Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00637/19.4BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECURSO EM SEPARADO; INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA; REPOSICIONAMENTO REMUNERATÓRIO
Sumário:1 – Em sede de petição inicial, tanto o pedido e a causa de pedir da Autora, bem como a relação jurídica material subjacente, de reposicionamento categorial e remuneratório, e de pagamento dos respectivos diferenciais remuneratórios, dizem unicamente respeito à Entidade Demandada, com a competência exclusiva para aceder aos pedidos da Autora, enquanto sua entidade empregadora;

2 - Não releva, in casu, que tenha sido com base no entendimento jurídico dos órgãos do Ministério das Finanças - atual Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública - que a Entidade Demandada tenha determinado a sua atuação, porquanto aqueles não têm qualquer ligação substancial e direta com a relação material controvertida pela Autora, nem qualquer competência para aceder ao peticionado pela Autora, não podendo, pois, em nenhum caso, o Ministério constituir-se como litisconsorte voluntário da Entidade Demandada, nos termos do artigo 32.º do CPC, a contrario, nem ser chamado como interveniente principal, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

3 - Mal se compreenderia que perante a elaboração material de qualquer tipo de legislação num determinado ministério, fosse um mesmo chamado a intervir nos processos jurisdicionais nos quais o referido regime jurídico estivesse em discussão.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Instituto Emprego e Formação Profissional
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

Instituto Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP), devidamente identificado nos autos, à margem da Ação Administrativa intentada por A., tendo vindo deduzir incidente de intervenção principal provocada, relativamente ao Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, ao abrigo do artº 318º nº 1 alínea c) do CPC, inconformado com o segmento do Despacho proferido no TAF do Porto, que em 26/10/2020, indeferiu a requerida Intervenção, veio em 26 de maio de 2021, recorrer jurisdicionalmente do mesmo.

Concluiu o Instituto Emprego e Formação Profissional, IP o seu recurso, o seguinte:

“A. O douto Despacho recorrido, salvo o devido respeito que é muito, interpreta e aplica de forma incorreta a alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CP, ex vi artigo 1.º do CPTA, o n.º 10 do artigo 10.º do CPTA e a primeira parte do proémio do n.º 1 do artigo 99.º-A da Lei Geral em Funções Públicas, e, em consequência, aprecia incorretamente a natureza da relação material jus-laboral administrativa controvertida;
B. As normas acabadas de citar sustentam, pois, a tese do Recorrente quanto à necessidade da intervenção do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública na presente ação;
C. O Recorrente deduziu o chamamento do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, pois que demonstrou interesse atendível em chamar a intervir este Ministério, na qualidade de sujeito processual passivo da relação material multipolar controvertida;
D. Sobre o parecer prévio, previsto no proémio do n.º 1 do artigo 99.º-A da LTFP, recai um Despacho, que é um verdadeiro ato administrativo inovatório e que, mutatis mutandis, corresponde a uma autorização de consolidação da mobilidade;
E. O Despacho n.º 739/2018/SEAEP, de 27 de julho de 2018, exarado sobre a Informação n.º1031/DRJE/DGAEP/2018, constitui um ato administrativo, do qual a Deliberação do Conselho Diretivo deste Instituto é um ato consequente,, pois que esta manteve a mesma fundamentação aduzida e imposta por aquele;
F. O lexema "colaboração", ínsito na segunda parte do n.º 10 do artigo 10.º do CPTA prevê a possibilidade de a primitiva entidade pública demandada promover a intervenção de outra ou outras entidades com interesses contrapostos aos do Autor e semelhantes aos do Réu, com vista a auxiliar na defesa desses mesmos contra interesses;
G. Foi esta a conduta adotada pelo Recorrente na sua Contestação;
H. Promoveu o chamamento à demanda do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, uma vez que a impugnação da pretensão da Recorrida, deduzida contra o Recorrente reclama e exige a colaboração deste Ministério, enquanto entidade colaborante;
I. A relação jus-laboral administrativa controvertida não se circunscreve aos primitivos intervenientes na presente ação;
J. A entidade colaborante tem o mesmo interesse deste Instituto, contraposto ao interesse da Recorrida;
K. Estamos perante uma relação jus-laboral administrativa multipolar ou poligonal;
L. A solução sustentada pelo douto Despacho recorrido implica a prevalência da Deliberação do Conselho Diretivo do Recorrente sobre o Despacho de Sua Excelência a Senhora Secretária de Estado do Emprego Público;
M. A emissão do parecer prévio é obrigatória, constituindo conditio sine qua non para a consolidação da mobilidade intercarreiras, de harmonia com o n.º 1 do artigo 99.º-A da LTFP;
N. A intervenção do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública é, por isso, necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, isto é, não vinculando embora este Ministério, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado;
O. Saliente-se que subjaz igualmente uma relação jus-laboral administrativa entre a Recorrida e a entidade colaborante;
P. O único vértice do triângulo relacional que pode assumir uma posição de preponderância é o que estabelece a relação entre o Recorrente e a entidade colaborante;
Q. Nestes termos e com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogado o despacho que indeferiu o chamamento à demanda do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, sendo substituído por outra decisão que defira o requerido.
Termos em que, e pelo muito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, promovendo-se a intervenção da entidade colaborante que, no Governo, exercer as atribuições e competências relativas ao emprego público, revogando-se, em consequência, o despacho que indeferiu o chamamento à demanda da entidade colaborante, e, dessa forma será feita, em nome do povo, JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso.

Por Despacho de 16 de fevereiro de 2021, foi admitido o Recurso.

O Ministério Público, já nesta instância, tendo sido notificado em 2 de junho de 2021, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual, a final, se pronuncia no sentido do recurso dever ser julgado improcedente.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, decorrentes do indeferimento da requerida intervenção principal provocada, importando verificar se se mostrarão preenchidos os pressupostos constantes do artº 318º e 316º do CPC, sendo que o Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Matéria Factual

No que aqui releva, refere-se no segmento recorrido do Despacho:
“(…) No que concerne à intervenção principal provocada, prevê-se, no artigo 316.º, n.º 1 do CPC, que «qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa seja como seu associado, seja como associado da parte contrária» (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).
Admite-se, por este meio, que, na pendência de uma ação entre duas partes, se provoque a intervenção de terceiros titulares de um interesse em intervir igual ao do autor ou do réu, os quais assumirão, consequentemente, a posição de coautor ou corréu (artigo 311.º do CPC). Ou seja, a intervenção principal é admitida nos casos em que o seria o litisconsórcio ou a coligação com os sujeitos da causa principal, nos termos previstos nos artigos 32.º, 33.º e 36.º do CPC.
No caso em apreço, a Entidade Demandada fundamenta o seu requerimento no facto de dois órgãos do Ministério das Finanças terem elaborado as referidas informações, que sustentaram e condicionaram a sua atuação, ora sindicada pela Autora, alegando, in sequitur, que (1) o Ministério das Finanças se constitui como sujeito passivo da relação material controvertida, e (2) e que há um interesse atendível no seu chamamento, considerando que “poderá auxiliar na contestação, particularmente nos fundamentos aduzidos para o posicionamento remuneratório da Autora na consolidação da sua mobilidade intercarreiras”, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CPC.
Posteriormente, atenta a nova orgânica Governamental, requereu que, em substituição do Ministério das Finanças, fosse chamado à presente demanda o Ministério com atribuições e competências no domínio do emprego público, i. é., o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública.
Não lhe assiste, porém, razão, senão vejamos.
Como refere SALVADOR DA COSTA, a legitimidade da intervenção deve-se «apreciar em função da relação jurídica controvertida, tal como o autor a expressou na petição inicial» (in “Os Incidentes da Instância”, 9.ª edição, Coimbra: Almedina, página 91).
Ora, em sede de petição inicial, tanto o pedido e a causa de pedir da Autora, bem como a relação jurídica material subjacente, de reposicionamento categorial e remuneratório, e de pagamento dos respectivos diferenciais remuneratórios, dizem unicamente respeito à Entidade Demandada, com a competência exclusiva para aceder aos pedidos da Autora, enquanto sua entidade empregadora, nos termos conjugados da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), do Decreto-Lei n.º 143/2012, de 11 de julho (que aprova a orgânica do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P.), e da Portaria n.º 319/2012, de 12 de outubro (que aprova os Estatutos do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P.).
Não releva, in casu, que tenha sido com base no entendimento jurídico dos referidos órgãos do Ministério das Finanças (atual Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública) que a Entidade Demandada determinou a sua atuação, porquanto aqueles não têm qualquer ligação substancial e direta com a relação material controvertida pela Autora, nem qualquer competência para aceder ao peticionado pela Autora, não podendo, pois, em nenhum caso, o Ministério constituir-se como litisconsorte voluntário da Entidade Demandada, nos termos do artigo 32.º do CPC, a contrario, nem ser chamado como interveniente principal, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
Aliás, frise-se como bem invoca a Entidade Demandada, o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública poderia auxiliá-la, como entidade colaborante. Mas isso não faz dele sujeito da relação material controvertida, como a lei exige (cfr. artigo 32.º/1 do CPC).
Nestes termos e nos das disposições legais citadas, indefere-se a requerida intervenção principal provocada.”

IV – Direito

Vem interposto o presente Recurso do segmento do identificado despacho que indeferiu a requerida intervenção principal provocada do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, requerido pelo IEFP.

Analisemos então o suscitado:

Alegou o IEFP, em defesa do chamamento do Ministério, que o mesmo «…é sujeito passivo da relação material controvertida e poderá auxiliar (…) na contestação», porquanto «…Sua Excelência a Senhora Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público proferiu o Despacho n.º 739/2018/SEAEP, de 27 de julho de 2018, exarado sobre a Informação n.º1031/DRJE/DGAEP/2018, relativo ao parecer prévio de consolidação da mobilidade intercarreiras da Autora, pelo qual consolidaria na 2.ª posição remuneratória, nível 15 da TRU para a carreira e categoria de Técnico Superior, com o vencimento de €1201,18, o mesmo que na altura auferia na mobilidade intercarreiras», e a Direção Geral da Administração e do Emprego Público elaborou a Informação n.º1031/DRJE/DGAEP/2018, na qual «…apresentou uma fundamentação detalhada sobre a posição remuneratória e o nível remuneratório onde devia ser colocada a Autora” e porque “através de Ofício datado de 16 de março de 2019, respondeu às questões suscitadas pelo Conselho Diretivo deste Instituto, através do seu Ofício n.º 66112/2018/CD, de 24 de setembro de 2018”.

O que está predominante em causa na Ação na qual foi proferido o Despacho aqui Recorrido, é singelamente uma questão laboral entre o trabalhador e a sua entidade empregadora, por forma a verificar se foi devidamente aplicado o bloco de legalidade vigente.

Como se afirmou no Despacho Recorrido, “(…) em sede de petição inicial, tanto o pedido e a causa de pedir da Autora, bem como a relação jurídica material subjacente, de reposicionamento categorial e remuneratório, e de pagamento dos respectivos diferenciais remuneratórios, dizem unicamente respeito à Entidade Demandada, com a competência exclusiva para aceder aos pedidos da Autora, enquanto sua entidade empregadora, nos termos conjugados da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), do Decreto-Lei n.º 143/2012, de 11 de julho (que aprova a orgânica do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, IP), e da Portaria n.º 319/2012, de 12 de outubro (que aprova os Estatutos do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, IP).
Não releva, in casu, que tenha sido com base no entendimento jurídico dos referidos órgãos do Ministério das Finanças (atual Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública) que a Entidade Demandada determinou a sua atuação, porquanto aqueles não têm qualquer ligação substancial e direta com a relação material controvertida pela Autora, nem qualquer competência para aceder ao peticionado pela Autora, não podendo, pois, em nenhum caso, o Ministério constituir-se como litisconsorte voluntário da Entidade Demandada, nos termos do artigo 32.º do CPC, a contrario, nem ser chamado como interveniente principal, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.”

Aliás, quaisquer informações, instruções ou diretivas que tivessem/tenham sido emanadas pelo Ministério dirigidas ao IEFP, de natureza concreta ou abstrata, relativamente à resolução da questão controvertida, se fosse caso disso, sempre poderiam ser provadas com o recurso a prova documental que se mostrasse relevante, sem que tal impusesse a intervenção do Ministério como interveniente na Ação.

Como resulta do Artº 316º, nº 3, alínea a) do CPC, em caso de litisconsórcio voluntário e se mostrar “interesse atendível”, pode ser promovido o chamamento de terceiros para a lide, se estes forem também sujeitos passivos da relação material controvertida.

Como é de sua natureza, o litisconsórcio pressupõe a unicidade da relação material controvertida, sendo que a diferença entre litisconsórcio necessário e voluntário se traduz essencialmente na circunstância de que, enquanto no primeiro as partes se apresentam externamente como uma única parte, no segundo as partes mantêm uma posição de autonomia, isto é, as partes de um litisconsórcio necessário comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm uma posição de autonomia.

Como afirma Eurico Lopes Cardoso, in Manual dos Incidentes da Instância, 3º ed. Pags 78, "no litisconsórcio, há só uma relação material controvertida".

Já Castro Mendes, in Direito Processual Civil, vol. II pag 226, refere que "no litisconsórcio há uma unidade de pedido, dirigido contra mais de uma parte, ou pluralidade de pedidos não discriminadamente dirigidos, ou dirigidos discriminadamente se idênticos no seu conteúdo e fundamentos”.
É pois manifesto que o Ministério não é portador de qualquer interesse igual ou paralelo ao do IEFP, pelo que tal circunstância afasta desde logo a admissibilidade da sua intervenção nestes autos, uma vez que a legitimidade dessa intervenção, pressuporia que ambos fossem sujeitos passivos da mesma relação material controvertida, para que existisse uma situação de litisconsórcio.

Aqui chegados, é patente que a pretensão do IEFP depara-se desde logo com um obstáculo intransponível, a saber, a falta de configuração de litisconsórcio voluntário passivo e a inexistência de interesse atendível.

Com efeito, a relação jurídica controvertida cinge-se a duas partes: De um lado o trabalhador; e do outro o IEFP, sem que o Ministério, enquanto tal, seja parte, ou tenha sequer legitimidade para intervir no litigio conexo com a relação laboral.

É certo que terá sido o Ministério quem terá desenhado o modelo legislativo subjacente à relação, enquanto autor material do regime legal vigente, sendo que essa intervenção instrumental e abstrata não legitima a sua intervenção na relação.

Mal se compreenderia que perante a elaboração material de qualquer tipo de legislação num determinado ministério, fosse um mesmo chamado a intervir nos processos jurisdicionais nos quais o referido regime jurídico estivesse em discussão.

O interesse da pretendida colaboração vista como mera ajuda para o bom desempenho processual ou como simples auxílio para o sucesso da ação, a final, não se enquadra no “interesse atendível” legalmente exigido, pois não é esse o interesse visado no instituto da intervenção principal provocada.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão Recorrida.
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Custas pelo Recorrente
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Porto, 15 de julho de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães