Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00926/16.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/26/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PETIÇÃO INICIAL SEM PEDIDO; FALTA DE OBJECTO; PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO; PRINCÍPIO DA BOA-FÉ; ARTIGOS 130º E 186º, N.º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; PRINCÍPIO DA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA - ARTIGO 7° DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:
1. Sem pedido – porque não foi formulado – a petição inicial deve ser indeferida pois o processo carece de objecto pelo que, a prosseguir, seria nulo, incluindo a petição inicial, o que redundaria na prática de actos inúteis, como tal vedados por lei - artigos 130º e 186º, n.º1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
2. A tal solução não se opõe o princípio da cooperação e boa fé processual - artigo 8° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – pois não se pode obter uma justa composição do litígio se o autor não chegou sequer a defini-lo, dizendo o que pretende.
3. Assim como não se opõe o princípio da promoção do acesso à Justiça - artigo 7° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – dado que para haver pronúncia do tribunal é preciso que a parte apresente uma pretensão, o que não sucede quando não é formulado o pedido. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:TPSC
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recuros
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer n o sentido de ser negado provimento ao recurso
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

TPSC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 13.10.2016 pela qual rejeitada liminarmente a petição na acção que deduziu contra o Fundo de Garantia Salarial.
Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 6° e 7° do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 1° do Código de Processo Civil - Dever de Gestão Processual e do Princípio da Cooperação, e o artigo 7° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Promoção do Acesso à Justiça e artigo 8° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Princípio da cooperação e boa-fé processual.
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
- Todas as irregularidades apontadas à petição do recurso de impugnação interposto pela Recorrente, incluindo a falta de indicação do pedido, são susceptíveis de ser supridas.
- Dando lugar por isso, ao convite do tribunal para o respectivo suprimento, em cumprimento do dever de gestão processual e do princípio da cooperação plasmados nos artigos 6° e 7° do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 1° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
- Se até a falta de pressupostos processuais pode e deve ser suprida com vista à regularização da instância, o tribunal oficiosamente deve convidar as partes a praticar o acto de que dependa a sanação, fazendo apelo ao aforismo jurídico "a maiori ad minus" - quem pode o mais também pode o menos,
- Se é processualmente exigível ao tribunal que providencie pela regularização da falta de pressupostos, cuja complexidade técnica é incomparavelmente superior à falta de indicação do pedido numa petição de recurso, por maioria de razão, também o tribunal a quo deveria ter ordenado à Recorrente que procedesse a esta indicação.
- Impunha-se ao Tribunal esta atitude, também em obediência à promoção do acesso à Justiça - artigo 7° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - " Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas. "
- E ao Princípio da cooperação e boa-fé processual - artigo 8° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - " Na condução e intervenção no processo, os magistrados, mandatários judiciais e as partes devem cooperar entre si, concorrendo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
- Dever e princípios processuais legalmente consagrados, cujos dispositivos legais, que, ao serem desconsiderados pela decisão recorrida, incorreu na sua violação, por não ter agido assim, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 6° e 7° do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 1° do Código de Processo Civil - Dever de Gestão Processual e do Princípio da Cooperação, e o artigo 7° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Promoção do Acesso à Justiça e artigo 8° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Princípio da cooperação e boa-fé processual.
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II – Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
A) O contrato de trabalho que o Autor celebrou com a sociedade “GTT, L.da”, cessou em 30 de Junho de 2014.
B) Em 21.11.2014, a sociedade “GTT, L.da” foi instaurado um processo de insolvência, que correu termos, sob o nº 2356/14.9TBVNG, do 1º juízo da 2ª secção do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.
C) Em 28.07.2015, o Autor requereu ao Fundo Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho no montante total de 4.159,16 €.
G) Por ofício, datado de 3.6.2016, o Autor foi notificado do despacho, proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 02.06.2016, com o seguinte teor:
“(…) O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº8 do art. 2º do Dec. – Lei nº 59/2015, de 21 de abril. (…)”.
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III - Enquadramento jurídico.
Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:
“(…)
Conforme se constata da petição inicial apresentada, a mesma não cumpre os requisitos estabelecidos pelo artigo 78º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Com efeito, não está “deduzida por forma articulada” – n.º 2 do referido normativo; não designa “o tribunal em que a acção é proposta” – alínea a); não indica o domicílio da Autora – alínea b); não identifica “o ato jurídico impugnado” – alínea e), e não formula “o pedido” – alínea g).
Por outro lado, não foi junto à petição inicial “o documento comprovativo do indeferimento”, nos termos previstos na alínea c), do n.º 3, do artigo 79º do CPTA, bem como procuração forense.
Ora, com excepção da falta de formulação de pedido, todas as identificadas irregularidades, quer as relativas aos requisitos da petição inicial quer as relativas à instrução da mesma, são susceptíveis de serem supridas, dando, por isso, lugar ao convite do Tribunal para o respectivo suprimento.
Porém, no caso em apreço, proferir um despacho de aperfeiçoamento seria um acto inútil, o qual não é permitido, nos termos do disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º do CPTA, já que, além das referidas situações passíveis de suprimento, na petição inicial não foi formulado qualquer pedido, o que não é passível de correcção.
E, dispõe a alínea a), do n.º 2, do artigo 186º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, que a petição é inepta “[Q]uando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.
Em anotação ao artigo 193º do antigo CPC (actual artigo 186º), referem José Lebre de Freitas – João Rendinha – Rui Pinto, in Código de Processo Civil – Anotado, Volume 1º, 2ª Edição, Coimbra Editora, anotação 2, pág. 343, o seguinte:
«Na petição inicial, deve o autor formular o pedido (…), determinado material e processualmente, isto é, solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela duma situação jurídica ou dum interesse que afirma materialmente protegido (…).
A esse pedido fundado na causa de pedir dá o tribunal resposta quando profere a sentença de mérito. A ele respeitam as alegações dos factos da causa, as provas e a discussão, de facto e de direito, que antecede a sentença. Ele constitui assim o objecto do processo (…).
Por isso, a falta do pedido ou da causa de pedir, traduzindo-se na falta de objecto do processo, constitui nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido ou a causa de pedir é formulado de modo tão obscuro que não se entende qual seja ou a causa de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos.».
O pedido corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter com a acção.
Na situação em apreço, a Autora, ao longo de toda a petição inicial, não formula qualquer pedido.
Assim, de acordo com o disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 186º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, é inepta a petição inicial dos presentes autos, pelo que, com este fundamento, rejeita-se liminarmente a mesma.”
Não se mostra passível de censura esta decisão, nos termos em que ela vem assacada em recurso.
Não se diga, como faz o recorrido que se são permitidos aperfeiçoamentos em situações mais graves se deve permitir o aperfeiçoamento no caso da falta de pedido.
Não há situação mais grave, a permitir o aperfeiçoamento da petição inicial, do que a falta de pedido porque esta produz a nulidade de todo o processado.
Sem pedido – porque não foi formulado – o processo carece de objecto pelo que, a prosseguir, seria nulo, incluindo a petição inicial, o que redundaria na prática de actos inúteis, como tal vedados por lei - artigos 130º e 186º, n.º1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Os princípios e normas que o Recorrente invoca, por outro lado, não permitem, antes afastam outra solução.
Em concreto, o princípio da cooperação e boa-fé processual - artigo 8° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – que impõe que “Na condução e intervenção no processo, os magistrados, mandatários judiciais e as partes devem cooperar entre si, concorrendo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
Não se pode obter uma justa composição do litígio se o autor não chegou sequer a defini-lo, dizendo o que pretende.
Assim como a obediência à promoção do acesso à Justiça - artigo 7° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - "Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas. "
Para haver pronúncia do tribunal é preciso que a parte formule uma pretensão, o que não sucede quando não é formulado o pedido.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 26.10.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Alexandra Alendouro