Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02738/15.9BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ATOS DE EXECUÇÃO;
SUSPENSÃO PREVENTIVA; RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA; ESTATUTO DISCIPLINAR DA PSP
Sumário:1 – Não obstante e Resolução Fundamentada reafirmar a prática pelo arguido de factos suscetíveis de violar os deveres de obediência, correção, aprumo e zelo, cuja gravidade porá em causa o bom desempenho da missão, prestigio e dignidade da PSP, tal não poderá obstar a que, durante o período de Suspensão Preventiva o agente possa aceder e realizar provas relativas a concursos a que se tenha candidatado.
2 - Efetivamente, não resulta da lei que um agente da PSP esteja impedido de prestar provas de concurso a que se tenha candidatado em virtude de se encontrar suspenso preventivamente.
Na realidade, resultando do Artº 204º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei nº 35/2014), que o trabalhador arguido em processo disciplinar, ainda que suspenso preventivamente, não está impedido de alterar, nos termos legais, a sua situação jurídico-funcional, designadamente candidatando-se a procedimentos concursais, tal evidencia a vontade do legislador em não confundir ambas as situações, pelo que, mesmo integrando o Recorrente a PSP, em função da necessidade de encontrar uma unidade e coerência no sistema, nada obstará a que o referido se lhe aplique enquanto emanação da politica e filosofia jurídica vigente.*
* Sumário elaborrado pelo Relator.
Recorrente:FDMS
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de que “deverá ser negado provimento ao recurso”
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
FDMS, inconformado com a decisão proferida no TAF de Braga, em 28 de Agosto de 2015 “que julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução praticados ao abrigo de resolução fundamentada”, veio recorrer da mesma, na qual se concluiu:
“1. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho de 28 de Agosto de 2015, que julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução praticados ao abrigo de resolução fundamentada.
2. São as seguintes as razões da discordância do Recorrente:
3. Em circunstâncias normais, a suspensão preventiva em processo disciplinar tem como consequência, tão-somente e apenas, o não exercício da atividade profissional, sem prejuízo do direito à retribuição - insuscetível, em si mesmo, de causar prejuízos graves e irreversíveis ao visado.
4. A impossibilidade de o mecanismo da suspensão preventiva causar prejuízos graves e irreversíveis ao visado é uma mera decorrência do princípio constitucional da presunção da inocência, de acordo com o qual todo o Arguido se presume inocente até à prolação de decisão final, no âmbito, neste caso, do processo disciplinar – art. 32.º, n.º 2 da CRP, aplicável por força do disposto no art. 66.º do Regulamento Disciplinar da PSP.
5. Essa impossibilidade de o mecanismo da suspensão preventiva causar prejuízos ao nível da progressão na carreira tem, de resto, alcance no direito positivo, designadamente, na norma do art. 204.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que estabelece que “O trabalhador objeto de processo disciplinar, ainda que suspenso preventivamente, não está impedido de alterar, nos termos legais, a sua situação jurídico-funcional, designadamente candidatando -se a procedimentos concursais”.
6. Essa norma constitui um inegável auxílio, ao nível da interpretação do texto da lei e do espírito do instituto da suspensão preventiva, pois dá consagração legal expressa àquilo que já resultava implicitamente do princípio constitucional da presunção da inocência, ou seja: o trabalhador suspenso preventivamente não pode, de forma alguma, sofrer prejuízos graves e irreparáveis ao nível da progressão na carreira pelo facto de estar preventivamente suspenso, pois desse modo estaria a ser prejudicado e sancionado, por força de um ilícito disciplinar, num momento em que se presume inocente.
7. Voltando ao caso dos autos, o Recorrente entende que o afastamento do concurso, promovido com fundamento na suspensão preventiva, ao impedi-lo de aceder ao Curso Cinotécnico da Unidade Especial de Polícia, foi idóneo a provocar prejuízos graves e irreparáveis ao nível do direito à progressão na carreira, na medida em que o Recorrente não voltará a ter possibilidade de ingressar no referido núcleo da Unidade Especial de Polícia.
8. Uma vez que o mecanismo da suspensão preventiva não poderia, como não pode, causar prejuízos graves e irreversíveis na carreira do Recorrente, este deveria ter sido admitido a participar nas referidas provas.
9. Por maioria de razão, a prática de atos de execução ao abrigo de resolução fundamentada, traduzidos no referido afastamento do concurso com fundamento na vigência da suspensão preventiva, por extravasar os limites desse instituto e causar ao Recorrente prejuízos graves e irreparáveis, é ilegal.
10. Nesse sentido, o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução praticados ao abrigo da resolução fundamentada deveria ter sido julgado procedente, com a consequente declaração de ineficácia, relativamente ao Recorrente, dos atos de execução traduzidos no afastamento do procedimento concursal para ingresso no Curso de Formação Cinotécnica da Unidade Especial de Polícia.
11. Por força do disposto no art. 66.º do Regulamento Disciplinar da PSP, o princípio constitucional da presunção da inocência contido no art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa é aplicável aos atos praticados no âmbito de processo disciplinar promovido a membros da PSP.
12. O despacho recorrido, ao julgar o incidente integralmente improcedente, violou, pois, as disposições do art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 66.º do Regulamento Disciplinar da PSP e os n.º 3 e 4 do art. 128.º do Cód. Proc. Tribunais Administrativos.
13. Como tal, deve julgar-se procedente o presente recurso, com a consequente revogação da Douta Decisão recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que, julgando o incidente parcialmente procedente, declare ineficazes os atos de execução praticados ao abrigo de resolução fundamentada, traduzidos no afastamento do Recorrente do procedimento concursal para admissão no Curso Cinotécnico promovido pela Unidade Especial de Polícia da PSP.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente prolação de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!”

O Recorrido/MAI veio a apresentar Contra-alegações de recurso, nas quais concluiu:
“1. FDMS, inconformado com o teor da Douta Sentença, de 28 de agosto de 2015, através da qual foi julgado improcedente o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução praticados ao abrigo de resolução fundamentada, apresentou recurso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Na perspetiva da Entidade Demandada, e na senda do que foi defendido nas peças processuais já existentes nos autos, não assiste razão ao Recorrente, sendo, ao invés, a Douta Sentença impugnada inteiramente válida, porquanto conforme à Lei e ao Direito. Vejamos:
3. Alega o Recorrente que a Douta Sentença recorrida ao julgar o incidente improcedente violou as disposições do artigo 32.º, n.º 2 da CRP, artigo 66.º do Regulamento Disciplinar da PSP e os n.ºs 3 e 4 do artigo 128.º, do CPTA. Porquanto,
4. E nas suas palavras, “(…) o trabalhador suspenso preventivamente não pode (…) sofrer prejuízos graves e irreparáveis ao nível da progressão na carreira, pois desse modo estaria a ser prejudicado e sancionado, por força de um ilícito disciplinar, num momento em que se presume inocente (…)”
5. Acontece, porém, como de seguida se demonstrará o Recorrente encontra-se carecido de razão. Pois,
6. Tal como foi defendido na Douta Sentença recorrida o efeito da separação de serviço decorrente da suspensão preventiva “(…) consiste na prática, essencialmente, no não exercício de funções, a tal impossibilidade do A., durante o período da suspensão, retomar as suas funções de Comandante de uma esquadra de Investigação Criminal, e teve como consequência a impossibilidade de participação nas provas de seleção para o (…) procedimento de admissão do Curso de Formação Cinotécnica para Ocupação de Vagas na Unidade Especial de Policia (…)”
7. Não sendo, assim, possível distinguir, como pretende o Recorrente, os efeitos “(…) necessários do ato suspendendo (e da sua execução) quer a impossibilidade de retomar o exercício das suas funções, quer a de participar nas provas de seleção para o referido Curso, nas quais apenas poderá intervir quem não estiver (ainda que provisoriamente) desligado do serviço (…)”
8. Tanto mais que “(…) as razões que justificam o grave prejuízo para o interesse publico que a não execução do ato suspendendo acarreta que sejam válidas como fundamento para obstar ao regresso ao serviço do A. durante a pendência dos autos cautelares, serão também válidas para obstar a que o mesmo tivesse participado nas tais provas de seleção (…)”
9. Pelo que, e ao contrário do alegado pelo Recorrente, a impossibilidade de participar nas provas de seleção para o Curso de Formação para Ocupação de Vagas na Unidade Especial de Policia, decorrente da suspensão preventiva, não constitui violação do princípio constitucional da presunção da inocência.
10. Não padecendo, portanto, a Douta Sentença de qualquer vício que a inquine.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE ESTE RECURSO, O que se pede por ser de JUSTIÇA!”

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 26 de Novembro de 2015, veio a emitir Parecer, em 30 de Novembro de 2015, no qual conclui que “deverá ser negado provimento ao recurso” (Cfr. Fls. 319 a 323 Procº físico).

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, importando analisar, designadamente, se deveria ter sido julgado procedente a invocada ineficácia dos atos de execução, consubstanciada no impedimento do mesmo “aceder ao Curso Cinotécnico da Unidade Especial de Policia”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz por se entender ser a mesma suficiente e adequada para a decisão a proferir:

“1. O A. exerce funções de Comandante da Esquadra de Investigação Criminal de Guimarães da PSP. – facto não controvertido.
2. Em 29.6.2015 a Ministra da Administração Interna proferiu o seguinte despacho:
(Dá-se por reproduzido o documento transcrito na decisão recorrida – Artº 663º nº 6 CPC)
- cfr. doc. de fls. 52 e ss. dos autos.
3. Os factos objeto do processo disciplinar reportam-se à prestação pelo Requerente de um serviço de natureza excecional (policiamento de evento desportivo) no dia 17.5.2015. – facto não controvertido.
4. A factualidade objeto do processo disciplinar teve ampla divulgação pública, designadamente nos meios de comunicação social. – facto do conhecimento público.
5. Em 16.7.2015 o A. instaurou a presente providência cautelar peticionando, no essencial, a suspensão de eficácia do despacho referido no ponto anterior na parte em que determinou a suspensão preventiva do A. pelo período de 90 dias e o decretamento provisório da providência cautelar. – cfr. doc. de fls. 1 e ss. dos autos.
6. O pedido de decretamento provisório foi indeferido e admitida a providência cautelar.
(Dá-se por reproduzido o documento transcrito na decisão recorrida – Artº 663º nº 6 CPC) – cfr. doc. de fls. 72 e ss. dos autos.
7. O MAI foi citado e recebeu o duplicado da petição em 22.7.2015. – cfr. doc. de fls. 101 dos autos.
8. Em 24.7.2015 o MAI remeteu a este Tribunal Resolução Fundamentada com o seguinte teor,
(Dá-se por reproduzido o documento transcrito na decisão recorrida – Artº 663º nº 6 CPC) - cfr. doc. de fls. 96 e ss. dos autos.
9. No dia 27.7.2015 o A. apresentou-se nas instalações da Unidade Especial de Policia para a participação nas provas de seleção final no âmbito do procedimento de admissão do Curso de Formação Cinotécnica para Ocupação de Vagas na Unidade Especial de Polícia, tendo-lhe sido comunicado que não poderia continuar a frequentar o Curso. – facto não controvertido.
10. Nesse mesmo dia entregou todos os documentos necessários por forma a ficar averbado que reúne todas as condições exigidas para a admissão ao Curso. – facto não controvertido.
11. Os dois únicos oficiais que tinham sido posicionados em lugares anteriores ao do A. nas provas físicas prévias foram excluídos por não cumprirem com as condições exigidas ao Curso. – facto não controvertido.
12. O A. recebeu instruções para não se apresentar ao serviço, estando impedido de retomar o normal exercício de funções de Comandante da Esquadra de Investigação Criminal de Guimarães da PSP. – facto não controvertido.
13. Em 28.7.2015 o A. apresentou o presente incidente. – cfr. doc de fls. 108 e ss. dos autos.
14. As provas de seleção final referidas em 6. realizaram-se nos dias 27 a 31 de Julho de 2015. – facto não controvertido.



IV - Do Direito
Ponderamos então as questões suscitadas.
Resulta dos Autos que na sequência do despacho da Ministra da Administração Interna de 29 de Junho de 2015, foi determinada a suspensão preventiva do agente identificado, mais tendo sido emitida resolução fundamentada, objeto do presente incidente, que veio a ter como consequência o seu impedimento em participar nas provas de seleção final no âmbito do procedimento de admissão ao Curso de Formação Cinotécnica para ocupação de Vagas na Unidade Especial de Policia.

A Suspensão preventiva assenta no Artº 74º do Regulamento Disciplinar da PSP, em virtude da manutenção em funções do agente se revelar inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade, consistindo do afastamento do serviço até decisão final do processos disciplinar, por prazo não superior a 90 dias, prorrogável por igual período.

A questão essencial a verificar, ponderar e decidir prende-se com a necessidade de concluir se a suspensão provisória de funções, que o impede de retomar as suas funções de Comandante da Esquadra de investigação Criminal da PSP de Guimarães, abrangerá necessária e correspondentemente o impedimento de participar nas referidas provas de seleção para o identificado curso.

Por forma a enquadrar normativamente a questão e permitir uma mais eficaz visualização do controvertido, infra se transcreverá o Artº 128º do CPTA.
Artigo 128.º
Proibição de executar o ato administrativo
1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a autoridade que receba o duplicado impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve os interessados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.

Assim, recebido o duplicado do requerimento cautelar, opera como efeito automático na esfera jurídica da entidade requerida que esta “não pode iniciar ou prosseguir a execução” do ato suspendendo devendo “impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato” – artº 128º, nºs. 1, 1ª parte, e nº 2, 2ª parte, CPTA.

O interessado dispõe de garantia processual contra a indevida execução - mediante incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida -, quando falte resolução fundamentada que coloque a autoridade administrativa a salvo de tal efeito (nos termos acima definidos) ou sejam improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.

É sabido que as providências cautelares têm um carácter instrumental e provisório relativamente ao processo principal e se assim é, por maioria de razão, os incidentes ocorridos nesses processos têm, também, uma natureza instrumental em relação à providência donde emanam. Por força da sua natureza, a tutela provisória não só não pode dar mais do que se obterá com a ação principal, como nem sequer pode produzir o mesmo efeito a título definitivo, com o que resultaria inutilizada a decisão a proferir no processo relativamente ao qual está em relação de instrumentalidade.

Não se pode perder de vista que «(…) o incidente se destina a preservar o efeito útil da providência, quando venha a ser decretada, podendo, por isso, ser suscitado em qualquer momento do processo cautelar, desde que este ainda não tenha sido dado como findo, e só deixando de ter relevo quando seja proferida decisão definitiva que, ou conceda a providência, caso em que a impossibilidade de prosseguir a execução resulta da própria decisão cautelar, ou a denegue, caso em que caduca a proibição da execução do ato.» (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª Ed., p. 860 e segs.,).

Compreende-se que assim seja.
Se é certo que o objeto do incidente do artº 128º CPTA – declaração de ineficácia dos atos de execução – não se confunde com o objeto da ação cautelar, não menos verdade que a proibição de execução prevista no artigo 128.º, n.º 1, do CPTA “é uma medida provisória no quadro da própria providência” (Ac. do STA, de 24-05-2011, proc. nº 01047/10), e em que, a declaração de ineficácia “não é um fim em si mesmo ou destinado a sancionar o incumprimento pela autoridade administrativa dos deveres (…), mas um instrumento da efetividade da decisão que decrete a suspensão, para que o deferimento do pedido não seja destituído de efeitos práticos”.

Importa reafirmar e considerar que consta da controvertida “Resolução fundamentada”, proferida em 27 de Julho de 2015, designadamente, que “considerando que a credibilidade da Esquadra por si comandada, e a Policia de Segurança Pública, em geral, sairão fortemente descredibilizadas aos olhos da comunidade local e nacional se a mesma for comandada pelo Requerente que é suspeito da prática de graves ilícitos de natureza disciplinar, que são concomitantemente ilícitos de natureza criminal e referentes à prática de crimes; Entendo que a suspensão da eficácia daquele ato administrativo seria gravemente prejudicial para o interesse público, na medida em que os factos imputados ao Requerente põem em causa a confiança e o respeito que os cidadãos devem depositar na atuação da PSP – valores que a Entidade Requerida está obrigada a preservar, para prosseguir e acautelar os interesses públicos colocados por Lei a seu cargo.
A gravidade da conduta do Requerente afrontou princípios elementares que devem reger o comportamento de um elemento da PSP, pondo em causa o bom desempenho da missão, prestigio e a dignidade daquela Instituição.
(…)
Pelas razões expostas, entendo que o deferimento da execução do despacho da Ministra da Administração Interna de 29/06/2015, que determinou a suspensão do requerente por 90 dias, seria gravemente prejudicial para o interesse público, pelo que, nos termos do nº 1 do Artº 128º do CPTA, decido não determinar a suspensão provisória do despacho”

Proferida que foi a aludida Resolução Fundamentada, a Administração poderá executar o ato até ao momento em que o Tribunal a julgue infundada, no âmbito de um eventual incidente de declaração de ineficácia dos atos praticados ao abrigo da resolução, ou venha a decidir o processo cautelar decretando a suspensão de eficácia, caso em que qualquer resolução tomada caduca automaticamente – cfr, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª ed., 2010, págs. 855 e segs.

Nos termos do Artº 128º do CPTA, o tribunal para decidir se os atos de execução devem, ou não, ser considerados ineficazes, deve verificar:
(i) se a resolução fundamentada existe;
(ii) se foi emitida dentro do prazo legal; e
(iii) se está fundamentada, no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

Na situação controvertida resulta assente a existência de resolução fundamentada, a qual foi emitida tempestivamente, sendo que a decisão proferida no processo cautelar em 1ª instância, desfavorável ao Requerente, não terá ainda transitado em julgado.

A questão essencial que aqui se coloca, conexa com o despacho de 29.6.2015 da Ministra da Administração Interna que determinou a suspensão preventiva do Requerente, assenta no facto emergente do mesmo ter sido impedido de participar nas provas de seleção final no âmbito do procedimento de admissão do Curso de Formação Cinotécnica para Ocupação de Vagas na Unidade Especial de Polícia.

Assim, os atos proferidos pelo MAI impeditivos do Requerente participar nas provas de seleção final no âmbito do procedimento de admissão do Curso de Formação Cinotécnica para Ocupação de Vagas na Unidade Especial de Polícia e da retoma do exercício de funções de Comandante da Esquadra de Investigação Criminal de Guimarães da PSP correspondem, em bom rigor, à execução do ato cuja suspensão de eficácia foi requerida.

A propósito da fundamentação da resolução fundamentada referem Mário Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha (in «O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos», 3.ª ed., pags. 856 e ss.):
“[…] como tem sido assumido pela jurisprudência, a possibilidade do levantamento da proibição de executar, através da emissão da resolução fundamentada, deve ser entendida como uma situação por natureza excecional. Se bem se reparar, existe, aliás, uma certa simetria entre a situação a que, no âmbito dos processos cautelares, deste modo se pretende dar resposta e aquela a que, no âmbito dos processos executivos, se procura acorrer instituindo a figura das causas legítimas de inexecução por razões de interesse público. Em ambos os casos, do que se trata é de reconhecer que, em determinadas circunstâncias, a absoluta necessidade de assegurar a prossecução do interesse público pode exigir o afastamento das regras que, de outro modo, seriam aplicáveis, com o consequente sacrifício dos interesses por elas protegidos. Afigura-se, por isso, justificado que, tal como sucede no domínio das causas legítimas de inexecução por razões de interesse público (a propósito, cfr. comentário ao artigo 163.° e, por todos, o acórdão do TCA Sul de 17 de Janeiro de 2008, Processo n.º 2604/07), o juiz administrativo seja particularmente exigente quando é chamado a proceder à fiscalização dos fundamentos em que se sustentam as resoluções emitidas ao abrigo da previsão da segunda parte do n.º 1 deste artigo 128.º […]. […] Para o fazer, o juiz cautelar vai proceder à fiscalização da resolução emitida, para o efeito de avaliar se esta, no plano formal, se encontra fundamentada e se, no plano material, se baseia em razões procedentes. Alguma jurisprudência parece assimilar tal fiscalização à verificação da legalidade dos atos administrativos, a que se procede no âmbito das ações de impugnação. Tal assimilação não se afigura, no entanto, exata, na medida em que, em bom rigor, a resolução vai ser objeto de uma apreciação meramente incidental, para o efeito de se proceder à declaração de ineficácia dos atos de execução indevida. […]”.

No que aqui releva, a Resolução Fundamentada reafirma a prática pelo arguido de factos suscetíveis de violar os deveres de obediência, correção, aprumo e zelo, cuja gravidade porão em causa o bom desempenho da missão, prestigio e dignidade da PSP.

Mais ficou dito que o aqui Recorrente, exercendo funções de Comandante de uma Esquadra de Investigação Criminal, terá uma responsabilidade acrescida, na medida em que procede tendencialmente à investigação de factos com relevância criminal, em ligação com o Ministério Público, não podendo ficar descredibilizado, sob pena de fragilizar a atuação em concreto da PSP em resultado da suspeita da prática de ilícitos disciplinares e criminais.

Verificado que está que a Resolução Fundamentada se mostra formalmente fundamentada, importa verificar a sua conformidade material.

Como se ficou dito no Acórdão do TCA Sul de 7.2.2013, P. 09232/12, “Quanto ao julgamento de improcedência das razões em que se funda a resolução fundamentada, indicado no artigo 128º, n.º 3, do CPTA, é um julgamento que apela a um critério de evidência. Ao apreciar as indicadas razões não pode o Tribunal invadir a margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público. Naquele juízo apenas pode o Tribunal apreciar situações de erro manifesto, ostensivo, evidente, quer por inexistir uma situação de urgência, quer por não haver o indicado interesse público que se diz querer acautelar, ou por a imediata suspensão da execução não ser gravemente prejudicial a tal interesse. Mas não pode o Tribunal esmiuçar as razões invocadas, escrutinando da sua conveniência, maior ou menor importância ou razoabilidade, mais ou menos forte proveito ou gravidade, substituindo-se à Administração na valoração do interesse público a proteger, sob pena de se ferir inelutavelmente o princípio da separação de poderes. O juízo a fazer, como acima se disse, é apenas um juízo de evidência ou certeza quanto ao erro. Não é um juízo de valoração ou de ponderação relativamente às razões invocadas. Basta que as razões sejam invocadas e provadas pelo Recorrido, que a realidade as não desminta, para se deverem ter por verificadas, sem ter o Tribunal que ponderar se essas razões se devem ponderar como o faz o Recorrido, ou antes como pretende que o sejam o Recorrente. Dito de outro modo, não sendo evidente, manifesto, que as razões invocadas na resolução fundamentada estão erradas ou inexistem, não deve o Tribunal considerá-las improcedentes.”
Como se diz no sumário do precedente aludido Acórdão, “têm-se por verificada a grave prejudicialidade para o interesse público quando na resolução fundamentada são invocados fundamentos concretos, sérios, que estão suficientemente especificados, concretizados e provados.”

Do mesmo modo se pronunciou já o Colendo STA no Acórdão n.º 637/10, de 25.08.2010, no qual, e a propósito do art. 128° do CPTA, se afirmou:
(…) A «ratio» deste mecanismo é facilmente apreensível: toda a suspensão da eficácia de um ato administrativo lesa de imediato o interesse público que ele prossegue (ao contrário do que o requerente alvitra, negligenciando até que há um valor inerente à execução célere dos atos); mas a «resolução fundamentada» só é justificável quando a referida lesão for grave.
Ora, as «razões» demonstrativas dessa gravidade hão de constar da «resolução»; e, ao invés, esta não deverá operar os seus efeitos típicos se as «razões» absolutamente faltarem, forem irreais ou não se concatenarem logicamente à conclusão afirmativa do grave prejuízo para o interesse público» (in www.dgsi.pt, cf ainda, entre outros os Acs. do TCAN n.º 244/08.7BEVIS-A, de 25.09.2008, n.º 01312/05.2BEBRG-C, de 04.10.2007, 01205/07.9BEVIS-A, de 14.02.2008, na mesma base de dados).”

Aqui chegados, admite-se que as razões invocadas, designadamente na resolução fundamentada, evidenciam que a manutenção ao serviço do Recorrente, admitindo-o ainda às provas no concurso interno a que se candidatou, geraria uma sensação de impunidade permissiva, pondo em causa o interesse público.

Efetivamente, suspenso que está o agente de funções, ainda que a título preventivo, a sua admissão às provas finais do concurso a que se candidatou não se justificaria, tanto mais que a participação em concurso interno sempre pressuporá que o candidato esteja em plenitude no gozo das suas funções.

Na realidade, a suspensão preventiva a que se reporta o art. 74.º do Regulamento Disciplinar da PSP, assenta na circunstância da manutenção em funções se revelar inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade, consistindo, por natureza, na separação do serviço, com perda de um sexto do vencimento base, até decisão final do processo disciplinar, por prazo não superior a 90 dias, prorrogável por igual período.

É pois sem surpresa que a consequência natural da suspensão preventiva se consubstancie em concreto no não exercício de funções, impossibilitando a sua retoma das funções de Comandante da Esquadra de Investigação Criminal, e a impossibilidade de participação nas provas de seleção para o Curso do procedimento de admissão do Curso de Formação Cinotécnica para Ocupação de Vagas na Unidade Especial de Polícia.

No que concerne à participação nas provas concursais e como se aludiu já, a mesma sempre pressupõe que o candidato apenas poderia participar nas mesmas se não estivesse desligado do serviço, ainda que preventivamente, sem que isso possa violar o principio da presunção de inocência.

A participação nas provas do concurso em período de suspensão poderiam ser entendidas como um regresso ao serviço, o que se mostraria pernicioso para a imagem da instituição policial, pondo correspondentemente em causa o interesse público.

Aliás, caso o Recorrente viesse a obter vencimento na Ação principal de que depende o Processo cautelar e o incidente de declaração de ineficácia de execução de atos de execução indevida aqui em apreciação, sempre a situação se mostraria sanável e suscetível de ser corrigida, mormente no que respeita à participação no concurso e no curso.

Ao referido acresce o facto das provas a que o Recorrente foi impedido de participar terem ocorrido em 27/07/2015, pelo que sempre se verificará a este respeito, de algum modo, uma inutilidade superveniente do presente incidente, pois que, independentemente do que se decida, já o agente policial não poderá realizar as provas na data inicialmente aprazada.
Em qualquer caso, o referido sempre poderá ser corrigido, se for caso disso, perante uma eventual futura decisão favorável ao Recorrente na Ação Principal.

Atendendo às exigentes missões e atribuições da PSP, mormente as constantes do art. 1.º e 3.º da Lei 53/2007, de 31 de Agosto, designadamente no que respeita ao assegurar da legalidade democrática, enquanto garante da segurança interna e dos direitos dos cidadãos, facilmente se compreende a relevância do interesse público na salvaguardar da imagem de credibilidade, dignidade e prestígio da PSP, e dos seus agentes, como forma de manter a confiança e o respeito dos cidadãos na atuação das forças de segurança.

Em função de tudo quanto ficou expendido, não se mostra censurável a decisão proferida em 1ª Instância e aqui recorrida, ao entender que se não vislumbra qualquer erro manifesto e ostensivo nas razões constantes da Resolução Fundamentada.

Com efeito, só o afastamento do Requerente das suas funções, enquanto são averiguadas as condutas que lhe são imputadas, permitirá afastar, quer para o interior da PSP, quer para o seu exterior, uma qualquer perversa imagem de impunidade permissiva, perniciosa para a imagem da Policia, expectável como exemplar.

Na realidade, estando a ser investigada a conduta de um Comandante de Esquadra de Investigação Criminal, na sua vertente disciplinar e criminal, mal se compreenderia que durante a sua decorrência se mantivesse o agente investigado ao serviço da instituição, participando inclusivamente em concursos e cursos, como se nada tivesse ocorrido, factos que só por si evidenciam a necessidade de assegurar a procedência das razões em que se fundou a Resolução Fundamentada emitida.

Assim, não se vislumbram razões que justifiquem declarar ineficazes os atos de execução cuja declaração de ineficácia vinha requerida, consubstanciados no impedimento do Recorrente em participar nas provas de seleção final no âmbito do procedimento de admissão do Curso de Formação Cinotécnica para Ocupação de Vagas na Unidade Especial de Polícia e em retomar o exercício de funções de Comandante da Esquadra de Investigação Criminal de Guimarães da PSP.
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso da decisão de 1ª instância relativa ao “incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida”.
Custas pela Recorrente

Porto, 8 de Janeiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia