Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00731/15.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS; INTERIORIDADE: MASSA SALARIAL
Sumário:I - O Dec. Lei nº 55/2008, de 26 de março, estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo natureza de regulamento complementar ou de execução.

II - Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

A Recorrente, A., S.A, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial e anulou a liquidação de IRC de 2010, no montante global de 9114,43 €.

O presente recurso foi interposto para o venerando STA, o qual por decisão sumária de 08.03.2017, considerou–se incompetente em razão da hierarquia e competente este TCAN.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações, as seguintes conclusões:

1. A Lei nº 171/99, de 18/9, invocada na douta Sentença recorrida, não estava em vigor à data dos factos (2010) - tinha sido expressamente revogada, pelo que não podia ter sido aplicada ao caso.
2. Padece a douta Sentença, por isso, de errada interpretação e aplicação do artigo 1º nº 1 e 2 da Lei nº 171/99, de 18/9 - por violação das regras de aplicação das leis no tempo (artigos 7º e 12º do CC; artigo 12º da LGT e 103º nº 3 da CRP).
Sem prescindir,
3. As normas de regulamentação da Lei nº 171/99, de 18/9, foram estabelecidas pelo DL nº 310/2001 de 10/12.
4. Nem a Lei 171/99, de 18/9, nem este DL nº 310/2001 de 10/12, estabeleciam que o benefício fiscal em causa dependia da criação ou existência de trabalhadores com vínculos de contrato de trabalho, ou massa salarial.
5. Por conseguinte, a douta Sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o regime legal anteriormente vigente, estabelecido pela Lei 171/99, de 18/9, e pelo DL nº 310/2001 de 10/12.

Por outro lado,
6. Não se pode extrair da lei que o conceito de massa salarial implica a existência de trabalhadores próprios da Impugnante, com vínculo de contrato de trabalho - nem do artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, nem do artigo 43º nº 1 a) do EBF, nem de qualquer outra disposição normativa aplicável ao caso.
7. Da lei também não se extrai que os gerentes da sociedade devam ser remunerados
(passando, assim, a haver "massa salarial" na contabilidade) para que a sociedade possa usufruir do benefício fiscal.

8. A Recorrente contribuiu para o combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento de Oliveira de Frades - objectivos que estiveram na génese dos benefícios fiscais à interioridade aquando da publicação da Lei nº 171/99, de 18 de Setembro.
9. Os gerentes de uma sociedade são trabalhadores e responsáveis pela sociedade (cfr. artigos 259º e 260º nº 1 do CSC).
10. O artigo 14º nº 6 da Lei nº 2/2007, de 15/1 (Lei das Finanças Locais/LFL) é inaplicável ao caso, nada tendo a ver com o benefício fiscal em questão - outrossim com a Derrama e a existência de estabelecimentos em diferentes municípios, o que não está em causa (cfr. artigo 149 nº 2 da LFL).
11. Por conseguinte, a douta Sentença recorrida fez um errado julgamento da matéria de facto e incorreu em errónea interpretação e aplicação dos sobreditos artigos 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, 43º nº 1 a) do EBF e 14º nº 6 da Lei nº 2/2007, de 15/1.

Acresce que,
12. Importava e importa atentar no conteúdo da decisão arbitrai (CAAD) proferida em 09.06.2015, no processo arbitrai nº 18/2015-T, relativo a matéria igual à dos presentes autos e cuia cópia foi oportunamente junta a este processo, em sede de alegações escritas, atenta a sua superveniência em relação à data da PI (artigo 426º do CPC).
13. Sendo certo que, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, o tribunal deve
resolver todas as questões que as partes tenham suscitado e submetido à sua apreciação.
14. A douta Sentença recorrida não emitiu qualquer pronúncia de mérito quanto às questões jurídicas abordadas naquela decisão arbitral - designadamente quanto à inconstitucionalidade normativa suscitada pela Recorrente em sede de alegações escritas.
15. Pelo que a douta Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia (artigos 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC, e 125º nº 1 do CPPT).
Sem prescindir,
16. Nos termos do artigo 5º nº 3 do CPC, o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
17. Os artigos 2º nº 1 d) e nº 2 do Decreto-lei nº 55/2008, de 26/3, e 43º nº 1 a) do EBF, quando interpretado no sentido de que a empresa não situa a sua actividade principal nas áreas beneficiárias se não tiver trabalhadores ou massa salarial nessas áreas, padecem de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade formal e material consignado nos artigos 103º nº 2, 266º nº 2 e 165º nº 1 g) e i) da CRP, e por violação da respectiva lei de "autorização legislativa" (cfr. artigo 165º nº 2 da CRP) decorrente da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2007, aprovada pela AR nos termos da alínea g) do artigo 161º da CRP), que aditou aquele artigo 43º ao EBF (inicialmente artigo 39º-B do EBF).

Acresce que,
18. O artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, ao "considerar" que atividade principal é desenvolvida na área beneficiária quando o sujeito tenha sede ou direção efectiva nessa área e nela concentre mais de 75% da respetiva massa salarial, constitui uma norma legal anti-abuso - como a própria AT afirma no relatório inspectivo.
19. Essa afirmação da AT foi feita deliberada e propositadamente, não podendo a AT dar o dito por não dito, sob pena de intolerável violação do princípio da boa-fé e da protecção da confiança e legítimas expectativas, para além de constituir um abuso de direito (artigos 10º do CPA, 266º nº 2 da CRP, 68º-A da LGT, 55º do CPPT e 334º do CC).
20. A AT está juridicamente vinculada às interpretações que a própria AT faz das normas fiscais (artigos 68º-A da LGT e 55º do CPPT).
21. Aquele 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3 constitui efectivamente uma norma anti-abuso precisamente porque tem em vista a prevenir situações de evasão e planeamento fiscal abusivo.
22. Nada se provou, sequer indiciou, no sentido ter havido qualquer manipulação intencional da sede e direcção efectiva da Recorrente para assim estar abrangida pelo benefício fiscal - muito contrário.
23. Dado que estamos perante uma norma anti-abuso, a AT deveria ter observado o artigo 63º do CPPT, na redacção aplicável a 2010 - o qual impõe um procedimento administrativo especial, que a AT não observou.

Por outro lado,
24. A presunção legal do artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, é ilidível pelo contribuinte, conforme decorre do artigo 73º da LGT.
25. Não está previsto no artigo 43º do EBF, tão pouco naquele artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, que seja condição obrigatória para usufruir do benefício fiscal o sujeito passivo dispor, na área geográfica beneficiária, de 75% da massa salarial, muito menos que esteia obrigado a dispor de massa salarial.
26. Estamos perante normas sobre benefícios fiscais, um dos elementos essenciais dos impostos, abrangidos pelos princípios fundamentais da legalidade e tipicidade tributárias (artigos 1032 nº 2, 165º nº 1 i) e 266º nº 2 da CRP, 8º da LGT e 3º do CPA).
27. Pelo que os respectivos requisitos legais apenas podem ser definidos por lei emanada da AR - e analisado o artigo 432 nº 1 a) do EBF, redacção à data, do mesmo não resulta que a titularidade de "massa salarial" seja condição legal para o acesso ao benefício fiscal.
28. Por sua vez, o artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, é uma norma meramente regulamentadora/executória do benefício fiscal consagrado no artigo 43º nº 1 a) do EBF - e, por isso, a esta subordinado.
29. Por isso, deve ser restringida a interpretação e aplicação do DL nº 55/2008, de 26/3 – no sentido de que não estabeleceu condições legais de acesso ao benefício fiscal mais apertadas e não previstas no artigo 43º do EBF.
30. Logo, o artigo 2º nº 2 DL nº 55/2008, de 26/3, pode ser afastado se o sujeito passivo demonstrar que cumpre com o requisito fundamental, que é o desenvolvimento da atividade económica principal em área beneficiaria - conforme ficou provado.
31. O artigo 2º, nº 2, do DL nº 55/2008, de 26/3 complementa e deve ser interpretado no sentido de que se presume a atividade principal na área geográfica beneficiária, para efeitos do artigo 43º do EBF, quando o sujeito passivo possua a sua sede e 75% da massa salarial nessa área - que pode ser ilidida.
32. Os benefícios fiscais relativos à interioridade não estão reféns da criação de postos de trabalho, sendo bem mais abrangentes - criação de infraestruturas empresariais, investimento em atividades produtivas, desenvolvimento económico da região, etc..
33. Ficou provado que a Recorrente tinha ao seu serviço 4 gerentes e que desenvolvia uma atividade económica numa das áreas beneficiárias - pelo que cumpriu o artigo 43º nº 1 b) do EBF.
34. Nos termos das regras gerais de interpretação das lei e em especial do artigo 10º do EBF, relativo à interpretação de normas sobre benefícios fiscais (como é o caso das reduções de taxa cfr. artigo 2º nº 2 do EBF), deve ser efetuada uma interpretação extensiva da lei - o benefício fiscal abrange todas as empresas que desenvolvam a sua actividade principal na área geográfica beneficiária, e não apenas as empresas que possuam massa salarial.
35. E não uma interpretação restritiva do benefício, como aquela que foi feita pela douta Sentença recorrida.
36. O intérprete e aplicador da lei deve ter em conta o texto da lei (cfr. artigos 11º da LGT e 9º do CC), estando proibida a integração analógica (cfr. artigo 11º nº 4 da LGT).
37. A interpretação extensiva pressupõe uma extensão do benefício fiscal a situações não expressamente contempladas na letra lei, porque teria sido essa a intenção ou espírito do legislador - e nunca o inverso, em violação do princípio da igualdade e neutralidade fiscal (artigos 13º e 266º nº 2 da CRP; vide tb. os artigos 55º da LGT e 5º do CPA).
38. O artigo 43º do EBF é uma norma excepcional (cfr. artigo 11º do CC, ex vi do artigo 11º nº 1 da LGT), porque consagradora de um benefício fiscal.
39. Nos termos do artigo 11º nº 3 e 4 da LGT, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência, deve atender-se à substância económica dos factos tributários, e as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da AR não são susceptíveis de integração analógica.
40. Assim, na interpretação dos artigos 43º nº 1 a) do EBF e 2º nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
41. Ora, ficou provado que a Recorrente, em 2010, era uma sociedade operacional, dedicada à produção e venda de produtos agropecuários, essencialmente avicultura e suinicultura, com sede e direcção efectiva no seu estabelecimento, localizado em Oliveira de Frades (uma das zonas geográficas abrangidas pelo benefício fiscal), tendo 4 gerentes ao seu serviço.
42. A douta Sentença recorrida não pode integrar pretensas lacunas legais em matéria de benefícios fiscais, abrangidas pela reserva de lei da AR, por aplicação analógica do conceito legal de "massa salarial" que constava do artigo 149 nº 6 da antiga LFL (cfr. artigo 11º nº 4 da LGT).

Sem prescindir, por cautela de patrocínio,
43. Após a fase dos articulados, as partes foram imediatamente notificadas para apresentar alegações escritas, tendo sido dispensada a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente.
44. Ora, a produção de prova testemunhal deve ser aceite em todos os casos em que não seja proibida por lei (cfr. artigo 392º do CC).
45. A matéria de facto elencada na PI era susceptível de prova testemunhal.
46. Por força dos artigos 114º do CPPT e 265º nº 3 do CPC, o Juiz deve ordenar todas as diligências de prova necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio - princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.
47. Por outro lado, a dispensa da prova testemunhal só pode suceder após vista ao Ministério Público, como se extrai do teor daquele nº 1 do artigo 113º do CPPT - o que não foi o caso.
48. Por força do artigo 115º nº 1 do CPPT, em processo impugnatório devem ser aceites os meios gerais de prova, designadamente a prova testemunhal.
49. Era necessário complementar a prova documental produzida com prova testemunhal.
50. Ao dispensar a prova testemunhal, a douta Sentença padece de erro de julgamento e défice instrutório (artigo 513º do CPC) - com o consequente erro omissivo no julgamento da matéria de facto.
51. Por outro lado, ocorreu uma nulidade processual, já que aquela omissão é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigos 195º nº 1 do CPC) - com a consequente anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença aqui recorrida (artigos 195º nº 2 do CPC e 98º nº 3 do CPPT).

Acresce que,
52. Importava dar por provada a seguinte factualidade alegada, relevante para a decisão de mérito, por estar demonstrada pela prova documental e seria provada pela prova testemunhal: a Recorrente dedicava-se à criação de aves e suínos para a venda ou produção de alimentos e derivados (cfr. doc. 7 junto à PI); dispunha de instalações (pocilgas e aviários) localizadas em Oliveira de Frades, adequadas ao exercício da sua actividade operacional; no exercício de 2010, a explorava vários aviários, cedendo alguns à exploração por outra sociedade, igualmente de Oliveira de Frades, auferindo as correspondentes "rendas"; relativamente aos custos suportados, os bens e serviços adquiridos necessários à actividade operacional corrente da Recorrente eram e foram adquiridos a empresas locais, com sede no concelho de Oliveira de Frades (cfr. doc. 8 junto à PI); em 2010, por via da sua actividade operacional, a Recorrente mobilizava directa e indirectamente recursos humanos e materiais da região de Oliveira de Frades - designadamente por via da aquisição de bens e serviços a fornecedores do mesmo concelho, dessa forma contribuindo para o desenvolvimento socioeconómico do concelho de Oliveira de Frades num sector bem carenciado; três dos quatro gerentes eram sócios da Recorrente (cfr. doc. 7 junto à PI); os sócios auferiam lucros da sociedade, sempre que haviam lucros a distribuir, como foi o caso do anterior exercício de 2009; o facto da Recorrente não ter "massa salarial" registada na sua contabilidade apenas significa que não foram registados contabilisticamente encargos com remunerações, ordenados ou salários; contudo, a Recorrente tinha trabalhadores ao seu serviço - os seus 4 gerentes (3 deles sócios) -, pelo que criou directamente 4 postos de trabalho no concelho de Oliveira de Frades; esses 4 gerentes trabalhavam diariamente ao serviço da sociedade, nas instalações desta localizadas no mesmo concelho, designadamente nos aviários que a Recorrente detinha e explorava no concelho; em 2010 os 4 gerentes tinham residência fiscal em Viseu (concelho também abrangido pelos benefícios fiscais à interioridade, conforme Portaria n.2 1117/2009, de 30/9; a Recorrente adquiria a empresas da região os bens e serviços necessários à sua actividade operacional corrente, designadamente equipamentos de transporte, equipamentos técnicos de apoio, equipamentos biológicos, serviços administrativos de contabilidade, etc. (cfr. doc. 8 junto à PI), assim mobilizando indirectamente inúmeros recursos humanos e materiais do concelho de Oliveira de Frades; para além da contratação na região dos equipamentos e serviços necessários à sua actividade operacional corrente, a Recorrente também contratou na região os demais serviços administrativos de apoio, designadamente ao nível contabilístico; a reduzida dimensão da Recorrente, o cariz familiar da mesma e, por isso, a forte entreajuda entre todos, não justificou a necessidade de contratar terceiros em regime de contrato de trabalho, bastando-se com o trabalho diário dos seus 4 gerentes e com a aquisição na região dos bens e serviços complementares necessários; a actividade operacional da Recorrente foi sempre conduzida e gizada a partir da direcção da mesma, domiciliada em Oliveira de Frades; a Recorrente iniciou a sua actividade em 28.08.1988 (cfr. doc. 7 junto à PI); a liquidação impugnada foi integralmente paga, com juros de mora e custas, no âmbito do respectivo processo de execução fiscal (factualidade do conhecimento oficioso, cfr. artigo 74º nº 2 da LGT);
53. Ao omitir esta factualidade, a douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, por omissão de factos relevantes para a decisão de mérito - com o consequente erro de Direito.
54. Ao contratar serviços e bens a entidades instaladas no concelho de Oliveira de Frades, a Recorrente promoveu o crescimento dessas entidades e, consequentemente, contribuiu activamente para o combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento daquela região.
55. Por outro lado, ao dispor de 4 gerentes cuja residência fiscal era em Viseu, a Recorrente promoveu directamente o desenvolvimento da região e o combate à desertificação de uma zona do interior, criando directamente 4 postos de trabalho/funcionários ao serviço da sociedade.
56. Assim, em 2010 a Recorrente contribuiu activamente para o desenvolvimento da região de Oliveira de Frades, criando, directa e indirectamente, dezenas de postos de trabalho, senão mais - sem necessidade de formalizar contratos de trabalho ou ter "massa salarial".
57. O legislador não exige que os postos de trabalho criados tenham de ser remunerados por via de salários, não podendo sê-lo por via do recebimento de lucros (por serem sócios).
58. A Recorrente iniciou a sua actividade em 28.08.1988 e sempre teve a sua sede em Oliveira de Frades - muito antes do legislador ter criado este benefício fiscal.

Por outro lado,
59. Quando a lei se refere à "massa salarial" não pretende exigir que a sociedade pague salários - mas apenas que a maioria dos seus colaboradores (mais de 75% da sua massa salarial, segundo o critério estabelecido no artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3) esteia localizada nas áreas beneficiárias.
60. Com efeito, esse requisito previsto no artigo 2º n2 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3 apenas visa dar execução prática ao artigo 43º nº 1 a) do EBF, quando neste se exige que a actividade principal da empresa deve situar-se nas áreas beneficiárias.
61. Ou seja, foi apenas para operacionalizar a aferição deste requisito legal - a actividade principal dada empresa situar-se nas áreas beneficiárias - que o legislador mencionou que mais de 75% da massa salarial da empresa deve situar-se nas zonas beneficiárias.
62. Ou seja, tratou-se apenas de regulamentar a lei - o artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, visa apenas regulamentar e dar execução prática aos requisitos do artigo 43º nº 1 a) do EBF.
63. Com efeito, o critério dos 75% da massa salarial tem apenas em vistas os casos das empresas que têm estabelecimentos e colaboradores espalhados pelo país.
64. Nesses casos, de dispersão dos colaboradores por diferentes regiões do país, para poder integrar o benefício fiscal da interioridade é necessário que mais de 75% da massa salarial da sociedade se localize em zona beneficiária - pois só assim, conjugado com a sede e direcção efectiva localizadas na zona beneficiária, é que o legislador considera que a empresa exerce a sua actividade principal na zona beneficiária, conforme impõe o artigo 43º nº 1 a) do EBF.
65. Ora, como a Recorrente não tem "massa salarial", a questão de ter mais de 75% da "massa salarial" em Oliveira de Frades nem sequer se coloca.
66. Chega-se à mesma conclusão quando consideramos que a Recorrente não dispunha de estabelecimentos ou colaboradores fora de Oliveira de Frades.
67. Aliás, da lei não se extrai sequer que uma das condições para usufruir do benefício fiscal resida na criação de postos de trabalho.
68. E a lei não condiciona o acesso ao benefício fiscal à circunstância da empresa desenvolver a sua actividade sem subcontratação de serviços de terceiros, ou sela, mobilizando apenas recursos próprios.

Acresce que,
69. Não sendo devido imposto, não são igualmente devidos quaisquer juros compensatórios, pois estes são acessórios e dependentes do imposto principal.
70. Aliás, mesmo considerados isoladamente, não eram devidos juros compensatórios, já que a AT não imputou à Recorrente qualquer culpa (artigos 94º do CIRC e 35º da LGT).
71. Pelo que a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação destas normas legais.

Finalmente,
72. A douta Sentença não emitiu qualquer apreciação sobre os juros indemnizatórios alegados e peticionados pela Recorrente.
73. Pelo que, também aqui, padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos acima referidos.
74. De todo o modo, dado que a liquidação padece dos sobreditos erros de facto e de Direito, para além da restituição dos tributos indevidamente pagos, a Recorrente tem ainda direito a juros indemnizatórios (artigos 137º nº 6 do CIRC, 43º nº 1 da LGT e 61º do CPPT).

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, declarando a nulidade ou revogando a douta Sentença recorrida, julgando a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, anulando o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, anulando a liquidação adicional de imposto aqui impugnada e reconhecendo à Recorrente o direito a juros indemnizatórios, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA. (…)”
*
A Recorrida não contra alegou.
*
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF e atendendo à situação atual de pandemia, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em: nulidade de sentença por omissão de pronúncia; erro de julgamento, de facto e de direito por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2.º n.º 1 d) e n.º 2 do DL n.º 55/2008, de 26/3, 43.º n.º 1 a) do EBF e 14.º n.º 6 da Lei nº 2/2007, de 15/1.

3.JULGAMENTO DE FACTO
3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“(…)1. A Impugnante, no ano de 2010, dedicava-se à produção e venda de produtos agropecuários, essencialmente avicultura e suinicultura. – facto não controvertido.
2. A Impugnante, no exercício em causa, tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no concelho de Oliveira de Frades. – facto não controvertido.
3. O concelho de Oliveira de Frades está incluído na região de Dão-Lafões, zona geográfica inserida no mapa das áreas do interior suscetíveis de beneficiar de incentivos à interioridade [Portaria n.º 1117/2009, de 30 de setembro].
4. No ano de 2010 a Impugnante, nas declarações fiscais enviadas não inscreveu qualquer gasto a título de gastos com o pessoal, nem declarou remunerações pagas a trabalhadores. – cfr. fls. 40 do processo de reclamação graciosa apenso.
5. A gerência da Impugnante é levada a cabo por quatro gerentes.– cfr. certidão permanente junta como doc. 7 com a petição inicial.
6. A gerência da Impugnante é não remunerada. – facto confessado.
7. Em resultado da Ordem de Serviço n.º OI201400409, a Impugnante foi objeto de uma ação de fiscalização realizada pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Viseu. – Cfr. fls. 22 do processo de reclamação graciosa apenso.
8. Através do ofício n.º 2014 7562 R 006493, de 28.08.2014, foi a Impugnante notificada do projeto de conclusões do Relatório de Inspeção e respetivos anexos para, querendo, exercer o direito de audição. – cfr. fls. 27 do processo de reclamação graciosa apenso.
9. A Impugnante não exerceu o direito de audição. – cfr. fls. 27 do processo de reclamação graciosa apenso.
10. Em 19.09.2014, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, constante de fls. 18 a 28 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. As conclusões do relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente. – cfr. fls. 18 do processo de reclamação graciosa apenso.
12. No seguimento das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IRC n.º 2014 8310033894, referente ao exercício de 2010 e respetivos juros compensatórios, no valor global de 9 114,43 €. – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
13. A Impugnante, não se conformando, deduziu reclamação graciosa da liquidação impugnada, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 3 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.
14. Por despacho datado de 01.06.2015, o Sr. Diretor de Finanças indeferiu a reclamação graciosa. – cfr. fls. 53 do processo de reclamação graciosa apenso.
3.2. Factos não provados:
Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa..(…)”

3.2. Aditamento oficioso à matéria de facto

Nos termos do art.º 662.º CPC adita-se à matéria de facto provada os factos n.ºs 15 e 16, uma vez que dos autos resultam documentos que habilitam a tal:
15. A Impugnante foi citada, em 26.12.2014 no processo de execução fiscal n.º 2596201481012047 para proceder ao pagamento da quantia de € 9 210,84, tendo como data limite de pagamento 25.01.2015 (fls. 31 do processo administrativo apenso aos autos);
16. Em 13.02.2015 solicitou o pagamento em prestações da quantia em causa (32 dos fls. 31 do processo administrativo apenso aos autos).

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4.1. A Recorrente, como resulta das conclusões de recurso apresentadas, para além dos erros de julgamento que imputa à sentença recorrida quanto às questões decididas, invoca também a nulidades da sentença, por omissão de pronúncia.

A apreciação do recurso deveria iniciar-se pelas nulidades suscitadas, todavia, entende-se sobrestar no conhecimento das mesmas e apreciar em primeiro lugar os imputados erros de julgamento e, só no caso de estes não procederem se passará à apreciação dos vícios da sentença porquanto a eventual procedência de alguns das nulidade invocadas poderia conduzir à anulação da sentença recorrida e à eventual remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, o que poderá revelar-se desnecessário/inútil em caso de procedência de algum dos imputados erros de julgamento.

4.2. A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida por considerar que reúne as condições de acesso ao benefício fiscal à interioridade previstas na alínea a) do n.º 1, do artigo 43.º, do EBF e artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-Lei nº 55/2008, apesar de não ter sido inscrito pela sociedade qualquer gasto com pessoal, no exercício no período de tributação em causa.

E concluiu que a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao decidir no sentido da exclusão da Recorrente do direito ao benefício, considerando que não tendo esta inscrito qualquer gasto com o pessoal, a inexistência de massa salarial contende com o preenchimento da condição de acesso ao benefício fiscal previsto no artigo 43º, nº 1, alínea a) do EBF.

O Tribunal a quo julgou a impugnação improcedente por considerar que a Impugnante/Recorrida não detém massa salarial não preenchendo a condição de acesso ao benefício fiscal previsto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do EBF, reportada a situar a sua atividade principal nas áreas beneficiárias, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008, no entendimento que o conceito de massa salarial implica a existência de trabalhadores próprios da Recorrente, com vinculo de contrato e que não sucede com os gerentes.

Vejamos:
Refira-se que está questão têm sido amplamente debatida pela jurisprudência, com contornos idênticos aos dos autos, encontrando já a questão decidida, nomeadamente, em 13-12-2019, recurso 0948/15BEVIS; 23-01-2019, recurso 0879/15.1BEVIS 01265/16; 25-10-2017 01239/16; 25-10-2017, recurso 0629/17; 11-10-2017, recurso 01361/16; 16-05-2018, recurso 0526/17; 13-12-2017, recurso 0606/17; 22-11-2017, recurso 0603/17; 18-10-2017, recurso 01267/16; 18-10-2017, recurso 01259/16; 18-10-2017, recurso 0335/17; 18-10-2017, recurso 0390/17, e, também este TCAN, em 28-09-2017, recurso 00707/14.5BEVIS e em 14-09-2017, recurso 00009/15.0BEVIS e11.02.2021 recurso 0050/15.2BEVIS, todos no mesmo sentido.

Atendendo a que a jurisprudência que vem sido seguida nos acórdãos nomeadamente os mais recentes, tem por base o recurso n.º 1361/16 de 11-10-2017, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida nesse acórdão.

Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, a fundamentação de tal aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise.
(…) A Recorrente não se conforma com o julgado, sustentando que o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 não pode ser interpretado no sentido de que a existência de massa salarial é condição para usufruir do benefício previsto no art.º 43º do EBF, seja porque o art.º 43º não impõe essa condição, seja porque uma tal interpretação não resulta da letra da lei.
No que lhe assiste a razão.
Com efeito, o benefício contemplado nas alíneas a) e b) do art.º 43º, nº 1, do EBF, consubstanciado numa redução da taxa de IRC, tem como destinatárias «As empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias». E o nº 2 da mesma norma, que define as condições necessárias para que essas empresas possam usufruir do benefício, apenas impõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada com recurso a métodos directos de avaliação [alínea a)], que a situação tributária esteja regularizada [alínea b)], que não haja salários em atraso [alínea c)] e que a empresa não resulte de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios [alínea d)].
A existência de massa salarial não constitui, por conseguinte, condição de acesso ao benefício em causa, embora no caso de efectiva existência de massa salarial esta tenha de se concentrar, em mais de 75%, na área beneficiária.
Com efeito, o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 estabelece que «Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.». Todavia, este diploma apenas estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo a natureza de regulamento complementar ou de execução.
Ora, como se deixou explicitado no acórdão do STA proferido em 1/10/2014 no processo nº 01548/13 «Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo… são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário. // Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».
Torna-se, pois, claro que a disciplina contida no Dec. Lei nº 55/2008 não pode contrariar, ou, por qualquer forma, ultrapassar ou alterar a própria lei que regulamenta, sob pena de ilegalidade.
De resto, como bem se salienta no acórdão proferido pelo STA em 9/09/2015, no processo nº 0115/15, os benefícios fiscais constituem matéria sujeita à reserva de lei, e, por conseguinte, os seus pressupostos não podem ser alterados por decreto-lei que não haja sido precedido de autorização legislativa – cfr. artºs 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP. Ora, não tendo a lei, no citado art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício que contempla, não pode tal condição ser legalmente imposta com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do artigo 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
Deste modo, a liquidação impugnada, que teve por fundamento a inexistência de massa salarial para efeitos de exclusão do benefício fiscal, é ilegal. E, por consequência, a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que julgue procedente a impugnação, assim ficando prejudicada a apreciação do vício de falta de fundamentação. (…)”.

Resulta dos factos provados (pontos 2, 3, 4 e 5) que a Recorrente no exercício em causa, tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no concelho de Oliveira de Frades. Que este concelho está incluído na região de Dão-Lafões, zona geográfica inserida no mapa das áreas do interior suscetíveis de beneficiar de incentivos à interioridade.

E que no ano de 2010, nas declarações fiscais enviadas não inscreveu qualquer gasto a título de gastos com o pessoal, nem declarou remunerações pagas a trabalhadores. E que a gerência da Recorrente é levada a cabo por quatro gerentes.

Nesta conformidade a jurisprudência do citado acórdão é perfeitamente transponível para o caso sub judice, pelo que merece provimento o presente recurso, o que impõe a revogação da sentença recorrida.

4.3. A Recorrente nas suas conclusões alega que a sentença não emitiu qualquer apreciação sobre os juros indemnizatórios alegados e peticionados pela Recorrente.

Pelo que, também aqui, padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos acima referidos.

De todo o modo, dado que a liquidação padece dos sobreditos erros de facto e de direito, para além da restituição dos tributos indevidamente pagos, a Recorrente tem ainda direito a juros indemnizatórios (artigos 137º nº 6 do CIRC, 43º nº 1 da LGT e 61º do CPPT).

Vejamos.
Desde já se diga que face à decisão proferida em primeira instância, de improcedência da impugnação, a questão dos juros indemnizatórios ficou prejudicada e como tal não configuraria nulidade da sentença.

No que concerne aos juros dispõe o n.º 6 do art.º 137.º do CIRC que: “Sempre que, estando pago o imposto, se determine, em processo gracioso ou judicial, que na liquidação houve erro imputável aos serviços, são liquidados juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.”

Por sua vez, o artigo 43.º da LGT estabelece o seguinte: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – (…)
3-(…) -.
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5 – (…)
.
O artigo 61.º do CPPT fixa o modo de cálculo dos juros indemnizatórios, prescrevendo o seguinte:”1- Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.(…)
2 – (…)
3- Os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.
Como se refere no acórdão do STA n.º 0665/09 de 04.11.2009 “ (…) Assim, à face deste n.º 1, [do art.º 43.º da LGT ] o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito.
(..)
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações,
não estando em dúvida que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada, através da fixação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte. (…).

No caso em apreço, e face à procedência do presente recurso, a liquidação impugnada teve por base a situação jurídica subjetiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efetivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.

Nesta conformidade, e resultando da matéria de facto, neste acórdão aditado, exigência do imposto em cobrança coerciva, impõem, para além da sua restituição o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da lei.

Face ao supra decidido fica prejudicadas as demais questões equacionadas pela Recorrente.

4.4. Assim, formulamos a seguintes conclusões, apropriando-nos com a devida vénia das efetuadas no acórdão do STA, supra citado:

I - O Dec. Lei nº 55/2008, de 26 de março, estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo natureza de regulamento complementar ou de execução.

II - Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso:
a) Revoga-se a sentença recorrida e julga-se procedente a impugnação judicial, com a anulação do ato de liquidação e dos juros compensatórios;
b) Ordenar-se a restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, nos termos da lei.
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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, sem taxa de justiça neste TCAN, uma vez que não contra-alegou.
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Porto, 25 de fevereiro de 2021

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria Conceição de Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes