trabalhos de requalificação de pavimentos e espaços verdes, a reabilitação das infraestruturas do espaço público municipal e o fornecimento de equipamentos para a execução do empreendimento referido no artigo anterior, nos termos definidos no Caderno de Encargos, e mesmo aqueles que, não previstos, se mostrem necessários à perfeita e completa execução daquele objeto, compreendendo: a) Elaboração dos planos do sistema de gestão da qualidade, segurança e ambiente a implementar na respetiva empreitada) Execução dos trabalhos de construção civil; c) Execução de toda a caracterização, instrumentação e monitorização da envolvente necessária para suportar a execução dos trabalhos de construção civil; d) Execução de ensaios de materiais e equipamentos - art° 5° n°2 do PC;

3) A A. apresentou Proposta ao concurso;

4) Após a receção, análise e graduação as propostas, o júri do concurso elaborou o Relatório Preliminar e propôs a adjudicação da Empreitada à proposta da ora contra-interessada, M. S. & C.., S.A., colocando a Autora no 2° lugar - Cf. PA apenso;

5) A Autora pronunciou-se ao abrigo do direito de audiência prévia, pugnado pela ilegalidade da proposta de adjudicação, nomeadamente por entender que, o Plano de Trabalhos apresentado, para além de não definir nem assegurar a forma como esta se propõe executar a obra, viola o programa de procedimento, o caderno de encargos e, acima de tudo, o disposto no artigo 361.°, do CCP;

6) Foi elaborado Relatório Final, onde o júri do concurso reiterou a proposta de adjudicação à Proposta da M. S. & C.., S.A.., proposta que viria a ser acolhida pelo Réu e confirmada por ato administrativo de adjudicação — Cf. PA apenso;

7) Entre a CMP e a ora R. foi celebrado em 12/12/2018 um contrato de manutenção de equipamentos, edifícios e infraestruturas para o mandato 2019-2021 que se encontra junto ao autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

8) Entre a CMP e a ora R. foi celebrado em 12/12/2018 um contrato - programa para o ano de 2019, que se encontra junto ao autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

(…)”.


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III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
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I- Do imputado erro de julgamento da matéria de facto
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A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se o despacho recorrido julgou “(…) erradamente vários aspetos relacionados com a matéria de facto, a saber: (i) Erro quanto ao juízo e valoração dos elementos de prova presentes nos autos, que deveriam ter servido para dar como provados os elementos de facto necessários ao levantamento do efeito suspensivo; (iii) Erro quanto à fundamentação crítica e análise que levou à decisão sobre a matéria de facto considerada como não provada; (iii) Erro de facto da matéria dada como provada (…)”.

Vejamos.
Do preceituado no nº.1 do artigo 662º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, ressuma com evidência que este Tribunal Superior deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.
Na interpretação deste preceito, e dos que lhe antecederam no tempo, decidiu-se no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Proc.º. n.º 00218/08BEBRG:“1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Proc.º. n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.
E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)
Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. n.º 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. n.º 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por este Tribunal Superior, importa, então, analisar a situação sob apreciação aferindo do acerto da matéria de facto sob impugnação.
Efetivamente, veio a Recorrente invocar a “(…) errada apreciação da prova junta que deveria, ao contrário do decidido, ter sido suficiente para provar o seguinte:

(i) A urgência da intervenção no bairro social, designadamente, devido à implementação de várias construções clandestinas ao nível dos pisos térreos e de apropriações indevidas, quer em espaços verdes como em vedações - facto que deveria ter sido considerado provado por força de documento reprográfico que constava do requerimento apresentado, sob a designação "Imagem 1".

(ii) A necessidade de criar espaços de estacionamento que respondam às reais necessidades dos moradores, uma vez que o atual estacionamento é feito através de uma utilização indevida dos passeios, o que impossibilita o trânsito por parte dos peões, em particular pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência (Imagem 2)" - facto que deveria ter sido considerado provado por força de documento reprográfico que constava do requerimento apresentado, sob a designação "Imagem 2".

(iii) A suspensão da presente empreitada terá um forte e grave impacto na sustentabilidade económica da empresa, entidade adjudicante - facto que deveria ter sido considerado provado por força de documento n.º. 3 junto aos autos.

(iv) A empreitada encontrava-se organizada por fases, tendo a primeira comportado a demolição de áreas de génese ilegal, conforme consta do facto 3 considerado provado e do artigo 5º., nº. 2 do PC e alegado no artigo 33º. do requerimento.

(v) Segundo as regras de experiência, e fazendo recurso de parâmetros lógicos, deste facto resultam duas ilações notórias que se passam a descrever e que deveriam ter sido consideradas pelo Tribunal:

a) a demolição destas edificações comportou o sacrifício pessoal e patrimonial dos moradores do bairro.

b) a demolição de tais edificações implicou a construção de estaleiros de obras, a destruição de passeios, muros e vedações e a acumulação de resíduos e lixos que permanecerão no local até ao retomar dos trabalhos.

(vi) A suspensão da reabilitação implica a contínua degradação de todas as infraestruturas de ligação públicas que se encontram em mau estado de conservação e que permitem o abastecimento de gás, eletricidade, telecomunicações e iluminação às habitações - facto alegado no artigo 25º do requerimento e provado através de documento nº. 1 junto em requerimento autónomo posterior.

(vii) A suspensão do processo terá um impacto desproporcionado na capacidade financeira da empresa - facto alegado no artigo 52º do Requerimento e provado através dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos aos autos.

(viii) A suspensão do processo implica a perda de verbas públicas, que se encontravam destinadas ao exercício desta atividade - facto alegado nos artigos 53º e 54º do Requerimento e provado através dos documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos aos autos.

Assim e com o devido respeito, o Tribunal errou ao não considerar como pontos de facto provados os factos que se acabam de descrever.

(…)”..

Contudo, os juízos conclusivos e/ou de direito não têm lugar no domínio da fixação da matéria de facto, não sendo, por isso, patente a existência de qualquer desconformidade no domínio do invocado nos sobreditos pontos (iii), (v), (vi), (vii) e (viii) por forma a ser o seu conteúdo atravessado no probatório coligido nos autos.
Diferentemente, e já no tange ao referido nos pontos (i), (ii) e (iv), impõe-se reconhecer que se trata, efetivamente, de tecido fáctico que vem substancialmente alegado nos artigos 23º, 27º, 32º, 34º e 36º do requerimento inicial, e sobre o qual não recaiu qualquer posicionamento por parte da recorrida, por falta de apresentação de resposta ao presente incidente, devendo, portanto, o mesmo ter-se como confessado.
Pelo que, tratando-se de factualidade relevante para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito da questão de direito, deveria a mesma ter sido oportunamente vertida no probatório coligido nos autos, o que não veio a suceder.
O mesmo sucedendo com a factualidade invocada nos artigos 19º e 20º do requerimento de levantamento do efeito suspensivo, que, não obstante não se integrar no domínio da alegação recursiva, deve também ter-se como processualmente adquirida em função da sua relevância ao mérito dos autos.
Consequentemente, pelas razões expostas, e ao abrigo do disposto no artigo 662º do C.P.C, este Tribunal Superior decide aditar a seguinte factualidade:
9) O BAIRRO (...), situado na freguesia da C…, é um bairro de habitação social onde residem cerca de 896 pessoas. O bairro, encontra-se divido em 15 blocos e desde 2017 está a ser alvo de um projeto de reabilitação tanto na zona do edificado como dos espaços públicos envolventes.
10) O projeto visa a reabilitação de uma zona social que se encontrava fortemente degradada e que se debatia com graves problemas de insalubridade habitacional, que afetavam tanto a zona residencial como a zona pública envolvente, designadamente e no que respeita a esta última, devido à fraca iluminação da via pública, o que contribuía para o exercício de atividades ilícitas, pavimentos em mau estado de conservação, estacionamento insuficiente e ocupação de área pública por construções ilegais.
11) O projeto, dividido em fases sequenciais e complementares entre si, envolve uma necessária complementaridade entre a empreitada sub iudice e o projeto de “Reabilitação dos Blocos 1 a 9, do Bairro Falcão”.
12) A execução do projeto de reabilitação do edificado no bairro - em que se consubstanciou a 1ª fase - implicou a demolição de várias construções clandestinas ao nível dos pisos térreos e de apropriações indevidas, quer em espaços verdes como em vedações.
13) A reabilitação dos edifícios comportou a substituição e modernização do equipamento destas ligações, mas não sendo possível a ligação definitiva às redes públicas por insuficiência e incapacidade das infraestruturas existentes, foram realizadas ligações provisórias que precisam com urgência de ser substituídas, sob pena de não suportarem, durante um período alongado de tempo, o desgaste decorrente de uma utilização normal, precisamente por se tratarem de estruturas provisórias.
14) As infraestruturas que existem no espaço público, para além de serem insuficientes face às necessidades reais do bairro, encontram-se em muito mau estado de conservação e a precisar de substituição urgente.
15) O atual estacionamento é constantemente feito através de uma utilização indevida dos passeios, o que impossibilita o trânsito por parte dos peões, em particular pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência.
Nestes termos, e sopesando que o demais alegado neste domínio contende, não com a errada apreciação da prova produzida, mas antes, no mais essencial, com o próprio julgamento de direito, que adiante analisaremos, procede parcialmente a questão da impugnação da matéria de facto.

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II- Do imputado erro de julgamento de direito.
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Vem atacado o despacho promanado promanada pelo Tribunal a quo, em 13.09.2019, que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo decorrente do nº.1 do artigo 103º-A do C.P.T.A.
Examinado a contestação argumentativa espraiada na fundamentação de direito do despacho recorrido, assoma evidente que o juízo de indeferimento da pretensão deduzida pela Recorrente junto do T.A.F. do Porto estribou-se, fundamentalmente, no entendimento que o Requerente, aqui Recorrente, atenta uma alegação genérica e conclusiva formulada no domínio das implicações para o interesse público que advém da manutenção do efeito suspensivo, não logrou demonstrar que a manutenção da suspensão ope legis do ato de adjudicação seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências claramente desproporcionadas para os interesses envolvidos.
Do assim decidido discorda a Recorrente, que lhe imputa erro de julgamento de direito, que alicerça, no mais essencial, no entendimento de que o Tribunal a quo equivocou-se ao concluir pela falta de concretização dos danos alegados, o que associado à falta de resposta por parte da Requerida, aqui Recorrida, e, qua tale, de alegação de razões por parte desta que justificassem a manutenção do efeito suspensivo, levam a concluir que o Tribunal a quo violou o critério de decisão previsto no nº. 4 do artigo 103º-A do C.P.T.A..
Adiante-se, desde já, que o presente recurso jurisdicional irá proceder.
Conforme ditado pelo artigo 103º - A do C.P.T.A., o que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, e, portanto, prejuízos reais, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, resultariam do levantamento ou não do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado.
Consequentemente, importa ao Tribunal formular um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do Autor, titular de um interesse privado de natureza económica, e que este procura tutelar através dos presentes autos de contencioso pré-contratual, com a situação do Réu, titular do interesse público de salvaguardar o cumprimento das suas atribuições.
Volvendo ao caso sujeito, temos que dimana do probatório coligidos nos autos que o procedimento concursal em causa nos presentes autos destina-se à execução da Empreitada de Arranjos Exteriores do Bairro de (…), Blocos 1 a 9, a qual envolve a execução dos trabalhos de requalificação de pavimentos e espaços verdes, a reabilitação das infraestruturas do espaço público municipal e o fornecimento de equipamentos para a execução do empreendimento.
Neste domínio, mais cabe notar que o probatório coligido e aditado nos autos é inequívoco na afirmação da veracidade das necessidades situacionais que presidiram a determinação da realização da empreitada visada, tal como se encontram desenhada no artigo 20º do requerimento de levantamento do efeito suspensivo, e que se prendem com a necessidade de reabilitação de um bairro social que encontrava fortemente degradado e que se debatia com graves problemas de insalubridade habitacional, que afetavam tanto a zona residencial como a zona pública envolvente, designadamente e no que respeita a esta última, devido à fraca iluminação da via pública, o que contribuía para o exercício de atividades ilícitas, pavimentos em mau estado de conservação, estacionamento insuficiente e ocupação de área pública por construções ilegais.
Por sua vez, não se pode ignorar que a comprovada situação de urgência na realização desta obra, considerando o (i) evidenciado desgaste das ligações provisórias às redes públicas em matéria de salubridade habitacional; a (ii) patenteada utilização indevida dos passeios, o que impossibilita o trânsito por parte dos peões, em particular pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência; e ainda (iii) a necessidade de salvaguardar a colaboração dos moradores do referido bairro, atenta a necessidade comprovada de demolição de várias áreas de construção clandestinas ali existentes, o que pressupôs a necessária desafetação dos mesmos.
Assentes as realidades que se vêm de expor, e sopesando que a Autora, aqui Recorrida, nada alegou quanto ao juízo de ponderação entre os danos decorrentes do requerido levantamento para o interesse público, é para nós insofismável que se apresenta distintivo e preponderante a salvaguarda do interesse público em causa.
Efetivamente, e quanto ao específico propósito de reabilitação de um bairro social nos particulares desígnios da salubridade habitacional e das condições de iluminação e de pavimentação da via pública, está em causa a preservação e salvaguarda de valores que tornam a zona social envolvente utilizável por todos, ademais e especialmente, pelos seus moradores, e que ultrapassam claramente a proteção de meros interesses individuais por relevantes que se apresentem, cuja denegação, atento o caráter de urgência atribuído à realização da obra posta a concurso, causaria grave lesão do interesse público.
Acresce que não se afigura crível a este Tribunal Superior, sempre tendo em consideração o critério de decisão tal como previsto no nº 2 do artigo 120º do CPTA, e ainda que sejam os presentes autos urgentes, que num prazo inferior a três meses seja possível, além de conhecer do mérito dos presentes autos, repetir [caso assim se imponha] o procedimento concursal.
E esta situação mais se complexifica caso sejam interpostos, por qualquer uma das partes, recurso jurisdicional sobre a decisão adotada, cenário que não é despiciendo atento o grau de litigiosidade atual, bem como a dimensão do contrato em escrutínio.
Acresce que, conforme supra mencionado, a Recorrida nem sequer apresentou resposta ao presente incidente de levantamento de efeito suspensivo, o que significa que também neste capítulo nada obsta à procedência da pretensão da Recorrente.
Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, no que tange à Autora, deve considerar-se que estamos perante um interesse particular de natureza essencialmente económica, e que se alicerça numa perspetiva de adjudicação da prestação de serviços visados nos autos, o que, em nosso entender, é totalmente irrelevante para aferir dos eventuais prejuízos sofridos pela mesma.
Na verdade, os interesses a tutelar, segundo o juízo de ponderação de interesses, nos termos do nº 2 do art.º 120º do CPTA, não se podem resumir, por parte da Autora, ao prejuízo decorrente da qualidade de vencida no concurso, de não ter visto a sua proposta adjudicada, por esse prejuízo se inserir no campo da incerteza própria dos procedimentos pré-contratuais.
Assim, no que respeita à ponderação dos interesses contrapostos em presença, nos termos alegados por cada uma das partes em juízo, deve ser dada predominância ao interesse público, quando comparados com os interesses de natureza privada, de natureza patrimonial, prosseguidos pela Autora.
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito ora em análise.
Por tudo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogado o despacho recorrido e deferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo formulado nos autos.
Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar o despacho recorrido e deferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo formulado nos autos.
Custas pela Recorrida.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 20 de dezembro de 2019,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Hélder Vieira