Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03260/10.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:DIRECTIVA 1999/70/CE, DO CONSELHO, DE 28 DE JUNHO DE 1999
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO CONVERSÃO DE UM CONTRATO A TERMO RESOLUTIVO EM CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO
RESPONSABILIDADE
Sumário:I — Sem que decorra de norma legal habilitante — e, nesse caso, com as reservas que a jurisprudência do Tribunal Constitucional nos suscita (cfr. v.g. Acórdão n.º 368/2000, de 2000-07-11) —, a solução de conversão de um contrato a termo resolutivo em contrato por tempo indeterminado, não se mostra susceptível de, em qualquer circunstância, constituir factor de dissuasão da celebração deste tipo de contratos ditos precários no âmbito da Administração pública ou como forma de evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, ou como forma de reintegração da ordem jurídica violada, pois quando utilizados de acordo com a lei tais contratos visam colmatar necessidades pontuais da administração pela forma e tempo legalmente previstos; E se utilizados em abuso ou violação da lei, tal solução é inidónea do ponto de vista da legalidade para suprir tal deficiência ou corruptela, já que outra é a solução normativa cumpridora da Directiva 1999/70/CE, pois a contratação em violação do respectivo regime implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado — artº 92, nº 2, do RCTFP aprovado pela Lei nº 59/2008.
II — O trabalhador, cujo contrato de trabalho a termo resolutivo incorra em nulidade por violação do respectivo regime nas apontadas vertentes, não se encontra desprotegido do ponto de vista das consequências negativas que tal nulidade acarrete, pois, se bem que a celebração ou a renovação de contratos a termo resolutivo com violação do disposto no RCTFP implique a sua nulidade — nº 3 do artº 92º —, ela ocorre sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução e, ademais, como também já se previa no já referido nº 3 do artº 10º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, e também agora no artº 92, nº 2, do RCTFP, a violação desse regime gera responsabilidade civil dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado, o que permite, em última ratio, uma via de acção e correspectivo direito de acção na esfera jurídica dos trabalhadores susceptível de reintegrar a esfera jurídica do interessado na medida dos danos que entenda terem sido causados, cumprindo-se, também por esta via normativamente consagrada, a exigência de garantias efectivas e equivalentes de protecção dos trabalhadores, susceptível de poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário.
III — Uma interpretação no sentido da conversão de um contrato a termo resolutivo em contrato por tempo indeterminado criaria inovatoriamente — e contra lei expressa que se harmoniza com a Constituição e o Direito comunitário — uma via ínvia de acesso a uma relação de emprego público por tempo indeterminado, permitindo que em situação irregular e por via dessa irregularidade (caso contrário, estaríamos apenas perante um regular contrato a termo e não se colocaria a hipótese) se consolidasse, em fraude à lei, a relação de emprego com efeitos permanentes e duradouros, sem respeito pela precedência de procedimentos de recrutamento e métodos de selecção em regimes de oponibilidade — cfr. ainda v.g. artº 50º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro — que visam garantir que em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, como garante o nº 2 do artº 47º da CRP.
IV — Neste sentido, a fraude à lei não pode ser premiada, mas reprimida, e uma forma premente e eficaz que o ordenamento jurídico oferece é a via da responsabilidade, com a responsabilização dos prevaricadores, cumprindo a dupla vertente da prevenção e da reintegração da esfera jurídica dos lesados.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte
Recorrido 1:HSM...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
Pelo autor e ora recorrente Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte foi interposto recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, no âmbito da supra identificada acção administrativa especial, julgou improcedente a acção e absolveu o réu dos pedidos formulados pelo autor.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA,]:

“1. Se analisarmos correctamente a situação fáctica e jurídica em causa, estamos indubitavelmente, perante uma decisão que padece de erro de direito e erro na fundamentação jurídica.
2. Pelo que, através do presente recurso se pretende a sua reponderação.
3. A decisão sub iudice, incorreu em erro de direito, quer por desconsiderar a aplicação ao caso concreto do Art. 53º da CRP, quer por não salvaguardar o direito que aquela norma consagra – o direito à segurança no emprego, aplicando, por seu turno, o Art. 47º, n.º 2, que face à situação legal actual aplicável à função pública não reveste, por si só, fundamentação para a improcedência do pedido dos RR.
Acresce que,
4. A decisão à quo peca também quanto à fundamentação da questão suscitada relativos aos pressupostos sobre a transição jurídico funcional dos RR., à luz do Art. 88º, n.º 4, da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e assim, reconhecer-lhes uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado, por se achar congruente assim a subsunção da situação fáctica em causa à Lei aplicável.
5. Bem como a aplicação ao caso concreto e interpretação do Art. 14º da Lei preambular do RCTFP, aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de Setembro, uma vez que, aquando da entrada em vigor deste diploma, os RR. já contavam com mais de 5 anos de serviço efectivo, devendo os RR. terem tomado as diligencias legais para a regularização da situação dos RR.
6. Decorre, efectivamente, nulidade do termo aposto no Contrato de Trabalho, pois o mesmo perdurou para além do prazo prescrito na Lei, violando expressamente o Art. 18º-A, n.º 3, do D.L. 11/93, de 15/01.
7. Ora, a nulidade do termo daquele contrato, imputável única e exclusivamente aos RR., tem como consequência a sua conversão em contrato de trabalho sem termo, uma vez que, o recurso sucessivo à contratação a termo justificou-se para suprir carências que não eram esporádicas, mas sim permanentes.
8. Esta tese encontra fundamento legal, como se referiu, entre outras normas e princípios na Directiva Comunitária 1999/70/CE, de 28/06/1999, do Conselho, que a sentença a quo desconsiderou e como já referido, entendendo esse Venerando Tribunal poder-se-á proceder ao reenvio prejudicial para o TJCE.
9. O Art. 2º, al. n) da Lei Preambular ao Código do Trabalho, determina que com a aprovação do Código do Trabalho é efectuada a transposição da aludida Directiva Comunitária, respeitante ao Acordo-Quadro CES, UNICE e CEEP relativa a Contratos de Trabalho a Termo. Nesse Acordo-Quadro definiram-se medidas de prevenção do recurso abusivo à contratação a termo, sendo tais medidas aplicáveis quer às relações laborais estabelecidas no sector público, quer às relações laborais estabelecidas no sector privado, i. é, não estabelece qualquer distinção quanto à natureza pública ou privada do empregador.
10. Não obstante, o legislador ordinário ao prescrever, inicialmente, no Art. 18º, n.º 4, do D.L. 427/89, de 07/12 e, posteriormente, no Art. 10º, n.º 2 da Lei 23/2004, de 22/06, que o Contrato de Trabalho a termo celebrado por pessoas colectivas públicas (empregador público) não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, o certo é que, não poderá ficar desprotegido o trabalhador que reúne os requisitos para lhe ser reconhecido um contrato de trabalho sem termo, nem poderá beneficiar a entidade pública com tal prática ilícita.
11. Impõe-se, assim, se estabeleça um juízo de concordância prática entre as normas em litígio (Art. 47º, n.º 2 e 53º da CRP), sob pena de na contratação pública se permitir o recurso abusivo à contratação a termo, como sucedeu no caso dos RR.
12. Ao decidir como decidiu a decisão à quo violou o Art. 5º do referido Acordo). O Estado Português, sendo um Estado aderente daquele Acordo, está obrigado a definir medidas concretas que punam o recurso sucessivo à contratação a termo, quer no sector público, quer no sector privado.
13. A prevalência da referida Directiva Comunitária, que se pretende fazer valer no âmbito da contratação na A.P., não ofende os princípios do Estado de Direito Democrático (Art. 8º, n.º 4 da CRP), nem o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 368/2000, de 11 de Julho e a sua força obrigatória geral, a que alude a sentença sob recurso, pois à data da sua prolação ainda não tinha sido introduzida a alteração ao Art. 8º da CRP (Lei Constitucional n.º 1/2004 – 6ª revisão constitucional que acrescentou o n.º 4, ao Art. 8º, da CRP).
14. Assim, por força da Directiva referida em conjugação com o Art. 53º da CRP deverá ser permitida, em casos como o da Recorrente, a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo.
Em conclusão,
15. a não adopção de medidas de prevenção do recurso abusivo à contratação a termo, bem como a não aplicabilidade da Directiva Comunitária 1999/70/CE, de 28/06/1999, do Conselho, viola flagrantemente o principio ou direito constitucional à segurança no emprego, consagrado no Art. 53º da CRP.
16. Pelo que, se, anteriormente a norma do n.º 4, do Art. 18º, do DL n.º 427/89 e posteriormente a Lei 23/2004, no seu Art. 10º, n.º 2, previram expressamente a não conversão dos contratos de trabalho a termo celebrados por pessoas colectivas públicas, em tempo indeterminado, por considerar contrário ao principio do Art. 47º, n.º 2, da CRP, há que ponderar os interesses em conflito, através de um juízo de proporcionalidade, já que do lado oposto se encontra o princípio da segurança no emprego, consagrado no Art. 53º da CRP.
17. Contudo, para harmonizar tais interesses, e num critério de concordância prática e proporcionalidade, e uma vez que o concurso não é a única via de acesso à função pública, deveria aplicar-se a Directiva 1999/70/CE, em conjugação com o Art. 53º da Constituição e, ainda, em coerência com o principio da lealdade europeia prevista no Art. 10º do TCE, e, actualmente no Art. 4º, n.º 3 do Tratado de Lisboa.
18. E, como se referiu supra aplicabilidade de tal Directiva não ofende os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático nem o Acórdão do T.C. 368/2000 e a sua força obrigatória geral.
19. Neste sentido, a conversão dos contratos de trabalho a termo resolutivo certo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, quando ultrapassado o limite máximo de renovações, é uma obrigação imposta que os Estados Membros têm que respeitar, quer aquando nas suas vestes de empregador, quer no sector privado, salvaguardando assim o Direito à Segurança no emprego (Art. 53º da Constituição).
20. Importa enquadrar esta questão à luz dos dois principais diplomas que regulam a relação de emprego público: Lei 12-A/2008, de 27/02 (Lei de Vínculos Carreiras e Remunerações) e Lei 59/2008 de 11 de Setembro (Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas): O RCTFP mantém, no essencial, o regime do contrato de trabalho a termo resolutivo que se encontrava consagrado na Lei 23/2004, de 22/06 – Arts. 92º, n.º 2, 93º, 103º e 104º do RCTFP.
21. Reitera-se assim, que a Directiva 1999/70/CE não exclui do seu âmbito de aplicação o trabalho a termo em funções públicas (Art. 2º do Acordo Quadro).
22. Neste sentido, jurisprudência recente do TJCE, resulta que as disposições do acordo quadro também se aplicam aos contratos e relações de trabalho a termo celebrados com o sector público.
23. Pelo que, através do presente recurso se pretende a sua reponderação.
24. Afere-se, assim, desta invocação que o Juiz a quo desconsiderou factos e direito relevantíssimos para a justa e completa solução do litígio.
25. Neste sentido, a Sentença sob recurso não garantiu uma solução completa e justa da situação concreta, abstendo-se, sem fundamento válido, de julgar o fundo da questão.
26. Pelo que, urge, efectivamente, uma reponderação sobre o caso sub iudice, já que da forma como a sentença a quo aplicou o direito, não acautelou ou assegurou direitos e interesses legalmente protegidos dos RR. postos em causa pelos Recorridos.”.
Termina o recorrente: “Termos em que, sempre com o douto suprimento de V/ Exas., deve a sentença, objecto do presente recurso, ser revogada e substituída por outra, e assim serem atendidos os pedidos formulados na p.i..”.
O Recorrido não contra-alegou.
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, nada disse.
Quanto ao reenvio prejudicial suscitado pelo recorrente relativamente à Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, foram ouvidos o recorrido e o Ministério Público, tendo este nada dito e aquele deduzido oposição à sua admissão, alegando, em síntese, que o direito comunitário não poderá contrariar o juízo de constitucionalidade que os Tribunais portugueses fizeram sobre um tal sentido de aplicação do direito, ainda que com controvérsia mas maioritariamente, desde o STA ao Tribunal Constitucional, qual seja o de que os contratos a termo resolutivo na Administração pública estão fora do âmbito da aplicação da regra da convertibilidade em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
As questões de mérito suscitadas e a decidir [Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.] resumem-se em determinar se a decisão sob recurso incorreu em erro de direito e erro na fundamentação jurídica, nos termos em que adiante pontualmente se especificará.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – DE FACTO
A sentença sob recurso julgou provada a seguinte matéria de facto, não impugnada e não carecida de qualquer alteração:
1) Os Representados do Autor (RA) celebraram com o HSM..., contratos de trabalho a termo certo, com a categoria de Auxiliares de Acção Médica, ao abrigo do art. 15°-A, n.° 3, do Decreto Lei 11/93, de 15 de Janeiro, aditado pelo art. 2° do Decreto Lei 53/98, de 11 de Março, alterado pelo Decreto Lei n.° 276-A/2007, de 31 de Julho, renovados, sucessivamente.
2) O primeiro dos referidos contratos foi celebrado em 29/5/2000, por um período de 6 meses renovável por iguais períodos até ao máximo de 2 anos.
3) Sendo o último celebrado nos termos do art. 14° da Lei 59/2008, com terminus em Julho de 2010.
4) Por via daqueles contratos, que foram sucessivamente renovados, os Representados do Autor perfizeram, na sua maioria, 10 anos de serviço efectivo, sempre, com contratos de trabalho a termo certo.
5) Durante todo o período de contratação os RA gozaram as suas férias e receberam a competente remuneração e respectivo subsídio de férias e bem assim o de Natal.
6) Em 15 de Julho de 2010, os RA, com excepção de MLFG...; BFAC...; MJRMF...; SCSV... e TMSG..., celebraram Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado como assistentes operacionais, com a EB... Sociedade Gestora, S.A., o qual se rege pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro.
7) Aquando da assinatura daqueles contratos, os RA formularam uma declaração de Reserva à assinatura desses contratos.
8) A “EB... - Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A.” foi a adjudicatária do concurso público aberto com vista à criação de uma parceria público-privada para gestão do HSM....
9) Dão-se aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais os documentos apresentados com a p.i..”.
II.2 – DE DIREITO
A sentença sob recurso identificou a pretensão do ali autor e ora recorrente, qual seja, a de que o tribunal declare nulo o termo aposto nos contratos de trabalho dos ora representados bem assim como a declaração da conversão dos contratos por força do determinado na Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.9 e, consequentemente, o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho em Funções Publicas por tempo indeterminado, nos termos do RCTFP ou se esse não for o entendimento, seja reconhecida a obrigatoriedade legal de se operar entre os RA e o Ministério da Saúde uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado, de acordo com o art. 14°, da Lei 59/2008, de 11 de Setembro, preenchidos que se encontram os seus pressupostos.
Na improcedência da acção e consequente absolvição do réu dos pedidos formulados, pretende a recorrente a recorrente a sua reponderação à luz dos vícios que assaca à sentença recorrida, os quais serão identificados aquando da sua pontual apreciação.
Antes, porém, impõe-se cerzir o quadro de legalidade e juridicidade.
Os associados do recorrente celebraram contratos de trabalho a termo certo, com a categoria de auxiliares de acção médica, em 29/05/2000, ao abrigo do disposto no nº 3 do artº 18º-A do Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, na versão resultante das alterações introduzidas pelos decretos-leis n.º 68/2000, de 26 de Abril, n.º 157/99, de 10 de Maio, n.º 156/99, de 10 de Maio, n.º 401/98, de 17 de Dezembro, n.º 97/98, de 18 de Abril, n.º 53/98, de 11 de Março, e n.º 77/96, de 18 de Junho.
Sendo tal norma do seguinte teor: 3 - Nos casos em que a insuficiência de pessoal esteja a comprometer a prestação de cuidados de saúde, podem ser celebrados, a titulo excepcional, contratos de trabalho a termo certo, pelo prazo máximo de três meses, renovável por um único igual período, com dispensa do processo de selecção sumário a que se refere o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro. (nossa ênfase).
O Decreto-Lei nº 276-A/2007, de 31 de Julho, com entrada em vigor no dia seguinte, que introduziu alterações ao referido Decreto-Lei nº 11/93, veio estabelecer no seu artº 4º: 1 — Os contratos de trabalho a termo resolutivo certo em vigor à data da entrada em vigor do presente decreto--lei, celebrados ao abrigo do que dispunha o n.º 3 do artigo 18.º -A do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, mantêm -se até ao termo do respectivo prazo contratual, não podendo ser objecto de renovação. 2 — Se após a cessação dos contratos a que se refere o número anterior for celebrado um novo contrato com o mesmo profissional ao abrigo do disposto no artigo 18.º -A do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, na redacção que lhe é dada pelo presente decreto -lei, o período de vigência do contrato anterior não releva para efeitos de contagem do prazo de duração máxima.
Importa relembrar que o Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, definia na altura o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, e segundo o disposto no artº 3º a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal.
O contrato de pessoal revestia duas modalidades (artº 14º), a saber ─ artº 18º, nº 1. (com nosso sublinhado):
· O contrato administrativo de provimento e
· O contrato de trabalho a termo certo, definido como o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas nos termos do contrato administrativo de provimento
O nº 2 do artº 18º — cuja redacção resultou da alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17 de Julho — já previa que o contrato de trabalho a termo certo só pode ser celebrado nos seguintes casos:
a) Substituição temporária de um funcionário ou agente;
b) Actividades sazonais;
c) Execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado, precisamente definido e não duradouro;
d) Aumento excepcional e temporário da actividade do serviço;
e) Desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços. (…)” (nosso sublinhado).
E já aqui surge uma preocupação que se revela ir ao encontro do que veio a ser estabelecido no acordo-quadro anexo à Directiva 1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE, CEEP, relativo a contratos de trabalho a termo, com a imposição de razões objectivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais.
Na verdade, não só se elencaram as situações em que era admissível a celebração de contratos a termo certo, como se passou também a exigir a definição precisa da tarefa ocasional ou serviço determinado para cuja execução se poderia celebrar um contrato de trabalho a termo certo e uma exigência de concretização dessas tarefas ou serviços determinados.
E a justificação consta já do preâmbulo do referido Decreto-Lei nº 218/98, de 17 de Julho:
O Decreto-Lei n.o 427/89, de 7 de Dezembro, que definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, consagrou a existência de três tipos de vínculos: a nomeação, o contrato administrativo de provimento e o contrato a termo certo.
Sendo claras as condições de utilização de cada uma destas figuras, a prática veio a mostrar uma muito incorrecta e inadequada utilização do contrato a termo certo, que, limitado à satisfação de necessidades transitórias e ocasionais dos serviços, veio a transformar-se num instrumento normal de contratação de pessoal para satisfação de necessidades permanentes.
Porque as formas de vinculação previstas na lei são susceptíveis de garantir a necessária resposta às necessidades dos serviços, entende o Governo dever tomar medidas concretas que aperfeiçoem o regime em vigor e obstem à perversão a que se assistiu nos últimos anos.
Para além das melhorias pontuais, são duas as inovações introduzidas por este diploma:
Por um lado, alargam-se as causas de celebração do contrato a termo certo e aumenta-se para dois anos o prazo máximo da sua duração, sempre no respeito pela sua filosofia essencial;
Por outro lado, responsabilizam-se os dirigentes dos serviços nos planos civil, disciplinar e financeiro pelo incumprimento das normas relativas à celebração de contratos a termo certo.”.
A Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, aprovou o regime do contrato individual de trabalho da Administração Pública.
E do nº 1 do seu artº 2º consta: Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constante da presente lei.
De notar ainda que a Lei 23/2004 veio substituir o regime ínsito, designadamente, nos artºs 18º a 21º daquele Dec.-Lei nº 427/89.
E consignou no seu artº 9º:
“1 — Nos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas só pode ser aposto termo resolutivo nas seguintes situações:
a) Substituição directa ou indirecta de funcionário, agente ou outro trabalhador ausente ou que, por qualquer razão, se encontre temporariamente impedido de prestar serviço;
b) Substituição directa ou indirecta de funcionário, agente ou outro trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de funcionário, agente ou outro trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de funcionário, agente ou outro trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial;
e) Para assegurar necessidades públicas urgentes de funcionamento das pessoas colectivas públicas;
f) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
g) Para o exercício de funções em estruturas temporárias das pessoas colectivas públicas;
h) Para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade do serviço;
i) Para o desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços;
j) Quando a formação dos trabalhadores no âmbito das pessoas colectivas públicas envolva a prestação de trabalho subordinado.
2 — Os contratos previstos no número anterior só podem ser a termo incerto nas situações previstas nas alíneas a) a d) e f) a i) do número anterior.
3 — No caso da alínea e) do número anterior, o contrato não pode ter uma duração superior a seis meses.
(…)”.
Também deste normativo se retira que só pode ser aposto termo resolutivo a contrato celebrado Para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade do serviço.
Como, aliás, era igualmente exigido pelo supra referido artº 18º-A, nº 3, do Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro: 3 - Nos casos em que a insuficiência de pessoal esteja a comprometer a prestação de cuidados de saúde, podem ser celebrados, a titulo excepcional, contratos de trabalho a termo certo, pelo prazo máximo de três meses, renovável por um único igual período, com dispensa do processo de selecção sumário a que se refere o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro. (nossa ênfase).
E se a lei assim o exige é bem de ver que a decisão administrativa de contratar há-de obedecer a essa exigência da lei e invocar e definir essas concretas razões de facto que justifiquem a contratação com dispensa do processo de selecção e a aposição do termo resolutivo ao contrato.
Os segundo e terceiro parágrafos do preâmbulo e os n.ºs 6 a 8 das considerações gerais do acordoquadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999 (a seguir «acordoquadro), que figura em anexo à Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordoquadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43) rezam:
— as partes signatárias do acordoquadro reconhecem, por um lado, que os contratos de trabalho sem termo são e continuarão a ser a forma mais comum no que respeita à relação laboral, uma vez que contribuem para a qualidade de vida dos trabalhadores e a melhoria do seu desempenho, mas, por outro lado, que os contratos de trabalho a termo respondem, em certas circunstâncias, às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores;
— o presente acordo estabelece os princípios gerais e os requisitos mínimos relativos aos contratos de trabalho a termo, reconhecendo que a sua aplicação pormenorizada deve ter em conta a realidade e especificidades das situações nacionais, sectoriais e sazonais. Afirma ainda a vontade dos parceiros sociais em estabelecerem um quadrogeral que garanta a igualdade de tratamento em relação aos trabalhadores contratados a termo, protegendoos contra discriminações e a utilização dos contratos de trabalho a termo numa base aceitável tanto para empregadores como para trabalhadores.
(…)
6. Considerando que os contratos de trabalho de duração indeterminada constituem a forma comum da relação laboral, contribuindo para a qualidade de vida dos trabalhadores e a melhoria do seu desempenho;
7. Considerando que a utilização de contratos a termo com base em razões objectivas, constitui uma forma de evitar abusos;
8. Considerando que os contratos a termo constituem uma característica do emprego em certos sectores, ocupações e actividades, podendo ser da conveniência tanto dos empregadores como dos trabalhadores; (…)”.
Nos termos do artigo 1.° do acordoquadro, este tem por objectivo:
a) Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;
b) Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.
O artigo 5.° do acordoquadro, por sua vez, dispõe:
1. Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os EstadosMembros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos colectivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:
a) Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;
b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;
c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.
2. Os EstadosMembros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:
a) Como sucessivos;
b) Como celebrados sem termo.
A Directiva 1999/70/CE, na apontada vertente, veio a permear já o Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho e do Contrato a Termo, que havia sido aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na versão resultante das alterações efectuadas pela Lei nº 18/2001, de 3 de Julho.
Por sua vez, a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho naquela versão, transpôs diversas Directivas comunitárias e entre elas também a referida Directiva 1999/70/CE.
O acordo-quadro em anexo à Directiva 1999/70/CE mostra-se presente, no que tange ao sector público, nas soluções normativas dos diplomas legais e normas já acima identificadas em vigor à data da celebração do contrato em causa, sendo aplicável, ainda, por expressa remissão para normas do Código do Trabalho que a transpõe para o ordenamento jurídico nacional.
Na verdade, o artº 2º da referida Lei nº 23/2004 dispõe no seu nº 1: “Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei.”.
Ora, sobre esta matéria a que se reportam os artigos 1º e 5º da Directiva 1999/70/CE, versa o disposto no artº 131º do Código do Trabalho, que dispõe, entre o mais, sobre o que deve constar do contrato de trabalho a termo, complementado pelo que especificamente se prevê no artº 9º da Lei nº 23/2004, ou seja e bem diverso do conteúdo do contrato, as exclusivas situações em que é possível apor termo resolutivo a um contrato de trabalho.
Aliás, já grau de exigência do mesmo cariz se verificava na norma em que assentou a decisão de contratar no caso presente: artº 18º-A, nº 3, do Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 53/98, de 11 de Março, com nossa relevância: 3 - Nos casos em que a insuficiência de pessoal esteja a comprometer a prestação de cuidados de saúde, podem ser celebrados, a titulo excepcional, contratos de trabalho a termo certo, pelo prazo máximo de três meses, renovável por um único igual período, com dispensa do processo de selecção sumário a que se refere o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro.
Entre as indicações que devem constar do contrato de trabalho a termo, a alínea e) do nº 1 do artº 131º do CT identifica esta: Indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo.
E acrescenta o nº 3: Para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo da aposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (nosso relevo).
A inobservância, designadamente, do disposto na referida alínea e) do nº 1 do artº 131º do CT não produz o resultado que o nº 4 daquele mesmo artigo prevê, uma vez que prevalece a norma especial ínsita no nº 2 do artº 10º da Lei nº 23/2004, que reza: O contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho.
Finalmente, com a relevância que adiante veremos, o regime sancionatório vertido no nº 3 do referido artº 10º da Lei nº 23/2004 dispõe: A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho.
Importa agora chamar à colação a jurisprudência europeia, designadamente a derramada pelo Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 4 de Julho de 2006 no processo C-212/04 que tinha por objecto, precisamente, um pedido de decisão prejudicial, nos termos do artº 234º CE, apresentado pelo Monomeles ProtodiKeio Thessalonikis (Grécia).
À questão de saber se o acordo-quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma legislação nacional que proíbe, no sector público, a conversão em contratos sem termo de contratos de trabalho a termo sucessivos que, de facto, se destinaram a satisfazer «necessidades estáveis e duradouras» da entidade patronal, foi decidido, designadamente, o seguinte:
91 Em primeiro lugar, há que referir, a este respeito, que o acordo-quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, nem regula as condições precisas em que se pode fazer uso dos primeiros.
92 Todavia, impõe aos Estados-Membros que adoptem pelo menos uma das medidas enumeradas no artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) a c), do acordo-quadro, que se destinam a evitar de modo eficaz a utilização abusiva de contratos ou de relações de trabalho a termo sucessivos.
93 Além disso, os Estados-Membros têm a obrigação, no âmbito da liberdade que lhes é deixada pelo artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, de escolher as formas e meios mais adequados a fim de assegurar o efeito útil das directivas, tendo em conta o seu objectivo (v. acórdãos de 8 de Abril de 1976, Royer, 48/75, Colect, p. 221, n.° 75, e de 12 de Setembro de 1996, Gallotti e o., C-58/95, C-75/95, C-112/95, C-119/95, C-123/95, C-135/95, C-140/95, C-141/95, C-154/95 e C-157/95, Colect., p. I-4345, n.° 14).
94 Assim, quando, como no caso em apreço, o direito comunitário não prevê sanções específicas para os eventuais abusos, compete às autoridades nacionais adoptar as medidas adequadas para fazer face a essa situação, medidas que devem revestir-se de carácter não só proporcional mas também suficientemente eficiente e dissuasivo para garantirem a plena eficácia das normas adoptadas em aplicação do acordo-quadro.
95 Embora as modalidades de transposição dessas normas sejam da competência da ordem jurídica interna dos Estados-Membros, por força do princípio da autonomia processual destes últimos, não devem, no entanto, ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) I - 6127 ACÓRDÃO DE 4. 7. 2006 — PROCESSO C-212/04 nem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direito conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., nomeadamente, acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Peterbroeck, C-312/93, Colect, p. I-4599, n.° 12, e jurisprudência aí referida).
96 Em segundo lugar, mais especificamente no que diz respeito ao contexto em que a quarta questão foi submetida, importa formular as seguintes observações.
97 Em primeiro lugar, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio que, embora o legislador helénico tenha optado por prever, enquanto medida adoptada para aplicação do acordo-quadro, a conversão, verificadas determinadas condições, dos contratos a termo em contratos sem termo (v. artigo 5.°, n.° 3, do Decreto presidencial n.° 81/2003), o âmbito de aplicação dessa legislação, por força do artigo 1.° do Decreto presidencial n.° 180/2004, foi limitado aos contratos a termo dos trabalhadores empregados no sector privado.
98 Em contrapartida, relativamente ao sector público, o artigo 21.°, n.° 2, da Lei n.° 2190/1994 proíbe de modo absoluto e sob pena de nulidade a requalificação dos contratos a termo previstos no n.° 1 do referido artigo em contratos sem termo.
99 Em seguida, resulta da decisão de reenvio que, na prática, o artigo 21.° da Lei n.° 2190/1994 pode ser desviado do seu objectivo, na medida em que, em vez de se limitar a servir de base à celebração de contratos a termo destinados a fazer face a necessidades apenas temporárias, parece ser utilizado para celebrar esses contratos visando, de facto, satisfazer «necessidades estáveis e duradouras». Acresce que o órgão jurisdicional de reenvio, na fundamentação da sua decisão, já concluiu pelo carácter abusivo, na acepção do acordo-quadro, do recurso, no processo principal, ao referido artigo 21.° para servir de base à celebração de contratos a termo que, na I - 6128 ADENELER E O. realidade, têm por objectivo satisfazer «necessidades estáveis e duradouras». Esse tribunal limita-se, portanto, a perguntar se, nesse caso, a proibição geral consagrada pela referida disposição de converter esses contratos a termo em contratos sem termo não prejudica o objectivo e o efeito útil do acordo-quadro.
100 Por último, não foi alegado no Tribunal de Justiça que, quanto ao sector público, tenha existido na ordem jurídica helénica, pelo menos até à entrada em vigor do Decreto presidencial n.° 164/2004, qualquer medida destinada a evitar e a punir de modo adequado a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos.
101 Ora, como já foi referido nos n.os 91 a 95 do presente acórdão, o acordo-quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, mas o n.° 1 do seu artigo 5.° impõe a adopção efectiva e imperativa de pelo menos uma das medidas enumeradas nessa disposição destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, quando não existam já medidas equivalentes no direito nacional.
102 Por outro lado, quando, apesar disso, essa utilização abusiva tenha ocorrido, uma medida que apresente garantias efectivas e equivalentes de protecção dos trabalhadores deve poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário. Com efeito, nos próprios termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Directiva 1999/70, os Estados-Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela [referida] directiva».
103 Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a interpretação do direito interno, incumbindo essa função exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio, que deve, no caso em apreço, determinar se as disposições da legislação nacional pertinente satisfazem as exigências recordadas no número precedente. I - 6129 ACÓRDÃO DE 4. 7. 2006 — PROCESSO C-212/04
104 Se o referido órgão jurisdicional concluir em sentido negativo, deverá também concluir que o acordo-quadro se opõe à aplicação dessa legislação nacional.”.
Vejamos agora as questões a ponderar e a dirimir, ponto por ponto.
Quanto ao reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades suscitado pelo recorrente, ao abrigo do artº 267º do TFUE, para apreciação de questão de interpretação, dir-se-á, relativamente à referida Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que não subsistem dúvidas que devam agora ser suscitadas relativamente à transposição de tal Directiva para a ordem interna, ou relativamente à violação de normas e princípios jurídicos da ordem jurídica comunitária, ou à compatibilidade do direito português com os princípios e as disposições do ordenamento comunitário, e menos ainda subsistem em face da supra identificada pronúncia do TJC sobre a matéria, pelo que nada justifica tal reenvio e ao mesmo não se procede.
Alega o recorrente, em síntese e naquilo que é o cerne da sua alegação, que a nulidade do termo daqueles contratos, imputáveis aos réus, tem como consequência a sua conversão em contratos de trabalho sem termo, uma vez que o recurso sucessivo à contratação a termo justificou-se para suprir carências que não eram esporádicas, mas sim permanentes, considerando dever impor-se um juízo de concordância prática entre as normas em litígio (artº 47º, nº 2, e 53º, ambos da CRP) sob pena de na contratação pública se permitir o recurso abusivo à contratação a termo, dando-se aqui por reproduzidos todos os argumentos que nas suas conclusões apresenta e se têm presentes.
Vejamos, desde já, a específica questão alegada inicialmente: “A decisão à quo peca também quanto à fundamentação da questão suscitada relativos aos pressupostos sobre a transição jurídico funcional dos RR., à luz do Art. 92º, n.º 2 e Art. 9º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e assim, reconhecer-lhes uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado `a luz da Directiva, por se achar congruente assim a subsunção da situação fáctica em causa à Lei aplicável.”.
O artº 92º da Lei 12-A/2008, que veio definir e regular os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, dispõe, sob a epígrafe “Conversão dos contratos a termo resolutivo”:
1 - Os actuais trabalhadores em contrato a termo resolutivo para o exercício de funções nas condições referidas no artigo 10.º transitam para a modalidade de nomeação transitória.
2 - Os demais trabalhadores em contrato a termo resolutivo mantêm o contrato, com o conteúdo decorrente da presente lei.
Por sua vez o artº 9 do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Modalidades”, verte, ainda na versão à data em vigor:
1 - A relação jurídica de emprego público constitui-se por nomeação ou por contrato de trabalho em funções públicas, doravante designado por contrato.
2 - A nomeação é o acto unilateral da entidade empregadora pública cuja eficácia depende da aceitação do nomeado.
3 - O contrato é o acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa.
4 - A relação jurídica de emprego público constitui-se ainda por comissão de serviço quando se trate:
a) Do exercício de cargos não inseridos em carreiras, designadamente dos dirigentes;
b) Da frequência de curso de formação específico ou da aquisição de certo grau académico ou de certo título profissional antes do período experimental com que se inicia a nomeação ou o contrato para o exercício de funções integrado em carreira, em ambos os casos por parte de quem seja sujeito de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado constituída previamente.”.
Mas não se vislumbra qualquer erro na decisão recorrida, que, aliás, contém o sentido de interpretação que vai ao encontro do que dispõe a norma sem que, invocando aqui os fundamentos supra expostos, se mostre contrário, quer à Directiva 1999/70/CE, quer à jurisprudência firmada e supra transcrita.
Na verdade, Os demais trabalhadores em contrato a termo resolutivo mantêm o contrato, com o conteúdo decorrente da presente lei (nossa ênfase), pelo que, na conformidade de tal regime com a Directiva 1999/70/CE, contra legem interpretaria e decidiria a sentença recorrida se, relativamente às invocadas normas que determinam a manutenção do contrato a termo resolutivo, tivesse sido no sentido pretendido pelo recorrente, ou seja, reconhecer-lhes uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado à luz da Directiva, por se achar congruente assim a subsunção da situação fáctica em causa à Lei aplicável.
Continuando a actividade dirimente relativamente às restantes questões, importa relembrar a jurisprudência, agora com nossos sublinhados, do referido Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 4 de Julho de 2006 no processo C-212/04:
101 Ora, como já foi referido nos n.os 91 a 95 do presente acórdão, o acordo-quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, mas o n.° 1 do seu artigo 5.° impõe a adopção efectiva e imperativa de pelo menos uma das medidas enumeradas nessa disposição destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, quando não existam já medidas equivalentes no direito nacional.
102 Por outro lado, quando, apesar disso, essa utilização abusiva tenha ocorrido, uma medida que apresente garantias efectivas e equivalentes de protecção dos trabalhadores deve poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário. Com efeito, nos próprios termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Directiva 1999/70, os Estados-Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela [referida] directiva».
103 Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a interpretação do direito interno, incumbindo essa função exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio, que deve, no caso em apreço, determinar se as disposições da legislação nacional pertinente satisfazem as exigências recordadas no número precedente. I - 6129 ACÓRDÃO DE 4. 7. 2006 — PROCESSO C-212/04
104 Se o referido órgão jurisdicional concluir em sentido negativo, deverá também concluir que o acordo-quadro se opõe à aplicação dessa legislação nacional.”.
Vejamos, pois.
A primeira constatação é a de que “o acordo-quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo”.
Todavia, o n.° 1 do seu artigo 5.° impõe a adopção efectiva e imperativa de pelo menos uma das medidas enumeradas nessa disposição destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, quando não existam já medidas equivalentes no direito nacional.
São elas:
a) Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;
b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;
c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.
Como acima deixámos exarado e para onde ora se remete, a legislação portuguesa tem vindo a contemplar não apenas uma das referidas medidas, mas também as restantes, observando a exigência das razões objectivas, como da duração máxima total dos sucessivos contratos ou relações a termo, como ainda em relação ao número máximo de renovações desse tipo de contratos.
De igual modo, no que tange ao dever de os Estados-Membros deverem tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela Directiva, para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário, a legislação nacional verte regime que acolhe o acordado em anexo à referida Directiva nesta matéria.
Veja-se, por exemplo, a responsabilização directa de quem toma tais decisões violadoras da lei, como se previa no já referido nº 3 do artº 10º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, que comina com nulidade do contrato a celebração de contratos de trabalho a termo com violação do disposto na lei e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram tais contratos.
Aliás, também o regime actualmente em vigor, decorrente designadamente da já citada Lei nº 59/2008, logo o seu artº 2º, nº 1, determina que a infracção do disposto nos artºs 93º e 103º, precisamente os artigos que versam sobre os pressupostos e a duração do contrato a termo resolutivo, pode constituir causa de destituição judicial dos dirigentes responsáveis pela celebração e, ou, renovação do contrato a termo, ordenando ainda, no seu nº 2, que os serviços de inspecção, quando se verifique a existência da infracção referida no nº 1, cumpram os trâmites previstos no artº 15º do Decreto-Lei nº 276/2007, de 31 de Julho.
E bem assim o disposto no nº 3 do seu artº 92º: 3 - Sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, a celebração ou a renovação de contratos a termo resolutivo com violação do disposto no presente Regime implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado.
Resta concluir que, nas consideradas vertentes e na medida exposta, as disposições da legislação nacional pertinente satisfazem as exigências a que alude o artigo 5º do acordo-quadro anexo à Directiva 1999/70/CE.
A celebração, renovação ou manutenção de tais contratos a termo resolutivo com ofensa das apontadas normas legais implica, como vimos, não apenas a nulidade do contrato, como também é susceptível de gerar responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos responsáveis.
Diferenciadas entre si têm sido algumas das soluções alcançadas pela jurisprudência nacional sobre a matéria.
Veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 368/2000, de 2000-07-11, in Diário da República, I Série-A, de 2000-11-30, que decidiu: “… o Tribunal Constitucional decide declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição”.
Em contrário, acolhendo o sentido do voto de vencido nesse acórdão, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22-02-2010, processo nº 375/08.3TTGDM.P1, assim sumariado:
I - Tendo um hospital público celebrado com uma trabalhadora, vários contratos a termo, sem indicação concreta de motivo, estamos face a contratos a termo sucessivos e sem justificação.
II - A Directiva 1990/70/CE, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho visa evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos a termo.
III - Para o efeito, os Estados membros, caso ainda não o tenham feito, deverão adoptar medidas conducentes à fixação de razões objectivas que justifiquem as renovações dos contratos, de duração máxima total dos sucessivos contratos ou do número máximo das suas renovações.
IV - Tendo o Estado Português transposto tal Directiva para o direito interno, no que respeita aos contratos de trabalho a termo do sector privado, não o fez para os contratos a termo celebrados com pessoas colectivas públicas.
V - Assim e no seguimento do decidido no acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 2006-07-04, processo n.º C-212/04 in www.curia.europa.eu consultado em 2010-02-06 e in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV-2006, Tomo II, pág. 11 ss, devem os contratos a termo, imotivados e sucessivos, celebrados com pessoas colectivas públicas, ser considerados contratos sem termo.
VI - A aplicação do direito interno, nesta acepção da Directiva, não é inconstitucional, por violação do art. 47º, n.º 2 da CRP, tanto mais que o contrato sem prazo é hoje uma das modalidades regra de prestar trabalho na Administração pública, embora sem adquirir a qualidade de funcionário.
VII - Ao contrário, a norma que proíbe absolutamente, apenas na Administração Pública, a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, nas apontadas circunstâncias, é inconstitucional, por violação do princípio da segurança no emprego, ínsito no art. 53º da CRP, pois não permite a reintegração no posto de trabalho.
VIII - O acórdão do TJCE dando cabal cumprimento aos objectivos do acordo quadro e da Directiva, proporciona a harmonização do direito mínimo relativo a contratos a termo em cada um dos Estados Membros da Comunidade Europeia sendo que, no nosso caso, tal harmonização é conforme à CRP, não existindo assim qualquer dissonância entre os dois ordenamentos jurídicos: nacional e comunitário.
Subscrevemos, no entanto, e aqui se assume em alicerçagem, os fundamentos do referido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 368/2000, de 2000-07-11, que com força obrigatória geral, decidiu declarar inconstitucional o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição:
B) Apreciação da questão de constitucionalidade
3. Como se salientou nesse Acórdão n.º 683/99:
"[...] a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a termo, prevista na lei geral do trabalho, não é por si só violadora do direito à segurança no emprego, uma vez que se encontra vinculada a um conjunto de circunstâncias enumeradas pelo legislador (artigo 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), que, conjuntamente com outros traços do regime do contrato de trabalho a termo, exprimem a ideia de excepcionalidade desta forma de contratação (v., por exemplo, J. J. Abrantes, 'Breve apontamento sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a prazo', in idem, Direito do trabalho – ensaios, Lisboa, 1996, págs. 96 e 99, e Bernardo Lobo Xavier,Curso de direito do trabalho, Lisboa, 1992, pág. 468, que, embora referindo que 'a questão não é linear', salienta que a lei exige uma 'justificação substantiva adequada e típica para o contrato de trabalho a termo, que quase se poderia dizer que se transforma assim num contrato especial de trabalho')."
Todavia, perante o regime jurídico dos contratos de trabalho a termo de direito privado – que inclui a conversão, obrigatória para o empregador, de tais contratos em contratos de trabalho sem termo, como sanção para a ultrapassagem dos limites à sua renovação fixados legalmente –, suscitou-se a questão de apurar se tal disciplina, mesmo no domínio privatístico, se afigurava como decorrência indispensável, no regime dos contratos de trabalho a termo certo, da garantia constitucional da segurança no emprego.
A conclusão a que se chegou nessa decisão foi a de que
"[...] tal 'conversão' não se apresenta como o único meio, ou, sequer, como disciplinaindispensável, para o cumprimento pelo Estado do seu dever de proteger a segurança no emprego. Aliás, a necessidade de tal regime tende a diminuir quanto mais se acentuar a excepcionalidade do recurso à contratação a termo certo. E, mesmo para os contratos deste tipo que se celebrem, podem prever-se soluções legislativas sucedâneas desta conversão, dirigidas à protecção da segurança no emprego.
Pode, assim, entender-se que a segurança no emprego deve levar à proibição ou à restrição apertada da celebração de contratos a termo certo, com uma regulamentação mais estrita dos pressupostos para a contratação a termo de trabalhadores, bem como a fixação de prazos de duração máxima destes contratos (que no caso de contratos a termo certo com o Estado são até menores do que os previstos na lei geral do trabalho), ou de um seu regime especial de renovação. Por outro lado, poderá o legislador, por exemplo, prever a existência de um regime de indemnização dos trabalhadores com contrato a termo certo que ultrapasse os limites temporais legalmente estabelecidos, caso sofram danos pela dificuldade em encontrar trabalho subsequentemente.
Todas estas regulamentações se destinam a assegurar ao trabalhador segurança no emprego, sem passar necessariamente pela conversão do seu contrato em contrato de trabalho sem termo."
Aliás, notou-se que uma tal sanção – a conversão legal do contrato em contrato de trabalho sem termo –, no domínio do direito privado,
"[...] apenas limitará interesses privados do empregador que violou a proibição legal de recurso a contratos de trabalho a termo para além do respectivo limite legal de duração total. Se o empregador está a utilizar contratos de trabalho a termo certo para além da duração máxima legalmente permitida ­– e, portanto, provavelmente para satisfação de necessidades permanentes de trabalho –, a sanção de tal possível tentativa de fraude à lei com a conversão em contratos de trabalho sem termo afigura-se razoável."
Concluiu-se, pois, que
"o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição, não imporá, pois, necessariamente, mesmo para os trabalhadores com contrato a termo certo regulado pelo direito privado, a previsão de uma sanção da conversão destes contratos em contratos de trabalho sem termo, como único meio de garantir tal segurança. E, portanto, não poderá reconhecer-se uma imposição constitucional de um regime de conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como forma de cumprimento do dever de protecção da segurança no emprego, a cargo do Estado".
4. Considerou-se, depois, que, ainda que se entendesse que "na Constituição da República se funda uma imposição de conversão ope legis dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, após a ultrapassagem dos respectivos limites temporais máximos, comoregime indispensável para assegurar a segurança no emprego", todavia, no domínio da relação jurídica de emprego público, a conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo não é constitucionalmente imposta.
Em primeiro lugar,
"quer pelas diferenças gerais que há que reconhecer entre a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica laboral de direito privado, quer, designadamente, pela necessidade de compatibilizar o regime da primeira com exigências constitucionais relativas especificamente ao acesso aos empregos públicos, como a resultante do artigo 47º, n.º 2, da Constituição."
Depois de apontar, a título exemplificativo, algumas diferenças de regime jurídico entre a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica de emprego privado, o Acórdão n.º 683/99 deu conta da jurisprudência constitucional que abordou a especificidade daquela primeira e que reconheceu expressamente a possibilidade de a Administração Pública recorrer à celebração de contratos a prazo não convertíveis em contratos sem prazo, transcrevendo extractos do Acórdão n.º 340/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro de 1992)
["(...) se existem funções e tarefas administrativas cujo desempenho pressupõe um carácter profissional e permanente no seu exercício outras há que se compatibilizam com um estatuto precário e de duração limitada"],
do Acórdão n.º 345/93 (publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Agosto de 1993)
["Haverá assim que distinguir entre aqueles agentes que exercem a sua actividade como uma profissão certa e permanente e aqueles outros que apenas executam uma relação contratual a título precário e acidental, justificando-se plenamente que a lei estabeleça, consoante os casos, diferentes condições de segurança e da estabilidade na respectiva relação de trabalho.
(...)
Com efeito, o contrato de trabalho a prazo, então regulado no Decreto-Lei n.º 781/76 (depois revogado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) antes de se poder converter em contrato sem prazo (contrato individual de trabalho) findos que fossem três anos de sucessivas renovações, regia-se em termos paralelos aos do contrato administrativo de provimento, no respeitante à denúncia como forma de cessação do contrato. A circunstância de este último não se converter, após o decurso de um certo lapso temporal, em contrato administrativo sem prazo, resulta da especificidade e da peculiar natureza de que se revestem as relações de trabalho na Administração Pública.
(...)
E não pode ser invocado em sentido contrário o princípio constitucional da segurança no emprego. Este princípio, com efeito, não pode ser entendido em termos de significar para os ‘trabalhadores da função pública’ abrangidos por contratos desta natureza, a transformação de vínculos laborais precários e transitórios (assim contratualmente definidos e assumidos), destinados à execução de tarefas e actividades não permanentes da administração, em vínculos de efectividade permanente, como se decorressem de provimentos efectivos e definitivos em lugares dos quadros.
(...)
A circunstância de a norma sob exame admitir prorrogações sucessivas do prazo inicial de um ano, não detém a virtualidade de alargar a protecção concedida por aquele princípio para além dos novos períodos de execução contratual que venham a ser efectivamente acordados.
Embora de modo implícito, este Tribunal adoptou entendimento similar ao que vem de ser exposto, nos acórdãos n.ºs 154/86, 285/92 e 340/92, Diário da República, respectivamente, I série, de 12 de Junho de 1986, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992 e II série, de 17 de Novembro de 1992."] e do Acórdão n.º 12/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Março de 1999)
["Destes preceitos legais (dos artigos 3º, 14º, 18º a 21º do Decreto-Lei n.º 427/89, em desenvolvimento dos artigos 4º a 12º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho) referidos resulta não só um regime de contratação restrito ao contrato de trabalho a termo certo, o qual não confere a qualidade de agente administrativo e cuja regulamentação específica é ainda mais apertada do que a prevista no regime geral do contrato de trabalho para esta modalidade, como também a proibição expressa de celebrar outro tipo de contratos com carácter subordinado, designadamente, de contratos sem prazo"].
E, analisando o regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo celebrado pelo Estado, o Acórdão n.º 683/99 concluiu pela sua compatibilidade com o princípio constitucional da segurança no emprego, mesmo sem a possibilidade da sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Como então se escreveu:
"[...] cumpre destacar que o Decreto-Lei n.º 427/89 – tal como o Decreto-Lei n.º 64-A/89 – não deixou igualmente de ligar a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a determinados pressupostos, substanciais e formais, que deverão levar a poder qualificar-se o recurso a tal forma de contratação pela Administração Pública como excepcional (e o excesso em tal recurso como um fenómeno 'patológico', não correspondente ao modelo que o legislador pretende para a relação de emprego público). Como se viu, tais contratos apenas podem ser celebrados para acorrer a necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas através de contratos de provimento, nos termos artigo 18º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, ou nos casos previstos no n.º 2 desta norma (substituição temporária de funcionário ou agente; actividades sazonais; desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços; aumento excepcional da actividade do serviço), e a celebração de contratos de trabalho a termo certo carece de ser comunicada ao Ministério das Finanças, e, em certos casos, ainda de autorização por este Ministério (artigo 21º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma).
Depois, tal como no domínio do direito privado, o legislador fixou um limite máximo de duração total dos contratos de trabalho a termo, com vista a reforçar a proibição de recurso a esta forma de contratação para assegurar necessidades permanentes de serviço. Tal disposição sublinha ainda o carácter excepcional que o legislador imprime aos contratos de trabalho a termo certo, e visa, pois, proteger a segurança no emprego, para além do interesse (também o interesse financeiro) do próprio Estado. Este carácter excepcional é acentuado, ainda, pela previsão de responsabilidade para a violação das normas que regulam a celebração de contratos a termo – já na sua redacção originária o artigo 43º, n.º 2, do Decreto--Lei n.º 427/89 dispunha que:
'Os funcionários e agentes que autorizem, informem favoravelmente ou omitam informação relativamente à admissão ou permanência de pessoal em contravenção com o disposto no presente diploma são solidariamente responsáveis pela reposição das quantias pagas, para além da responsabilidade civil e disciplinar que ao caso couber.'
Não deixe, aliás, de notar-se que o limite máximo de duração dos contratos de trabalho a termo não era, para os contratos celebrados por particulares e para contratos concluídos pelo Estado, o mesmo: enquanto para os primeiros o limite é em regra de três anos (e só excepcionalmente de dois anos), no segundo caso o limite máximo de duração é de um ano, e só excepcionalmente mais longo, de dois anos – cfr. os artigos 41º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, e 20º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, a partir da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 407/91, em cuja vigência se verificou, no caso dos autos, a ultrapassagem da duração máxima legal dos contratos da termo (apenas a partir com a redacção do artigo 20º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 introduzida pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho foram estes prazos máximos de duração total do contrato de trabalho a termo celebrado com o Estado alargados para dois e três anos).
Aliás, a partir da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 407/91, o legislador, prevendo a possibilidade de renovação sucessiva, com encadeamento de contratos de trabalho a termo certo, não se limitou a prever uma duração total máxima específica para os sucessivos contratos de trabalho a termo certo (com a nova redacção introduzida no artigo 20º, n.º 1), mas previu igualmente, no n.º 5 do artigo 20º, que, atingido esse limite máximo de duração, não poderia ser celebrado novo contrato da mesma natureza e objecto com o mesmo trabalhador antes de decorrido o prazo de seis meses."
Depois, não deixou de considerar-se legítimo presumir que
"[...] o empregador [Estado] não se orientará exclusivamente por objectivos económicos, e que, por conseguinte, não tenderá a incorrer tão frequentemente na tentação de lançar mão de contratos de trabalho a termo com intuito de defraudar a segurança que geralmente garante aos seus funcionários. É, na verdade, este o padrão de comportamento que se deve esperar do Estado, com respeito das leis que ele próprio aprovou – enquanto o interesse, normalmente puramente económico, que tipicamente move o empregador poderá levar mais frequentemente a situações de recurso a contratos de trabalho com termo para defraudar a proibição dos despedimentos sem justa causa. A este respeito, não se poderá deixar conduzir a determinação da solução juridicamente adequada, em lugar de por uma adequada análise e ponderação dos interesses em jogo, por considerações, mais ou menos apoiadas em elementos de facto, sobre a frequência (ou maior ou menor frequência comparativa) de situações de irregularidade (e da efectivação de responsabilidade dos titulares de cargos públicos que as promoveram) com recurso a contratos de trabalho a termo certo pelo Estado para satisfação de necessidades permanentes da Administração – ou, muito menos, por um raciocínio ad absurdum ou de presunção de intenções de fraude à lei por parte da Administração Pública."
Em terceiro lugar, sublinhou-se que
"[...] diversamente do que acontece no domínio do direito privado, quando tal violação da lei ocorrer, a sanção da conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado não atinge apenas interesses privados, do empregador – os interesses em causa são aqui igualmenteinteresses públicos, contendendo, designadamente, com a garantia de igualdade de acesso à função pública e com o princípio do acesso por via de concurso (artigo 47º, n.º 2, da Constituição), de acordo com um procedimento justo de recrutamento e selecção, estruturado segundo o princípio da capacidade e do mérito. Regras, estas, cujo fundamento, como se verá a seguir, ultrapassa em muito o puro interesse do particular candidato, ou, mesmo, o interesse na eficiência da Administração."
Finalmente, ponderou-se que
"[...] diversamente do que acontece na lei geral do trabalho, tal sanção de conversão em contratos de trabalho sem termo teria como consequência, no domínio da relação laboral com a Administração Pública, o aparecimento de um novo enquadramento jurídico (de uma nova forma de constituição e de um novo regime jurídico) para a relação jurídica de emprego público – o contrato de trabalho com a Administração Pública por tempo indeterminado, ao lado da nomeação para o quadro e do contrato de provimento. Isto, ao contrário do que acontece no domínio da lei geral de trabalho, em que a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado se resume à recondução de tais relações laborais ao seu modelo-regra (o contrato de trabalho sem termo), que o legislador pretende maioritário (pois que o contrato a termo é excepcional)."
5. Encerrada a verificação da compatibilidade com o princípio da segurança no emprego do regime aplicável aos contratos de trabalho a termo celebrados com o Estado com a conclusão de que “a sanção da conversão do contrato em contrato sem termo com o Estado não se afigura como mais a adequada, diversamente do que acontece com o comum das relações de direito privado,” o Acórdão n.º 683/99 passou então a verificar a compatibilidade de tal regime com o princípio da igualdade.
Depois de se fazer referência ao âmbito de protecção diferenciado do princípio da igualdade, e de se recordarem os limites à sua invocação no âmbito da comparação de estatutos (remetendo para os Acórdãos n.ºs 555/99 e 663/99, ainda inéditos), o Acórdão n.º 683/99 remete, neste contexto, para três dos argumentos já invocados: o da especificidade da relação jurídica de emprego público – que torna duvidosa a existência de duas situações à partida comparáveis –, o do aparecimento de uma nova forma de constituição da relação jurídica de emprego – o que inviabiliza o estabelecimento de duas situações comparáveis no seu resultado –, e o da exigência de condições específicas de acesso à função pública – que interfere com as situações que se pretende comparar e com as possibilidades de as aproximar.
6. Concluindo pela inexistência de uma imposição constitucional de conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado em contratos de trabalho sem termo, o Acórdão n.º 683/99 tratou seguidamente da questão de saber se tal conversão será constitucionalmente vedada.
Para tal efeito, analisou o sentido do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição, onde se identifica um “direito especial de igualdade” (um "spezielles Gleichheitsrecht") no acesso à função pública, e também “um interesse institucional, da própria Administração Pública, na promoção da sua capacidade funcional e de prestação [e] um interesse de transparência e democraticidade na composição da função pública”, e invocaram-se as disposições constitucionais idênticas em países que nos são próximos e os seus respectivos entendimentos, concluindo que:
"Entre nós, retira-se do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação – assim, v. recentemente o Acórdão n.º 556/99).
Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes [...].
[...]
E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, um direito de acesso (Gomes Canotilho/V. Moreira, ob. e loc. cits., anot. XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e segs.)".
Assim, para respeito da igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, a qual é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit., Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153-4).
Ao apurar se "este princípio da igualdade de acesso à função pública – e também a regra do concurso – contido no artigo 47º, n.º 2 da Constituição não seria violado pela admissão do surgimento de vínculos laborais com a Administração Pública por tempo indeterminado através da conversão automática de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo com o Estado", concluiu-se no aresto que se vem citando que
a) "[...] enquanto no domínio das relações laborais de direito privado a aplicação de tal regime de conversão, previsto no artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, tem como consequência a restauração, in casu, do modelo preferencial das relações laborais – ou seja, o do contrato de trabalho por tempo indeterminado –, no contexto da relação jurídica de emprego público a situação apresenta-se bem diversa. É que não existe qualquer previsão legal de contratos de trabalho com o Estado por tempo indeterminado, pelo que, desde logo, tal conversão teria como consequência necessária a contradição da taxatividade legal das vias de acesso à função pública, através de um novo modo de acesso, de forma definitiva e tendencialmente perpétua."
b) "O regime de tal relação subsequente à conversão dos contratos a termo de pessoal irregularmente contratado – com base num processo de selecção precário e sumário (cfr. o artigo 19º do Decreto-Lei n.º 427/89) –, com consolidação da relação de emprego, afigura-se pouco claro, designadamente, por não se encontrar directamente previsto na lei. Haveria, assim, provavelmente, uma lacuna a preencher (assim, por exemplo, quanto à atribuição da qualidade de agente administrativo – cfr. o artigo 14º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 427/89), podendo levantar-se, aliás, o problema de saber se tal surgimento de uma situação de coexistência de regimes jurídicos de prestação de trabalho para o Estado, à revelia de uma opção parlamentar correspondente, seria compatível com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista hoje no artigo 165º, n.º 1, alínea t), da Constituição, em matéria de bases gerais do regime e âmbito da função pública (problema, este, suscitado pelo Ministério Público nas suas alegações, seguindo Ana Fernanda Neves, 'Contratos de trabalho a termo certo...', cit., pág. 177)."
c) "Por último, e decisivamente, com o surgimento de tal nova categoria de trabalhadores para o Estado por tempo indeterminado, os quadros de pessoal poderiam posteriormente vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido. Isto, portanto, com possível ofensa dos interesses de transparência e de imparcialidade na composição do corpo de trabalhadores, que a regra do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, justamente visa assegurar."
7. Ainda se ponderou, por último, que se poderia tentar escamotear estes derradeiros obstáculos adoptando-se o entendimento de que os trabalhadores vinculados ao Estado por contrato de trabalho sem termo não se integrariam na função pública, não estando, por isso, sujeitos às exigências constitucionais quanto a esta.
Mas logo se excluiu tal entendimento, com base em duas ordens de razões. Em primeiro lugar, por se concluir que:
"[...] independentemente do exacto recorte do conceito de “função pública” constitucionalmente consagrado, não pode o regime de acesso previsto no artigo 47º, n.º 2, da Constituição (com as suas notas de igualdade e liberdade e o princípio do concurso) deixar de valer igualmente para o acesso a tal lugar de trabalhador do Estado vinculado por contrato de trabalho sem termo. Tal trabalhador desempenharia uma actividade subordinada de trabalho, ao serviço da Administração, com um carácter tendencialmente permanente ou definitivo. E não se vê por que não hão-de valer para o acesso a tal posição, pelo menos com igual razão, as mesmas regras previstas na Constituição para o acesso à função pública em geral, sendo-lhe inteiramente aplicáveis os fundamentos que determinam a consagração constitucional destas regras."
Em segundo lugar, porque:
"[...] seja como for quanto aos específicos contornos do regime jurídico resultante da pretendida 'conversão' (e mesmo independentemente da afirmação do carácter estritamente taxativo das formas de contratação de pessoal na Administração Pública, onde não se inclui o contrato de trabalho sem termo, como nota estrutural e essencial do sistema constitucional da função pública), o que importa neste contexto é, mais do que a determinação e a qualificação da relação subsequente à conversão de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura, o confronto do próprio processo de admissão de um novo trabalhador sem termo na função pública, à luz das regras constitucionais que regem o acesso a esta."
Do mesmo modo, afastou-se nesse Acórdão n.º 683/99 o argumento de que a conversão dos contratos a termo em contratos sem prazo não permitiria aferir uma lesão ao princípio da igualdade no acesso à função pública, por os beneficiários de tal alteração de regime contratual não se apresentarem em condições de igualdade com quem não estivesse anteriormente em idêntica situação:
"Na verdade, o problema está justamente em saber se a circunstância de um trabalhador ter estado a desempenhar funções ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, embora por duração superior à legalmente permitida (e independentemente do modo de selecção para este contrato, que é, como se disse, irrelevante), é, por si só, bastante para permitir que tal trabalhador possa vir a ser automatica e obrigatoriamente preferido a outros, com acesso a uma posição definitiva, de trabalhador por tempo indeterminado.
Em face dos interesses que fundamentam a consagração do princípio da igualdade no acesso à função pública – que, como se viu, transcendem os interesses do particular candidato – não pode considerar-se tal circunstância, só por si, bastante para fundamentar um privilégio na contratação pelo Estado.
Não pode, pois, dizer-se que tal preferência, nos termos descritos, seja compatível com a regra da igualdade no acesso à função pública. Tal como não se afigura admissível considerar as referidas lesões da igualdade no acesso à função pública (e, em particular, do respectivo direito de igualdade) justificadas por uma 'concordância prática' com o valor da segurança no emprego – ao qual, como se disse, o legislador procurou prover por outra via."
Finalmente, ponderou-se que:
"[...] não se pode dizer que a substituição de um concurso para o acesso à função pública pela conversão de um contrato de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado seja compatível com o disposto no artigo 47º, n.º 2, da Constituição, na parte em que firma o princípio do acesso por via de concurso."
É que:
"Como se disse, a prescrição constitucional da regra do concurso como regime-regra de acesso à função pública – e, como se disse, para acesso a um lugar fundado em contrato de trabalho por tempo indeterminado há-de valer, com as mesmas razões, idêntica regra (sendo tal posição de considerar, ou de equiparar, para o efeito, a 'função pública') – fundamenta-se na própria ideia de igualdade nesse acesso, pois o concurso é o procedimento de selecção que oferece maiores garantias de transparência e fiabilidade na avaliação dos candidatos. Justamente por isso, também o concurso se há-de estruturar procedimentalmente de formajusta, e há-de ser decidido por critérios substancialmente relevantes – em regra, as capacidades, méritos e prestações dos candidatos.
Visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio direito de acesso em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar, como se afirmou, de se basear em razões materiais – isto é, designadamente, em razões relevantes para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim, por exemplo, para a escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá eventualmente revelar-se adequada a selecção sem concurso). Considerando esta necessidade de justificação material da postergação da regra do concurso não pode, pois, tirar-se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública.
Ora, a forma de acesso à função pública pela conversão automática de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, para além de violar o princípio da igualdade estabelecido no artigo 47º, n.º 2, da Constituição. Não deve, pois, ter-se por admissível."
Isto, sendo certo que não se pode dizer que:
"[...] tal postergação [do concurso] se filia num comportamento da Administração, que se serviu de pessoal contratado a prazo por um lapso de tempo superior ao legalmente previsto, pelo que a violação da regra do concurso não se situaria, dessa sorte, na norma em análise, mas numa actuação da Administração. Na verdade, há que distinguir entre o comportamento ilegal, que é proibido e pode desencadear sanções disciplinares e civis para os seus autores, e a violação de preceitos, legais e constitucionais, que, em homenagem aos interesses de outros candidatos e ao interesse público na transparência na composição do corpo de trabalhadores do Estado, disciplinam a constituição da relação jurídica de emprego público."
8. Concluiu-se, pois, no Acórdão n.º 683/99, pelo julgamento de inconstitucionalidade do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição.
No presente processo, pelos fundamentos, atrás resumidos, do Acórdão n.º 683/99 – e cuja decisão foi retomada nos Acórdãos n.ºs 73/2000 e 82/2000 – cumpre, pois, declarar inconstitucional o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição.”.
A fundamentação acabada de transcrever mantém a sua actualidade face à Directiva 1999/70/CE, sendo certo que “o acordo-quadro não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo” e a legislação portuguesa nesta matéria cumpre, inteiramente, como vimos acima, as suas exigências, designadamente as do n.° 1 do seu artigo 5.° que impõe a adopção efectiva e imperativa de pelo menos uma das medidas enumeradas nessa disposição destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, quando não existam já medidas equivalentes no direito nacional, sendo que, não uma, mas todas elas se mostram adoptadas.
As formas de estabelecer uma relação de emprego público por tempo indeterminado estabelecidas na constituição e na lei, não devem, em princípio, ser afastadas, em casos como o presente, em favor de interpretações solucionistas das corruptelas pontuais resultantes da aplicação viciada desse regime jus-laboral público pela Administração, que ignorem, como resposta relevante nos termos supra expostos, a responsabilização que tal prevaricação pode ocasionar para os seus autores e que colidam com a garantia constitucional de que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
É que, se a solução-regra para as situações irregulares no sector público, nos casos de contratos a termo resolutivo sem justificação objectiva, renovações em violação dos limites legais estabelecidos, etc, passasse pela solução de transformar em contrato por tempo indeterminado esse contrato a termo resolutivo, pela nulidade do termo nele aposto, estaria encontrado uma via de degradação do sistema de acesso a uma relação de emprego público por tempo indeterminado — em regra, o concurso (nº 2 do artº 47º da CRP) — sem que, com tal solução, se resolvesse o principal problema — e este é um ponto decisivo — e que é o de evitar as situações de contratação de forma abusiva e em ofensa do direito interno e da Directiva 1999/70/CE que, como vimos, tem precisamente por objectivo estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.
Porque deixaria o órgão administrativo de, sem justificação, contratar a termo resolutivo ou de renovar este tipo de contratos em fraude à lei ou com violação da lei, se a consequência seria converter o contrato a termo em contrato sem termo?
Se, para a economia de uma empresa privada, que vive no mercado e, em regra, visa o lucro, tal consequência se antevê como um custo duradouro e, como tal, uma penalização com peso dissuasor da prevaricação, já assim não acontece na função pública, pois, em regra, a Administração pública em sentido orgânico (pessoas colectivas de direito público), vive de um orçamento financiado, em regra, pelos impostos ou por receitas próprias, que não depende directamente, ainda em regra, de actividade mercantil visando o lucro, pelo que a forma do preenchimento do lugar é relativamente indiferente do ponto de vista preventivo.
Tal solução traria para a Administração pública, isso sim, outro nível de problemas, designadamente a possibilidade de sistemática fraude às regras de acesso à função pública pela utilização abusiva de contratos sem termo em violação da lei.
Uma tal interpretação criaria inovatoriamente — e contra lei expressa que se harmoniza com o Direito comunitário, como vimos acima — uma via ínvia de acesso a uma relação de emprego público por tempo indeterminado, permitindo que em situação irregular e por via dessa irregularidade (caso contrário, estaríamos apenas perante um regular contrato a termo e não se colocaria a hipótese) se consolidasse, em fraude à lei, a relação de emprego com efeitos permanentes e duradouros, sem respeito pela precedência de procedimentos de recrutamento e métodos de selecção em regimes de oponibilidade — cfr. ainda v.g. artº 50º da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro — que visam garantir que em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, como garante o nº 2 do artº 47º da CRP.
Neste sentido, a fraude à lei não pode ser premiada, mas reprimida, e uma forma premente e eficaz que o ordenamento jurídico oferece é a via da responsabilidade, com a responsabilização dos prevaricadores, cumprindo a dupla vertente da prevenção e da reintegração da esfera jurídica dos lesados.
Sem que decorra de norma legal habilitante [E aí, com as reservas que a jurisprudência do TC nos suscita — cfr. o identificado acórdão n.º 368/2000, de 2000-07-11.], a solução de conversão de um contrato a termo resolutivo em contrato por tempo indeterminado, não se mostra susceptível de, em qualquer circunstância, constituir factor de dissuasão da celebração deste tipo de contratos ditos precários no âmbito da Administração pública ou como forma de evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, ou como forma de reintegração da ordem jurídica violada, pois quando utilizados de acordo com a lei tais contratos visam colmatar necessidades pontuais da administração pela forma e tempo legalmente previstos; E se utilizados em abuso ou violação da lei, tal solução é inidónea do ponto de vista da legalidade para suprir tal deficiência ou corruptela, já que outra é a solução normativa cumpridora da Directiva 1999/70/CE, pois a contratação em violação do respectivo regime implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado — artº 92, nº 2, do RCTFP aprovado pela Lei nº 59/2008.
Aliás, como vimos, logo o seu artº 2º, nº 1, a Lei nº 59/2008 determina que a infracção do disposto nos artºs 93º e 103º, precisamente os artigos que versam sobre os pressupostos e a duração do contrato a termo resolutivo, pode constituir causa de destituição judicial dos dirigentes responsáveis pela celebração e, ou, renovação do contrato a termo, ordenando ainda, no seu nº 2, que os serviços de inspecção, quando se verifique a existência da infracção referida no nº 1, cumpram os trâmites previstos no artº 15º do Decreto-Lei nº 276/2007, de 31 de Julho.
Em conclusão:
O trabalhador, cujo contrato de trabalho a termo resolutivo incorra em nulidade por violação do respectivo regime nas apontadas vertentes, não se encontra desprotegido do ponto de vista das consequências negativas que tal nulidade acarrete, pois, se bem que a celebração ou a renovação de contratos a termo resolutivo com violação do disposto no RCTFP implique a sua nulidade — nº 3 do artº 92º —, ela ocorre sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução e, ademais, como também já se previa no já referido nº 3 do artº 10º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, e também agora no artº 92, nº 2, do RCTFP, a violação desse regime gera responsabilidade civil dos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços que os tenham celebrado ou renovado, o que permite, em última ratio, uma via de acção e correspectivo direito de acção na esfera jurídica dos trabalhadores susceptível de reintegrar a esfera jurídica do interessado na medida dos danos que entenda terem sido causados, cumprindo-se, também por esta via normativamente consagrada, a exigência de garantias efectivas e equivalentes de protecção dos trabalhadores, susceptível de poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário.
O que, em tudo, se harmoniza com a jurisprudência do TJUE supra citada — Acórdão de 04- 07-2006, Processo C-212/04, pois, como vimos e se sintetiza:
· O acordo-quadro em anexo à Directiva 1999/70/CE não impõe uma obrigação geral de os Estados-Membros preverem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo;
· O n.° 1 do seu artigo 5.° impõe a adopção efectiva e imperativa de pelo menos uma das medidas enumeradas nessa disposição destinadas a evitar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, quando não existam já medidas equivalentes no direito nacional, o que no caso do atinente regime jurídico nacional se mostra cabalmente cumprido;
· Quando, apesar disso, essa utilização abusiva tenha ocorrido, uma medida que apresente garantias efectivas e equivalentes de protecção dos trabalhadores deve poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário. Com efeito, nos próprios termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Directiva 1999/70, os Estados-Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela [referida] directiva», o que igualmente foi vertido como solução normativa no caso nacional;
· Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a interpretação do direito interno, incumbindo essa função exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional, que deve determinar se as disposições da legislação nacional pertinente satisfazem as exigências recordadas no número precedente, sendo que, o julgamento a que procedemos impõe a conclusão de que as disposições da legislação nacional pertinente e supra identificadas satisfazem a exigência de garantias efectivas e equivalentes de protecção dos trabalhadores, susceptível de poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito comunitário.
· Uma vez que as disposições da legislação nacional pertinente satisfazem as exigências supra aludidas, então é de concluir também que o acordo-quadro não se opõe à aplicação dessa legislação nacional;
· Não se mostram violados os artigos 53º e 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
A sentença recorrida não padece dos vícios de que vem arguida.

III.DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas, por isenção subjectiva do recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 29 de Maio de 2014
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Fernanda Brandão