Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02371/16.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÃO ADMINISTRATIVA/LICENCIAMENTO/NÃO ALTERAÇÃO DO PROBATÓRIO/AUTORIDADE DO CASO JULGADO;=>
- IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO;
Recorrente:M. E OUTROS
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
M. e M., residentes na Rua (…), instauraram ação contra o Município (...), com sede na Rua (…), e M., residente na Rua (…), na qualidade de contrainteressada, pedindo que seja declarada a anulabilidade, por vício de violação de lei, dos despachos do Vice-Presidente da Câmara Municipal (...) de 8 de julho de 2016, bem como a condenação dos Réus a absterem-se de adotar quaisquer comportamentos que, direta ou indiretamente, ponham em causa o licenciamento conferido pelo despacho de 28 de junho de 2013 da Vereadora da Câmara Municipal (...) e a manutenção da edificação nos exatos termos em que a mesma hoje se encontra.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões:
1 - A Constituição da República Portuguesa eleva a princípio constitucional a fundamentação das decisões judiciais – artigo 205.º, n.º 1.
2 – A sentença recorrida enferma de nulidade por ser completamente omissa na fundamentação de facto à materialidade invocada nos artigos 31, 32, 34 e 36 da PI, violando, desse modo, aquele artigo constitucional, bem como o artigo 94.º, n.º 3, do CPTA, e o artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
3 – Tome-se em conta a esse respeito, a jurisprudência a extrair do Ac. STJ de 26/02/2019 (Fonseca Ramos), onde se discutia o dever de fundamentação dos factos não provados, que considerou nulo o acórdão recorrido nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC.
4 – Desse modo, e à luz dos ensinamentos supra, deverá ser declarada e reconhecida a nulidade da sentença recorrida e ordenada a baixa do processo à 1.ª instância para suprimento daquele vício processual.
5 – Para a hipótese, meramente académica, de se entender que o invocado vício processual não pode ser qualificado de nulidade da sentença, sempre o mesmo tem de ser interpretado e classificado como um erro de julgamento – com interesse, cfr. o Acórdão do TRG de 30/03/2017 (José Amaral).
6 – Desse modo, e a título subsidiário deve ser reconhecido e declarado que o vício processual invocado corresponde a um erro de julgamento que conduz, directa e necessariamente, à anulação da decisão da matéria de facto e à necessidade de repetição do julgamento quanto à matéria dos artigos 31, 32, 34 e 36 da PI.
7 – Caso assim não se entenda, o que se não concede, cumpre impugnar a sentença quer quanto à perspectiva fáctica quer quanto à de direito.
8 – A improcedência dos invocados vícios de falta de fundamentação dos actos administrativos impugnados, de inexistência de caso julgado e de erro nos pressupostos teve por fundamento a autoridade do caso julgado decorrente da acção que com o n.º 4185/13.8TBVNG correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, (...), Instância local, Secção Cível, J3.
9 – Salvo melhor opinião, julgamos não existir qualquer autoridade de caso julgado, e pelas três razões que passaremos a enumerar:
10 – 1.ª Razão:
No anterior processo o que se discutia é se o prédio dos aí Réus, M. e mulher, confrontava ou não a poente com o prédio dos herdeiros de J.. Era esse o objecto do processo.
O objecto da lide não foi configurado em termos de definição e qualificação do tipo de caminho: público, de servidão ou de consortes. E tanto assim é que a sentença usa indistintamente os termos “caminho” (n.º 22, 50 a 52 e 54 a 59 dos factos provados) e “caminho público” (n.º 6 a 8 e 11 a 13 dos factos provados), como se da mesma coisa se tratasse, o que, como sabemos, não é verdade. De facto, a qualificação de um caminho como público tem de fundamentar-se na verificação conjunta de dois pressupostos, a saber, no seu uso directo e imediato pelo público, desde tempos imemoriais, e na sua propriedade por parte de entidade de direito público com afectação à utilidade pública, resultante de um acto administrativo ou de prática consentida pela administração – cfr. Acórdãos do TRC, de 17/02/2003 (proc. n.º 4184/02) e de 7/10/2014 (proc. n.º 36/11.6TBOFR.C1) e Acórdão do TRG de 16/10/2012 (proc. n.º 50/09.1TBALD.C1)
11 – Ora, perscrutada a sentença proferida no processo n.º 4185/13.8TBVNG é evidente e notório que nada se provou quanto à afectação do caminho ao fim público, ou seja, não se provou que a afectação do caminho se destinava necessariamente à satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
12 – Bem pelo contrário, pois o que de melhor se extrai da apontada sentença é que a afectação do caminho sempre foi para fins meramente privados, o que é manifestamente incompatível com a natureza de um caminho público.
13 – Acresce que da aludida sentença consta dos factos não provados que:
u) No período anterior à construção da Rua (...) o caminho que confronta com o prédio de Autora e Réus era um dos caminhos de circulação principal na freguesia de (...).
w) A conservação do caminho sempre foi efectuada pelos serviços públicos municipais.
14 – Ou seja, a anterior acção não deu por provado nenhum dos dois pressupostos necessários à caracterização da dominialidade de um caminho, pelo que a afirmação constante da sentença de que este é público é inócua, pois desprovida de fundamentação.
15 – Assim, a anterior e a actual acções têm, pois, objectos processuais distintos, pelo que não se mostram preenchidos os requisitos legais necessários para o preenchimento da excepção da autoridade do caso julgado.
16 – 2.ª Razão:
Se para a apreciação da temática da autoridade do caso julgado, tomarmos apenas em consideração o segmento decisório final, entendido como conclusão a partir de determinados fundamentos (silogismo judiciário), da anterior acção, é incontrovertido que não há in casu qualquer autoridade do caso julgado, pois em sede de decisão quanto ao pedido reconvencional foi declarado que o prédio dos aí Réus confronta a poente com caminho (e não com caminho público).
17 – Desse modo, não tendo sido declarado que o prédio dos aí Réus confinava com o caminho público não poderá usar-se o segmento decisório final para a afirmação da autoridade do caso julgado.
18 – 3.ª Razão:
A igual conclusão temos de chegar na hipótese de se entender que a autoridade do caso julgado abrange igualmente o antecedente lógico da conclusão ou seja a parte dispositiva da sentença.
19 – Efectivamente, a sentença do processo n.º 4185/13.8TBVNG sofre do vício da inexistência, que nas palavras de Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V, pág. 113:
“a sentença inexistente é o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter eficácia jurídica própria de uma sentença. A sentença inexistente é um acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com aparência de sentença, mas absolutamente insusceptível de vir a ter a eficácia jurídica da sentença. “.
20 – Na verdade, é consensual a opinião de que a sentença inexistente não produz qualquer efeito jurídico, é insusceptível de formar caso julgado, e tal vício pode ser sempre invocado, prevendo a lei, de resto, a inexistência formal de sentença como fundamento de oposição à execução (artigo 729.º, al. a), do CPC).
21 – Em face do 8 (oito) documentos juntos com o presente recurso, fica evidenciado que a sentença não reúne condições para produzir qualquer efeito jurídico, pois a sua decisão de cancelamento de registos não pode ser cumprida por impossibilidade legal (registral).
22 – Ou seja, seguindo as citadas palavras de Betti, a sentença é inexistente porque é incapaz de produzir qualquer efeito jurídico.
23 – Sendo a sentença inexistente não há autoridade do caso julgado.
24 – E não havendo autoridade do caso julgado, falece a argumentação em que assentou a fundamentação da sentença recorrida, o que conduz à anulabilidade dos actos administrativos sob censura.
25 – Nos termos do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
26 – Compulsados os autos verificamos que a contrainteressada por requerimento de 7702/2019 (ref.ª 624488) veio requerer a não realização da audiência de julgamento em face de decisão transitada em julgado em sede cível, ao que o tribunal a quo, por despacho de 16/04/2019, respondeu o seguinte: “… e bem assim o teor da decisão final que antecede, proferida no âmbito do processo n.º 3141/17.1T8VNG (não se tendo aí conhecido do mérito da causa), julgamos inexistir fundamento legal para que se dê sem efeito a realização da audiência final, pelo que se indefere o requerido”.
27 – Ou seja, o tribunal recorrido desatendeu a pretensão da contrainteressada de não realização da audiência de julgamento com o fundamento no decidido noutro processo, razão pela qual se produziu prova testemunhal acerca da natureza pública ou privada do caminho público.
28 – E assim sendo do comportamento processual anteriormente assumido pelo tribunal não era expectável para os recorrentes que os vícios administrativos viessem a ser julgados improcedentes com o fundamento na figura da autoridade do caso julgado.
29 – Assim sendo, a junção dos 8 (oito) documentos é admissível por se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.
30 – Em todo o caso, cumpre acrescentar ao recurso a sindicância da resposta à matéria de facto ao ponto 23 dos factos provados e dar resposta à matéria de facto contida nos artigos 31, 32, 34 e 36 da PI. 31 – O tribunal fundou a resposta à matéria de facto nas testemunhas M., M. e M., que reputou de credível e coerente, ao invés das testemunhas M., que o tribunal disse não ter conhecimento directo dos factos (???), J., alegadamente parcial e pouco credível, e J., alegadamente parcial e pouco credível.
32 – Nesta parte, o tribunal incorreu em erro de julgamento, impondo-se a reapreciação da matéria de factos quanto àqueles pontos supra, através da escuta dos depoimentos das testemunhas atrás referidas.
33 – Na verdade, a convicção do tribunal não encontra qualquer eco no depoimento das referidas testemunhas:
34 – A audição atenta da prova testemunhal supra referida, permite concluir que a testemunha M. foi flagrantemente apanhada em contradição, pelo que o seu testemunho foi tudo menos credível e coerente.
35 – As testemunhas M. e M. admitiram que as únicas pessoas que se serviam do caminho o utilizavam para a pé ou com gado irem buscar mato ao pinhal, ou seja a demonstração de que o caminho tinha um uso exclusivamente privado.
36 – A prova produzida em julgamento permite ainda dizer que o caminho nunca foi classificado ou afectado à dominialidade pública (artigo 32 da PI); nunca teve alinhamentos ou perfilhamentos com passeios e bainhas de estacionamento (artigo 32 da PI) e que o Município ou a Junta de Freguesia nunca cuidaram ou conservaram o caminho (artigo 34 da PI).
37 – Por esse motivo, deverá ser alterada a resposta dada ao ponto 23 da sentença, para os termos seguintes:
23 – O caminho em terra batida que dá acesso à edificação mencionada em 2 é um caminho privado.

38 – Por outro lado, deverá ser acrescentada à fundamentação a seguinte matéria de facto:
25 – O Município (...) ou outra qualquer pessoa colectiva de direito público nunca classificaram ou afectaram o caminho à dominialidade pública.
26 – O caminho em causa nunca teve quaisquer alinhamentos e perfilhamentos com passeios ou bainhas de estacionamento.
27 – Nunca o Município (...) ou qualquer outra pessoa colectiva de direito público cuidou ou conservou o caminho.
28– O caminho é usado para fins meramente privados.

39 – Em face da alteração à resposta à matéria de facto, resta concluir que se mostram verificados os vícios imputados aos actos administrativos praticados pelo Município (...), o que deve conduzir à declaração de anulabilidade dos actos administrativos impugnados.
Termos em que deverá ser declarada a nulidade da sentença ou, alternativamente, ser declarada a anulação da decisão da matéria de facto e a necessidade de repetição do julgamento quanto à matéria dos artigos 31, 32, 34 e 36 da PI ou, alternativamente, declarada a inaplicabilidade ao caso do instituto da autoridade do caso julgado e reapreciada a prova ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos propostos, com consequente, revogação da sentença e condenação da R. e da contrainteressada nos pedidos contra si formulados,
Assim se fazendo,
JUSTIÇA
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1. Antes de mais, os documentos juntos pelos Apelantes com as alegações de recurso não são legalmente admissíveis nesta fase processual.
2. Se, porventura os Apelantes entendiam que estes documentos eram pertinentes e relevantes para a boa decisão, sempre poderiam, em devido tempo, tê-los junto aos autos - e não o fizeram.
3. Nada justifica a sua junção nesta fase processual, pelo que deverá ser ordenado o seu desentranhamento.
4. Posto isto, o Recorrido limitar-se-á a pugnar pela manutenção do Julgado, posto em crise, louvando-se o acerto da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
5. Pois, não ocorre qualquer fundamento que justifique criticar a Sentença recorrida, que diga-se, bem andou, fazendo uma correcta interpretação dos factos e aplicação do direito, nada havendo a censurar.
6. Além de se mostrar devidamente fundamentada, com rigor, clareza e objectividade, sendo perfeitamente apreendida pelas partes.
7. Inversamente ao alegado, também não existe erro de julgamento, nem nada justifica alterar a resposta à matéria de facto, devendo manter-se a resposta ao ponto 23 da sentença, nada havendo a acrescentar.
8. Salienta-se e aplaude-se a lucidez e justeza da decisão proferida pelo Tribunal "a quo", decisão essa, despida de qualquer mácula.
9. Em suma, não é de acolher a argumentação aportada nas alegações/conclusões do recurso, devendo o mesmo improceder, mantendo-se a sentença recorrida "qua tale" e legais efeitos.
Termos em que deve negar-se provimento
ao recurso, e consequentemente, confirmar-se a
decisão recorrida.
assim se fazendo
JUSTIGA
O Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) O Autor marido é proprietário do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo 14181, da União de Freguesias de (...), (...), Concelho de (...), sito na Rua (...), n.º 255, (...) (p. 25 Sitaf no processo cautelar apenso aos presentes autos).
2) Os Autores construíram um anexo destinado a garagem e cujo o acesso se faz por um caminho de terra batida provindo da Rua (...), na Freguesia de (...) (acordo).
3) No processo n.º 581/FU/2007 - (...), em que é Requerente o aqui Autor marido e é pedida a concessão de licença administrativa à construção do anexo, foi ordenada por despacho da Senhora Vereadora Eng.ª M. de 8 de novembro de 2010, a demolição das obras de construção desse anexo, por inviabilidade de licenciamento em virtude da violação dos artigos 14º, n.º 1, 79º, n.º 1 do Regulamento do Plano Diretor Municipal, bem como, a violação de normas regulamentares, como seja o disposto no artigo 66º n.º 3 do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas de (...). (fls. 46 e seguintes do p. a. 581/FU/2007).
4) Por despacho de 28 de junho de 2013 da Senhora Vereadora Eng.ª M., foram aprovadas as obras do anexo destinado a garagem e alteração de edifício destinado a habitação unifamiliar, tendo sido emitido alvará de licença de obras de edificação em conformidade (fls. 16 do processo cautelar apenso).
5) Por despacho de 16 de julho de 2013 da Senhora Vereadora Eng.ª M., foi determinada a suspensão do procedimento de concessão de autorização de licença de utilização, nos termos constantes de fls. 17 a 19 do processo cautelar apenso, do qual se extrata com relevo para os presentes autos:
Por fim, informa-se que o presente despacho encontra-se fundamentado pelo parecer técnico que, de seguida, se transcreve:
"ANÁLISE PROCESSUAL
Com relevo para a presente análise, resultam os seguintes factos:
O presente processo de licenciamento foi instruído no seguimento do Processo de Fiscalização n.º 581/FU/2007, no qual foi denunciada a existência de uma construção ilegal à face de arruamento público.
Aquele processo culminou com o despacho de 21 de outubro de 2011, ordenando a demolição da construção, por se demonstrar insuscetível de legalização.
A insusceptibilidade de legalização prendia-se com o facto de a construção confrontar diretamente com arruamento público, violando, desta forma, normas do Regulamento do Plano Diretor Municipal (concretamente, artigos 14º n.º 1 e 79º n.º 1), bem como normas regulamentares, como seja o disposto no artigo 66º n.º 3 do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas de (...).
Este parecer foi comunicado ao infrator pelo n/ofício n.º 1775/2010/FU, de 06/05/2010, cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
Dos elementos juntos a tal processo, resultava que a construção, objeto de atuação, confrontava diretamente com caminho público, o que justificou a reiteração da ordem de demolição ali determinada, pelo n/ofício n.º 8028/2011, de 28/10/2011. (…)
6) Por despacho de 8 de julho de 2016 do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...) foi declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013, com fundamento “no facto de os pressupostos de facto em que o mesmo assentou, concretamente a delimitação cadastral apresentada pelo requerente, não corresponder à realidade, e logo não possuir o mesmo legitimidade para o presente procedimento, ao abrigo do disposto no artigo 9 n.º 1 do Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação.”, tendo sido rejeitado o pedido de concessão de autorização de utilização e determinada a entrega do alvará de licença de obras de construção nos termos constantes de fls. 20 do processo cautelar apenso, do qual se extrata com relevo para os presentes autos: ¯ Mais se informa que, o presente despacho encontra-se fundamentado pelo parecer técnico já comunicado pelo n/ofício n.º 8921/16, de 06/06/2016, cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, tendo as alegações apresentadas sido consideradas como improcedentes, nos termos do parecer técnico que, de seguida, se transcreve: "Como é do conhecimento do requerente, pela aqui reclamante foi interposta ação judicial com vista à condenação daquele, nomeadamente, na demolição do anexo construído sobre caminho público a expensas suas, e ao cancelamento do registo efetuado através da apresentação 667 e 668 de 21/11/2012 a favor do requerente no prédio urbano de sua propriedade com o artigo 3579º, da alteração da área do prédio e das suas confrontações, devendo vigorar a área e confortações anteriores. Esta ação correu os seus termos com o número de processo 41185/13.8TBVNG do 6.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de (...), tendo a sentença ali proferida sido objeto de confirmação por Acórdão pela Relação do Porto, já transitado em julgado, e que condena o requerente ao cancelamento do referido registo, mas já não à demolição do anexo. Com efeito, extrai-se da sentença que "Não dispõe a Autora e herança que representa qualquer direito que lhe permita na presente acção, e sem demandar o Estado, proprietário do caminho, alterar a situação de facto que no mesmo existe quanto à construção dos anexos pelos Réus. Cabe aos Estado Português, determinar que aproveitamento pode ser feito desse espaço público, designadamente determinando a demolição dos anexos, como alias, já fez, não existindo fundamento legal que nesta acção permita sustentar este pedido formulado pela Autora."
Ora, a verificação do trânsito em julgado do referido Acórdão, acarreta a impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu. Acresce que, o referido Acórdão pronunciou-se sobre o mérito da causa, levando a um caso julgado material que vincula as partes quer dentro do processo, quer fora do mesmo.
Pelo que, e ainda que tal decisão seja injusta, na opinião do requerente, verdade é que a mesma conclui que o caminho em questão é público e não privado, com a consequente condenação ao cancelamento do registo efetuado, registo este que levou a que o prédio do requerente tivesse a configuração apresentada ao processo e que viabilizou a prolação de ato de licenciamento.
A condenação ao cancelamento do registo em questão importa o regresso do prédio do requerente ao seu estado anterior, confrontando a garagem que se pretendia regularizar pelo presente procedimento, diretamente com caminho público, o que por si só — a mera confrontação — torna insuscetível de legalização tal construção. Note-se que, de acordo com os factos dados como provados, a construção em questão ocupa parte deste caminho público.
Acresce que, não é por a Junta de Freguesia de (...) — que nem foi parte do referido processo judicial — não se reconhecer como proprietária de tal caminho que o mesmo não possa assumir uma dominialidade pública. Mais se refira, que da declaração por esta prestada a 27 de janeiro de 2011, junta ao Processo de Fiscalização n.º 581/FU/2007, apenas consta que a mesma não dispõe de elementos que permitam confirmar o cariz público do caminho em questão, e não que a mesma não se reconhece como proprietária do caminho, sendo ele de cariz público. Assumindo uma natureza pública, como resulta provado, o mesmo poderá ingressar no domínio público estadual como a própria sentença reconhece.
7) Por despacho de 8 de julho de 2016 do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...), “em cumprimento do disposto no artigo 106.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) – aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua actual redação, foi ordenada a demolição da edificação com 80m2, destinada a garagem e anexo, por ter sido inicialmente ilegalmente executado, e uma vez que foi declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28/06/2013, no âmbito do Processo n.º 521/13, sita na Travessa localizada entre os n.º 243 e 255 da Rua (...), freguesia de (...), deste município.” (fls. 21/22 dos autos).
8) O Autor marido foi notificado através do ofício 5082/2016 datado de 8/7/2016 do despacho mencionado em 7, sendo que da notificação consta ainda que: “Mais se comunica que, face às alegações apresentadas, concluiu esta autoridade administrativa pela sua improcedência, nos termos do parecer técnico que, de seguida, se transcreve:
Com relevância para o desenvolvimento dos procedimentos de fiscalização urbanística adequados importa realçar os elementos que se seguem:
a) Dos antecedentes para o local:
O presente processo foi instruído no ano de 2007, no seguimento de reclamação apresentada, tendo por objecto as obras de construção de uma edificação com cerca de 80m2, localizada em terreno confinante com a travessa situada entre os n.ºs 243 e 255 da Rua (...), e que se encontra a ser utilizada como garagem e arrumos.
Por se ter concluído pela insuscetibilidade de legalização da construção, conforme resulta do ofício n.º 1775/2010/RU, de 06/05/2010, cujo teor se tem aqui por integramente reproduzido para os devidos efeitos legais, foi determinado por despacho de 8 de Novembro de 2010 a demolição da construção, com a sua consequente cessação de utilização.
Este procedimento foi suspenso em virtude da apresentação do Processo de Licenciamento n.º 521/13, o qual foi objecto de licenciamento, com a consequente emissão do alvará de licença de obras n.º 273/13, a 9/07/2013.
Todavia, foi comunicado àquele processo a sentença judicial proferida no âmbito do Processo n.º 4185/13.8TBVNG, do 6.º Juízo Cível do Tribunal de (...).
Em consequência, foi proposto naquele processo a adoção dos seguintes procedimentos:
- seja levantada a suspensão determinada por despacho de 6 de julho de 2013, uma vez que foi proferida sentença final no âmbito do Processo n.º 4185/13.8TBVNG, do 6.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de (...), já transitada em julgado;
- propõe-se que seja declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013, com fundamento no facto de os pressupostos de facto em que o mesmo assentou, concretamente a delimitação cadastral apresentada pelo requerente, não corresponder à realidade, e logo não possuir a mesma legitimidade para o presente procedimento, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua actual redação;
- em consequência, propõe-se desde já que seja rejeitado o pedido de concessão de autorização de utilização, com fundamento na ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013, a declarar;
- mais propõe-se que seja dado conhecimento aos interessados de que a presente proposta de procedimento assenta no parecer da Exma. Sra. Professora Doutora F., o qual deverá ser remetido em anexo, para os devidos efeitos;
- por fim, propõe-se que se conceda o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciarem por escrito sobre as presentes propostas.
Demonstra-se decorrido o prazo da audiência dos interessados naquele processo, encontra-se na presente data proposta que seja declarada a ineficácia do ato de licenciamento 28/06/2013 e em consequência proposta a rejeição do pedido de concessão de autorização de utilização, tendo sido considerado que as alegações ali apresentadas, de idêntico teor às apresentadas ao presente procedimento, eram de ser tidas como improcedentes.
b) Da viabilidade de regularização
De acordo com a informação de viabilidade urbanística, comunicada pelo n/ ofício n.º 1775/2010/FU, de 06/05/2010, conclui-se que as mencionadas construções, não são susceptíveis de licenciamento nos termos e com os fundamentos expostos no mesmo que se dá aqui por integralmente reproduzida.
Considerando o hiato de tempo entretanto verificado, importa expor que permanecem as violações das normas do Regulamento do Plano Director Municipal, conforme resulta do teor do n/ ofício n.º 4367/2016, de 8/06/2016, cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
c) Conclusões:
Chegados a este ponto verifica-se que se mantém a ilegalidade detectada aquando da visita de fiscalização, motivo pela qual não pode esta autoridade administrativa compactuar com a manutenção de tal situação. (…).” (fls. 21/22 do processo cautelar apenso).
9) Foi elaborado pelo Réu o ofício n.º 4367/2016, de 8 de junho, de cujo conteúdo se extrata com relevo para os presentes autos: “Considerando o hiato de tempo, entretanto verificado, importa expor que permanecem as violações das normas do Regulamento do Plano Diretor Municipal, concretamente:
violação do n.º 1 do artigo 14.º do Regulamento do Plano Director Municipal, uma vez que ¯A construção anexa, para além de não respeitar o artigo 79.º do mesmo regulamento, como adiante se especificará, implanta-se junto do acesso à parcela desenvolvendo-se numa grande extensão do logradouro frontal criando, desta forma, um volume à face, o que configura o princípio do desornamento da paisagem local, dispondo este artigo que ¯ Para além das exigências legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente as decorrentes do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pode ainda o município, com vista a garantir uma correcta inserção urbanística e paisagística, impor condicionamentos (…) à configuração da solução urbanística (…) à implantação e configuração volumétrica das edificações em operações urbanísticas que se pretendam realizar em áreas não disciplinadas por planos de pormenor ou por operações de loteamento. (...);
- Violação do n.º 1 do artigo 79.º do Regulamento do Plano Director Municipal, pois que ¯ a construção confronta directamente com o caminho, contrariando o estipulado no referido artigo, que prescreve que ¯ A tipologia edificatória que pode ocorrer nas Áreas de Transição, consiste na edificação isolada de quatro frentes com uma ocupação máxima do prédio de 50%.
Tal como permanece a violação da al. a) do n.º 3 do artigo 66.º do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas, hoje contida na al. a) do n.º 3 do artigo 22.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, pois que ¯ As construções devem assegurar uma correcta integração na envolvente e ter em conta os seguintes requisitos, ao nível da volumetria, linguagem arquitetónica e revestimentos:
a) Respeitar as características exteriores da envolvente, tanto ao nível volumétrico da própria edificação, como ao nível da densidade de ocupação da parcela e da frente edificada, sempre que não seja prevista em instrumento de planeamento em vigor, uma transformação significativa das mesmas; sendo certo que ¯ a construção anexa, devido à sua implantação no logradouro fronteiro, em relação directa com o acesso da parcela, induz a uma ocupação declaradamente negativa nas áreas de transição, colidindo com as orientações estabelecidas no teor da norma transcrita.”. (fls. 201 e seguintes do p. a. 581/FU/2007)
10) Correu termos na Instância Local Cível de (...) com o n.º de processo 4185/13.8TBVNG ação de processo comum em que foi Autora M. e Réus M. e M. (certidão judicial a p. 41 Sitaf no processo cautelar apenso).
11) Na ação judicial mencionada em 10 a Autora peticionou:
a) a condenação dos Réus a reconhecer o direito de propriedade dos herdeiros de J. sobre o prédio rústico indiviso, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 5085/20130128 e inscrito na matriz sob o artigo 2790º
b) a condenação dos Réus a demolir o anexo construído sobre caminho público a expensas suas;
c) o cancelamento do registo efetuado através da apresentação 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos Réus no prédio urbano de sua propriedade com o artigo 3579º da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das confrontações, devendo vigorar as áreas e confrontações do referido prédio constantes da apresentação 2733 de 27/09/2011
(certidão judicial a p. 41 Sitaf no processo cautelar apenso).
12) Citados para a ação com o n.º 4185/13.8TBVNG, os ali Réus, contestaram e deduziram reconvenção peticionando:
d) que se reconheça que os Reconvintes são donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no artigo 36 da contestação/reconvenção, em especial do percurso e anexos com a área total de 211 m2 que dele faz parte e que respetivamente confinam a Poente com o prédio da Reconvinda, em virtude de o terem adquirido por compra que fizeram aos herdeiros de M.;
e) que se condene a Reconvinda a abster-se — diretamente por si ou através de terceiros — de praticar quaisquer atos que visem impedir os Reconvintes do exercício pleno da propriedade que possuem sobre o artigo urbano 1315, em especial do percurso e anexos, com a área total de 211 rn2 que fazem parte do mesmo artigo, e que respetivamente confinam a Poente com o prédio da Reconvinda.
(certidão judicial a p. 41 Sitaf no processo cautelar apenso).
13) Por sentença proferida em 20/3/2015 considerou-se provado, entre outros factos, que:
Os Réus ocuparam parte do caminho público onde construíram um anexo que usam como garagem, na parte que se situa a nascente do prédio da Autora, com entrada pelo referido caminho público
Os anexos foram construídos em data não concretamente apurada entre o ano de 1996 e 2000, sendo que anteriormente no local existia outra construção que ocupava menor área.
O caminho que confronta a nascente com o prédio da Autora e a poente com o prédio dos Réus existe desde tempos imemoriais, nele circulando veículos automóveis e tractores para acesso aos imóveis que confrontam com o mesmo e no período anterior ao alargamento do caminho que deu origem à Rua (...) era um caminho de habitual circulação da população na freguesia de (...), para aceder aos pinhais que existiam ao longo do mesmo.
No caminho está instalada uma conduta de abastecimento público de água com uma boca de incêndio e um poste de rede de telefones.
O pavimento do caminho é constituído por terra batida até ao final das construções nele existentes.
Os Réus utilizam esse caminho para acesso à garagem e anexos que construíram desde data não apurada entre 1996 e 2000.
(p. 120 Sitaf no processo cautelar apenso).
14) Na fundamentação de direito da sentença mencionada em 13, considerou-se, nomeadamente que:
Conforme se provou os Réus construíram os anexos que pretendem legalizar no caminho público que separa os prédios de Autor e Réus e o Réu marido apresentou requerimento na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...), com base em declarações e planta que não correspondem à realidade do seu prédio, incluindo no mesmo a área do caminho que lhes não pertencia, com vista a alterarem a descrição do seu prédio, na parte urbana, aumentando-lhe a área e alterando a sua confrontação a poente, deixando aí de confrontar com caminho e passando a confrontar com o prédio da herança representada pela Autora, criando a aparência de que o seu prédio tinha essas características e dimensão.
Tal alteração foi realizada com vista a conseguirem os Réus a legalização junto do Município (...) dos anexos que construíram e que não constavam da anterior descrição do prédio. As declarações do Réu marido quanto à área, composição e delimitações do seu prédio e a planta que este juntou na Conservatória do Registo Predial subscritas pelo técnico responsável, Sr. Arquitecto T., como correspondendo à realidade do seu prédio, conforme consta de fls. 30 a 36, são falsas por não corresponderem à realidade, sendo que incluem na área do prédio dos Réus uma parcela de terreno que lhes não pertence, mas que é caminho público.
(…)
Não dispõe a Autora e herança que representa qualquer direito que lhe permita na presente acção, e sem demandar o Estado, proprietário do caminho, alterar a situação de facto que no mesmo existe quanto à construção dos anexos pelos Réus. Cabe ao Estado Português, determinar que aproveitamento pode ser feito desse espaço público, designadamente determinando a demolição dos anexos, como aliás, já fez, não existindo fundamento legal que nesta acção permita sustentar este pedido formulado pela Autora.”.
(p. 120 Sitaf no processo cautelar apenso).
15) Na sentença mencionada em 13 decidiu-se:
1 — Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) Condeno os Réus a reconhecerem o direito de propriedade dos herdeiros de J. sobre o prédio rústico indiviso descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...), sob o nº 6058/20130128 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...), (...), sob o art. 2790º.
b) Determino o cancelamento do registo efectuado através das apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos Réus no prédio urbano de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o no 3579/20070921, da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das suas confrontações poente, devendo vigorar para as áreas a confrontação a poente do referido prédio os constantes anteriormente dessa descrição introduzidas pela Ap. 2773, de 27/0912011.
c) Absolvo os Réus do mais que lhes foi peticionado.
(p. 120 Sitaf no processo cautelar apenso).
16) E quanto à reconvenção decidiu-se:
1 — Julgo a reconvenção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) condeno a Autora a reconhecer que os Réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, sito na Rua (...) no 255, freguesia de (...), concelho de (...), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n.º 5066/20121121 e inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 1315º, que confronta a norte com A.; a Sul com R., a nascente com a Rua (...) e a poente com caminho, em virtude de o terem adquirido por compra aos herdeiros de M..
b) Absolvo a Autora do mais que lhe foi peticionado.
(p. 120 Sitaf no processo cautelar apenso).
17) A sentença mencionada em 13 foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 1/2/2016 e transitado em julgado em 9/3/2016 (certidão judicial a p. 41 Sitaf no processo cautelar apenso).
18) Correu termos no Juízo Local Cível de (...) – Juízo 3, com o n.º de processo 3141/17.1T8VNG, ação de processo comum em que são Autores M. e M. e Réus a Herança Líquida e Indivisa aberta por óbito de J. e Município (...) (p. 326 Sitaf).
19) Na ação de processo comum mencionada em 18 foi proferida sentença em 18/12/2017 na qual se julgou verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir, face à autoridade de caso julgado imposta pela sentença proferida na ação que correu termos com o n.º de processo 4185/13.8TBVNG, que considerou que o “percurso” ou “caminho” que os Autores pretendem seja declarado como não sendo público – é um caminho público, não se suscita qualquer dúvida ou incerteza objetiva sobre a natureza jurídica de tal “percurso” ou “caminho” e como tal, sobre a situação jurídica dos Autores e, em consequência absolveu os Réus da instância (p. 326 Sitaf).
20) Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13/9/2018 e transitado em 2/11/2018 a sentença mencionada em 19 foi confirmada (p. 313 Sitaf).
21) O caminho em terra batida que dá acesso à edificação mencionada em 2 nunca teve denominação ou toponímia (acordo).
22) No caminho em terra batida que dá acesso à edificação mencionada em 2 está instalada uma conduta de abastecimento público de água com uma boca de incêndio e um poste de rede de telefones.
23) O caminho em terra batida que dá acesso à edificação mencionada em 2 é um caminho público.
24) A construção mencionada em 2 ocupa parte do caminho em terra batida que lhe dá acesso.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
São os seguintes os factos que não se provaram com relevância para a decisão da causa:
a) O anexo construído pelos Autores tem cerca de 58,68 m2.
b) O anexo construído pelos Autores tem cerca de 80 m2.
E, em sede de motivação da factualidade apurada e não apurada, exarou:
Os factos que se julgaram provados resultaram dos documentos juntos aos presentes autos e ao processo cautelar apenso bem como dos constantes do processo administrativo cujas folhas foram supra respetivamente identificadas.
No que respeita aos factos provados em 21 a 24 os mesmos decorreram da sentença proferida no processo que correu termos na Instância Local Cível de (...) com o n.º 4185/13.8TBVNG, cuja autoridade do caso julgado se impõe a este tribunal.
Efetivamente, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – neste sentido, vide, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/2012, proferido no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
A sentença proferida naqueles autos ordenou o cancelamento do registo efetuado através das apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos ali Réus (aqui Autores) no prédio urbano de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3579/20070921, da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das suas confrontações a poente, devendo vigorar para as áreas a confrontação a poente do referido prédio, constantes anteriormente dessa descrição introduzidas pela Ap. 2773, de 27/9/2011, segmento decisório que decorre diretamente do facto do Tribunal ter julgado o caminho como sendo um caminho público e por tais anexos estarem construídos nesse mesmo caminho público.
Por outro lado, a sentença absolveu os Réus (aqui Autores) do mais que foi peticionado, isto é, absolveu os Réus do pedido de condenação a demolir o anexo construído sobre caminho público a expensas suas. E fê-lo por considerar o caminho público e nessa medida a legitimidade para determinar o uso a dar a tal caminho caber ao Estado.
A prova testemunhal produzida confirmou os factos que o tribunal considerou provados por efeito da autoridade de caso julgado imposto pela sentença proferida no processo 4185/13.8TBVNG, nomeadamente a testemunha M. vizinho dos Autores desde 1976, que prestou um testemunho credível e coerente, declarando que aquando da compra do terreno no qual construiu a sua habitação, o vendedor lhe transmitiu que o caminho aqui em causa era público e por isso teria de respeitar uma distância de 4 metros relativamente à sua construção, o que mais tarde foi confirmado pelo Senhor Presidente da Junta de Freguesia que lhe comunicou que teria de demolir o muro que havia construído porquanto o caminho sendo público obrigava a uma distância de 8 metros e não de 4.
A mesma testemunha declarou que o acesso à sua habitação por veículo automóvel se faz pelo caminho aqui em causa e não pela Rua (...), pois que para esse acesso só possui um portão de pessoa.
Também a testemunha M. prestando um testemunho claro e coerente confirmou o acesso público do caminho, declarando que o mesmo não permitia o acesso apenas a terrenos encravados, mas antes permitia a deslocação até outras localidades, nomeadamente para a localidade de (...), possibilidade que a construção da autoestrada naquele local cessou. Esta testemunha também declarou que a edificação dos Autores destinada a garagem e arrumos se encontra no caminho público uma vez que a passagem pelo caminho obriga a passar encostado à referida construção.
A testemunha M., sobrinho da Ré prestou um testemunho coerente e credível confirmando a existência no caminho de abastecimento público de água com uma boca de incêndio e um poste de rede de telefones.
Por seu turno, as declarações das testemunhas M., A., A., C., não se mostram relevantes para a prova a produzir nos presentes autos, não revelando conhecimento direto dos factos, nomeadamente as características do caminho ou da edificação dos Autores.
Quanto ao testemunho prestado por J., o mesmo foi desvalorizado pelo tribunal na medida em que se mostrou parcial e pouco credível, mas sobretudo porquanto o mesmo declarou nunca se ter deslocado ao caminho em causa nestes autos.
Já no que respeita à testemunha Manuel J., sendo irmão do Autor marido prestou um testemunho interessado e pouco credível pelo que as suas declarações não foram valorizadas pelo tribunal.
No que toca aos factos não provados, os mesmos resultaram do facto de nenhuma das testemunhas ter conseguido com mediana certeza referir a área das garagens construídas pelos Autores.
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Entendem os Autores que o despacho de 8 de julho de 2016 da Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...) que declarou a ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013 e rejeitou o pedido de concessão de autorização de utilização determinando a entrega do alvará de licença de obras de construção, bem como o despacho, da mesma data e autor, que ordenou a demolição da edificação destinada a garagem e anexo sita na Travessa localizada entre os n.ºs 243 e 255 da Rua (...), freguesia de (...), sofrem de várias ilegalidades, imputando-lhes o vício de inexistência do fundamento do caso julgado, o erro nos pressupostos, fundamentação insuficiente e de violação de lei, concretamente de normas do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação.
Da alegada falta de fundamentação dos atos impugnados:
Nos presentes autos mostram-se impugnados dois despachos proferidos pelo Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...); um que declarou a ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013 e rejeitou o pedido de concessão de autorização de utilização determinando a entrega do alvará de licença de obras de construção; outro que ordenou a demolição da edificação de 80 m2, destinada a garagem e anexo sita na Travessa localizada entre os n.ºs 243 e 255 da Rua (...), freguesia de (...).
Os Autores alegam que os atos praticados pelo Réu em 8 de julho de 2016 não se encontram suficientemente fundamentados.
Decorre da própria Constituição da República Portuguesa, nomeadamente dos artigos 266º e 268º que devem ser fundamentados todos os atos relativamente aos quais a lei faça essa exigência e ainda todos os outros que afetam interesses legalmente protegidos.
A fundamentação expressa dos atos administrativos é, pois, um imperativo constitucional (cfr. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, II, 4ª ed., no comentário ao artigo 268º).
Há, na fundamentação imposta pelo nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, (i) um propósito argumentativo da coerência do discurso justificativo e (ii) um propósito garantístico da sua controlabilidade; por isso, não são admissíveis justificações obscuras ou tautológicas por parte do decisor administrativo; exindo-se lógica e transparência na fundamentação, em obediência à verdade material.
Trata-se, portanto, de uma garantia constitucional fundamental, de tipo procedimental, consagrada expressamente no cit. nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, e não de uma mera formalidade sem substância. Garante valores essenciais numa democracia que prossiga a tutela jurisdicional efetiva: transparência, rigor, verdade, autocontrolo e heterocontrolo pleno.
A fundamentação de toda e qualquer decisão administrativa, fundamentação mais exigente ou menos exigente, simples ou complexa consoante o caso concreto, implica sempre, naturalmente, um discurso justificativo assente em raciocínios fundamentadores e explicativos. E, por isso, tais raciocínios fundamentadores e explicativos, que existem em toda a atividade humana intelectiva, devem ser exteriorizados em todos os tipos de atos administrativos potencialmente lesivos. Enfim, o direito subjetivo público à fundamentação expressa, clara, congruente e suficiente dos atos administrativos desfavoráveis ao cidadão significa que (1) a Administração (para evitar o vício quanto aos pressupostos) tem o dever de justificar lógica e racionalmente, com factos e direito objetivo, a decisão adotada e (2), se utilizar alguma margem de livre decisão administrativa, (para evitar o vício quanto ao próprio conteúdo em si ou quanto aos motivos, atendendo à Constituição da República Portuguesa e aos fins da lei) tem ainda o dever de explicar a motivação da decisão predominantemente discricionária, rectius, não vinculada estritamente pela lei. Ou seja, a fundamentação formal do ato administrativo é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
Assim, prescreve, em cumprimento da ordem constitucional, o artigo 152º do Código de Procedimento Administrativo, no seu n.º 1, al. a) que os atos que neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções estão sujeitos ao dever de fundamentação.
Contudo, “a fundamentação não tem que ser prolixa; basta que seja suficiente; contudo, só é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, a fundamentação (só) é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21/12/2018, proferido no processo 00463/16.2BEVIS e disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Nesta sede os Autores atacam a fundamentação formal dos atos impugnados, pois quanto à sua fundamentação substancial alegam o erro nos pressupostos de facto e a violação de lei quanto ao despacho que determinou a demolição da edificação por aqueles construída, o que impõe que nos debrucemos desde já sobre a fundamentação formal dos atos impugnados, porquanto é a partir dessa mesma fundamentação formal que se conhecerão os restantes vícios alegados.
Ora, no despacho de 8 de julho de 2016 da Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...) foi declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013, com fundamento “no facto de os pressupostos de facto em que o mesmo assentou, concretamente a delimitação cadastral apresentada pelo requerente, não corresponder à realidade, e logo não possuir o mesmo legitimidade para o presente procedimento, abrigo do disposto no artigo 9 n.º 1 do Decreto- Lei 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação.”, tendo sido rejeitado o pedido de concessão de autorização de utilização e determinada a entrega do alvará de licença de obras de construção aí se dizendo: “Mais se informa que, o presente despacho encontra-se fundamentado pelo parecer técnico já comunicado pelo n/ofício n.º 8921/16, de 06/06/2016, cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, tendo as alegações apresentadas sido consideradas como improcedentes, nos termos do parecer técnico que, de seguida, se transcreve: "Como é do conhecimento do requerente, pela aqui reclamante foi interposta ação judicial com vista à condenação daquele, nomeadamente, na demolição do anexo construído sobre caminho público a expensas suas, e ao cancelamento do registo efetuado através da apresentação 667 e 668 de 21/11/2012 a favor do requerente no prédio urbano de sua propriedade com o artigo 3579º, da alteração da área do prédio e das suas confrontações, devendo vigorar a área e confortações anteriores. Esta ação correu os seus termos com o número de processo 41185/13.8TBVNG do 6.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de (...), tendo a sentença ali proferida sido objeto de confirmação por Acórdão pela Relação do Porto, já transitado em julgado, e que condena o requerente ao cancelamento do referido registo, mas já não à demolição do anexo. Com efeito, extrai-se da sentença que "Não dispõe a Autora e herança que representa qualquer direito que lhe permite na presente acção, e sem demandar o Estado, proprietário do caminho, alterar a situação de facto que no mesmo existe quanto à construção dos anexos pelos Réus. Cabe aos Estado Português, determinar que aproveitamento pode ser feito desse espaço público, designadamente determinando a demolição dos anexos, como alias, já fez, não existindo fundamento legal que nesta acção permita sustentar este pedido formulado pela Autora.
Ora, a verificação do trânsito em julgado do referido Acórdão, acarreta a impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu. Acresce que, o referido Acórdão pronunciou-se sobre o mérito da causa, levando a um caso julgado material que vincula as partes quer dentro do processo, quer fora do mesmo.
Pelo que, e ainda que tal decisão seja injusta, na opinião do requerente, verdade é que a mesma conclui que o caminho em questão é público e não privado, com a consequente condenação ao cancelamento do registo efetuado, registo este que levou a que o prédio do requerente tivesse a configuração apresentada ao processo e que viabilizou a prolação de ato de licenciamento.
A condenação ao cancelamento do registo em questão importa o regresso do prédio do requerente ao seu estado anterior, confrontando a garagem que se pretendia regularizar pelo presente procedimento, diretamente com caminho público, o que por si só - a mera confrontação - torna insuscetível de legalização tal construção, Note-se que, de acordo com os factos dados como provados, a construção em questão ocupa parte deste caminho público.
Acresce que, não é por a Junta de Freguesia de (...) - que nem foi parte do referido processo judicial - não se reconhecer como proprietária de tal caminho que o mesmo não possa assumir uma dominialidade pública. Mais se refira, que da declaração por esta prestada a 27 de janeiro de 2011, junta ao Processo de Fiscalização n.º 581/FU/2007, apenas consta que a mesma não dispõe de elementos que permitam confirmar o cariz público do caminho em questão, e não que a mesma não se reconhece como proprietária do caminho, sendo ele de cariz público. Assumindo uma natureza pública, corno resulta provado, o mesmo poderá ingressar no domínio público estadual como a própria sentença reconhece.
Decorre, pois, do despacho impugnado que a declaração de ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013 teve por fundamento o facto de a delimitação cadastral apresentada pelo ali requerente (aqui Autor marido) – pressuposto de facto em que o ato de licenciamento assentou – não corresponder à realidade, e consequentemente não possuir o mesmo, legitimidade para o procedimento, ao abrigo do disposto no artigo 9 n.º 1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação à data.
Deste modo, o ato impugnado, quanto à declaração de ineficácia do ato de licenciamento contém as razões de facto e de direito que o determinaram.
Por outro lado, do conteúdo da petição inicial apresentada pelos Autores resulta que os mesmos apreenderam os pressupostos de facto e de direito que determinaram a prática desse mesmo ato.
No que respeita ao segundo segmento do despacho impugnado, nomeadamente a rejeição do pedido de concessão de autorização de utilização e a determinação da entrega do alvará de licença de obras de construção o mesmo mostra-se fundamentado por remissão para o parecer técnico comunicado pelo ofício n.º 8921/16, de 6/6/2016, sendo que as alegações do Autor marido ínsitas na audiência prévia que exerceu foram consideradas improcedentes, nos termos do parecer técnico que aquele despacho transcreveu.
Deste modo, resulta que o Réu considerou que o trânsito em julgado do Acórdão proferido no processo 41185/13.8TBVNG vinculava as partes quer dentro do processo, quer fora do mesmo.
Avaliou também o Réu que tal decisão conclui que o caminho em questão é público e não privado, condenando os Autores a procederem ao cancelamento do registo efetuado pelas apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 o que importava o regresso do prédio ao seu estado anterior, confrontando os anexos que pretendiam legalizar diretamente com caminho público, e que por si só – a mera confrontação – determina a insuscetibilidade de legalização tal construção, ao que acresce o facto da sentença proferida nesses autos ter considerado que tal edificação ocupa parte deste caminho público.
Mais ponderou o Réu que não é pelo facto da Junta de Freguesia de (...) não se reconhecer como proprietária de tal caminho que o mesmo não possa assumir uma dominialidade pública, tanto mais que da declaração por esta prestada a 27/1/2011, junta ao Processo de Fiscalização n.º 581/FU/2007, apenas consta que aquela não dispõe de elementos que permitam confirmar o cariz público do caminho em questão, e não que a mesma não se reconheça como proprietária do caminho.
E assim conclui o Réu que assumindo uma natureza pública, como resulta provado, o caminho poderá ingressar no domínio público estadual como a própria sentença reconhece.
Pelo exposto, o ato impugnado mostra-se fundamentado, estando a fundamentação por remissão expressamente prevista no artigo 153º do Código de Procedimento Administrativo, devendo entender-se essa remissão “no sentido de que o acto administrativo absorveu e se apropriou da respectiva motivação ou fundamentação, que, assim, dele ficará a fazer parte integrante.” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2/12/2010 proferido no processo 0554/10 e disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Tanto mais que também na impugnação deste segmento decisório, mostram os Autores ter apreendido o seu conteúdo, com o qual mostram a sua discordância.
Já no que concerne ao despacho de 8 de julho de 2016 do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...) que ordenou a demolição da edificação destinada a garagem e anexo sita na Travessa localizada entre os n.ºs 243 e 255 da Rua (...), freguesia de (...), do mesmo conta a seguinte fundamentação: “em cumprimento do disposto no art.º 106º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) – aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação, foi ordenada a demolição da edificação de 80 m2, destinada a garagem e anexo, por ter sido inicialmente ilegalmente executado, e uma vez que foi declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28/06/2013, no âmbito do Processo n.º 521/13, sita na Travessa localizada entre os n.ºs 243 e 255 da Rua (...), freguesia de (...), deste município.
Ora, o despacho em análise determinou a demolição do anexo construído pelos Autores em cumprimento do disposto no art.º 106º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) – aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação – fundamentação de direito – porquanto esta construção foi ilegalmente executada, e por ter sido declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28/06/2013, no âmbito do Processo n.º 521/13 – fundamentação de facto.
Mais, na notificação efetuada ao Autor marido do despacho em análise consta ainda que ¯(…) face às alegações apresentadas, concluiu esta autoridade administrativa pela sua improcedência, nos termos do parecer técnico que, de seguida, se transcreve:
Com relevância para o desenvolvimento dos procedimentos de fiscalização urbanística adequados importa realçar os elementos que se seguem:
a) Dos antecedentes para o local:
O presente processo foi instruído no ano de 2007, no seguimento de reclamação apresentada, tendo por objecto as obras de construção de uma edificação com cerca de 80m2, localizada em terreno confinante com a travessa situada entre os n.º 243 e 255 da Rua (...), e que se encontra a ser utilizada como garagem e arrumos.
Por se ter concluído pela insusceptibilidade de legalização da construção, conforme resulta do ofício n.º 1775/2010/FU, de 06/05/2010, cujo teor se tem aqui por integramente reproduzido para os devidos efeitos legais, foi determinado por despacho de 8 de Novembro de 2010 a demolição da construção, com a sua consequente cessação de utilização.
Este procedimento foi suspenso em virtude da apresentação do Processo de Licenciamento n.º 521/13, a qual foi objecto de licenciamento, com a consequente emissão do alvará de licença de obras n.º 273/13, a 9/07/2013.
Todavia, foi comunicado àquele processo a sentença judicial proferida no âmbito do Processo n.º 4185/13.8TBVNG, do 6.º Juízo Cível do Tribunal de (...).
Em consequência, foi proposto naquele processo a adoção dos seguintes procedimentos:
- seja levantada a suspensão determinada por despacho de 6 de julho de 2013, uma vez que foi proferida sentença final no âmbito do Processo n.º 4185/13.8TBVNG, do 6.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de (...), já transitada em julgado;
- propõe-se que seja declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013, com fundamento no facto de os pressupostos de facto em que o mesmo assentou, concretamente a delimitação cadastral apresentada pelo requerente, não corresponder à realidade, e logo não possuir a mesma legitimidade para o presente procedimento, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua actual redação;
- em consequência, propõe-se desde já que seja rejeitado o pedido de concessão de autorização de utilização, com fundamento na ineficácia do ato de licenciamento de 28 de junho de 2013, a declarar;
- mais propõe-se que seja dado conhecimento aos interessados de que a presente proposta de procedimento assenta no parecer da Exma. Sra. Professora Doutora F., a qual deverá ser remetido em anexo, para os devidos efeitos;
- por fim, propõe-se que se conceda o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciarem por escrito sobre os presentes propostas.
Demonstra-se decorrido o prazo da audiência dos interessados naquele processo, encontra-se na presente data proposta que seja declarada a ineficácia do ato de licenciamento 28/06/2013 e em consequência proposta a rejeição do pedido de concessão de autorização de utilização, tendo sido considerado que as alegações ali apresentadas, de idêntico teor às apresentadas ao presente procedimento, eram de ser tidas como improcedentes.
b) Da viabilidade de regularização
De acordo com a informação de viabilidade urbanística, comunicada pelo n/ ofício n.º 1775/2010/FU, de 06/05/2010, conclui-se que as mencionadas construções, não são susceptíveis de licenciamento nos termos e com os fundamentos expostos no mesmo que se dá aqui por integralmente reproduzida.
Considerando o hiato de tempo entretanto verificado, importa expor que permanecem as violações das normas do Regulamento do Plano Director Municipal, conforme resulta do teor do n/ ofício n.º 4367/2016, de 8/06/2016, cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
c) Conclusões:
Chegados a este ponto verifica-se que se mantém a ilegalidade detectada aquando da visita de fiscalização, motivo pela qual não pode esta autoridade administrativa compactuar com a manutenção de tal situação. (…).
Deste modo, com a notificação que lhes foi dirigida, os Autores ficaram conhecedores de todos os elementos que determinaram o despacho que ordenou a demolição da sua edificação, tal como já lhes havia sido transmitido através do oficio 1775/2010/FU, de 6/5/2010, nomeadamente as mencionadas construções, não serem suscetíveis de licenciamento, circunstâncias ponderadas pelo Réu, cumprindo dessa forma a fundamentação a sua função exógena e endógena.
Por outro lado, resulta também da petição inicial apresentada pelos Autores. que os mesmos apreenderam o sentido e alcance do ato impugnado, cujos fundamentos impugnam.
Pelo exposto, improcede o vício de falta de fundamentação alegado.
Do alegado vício de inexistência do fundamento do caso julgado:
Defendem os Autores que os atos impugnados assentaram na exceção de caso julgado por efeito da sentença proferida no processo que correu termos na Instância Local Cível de (...) com o n.º 4185/13.8TBVNG, caso julgado esse que não ocorre porquanto não existe identidade quanto aos sujeitos, ao pedido, nem à causa de pedir.
Por seu turno, o Réu defende que os atos impugnados não se fundamentaram na exceção dilatória de caso julgado, antes respeitando os efeitos substanciais da sentença transitada em julgado.
A obrigatoriedade das decisões dos tribunais proclamada no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa postula que lhes seja conferida eficácia de caso julgado, o que constitui fator de segurança e certeza jurídica na resolução judicial dos litígios.
Assim, às decisões judiciais que versem sobre a relação material controvertida, quando transitadas em julgado, é atribuída força obrigatória dentro e fora do processo nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580º e 581º do Código de Processo Civil e nos precisos termos em que julga, como se preceitua nos artigos 619º, n.º 1, e 621º do mesmo Código, com o que se forma o denominado caso julgado material.
A expressão “caso julgado” é uma forma sincopada de dizer “caso que foi julgado”, ou seja, caso que foi objeto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega.
O caso julgado material implica dois efeitos - um negativo e outro positivo – sendo em face deles que se distingue a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado (para a distinção de ambas as figuras, cfr. MANUEL DE ANDRADE, NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL, pág. 320, ANSELMO DE CASTRO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, vol. III, pág. 384, TEIXEIRA DE SOUSA, ESTUDOS SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, pág. 576)
Definindo o âmbito de aplicação de cada um dos conceitos, refere TEIXEIRA DE SOUSA: “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente (O OBJECTO DA SENTENÇA E O CASO JULGADO MATERIAL, BMJ 325, pág.171 e segs.).
A jurisprudência tem acolhido esta distinção (entre muitos outros, cfr. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 5/6/2015 proferido no processo 01999/07.1BEPRT e de 28/6/2019 proferido no processo 00473/16.0BEAVR e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/11/2019 proferido no processo 478/08.4TBASL.E1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, a repetição de causas que se pretende evitar por via da exceção do caso julgado material requer sempre, segundo entendimento unânime, a verificação da tríplice identidade hoje estabelecida no artigo 581º do Código de Processo Civil: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Porém, a autoridade do caso julgado não requer esta tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.
Abordando a questão da autoridade de caso julgado quanto à identidade objetiva, CASTRO MENDES, LIMITES OBJECTIVOS DO CASO JULGADO EM PROCESSO CIVIL, Edições Ática, págs. 43-44 defende que “(…) se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão que foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos”. Para aquele Autor, constitui problema delicado a “relevância do caso julgado em processo civil posterior, quando nesse processo a questão sobre a qual o caso julgado se formou desempenha a função de questão fundamental ou mesmo de questão secundária ou instrumental, não de thema decidenum.” (ob. cit. Pág. 50).
LEBRE DE FREITAS E OUTROS, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Vol. 2.º, pág. 354, consideram que: (…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.”.
Por sua vez, no que toca aos limites objetivos do caso julgado na sua vertente positiva, TEIXEIRA DE SOUSA, ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL, Lex, 1997, págs. 578-579, escreve o seguinte: “O caso julgado abrange a parte decisória …, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (…). Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. (…) O caso julgado da decisão também possui valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.
Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.” (neste sentido, vide, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/2012, proferido no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Perante o exposto cumpre verificar se se impunha ao Réu o acatamento da autoridade do caso julgado da sentença proferida no processo que correu termos na Instância Local Cível de (...) com o n.º 4185/13.8TBVNG, pois que tanto Autores como Réu reconhecem não se verificar o caso julgado material por falta da tríplice identidade exigida.
Decorre da factualidade levada ao probatório em 11 que naquela ação a Autora peticionou:
f) a condenação dos Réus a reconhecer o direito de propriedade dos herdeiros de J. sobre o prédio rústico indiviso, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n o 5085/20130128 e inscrito na matriz sob o artigo 2790º
g) a condenação dos Réus a demolir o anexo construído sobre caminho público a expensas suas;
h) o cancelamento do registo efetuado através da apresentação 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos Réus no prédio urbano de sua propriedade com o artigo 3579º da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das confrontações, devendo vigorar as áreas e confrontações do referido prédio constantes da apresentação 2733 de 27/09/2011.
Por seu turno, os ali Réus, aqui Autores, em reconvenção pretenderam (cfr. factualidade vertida em 12):
a) que se reconheça que os Reconvintes são donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no artigo 36 da contestação/reconvenção, em especial do percurso e anexos com a área total de 211 m2 que dele faz parte e que respetivamente confinam a Poente com o prédio da Reconvinda, em virtude de o terem adquirido por compra que fizeram aos herdeiros de M.;
b) que se condene a Reconvinda a abster-se – diretamente por si ou através de terceiros – de praticar quaisquer atos que visem impedir os Reconvintes do exercício pleno da propriedade que possuem sobre o artigo urbano 1315, em especial do percurso e anexos, com a área total de 211 rn2 que fazem parte do mesmo artigo, e que respetivamente confinam a Poente com o prédio da Reconvinda.
Já quanto ao procedimento que instauraram junto do Réu, os aqui Autores. pretendiam ver legalizada a edificação, que construíram e que se destina a garagem e anexo, e cujo acesso se faz por um caminho de terra batida provindo da Rua (...), na Freguesia de (...).
Ora, o conteúdo decisório da sentença aí proferido é o seguinte, cfr. resulta da factualidade levada ao probatório em 15 e 16:
1 — Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) Condeno os Réus a reconhecerem o direito de propriedade dos herdeiros de J. sobre o prédio rústico indiviso descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n o 6058/20130128 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...), (...), sob o art. 2790º.
b) Determino o cancelamento do registo efectuado através das apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos Réus no prédio urbano de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3579/20070921, da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das suas confrontações poente, devendo vigorar para as áreas a confrontação a poente do referido prédio os constantes anteriormente dessa descrição introduzidas pela Ap. 2773, de 27/0912011.
c) Absolvo os Réus do mais que lhes foi peticionado.
2 — Julgo a reconvenção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) condeno a Autora a reconhecer que os Réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, sito na Rua (...) no 255, freguesia de (...), concelho de (...), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n o 5066/20121121 e inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 1315º, que confronta a norte com A.; a Sul com R., a nascente com a Rua (...) e a poente com caminho, em virtude de o terem adquirido por compra aos herdeiros de M..
b) Absolvo a Autora do mais que lhe foi peticionado.
Assim, da análise do conteúdo decisório da sentença, não consta expressamente a dominialidade do caminho como público.
Contudo, a sentença ordenou o cancelamento do registo efetuado através das apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos ali Réus (aqui Autores) no prédio urbano de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3579/20070921, da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das suas confrontações a poente, devendo vigorar as áreas e confrontação a poente do referido prédio constantes anteriormente dessa descrição introduzidas pela Ap. 2773, de 27/9/2011, sendo que este segmento decisório decorre diretamente do facto do Tribunal ter julgado o caminho como sendo um caminho público e por tais anexos estarem construídos nesse mesmo caminho público.
Efetivamente diz-se na sentença “Conforme se provou os Réus construíram os anexos que pretendem legalizar no caminho público que separa os prédios de Autor e Réus e o Réu marido apresentou requerimento na 2 a Conservatória do Registo Predial de (...), com base em declarações e planta que não correspondem à realidade do seu prédio, incluindo no mesmo a área do caminho que lhes não pertencia, com vista a alterarem a descrição do seu prédio, na parte urbana, aumentando-lhe a área e alterando a sua confrontação a poente, deixando aí de confrontar com caminho e passando a confrontar com o prédio da herança representada pela Autora, criando a aparência de que o seu prédio tinha essas características e dimensão.
Tal alteração foi realizada com vista a conseguirem os Réus a legalização junto do Município (...) dos anexos que construíram e que não constavam da anterior descrição do prédio. As declarações do Réu marido quanto à área, composição e delimitações do seu prédio e a planta que este juntou na Conservatória do Registo Predial subscritas pelo técnico responsável, Sr. Arquitecto T., como correspondendo à realidade do seu prédio, conforme consta de fls. 30 a 36, são falsas por não corresponderem à realidade, sendo que incluem na área do prédio dos Réus uma parcela de terreno que lhes não pertence, mas que é caminho público. Por outro lado, a sentença absolveu os Réus (aqui Autores) do mais que foi peticionado, isto é, absolveu os Réus do pedido de condenação a demolir o anexo construído sobre caminho público a expensas suas. E fê-lo por considerar que, sendo o caminho público “Não dispõe a Autora e herança que representa qualquer direito que lhe permita na presente acção, e sem demandar o Estado, proprietário do caminho, alterar a situação de facto que no mesmo existe quanto à construção dos anexos pelos Réus. Cabe ao Estado Português, determinar que aproveitamento pode ser feito desse espaço público, designadamente determinando a demolição dos anexos, como aliás, já fez, não existindo fundamento legal que nesta acção permita sustentar este pedido formulado pela Autora.”.
Ora, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 20/6/2012 proferido no processo 241/07.0TTLSB.L1.S1, supra já referido “A força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
Resulta então claramente que a decisão proferida no processo 4185/13.8TBVNG definiu direitos e efeitos jurídicos que se apresentam como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido no procedimento de legalização daquela edificação.
Pelo exposto, bem andou o Réu ao decidir nos termos em que decidiu, porquanto se lhe impunha a autoridade do caso julgado da sentença proferida no processo 4185/13.8TBVNG, improcedendo nestes termos o vício alegado.
Do alegado erro nos pressupostos de facto:
Alegam os Autores que os atos impugnados assentam em errados pressupostos de facto, nomeadamente que a edificação que pretendem legalizar se encontra construída em caminho que é público, sem que, contudo, tal caminho tenha assim sido considerado por ato administrativo ou decisão judicial.
Não lhes assiste razão.
Decorre do que acima se expôs quanto à autoridade de caso julgado que a sentença proferida no processo 4185/13.8TBVNG decidiu no sentido em que decidiu tendo como pressuposto direto e necessário que o caminho em questão tem a natureza de caminho público e que a edificação dos Autores se encontra naquele caminho que é público, pelo que os pressupostos de facto de que partem os atos impugnados verificam-se porquanto foram assim declarados por sentença judicial proferida naqueles autos, cuja autoridade de caso julgado se impõe.
Nestes termos, improcede o vício alegado.
Da alegada violação de lei:
Os Autores. alegam que os atos impugnados, nomeadamente o despacho do Senhor Vice-Presidente da Câmara de (...) de 8/7/2016 que ordenou a demolição dos anexos construídos pelos Autores, violam o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, pelo que sofrem de falta de fundamentação.
Assim, quanto a estas alegações necessariamente estará em causa a fundamentação substancial dos atos impugnados, especificamente o despacho de 8/7/2016 que ordenou a demolição dos anexos edificados pelos Autores.
Cumpre, pois, analisar os fundamentos jurídicos invocados no ato aqui em apreço.
O despacho do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...) de 8/7/2016 que ordenou a demolição remete para o ofício n.º 4367/2016, de 8 de junho, do qual consta a alegada violação dos artigos 14º, n.º 1 e 79º, n.º 1, ambos do Regulamento do Plano Diretor Municipal e “da al. a) do n.º 3 do artigo 66.º do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas, hoje contida na al. a) do n.º 3 do artigo 22.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação
De acordo com o n.º 1 do artigo 14º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), sob a epígrafe “Inserção urbanística e paisagística”: “Para além das exigências legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente as decorrentes do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pode ainda o município, com vista a garantir uma correcta inserção urbanística e paisagística, impor condicionamentos à modelação do terreno, à configuração da solução urbanística e das áreas a integrar em espaço público, e à implantação e configuração volumétrica das edificações em operações urbanísticas que se pretendam realizar em áreas não disciplinadas por planos de pormenor ou por operações de loteamento.
Por seu turno, estabelece o artigo 79º, n.º 1 do mesmo diploma legal que “A tipologia edificatória que pode ocorrer nas Áreas de Transição, consiste na edificação isolada de quatro frentes com uma ocupação máxima do prédio de 50%.
Ora, diz-se no ofício n.º 4367/2016, de 8 de junho para o qual remete o despacho impugnado que a edificação dos Autores destinada a garagem, implanta-se junto do acesso à parcela desenvolvendo-se numa grande extensão do logradouro frontal criando, desta forma, um volume à face, o que configura o princípio do desornamento da paisagem local, tal como se apurou nos presentes autos e que tal construção confronta diretamente com o caminho, contrariando o estipulado no artigo 79º, n.º 1 do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), o que também foi comprovado nos presentes autos (cfr. factualidade vertida em 24).
Diz-se ainda no despacho do Senhor Vice-Presidente da Câmara de (...) que ordenou a demolição dos anexos construídos pelos Autores, por remissão para o ofício n.º 4367/2016, de 8 de junho, que “Tal como permanece a violação da al. a) do n.º 3 do artigo 66.º do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas, hoje contida na al. a) do n.º 3 do artigo 22.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, pois que ¯As construções devem assegurar uma correcta integração na envolvente e ter em conta os seguintes requisitos, ao nível da volumetria, linguagem arquitetónica e revestimentos:
a) Respeitar as características exteriores da envolvente, tanto ao nível volumétrico da própria edificação, como ao nível da densidade de ocupação da parcela e da frente edificada, sempre que não seja prevista em instrumento de planeamento em vigor, uma transformação significativa das mesmas; sendo certo que ¯a construção anexa, devido à sua implantação no logradouro fronteiro, em relação directa com o acesso da parcela, induz a uma ocupação declaradamente negativa nas áreas de transição, colidindo com as orientações estabelecidas no teor da norma transcrita.
Alegam os Autores que do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação não consta o artigo 22º, n.º 3, al. a).
De facto, assim é. Contudo, do despacho sob escrutínio consta ainda (por remissão) a referência à anterior al. a) do n.º 3 do artigo 66.º do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas e respetiva transcrição que estabelecia: 3 - As construções devem assegurar uma correta integração na envolvente e ter em conta os seguintes requisitos, ao nível da volumetria, linguagem arquitetónica e revestimentos: a) Respeitar as características exteriores da envolvente, tanto ao nível volumétrico da própria edificação, como ao nível da densidade de ocupação da parcela e da frente edificada, sempre que não seja prevista em instrumento de planeamento em vigor, uma transformação significativa das mesmas;
Ora, o artigo 24º, n.º 3, al. a) do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação prevê que: 3 — As construções devem assegurar uma correta integração na envolvente e ter em conta os seguintes requisitos, ao nível da volumetria, linguagem arquitetónica e revestimentos: a) Respeitar as características exteriores da envolvente, tanto ao nível volumétrico da própria edificação, como ao nível da densidade de ocupação da parcela e da frente edificada, sempre que não seja prevista em instrumento de planeamento em vigor, uma transformação significativa das mesmas;
Deste modo, verifica-se que o artigo 66º do Regulamento Municipal de Taxas e Compensações Urbanísticas corresponde ao artigo 24º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação e não ao artigo 22º como refere, por remissão, o despacho impugnado, o que determina a existência de um erro material ou de escrita.
No artigo 249º do Código Civil exprime-se um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes – neste sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 7/12/2017, proferido no processo 01479/16.4BEPRT e disponível em www.dgsi.pt.
Todavia, para o preenchimento legítimo daquela permissão importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detetem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/06/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0586/14 e disponível em www.dgsi.pt.
Os erros dizem-se, portanto, de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil deteção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação – cfr. artigo 249º do Código Civil.
Nesta conformidade, o ofício n.º 4367/2016, de 8 de junho incorre em mero erro de escrita, lapso facilmente apreendido por referência expressa ao normativo antecedente e respetiva transcrição e nesses termos facilmente colmatado por qualquer homem médio, colocado na posição dos Autores. Além do mais, resulta claro das alegações dos Autores que os mesmos apreenderam qual a norma invocada, tanto mais que eles próprios invocam o n.º 4 do referido normativo.
Assim, alegam ainda os Autores que, sendo a demolição um ato de última ratio deveria o Réu ter ponderado, tal como decorre do artigo 24º, n.º 4 do Regulamento Municipal de Urbanizações e Edificações, a dispensa do cumprimento das regras constantes da Parte III daquele Regulamento, “desde que se encontre demonstrada a sua data de execução, garantida a sua correta integração urbanística e asseguradas as condições mínimas de salubridade
O normativo invocado pelos Autores determina que; “As edificações existentes, ainda que inseridas em operação de loteamento, construídas há 10 anos ou mais, poderão ficar dispensadas do cumprimento das regras constantes da Parte III deste regulamento, desde que se encontre demonstrada a sua data de execução, garantida a sua correta integração urbanística e asseguradas as condições mínimas de salubridade.
Ora, constata-se desde logo que o ofício n.º 4367/2016, de 8 de junho, além da violação do artigo 24º, n.º 3, al. a) do Regulamento Municipal de Urbanizações e Edificações, fundamenta a ordem de demolição também na violação dos artigos 14º, n.º 1 e 79º, n.º 1, ambos do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), sendo que se a factualidade que determinou a aplicabilidade do artigo 14º, n.º 1 se pode subsumir à violação do artigo 24º, n.º 3, al. a) do Regulamento Municipal de Urbanizações e Edificações, o mesmo já não se poderá aplicar à violação do artigo 79º, n.º 1 do referido diploma legal.
Termos em que, a previsão do artigo 24º, n.º 4 do Regulamento Municipal de Urbanizações e Edificações não tem aplicação no caso sub iudice, o que determina que o Réu não o poderia ter considerado na fundamentação do ato que ordenou a demolição dos anexos edificados pelos Autores e em causa nos presentes autos.
Por fim os Autores invocam ainda a violação do artigo 54º do Regulamento Municipal de Urbanizações e Edificações, porquanto alegam que o Réu não invoca qualquer dos fundamentos aí previstos como fundamento das autorizações de demolição.
O artigo 54º do Regulamento Municipal de Urbanizações e Edificações, sob a epígrafe “Demolição de edifícios estabelece que:
1 A demolição de um edifício existente como operação urbanística autónoma, independente da definição e prévia viabilização de um novo uso ou ocupação a dar ao local, só pode ser autorizada em qualquer das seguintes situações, confirmada por prévia vistoria efetuada pelos serviços municipais competentes:
a) A sua manutenção colocar em risco a segurança de pessoas e bens ou a salubridade dos locais;
b) Constituir uma intrusão arquitetónica, urbanística ou paisagística desqualificadora da imagem do conjunto urbano ou do local onde se insere;
c) Manifesta degradação do seu estado de conservação, e desde que se considere que a sua recuperação não é tecnicamente possível ou economicamente viável;
d) Tratar-se de instalações industriais e ou de armazenagem, abandonadas ou obsoletas, sem prejuízo de poderem ser impostas a salvaguarda e manutenção de eventuais valores de arqueologia industrial;
e) Tratar-se de edifícios a que o município não reconheça interesse ou cuja manutenção considere inconveniente.
Ora, a ordem de demolição assentou, além do mais, na violação dos artigos 14º, n.º 1 e 79º, n.º 1 ambos do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), cuja factualidade assente remete necessariamente para a al. b) do n.º 1 do artigo 54º do mesmo diploma invocado pelos Autores.
De facto, como supra já se deixou dito, o artigo 14º, n.º 1 determina que para além das exigências legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente as decorrentes do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pode ainda o município, com vista a garantir uma correta inserção urbanística e paisagística, impor condicionamentos à modelação do terreno, à configuração da solução urbanística e das áreas a integrar em espaço público, e à implantação e configuração volumétrica das edificações em operações urbanísticas que se pretendam realizar em áreas não disciplinadas por planos de pormenor ou por operações de loteamento.
E isso porque a construção viola o n.º 1 do artigo 79º, n.º 1 uma vez que não consiste na edificação isolada de quatro frentes com uma ocupação máxima do prédio de 50%.
Contudo, como supra já se deixou dito decorre do despacho de 8 de julho de 2016 do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal (...), que o mesmo nos termos do artigo 106.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação ordenou a demolição da edificação com 80m2, destinada a garagem e anexo, por ter sido ilegalmente executado, e uma vez que foi declarada a ineficácia do ato de licenciamento de 28/06/2013, no âmbito do Processo n.º 521/13, em virtude de ter concluído pela inviabilidade de legalização.
O n.º 1 do artigo 106º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação prevê assim que: O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.
Por seu turno o n.º 2 do citado preceito legal estabelece que “A demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
Deste normativo decorre que o presidente da Câmara Municipal tem competência para determinar a demolição de obra construída sem licenciamento, desde que, a obra não seja suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou não seja possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
A ponderação da possibilidade de legalização de obra ilegal constitui pressuposto da decisão de ordenar a sua demolição. Essa ponderação deverá ser efetuada atendendo às características da obra concreta, para ver se ela, apesar de ilegalmente feita, satisfaz os requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade, ou é suscetível de os vir a satisfazer mediante alterações, pois é isso que decorre dos princípios da necessidade, adequação, indispensabilidade ou menor ingerência possível, corolários do princípio da proporcionalidade.
Ora, quanto à ordem de demolição da obra edificada ilegalmente pelos Autores consta ponderada a possibilidade de legalização, tendo o órgão competente considerado que tal possibilidade não se verificava tal como decorre da informação de viabilidade urbanística, comunicada pelo ofício n.º 1775/2010/FU, de 6/5/2010 (cfr. factualidade vertida em 8).
E, ponderada a viabilidade de legalização, concluindo o órgão competente pela sua inviabilidade mostra-se legal a ordem de demolição comunicada aos Autores em cumprimento do n.º 1 do artigo 106º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. Tanto mais, que os Autores não põem em causa a ilegalidade da construção que pretendiam legalizar.
Pelo exposto improcede o vício de violação de lei alegado.
Ante o exposto, perante a não verificação de nenhuma das ilegalidades invocadas pelos Autores quanto aos atos sindicados, é forçoso concluir pela improcedência do pedido de anulabilidade dos atos impugnados devendo os mesmos manterem-se na ordem jurídica.
Em consequência, improcede igualmente (e necessariamente) o pedido de condenação dos Réus a absterem-se de adotar comportamentos que ponham em causa o ato de licenciamento e a manutenção da edificação.
A presente ação não merece, portanto, obter provimento.

X
Na óptica dos Recorrentes esta sentença padece de nulidade e de erros de julgamento.
Cremos que carecem de razão.
Vejamos:
Da nulidade -
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.
É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

In casu, contrariamente ao alegado, a sentença recorrida não enferma de nulidade por omissão na fundamentação de facto da materialidade invocada nos artigos 31, 32, 34 e 36 da PI.
Esta matéria foi analisada no aresto embora não com a leitura que da mesma faz a parte recorrente.
Do erro de julgamento de facto -
Ao contrário do alegado, andou bem o Tribunal a quo quando julgou por
provada a matéria de facto vertida no ponto 23 dos factos provados - O caminho em terra batida que dá acesso à edificação mencionada em 2 é um caminho público.
Senão vejamos,
Como já vimos, na sentença, o Tribunal teve o cuidado de esclarecer a razão de ciência da sua apreciação, esclarecendo “No que respeita aos factos provados em 21 a 24 os mesmos decorreram da sentença proferida no processo que correu termos na Instância Local Cível de (...) com o n.º 4185/13.8TBVNG, cuja autoridade do caso julgado se impõe a este tribunal.
Efetivamente, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – neste sentido, vide, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/2012, proferido no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
A sentença proferida naqueles autos ordenou o cancelamento do registo efetuado através das apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos ali Réus (aqui Autores) no prédio urbano de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3579/20070921, da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das suas confrontações a poente, devendo vigorar para as áreas a confrontação a poente do referido prédio, constantes anteriormente dessa descrição introduzidas pela Ap. 2773, de 27/9/2011, segmento decisório que decorre diretamente do facto do Tribunal ter julgado o caminho como sendo um caminho público e por tais anexos estarem construídos nesse mesmo caminho público.
Por outro lado, a sentença absolveu os Réus (aqui Autores) do mais que foi peticionado, isto é, absolveu os Réus do pedido de condenação a demolir o anexo construído sobre caminho público a expensas suas. E fê-lo por considerar o caminho público e nessa medida a legitimidade para determinar o uso a dar a tal caminho caber ao Estado.
A prova testemunhal produzida confirmou os factos que o tribunal considerou provados por efeito da autoridade de caso julgado imposto pela sentença proferida no processo 4185/13.8TBVNG, nomeadamente a testemunha M. vizinho dos Autores desde 1976, que prestou um testemunho credível e coerente, declarando que aquando da compra do terreno no qual construiu a sua habitação, o vendedor lhe transmitiu que o caminho aqui em causa era público e por isso teria de respeitar uma distância de 4 metros relativamente à sua construção, o que mais tarde foi confirmado pelo Senhor Presidente da Junta de Freguesia que lhe comunicou que teria de demolir o muro que havia construído porquanto o caminho sendo público obrigava a uma distância de 8 metros e não de 4.
A mesma testemunha declarou que o acesso à sua habitação por veículo automóvel se faz pelo caminho aqui em causa e não pela Rua (...), pois que para esse acesso só possui um portão de pessoa.
Também a testemunha M. prestando um testemunho claro e coerente confirmou o acesso público do caminho, declarando que o mesmo não permitia o acesso apenas a terrenos encravados, mas antes permitia a deslocação até outras localidades, nomeadamente para a localidade de (...), possibilidade que a construção da autoestrada naquele local cessou. Esta testemunha também declarou que a edificação dos Autores destinada a garagem e arrumos se encontra no caminho público uma vez que a passagem pelo caminho obriga a passar encostado à referida construção.
A testemunha M., sobrinho da Ré prestou um testemunho coerente e credível confirmando a existência no caminho de abastecimento público de água com uma boca de incêndio e um poste de rede de telefones.
Por seu turno, as declarações das testemunhas M., A., A., C., não se mostram relevantes para a prova a produzir nos presentes autos, não revelando conhecimento direto dos factos, nomeadamente as características do caminho ou da edificação dos Autores.
Quanto ao testemunho prestado por J., o mesmo foi desvalorizado pelo tribunal na medida em que se mostrou parcial e pouco credível, mas sobretudo porquanto o mesmo declarou nunca se ter deslocado ao caminho em causa nestes autos.
Já no que respeita à testemunha J., sendo irmão do Autor marido prestou um testemunho interessado e pouco credível pelo que as suas declarações não foram valorizadas pelo tribunal.”

Ora, da análise contextualizada da prova referida, não resulta a conclusão que os Autores dela pretendem retirar.
E porque o presente recurso coloca em crise um ponto da matéria de facto dada como provada, cumpre ainda salientar que:
Nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, a prova é apreciada segundo o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador.
Este princípio, vertido no artigo 607.º do CPC, significa que a prova é apreciada pelo julgador, segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios estabelecidos (Alberto dos Reis, C. Anotado, Vol. IV, pág. 544).
Ainda de harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgado quanto à natureza de qualquer deles (cfr. A. Varela, Manual de Processo Civil, 2º ed., pág. 455).
Quanto à prova testemunhal, por ser de apreciação livre, para ser determinante para a convicção do julgador, não tem de ser absolutamente inabalável, basta que, pelos elementos essenciais, pela razão de ciência e pelo modo como as testemunhas são confrontadas com os factos, “saibam” dar uma resposta plausível, coerente, que resista ao confronto, de modo a que o julgador fique persuadido de que não faltaram à verdade.
Como alude o Prof. F. Dias, D. P. Penal, Vol. I, 1974 - Não está em causa postergar a livre convicção dos juízes. A sua decisão há de ser sempre uma convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos não racionalmente explicáveis (vg. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais.
A livre apreciação da prova deve traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos por forma a que a sua decisão não seja arbitrária, discricionária ou caprichosa.
Como se refere no Acórdão da RL, de 03/10/2000, o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.
Na verdade, e ao contrário do que os Recorrentes pretendem fazer crer, a
prova que aduzem não é susceptível de alterar o sentido da resposta proferida pelo Tribunal recorrido à matéria de facto, que não merece qualquer censura.
Não sendo passível de reparo, não se bulirá no probatório.
Da junção de documentos com as alegações de recurso -

Vêm os Recorrentes solicitar o deferimento, nos termos do artigo 651.º, n.º 1, do CPC.

Como invocam, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Segundo alegam, a contrainteressada veio requerer a não realização da audiência de julgamento em face de decisão transitada em julgado em sede cível, ao que o tribunal a quo, por despacho de 16/04/2019, respondeu o seguinte: “… e bem assim o teor da decisão final que antecede, proferida no âmbito do processo n.º 3141/17.1T8VNG (não se tendo aí conhecido do mérito da causa), julgamos inexistir fundamento legal para que se dê sem efeito a realização da audiência final, pelo que se indefere o requerido”. Ou seja, o tribunal recorrido desatendeu a pretensão da contrainteressada de não realização da audiência de julgamento com o fundamento no decidido noutro processo, razão pela qual se produziu prova testemunhal acerca da natureza pública ou privada do caminho público. E, assim sendo, do comportamento processual anteriormente assumido pelo tribunal não era expectável para os Recorrentes que os vícios administrativos viessem a ser julgados improcedentes com o fundamento na figura da autoridade do caso julgado.

Assim, a junção dos 8 (oito) documentos é admissível por se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Não vislumbramos que assim seja.

Vejamos,

Como se retira do disposto nos artigos 425.º e 651.º do CPC, a junção de documentos com as alegações de recurso é considerada excepcional por, em regra, a sua junção dever ocorrer na 1ª instância até ao “encerramento da discussão”.

Tal excepcionalidade considera-se verificada apenas em duas situações: (i) quando a sua junção se revele objectiva e/ou subjectivamente possível apenas no momento de apresentação das alegações de recurso ou (ii) quando essa mesma junção apenas se tenha tornado necessária em virtude da decisão que veio a ser proferida em 1º instância, designadamente por aquela se “mostrar surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos constantes do processo” - cfr. António Santos Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, comentário aos artigos 425.º e 651º e, entre outros, os Acórdãos do TCA Sul de 18/12/2014, proc. 08070/14 e de 16/04/2015, proc. 06292/10.

A superveniência do documento passível de apresentação nesta fase recursiva pode ser objectiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante), ou subjectiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto) - cfr., entre outros, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, 1985, pág. 532/533.

Retomando o caso vertente, constata-se que os documentos juntos pelos Apelantes com as alegações de recurso não são legalmente admissíveis nesta fase processual.
É que se, porventura os mesmos entendiam que estes documentos eram pertinentes e relevantes para a boa decisão, sempre poderiam, em devido tempo, tê-los junto aos autos, o que não fizeram.
Em face do que se indefere a junção com as alegações de recurso dos documentos ora oferecidos.

Nada justificando a sua apresentação nesta fase processual, eles não serão tidos em conta no desenvolvimento da lide.
Do erro de julgamento de direito -
Já se viu que, por sentença proferida em 30 de março de 2020, foi julgada improcedente a acção administrativa em que se pedia que fosse declarada a anulabilidade, por vício de violação de lei, dos despachos do Vice-Presidente da Câmara Municipal (...) de 8 de julho de 2016 assim como a condenação dos Réus a absterem-se de adotar quaisquer comportamentos que, direta ou indiretamente, pusessem em causa o licenciamento conferido por despacho de 28 de junho de 2013 da Vereadora da Câmara Municipal (...) e a manutenção da edificação nos exatos termos em que a mesma hoje se encontra.
Alegaram os Autores, em resumo, que, em junho de 2013, foi deferido, pelo Réu Município, um pedido de licenciamento de construção de edificação que formularam e que, no mês seguinte, foi ordenada a suspensão do procedimento de concessão de autorização de utilização, porquanto havia sido instaurada contra os Autores uma ação cível que poderia colocar em causa a validade daquele primeiro despacho. Posteriormente, em 8 de julho de 2016, decidiu o Réu Município declarar a ineficácia do acto de licenciamento e determinar a demolição da edificação em causa, decisões com as quais não se conformam porquanto entendem que não se mostra verificado o pressuposto do caso julgado utilizado pelo Réu para fundamentar os atos administrativos visados, ou seja, a dominialidade pública, padecendo, portanto, o ato de vícios decorrentes de erro nos pressupostos de facto. Alegaram, ainda, que tais atos administrativos padecem de falta de fundamentação e que os mesmos se mostram violadores do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação.
Como também se viu, a acção foi rejeitada em primeira instância porquanto a resposta dada na decisão recorrida às questões que constituem o objecto do litígio e que foram identificadas no despacho saneador, a saber: a apreciação da validade dos despachos do Vice-presidente da Camara Municipal de (...), praticados em 8/7/2016, que declarou a ineficácia do ato de licenciamento praticado em 28/6/2013 e a rejeição do pedido de concessão de autorização de utilização e (ii) do ato que ordenou a demolição da edificação de 80m2 destinada a garagem e anexo, foi no sentido de se verificar que a actuação dos órgãos do Réu Município se pautou pela legalidade; pelo que não se verificaram as falhas que os Autores atribuíram aos actos impugnados.
Secundamos, por inteiro, esta leitura do Tribunal a quo.
Na verdade, entrando na análise da argumentação constante da alegação de recurso, verifica-se que os Autores/Recorrentes insistem numa versão dos factos e do direito aplicável que já haviam exposto nos autos, e que não obteve vencimento na decisão de que recorrem.
Ora, resulta claro que não se verificam no caso em apreço os vícios apontados à atuação da administração, designadamente os de violação de lei, ou o de falta de fundamentação, pelo que ao reconhecer a legalidade da conduta dos serviços do Réu/Município, a sentença recorrida procedeu com acerto.
Tal como se reconhece, de forma fundamentada, na decisão recorrida,
o artigo 106º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação confere ao Presidente da Câmara Municipal competência para determinar a demolição de obra construída sem licenciamento, desde que, a obra não seja suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou não seja possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
Por outro lado, é inequívoco nos autos, desde logo pela autoridade de caso julgado que a sentença proferida no processo 4185/13.8TBVNG é dotada, que o caminho onde se implanta a construção em causa tem a natureza de caminho público e que a edificação dos Autores se encontra naquele caminho público, pelo que os pressupostos de facto de que partem os atos impugnados se confirmaram inteiramente porquanto foram assim declarados por sentença judicial proferida naqueles autos, transitados em julgado e cuja autoridade de caso julgado se impõe.
Ademais, também está confirmado nos autos que a situação exposta no ofício n.º 4367/2016, de 8 de junho, dos serviços do Réu Município, para o qual remete o despacho impugnado que a edificação dos Autores destinada a garagem, se implanta junto do acesso à parcela, desenvolvendo-se numa grande extensão do logradouro frontal, criando, desta forma, um volume à face, o que configura o princípio do desordenamento da paisagem local, e que tal construção confronta diretamente com o caminho, contrariando o estipulado no artigo 79º/1 do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...).
Assim sendo, os argumentos invocados no recurso não têm força bastante para afetar a lógica factual e jurídica em que se alicerçou o aresto recorrido, por se verificar a existência dos motivos legais e regulamentares que determinaram a revogação do licenciamento e a ordem de demolição em apreciação.
Em suma:
-A nossa lei adjectiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado.

No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, a doutrina e a jurisprudência vêm atribuindo duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva - “autoridade do caso julgado”- e uma função negativa - “excepção do caso julgado”.

Segundo Castro Mendes, os efeitos de autoridade do caso julgado e a excepção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (em “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 36 e segs..

Assim:

A função positiva do caso julgado opera o efeito de “autoridade do caso julgado”, o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos 205º/2, da Constituição República Portuguesa e 24º/2, da Lei 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º/1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.

E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

A função negativa do caso julgado (traduzida na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da “excepção dilatória do caso julgado”, nos termos previstos nos artigos 577º/i), 580º e 581º do CPC, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objecto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objecto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

A este propósito sublinha Teixeira de Sousa: “O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…).” (em “Preclusão e “contrario contraditório”, Cadernos de Direito Privado, nº 41, págs. 24-25).

E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, “a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (em “O objecto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, págs. 171 e segs.).

Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto: “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção” (em “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 354).

Munidos destas linhas orientadoras podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:

-a excepção dilatória do caso julgado “destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas acções (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

-a autoridade de caso julgado “tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, pressupondo a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em acção anterior e que se inscreve, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda) não possa voltar a ser discutida, não sendo, assim, exigível a coexistência da tríplice identidade a que alude o artigo 580º do Código de Processo Civil - ensina Rodrigues Bastos, em “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 60/61).

Ora, conforme ficou referido, para efeitos de excepção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença (ou saneador-sentença a ela completamente assimilado) que já não admite recurso ordinário (cfr. a parte final do nº 1 do artigo 580º do CPC). E o artigo 581º/1 estabelece que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).

Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objecto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado activo ou passivo da lide.

A identidade relevante é, assim, a identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objecto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na acção. Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado. E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter.

Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objecto da acção.

E, de acordo com a “teoria da substanciação”, subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objecto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.

Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objecto da decisão transitada e o do processo ulterior, ensina também Teixeira de Sousa que “o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento” (em “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 576).

Definindo o alcance do caso julgado, estatui o artigo 621º do Código de Processo Civil: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objectivos e subjectivos (questão a que directamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também temporais.

Quanto ao âmbito objectivo do caso julgado (respectivos limites objectivos), no que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dominante o entendimento de que a eficácia do caso julgado apenas abrangia a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na pretensão reconvencional e limitada através da respectiva causa de pedir (concepção restrita do caso julgado).

Actualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. ano 110º, pág. 232) - embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão (tese ampla) -, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objectivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas (tese eclética).

E, quanto à assinalada extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, enfatiza Teixeira de Sousa que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (vide “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, págs. 578/579).

Do ponto de vista dos limites subjectivos, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram (questão traduzida no brocardo res inter alios iudicata tertio necque nocet necque prodest).

Esta regra da “eficácia relativa” do caso julgado sofre, todavia, restrições e desvios, derivados da possibilidade de a sentença se projectar na esfera jurídica de terceiros: Quer pela “vinculação directa desses sujeitos” (“extensão do caso julgado a terceiros”), que se justifica “quando (…) importa abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica” e que se fundamenta, designadamente, na identidade da qualidade jurídica entre a parte processual e o terceiro (por sucessão “inter vivos” ou “mortis causa”); na hipótese de substituição processual; na situação de titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objecto apreciado e na oponibilidade resultante do registo da acção; Quer através da “eficácia reflexa do caso julgado”, que se verifica “quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro” - v. Teixeira de Sousa, em “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 590.

Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª instância;

-À luz deste quadro normativo, cumpre, então, regressar ao caso concreto.

E, conforme se sentenciou:
Perante o exposto cumpre verificar se se impunha ao Réu o acatamento da autoridade do caso julgado da sentença proferida no processo que correu termos na Instância Local Cível de (...) com o n.º 4185/13.8TBVNG, pois que tanto Autores como Réu reconhecem não se verificar o caso julgado material por falta da tríplice identidade exigida.
Decorre da factualidade levada ao probatório em 11 que naquela ação a Autora peticionou:
f) a condenação dos Réus a reconhecer o direito de propriedade dos herdeiros de J. sobre o prédio rústico indiviso, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n o 5085/20130128 e inscrito na matriz sob o artigo 2790º
g) a condenação dos Réus a demolir o anexo construído sobre caminho público a expensas suas;
h) o cancelamento do registo efetuado através da apresentação 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos Réus no prédio urbano de sua propriedade com o artigo 3579º da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das confrontações, devendo vigorar as áreas e confrontações do referido prédio constantes da apresentação 2733 de 27/09/2011.
Por seu turno, os ali Réus, aqui Autores, em reconvenção pretenderam (cfr. factualidade vertida em 12):
a) que se reconheça que os Reconvintes são donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no artigo 36 da contestação/reconvenção, em especial do percurso e anexos com a área total de 211 m2 que dele faz parte e que respetivamente confinam a Poente com o prédio da Reconvinda, em virtude de o terem adquirido por compra que fizeram aos herdeiros de M.;
b) que se condene a Reconvinda a abster-se – diretamente por si ou através de terceiros – de praticar quaisquer atos que visem impedir os Reconvintes do exercício pleno da propriedade que possuem sobre o artigo urbano 1315, em especial do percurso e anexos, com a área total de 211 rn2 que fazem parte do mesmo artigo, e que respetivamente confinam a Poente com o prédio da Reconvinda.
Já quanto ao procedimento que instauraram junto do Réu, os aqui Autores. pretendiam ver legalizada a edificação, que construíram e que se destina a garagem e anexo, e cujo acesso se faz por um caminho de terra batida provindo da Rua (...), na Freguesia de (...).
Ora, o conteúdo decisório da sentença aí proferido é o seguinte, cfr. resulta da factualidade levada ao probatório em 15 e 16:
1 — Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) Condeno os Réus a reconhecerem o direito de propriedade dos herdeiros de J. sobre o prédio rústico indiviso descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n o 6058/20130128 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...), (...), sob o art. 2790º.
b) Determino o cancelamento do registo efectuado através das apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos Réus no prédio urbano de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3579/20070921, da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das suas confrontações poente, devendo vigorar para as áreas a confrontação a poente do referido prédio os constantes anteriormente dessa descrição introduzidas pela Ap. 2773, de 27/0912011.
c) Absolvo os Réus do mais que lhes foi peticionado.
2 — Julgo a reconvenção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) condeno a Autora a reconhecer que os Réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, sito na Rua (...) no 255, freguesia de (...), concelho de (...), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n o 5066/20121121 e inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 1315º, que confronta a norte com A.; a Sul com R., a nascente com a Rua (...) e a poente com caminho, em virtude de o terem adquirido por compra aos herdeiros de M..
b) Absolvo a Autora do mais que lhe foi peticionado.
Assim, da análise do conteúdo decisório da sentença, não consta expressamente a dominialidade do caminho como público.
Contudo, a sentença ordenou o cancelamento do registo efetuado através das apresentações 667 e 668 de 21/11/2012 a favor dos ali Réus (aqui Autores) no prédio urbano de sua propriedade descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3579/20070921, da alteração para mais da área do referido prédio, bem como quanto à alteração das suas confrontações a poente, devendo vigorar as áreas e confrontação a poente do referido prédio constantes anteriormente dessa descrição introduzidas pela Ap. 2773, de 27/9/2011, sendo que este segmento decisório decorre diretamente do facto do Tribunal ter julgado o caminho como sendo um caminho público e por tais anexos estarem construídos nesse mesmo caminho público.
Efetivamente refere-se na sentença “Conforme se provou os Réus construíram os anexos que pretendem legalizar no caminho público que separa os prédios de Autor e Réus e o Réu marido apresentou requerimento na 2 a Conservatória do Registo Predial de (...), com base em declarações e planta que não correspondem à realidade do seu prédio, incluindo no mesmo a área do caminho que lhes não pertencia, com vista a alterarem a descrição do seu prédio, na parte urbana, aumentando-lhe a área e alterando a sua confrontação a poente, deixando aí de confrontar com caminho e passando a confrontar com o prédio da herança representada pela Autora, criando a aparência de que o seu prédio tinha essas características e dimensão.
Tal alteração foi realizada com vista a conseguirem os Réus a legalização junto do Município (...) dos anexos que construíram e que não constavam da anterior descrição do prédio. As declarações do Réu marido quanto à área, composição e delimitações do seu prédio e a planta que este juntou na Conservatória do Registo Predial subscritas pelo técnico responsável, Sr. Arquitecto T., como correspondendo à realidade do seu prédio, conforme consta de fls. 30 a 36, são falsas por não corresponderem à realidade, sendo que incluem na área do prédio dos Réus uma parcela de terreno que lhes não pertence, mas que é caminho público. Por outro lado, a sentença absolveu os Réus (aqui Autores) do mais que foi peticionado, isto é, absolveu os Réus do pedido de condenação a demolir o anexo construído sobre caminho público a expensas suas. E fê-lo por considerar que, sendo o caminho público “Não dispõe a Autora e herança que representa qualquer direito que lhe permita na presente acção, e sem demandar o Estado, proprietário do caminho, alterar a situação de facto que no mesmo existe quanto à construção dos anexos pelos Réus. Cabe ao Estado Português, determinar que aproveitamento pode ser feito desse espaço público, designadamente determinando a demolição dos anexos, como aliás, já fez, não existindo fundamento legal que nesta acção permita sustentar este pedido formulado pela Autora.”.
Ora, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 20/6/2012 proferido no processo 241/07.0TTLSB.L1.S1, supra já referido “A força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
Resulta então claramente que a decisão proferida no processo 4185/13.8TBVNG definiu direitos e efeitos jurídicos que se apresentam como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido no procedimento de legalização daquela edificação.
Pelo exposto, bem andou o Réu ao decidir nos termos em que decidiu, porquanto se lhe impunha a autoridade do caso julgado da sentença proferida no processo 4185/13.8TBVNG, improcedendo nestes termos o vício alegado;
-Com efeito, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/05/2010/proc. 3749/05.8TTLSB.L1.S1:
…a análise do “caso julgado” pode ser perspectivada através de duas vertentes, que em nada se confundem:
-Uma delas reporta-se à excepção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o confronto de duas acções - contendo uma delas decisão já transitada
-e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;
-A outra vertente reporta-se à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão.
Segundo Rodrigues Bastos in “Notas ao Código de Processo Civil”, Volume III, págs. 60 e 61., “... enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.
Mais, entende a jurisprudência que o alcance e autoridade do caso julgado não se pode limitar aos estreitos contornos definidos nos artigos 580º e seguintes e previstos para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente.
É que a excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no artigo 498 (atual 581º) do Código de Processo Civil.
Escrevem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto in “Código de Processo Civil anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354, que a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção”.
De acordo com o nº 1 do artigo 619º do Código de Processo Civil, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”. Isto é, quando a decisão se torna definitiva, por não poder já ser susceptível de reclamação, nem de recurso ordinário, a mesma transita em julgado, formando-se então o caso julgado: formal, com efeitos apenas no processo em que foi proferida, quando não tenha conhecido de mérito; e material, com efeitos dentro e fora do processo em que haja sido proferida, quando tenha sido de mérito.
Mais uma vez, nos ensinam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, ob. cit., pág. 713 e segs.: “seja qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art.º 620º). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado).” Pelo que, verifica-se nos presentes autos autoridade de caso julgado, pois foi proferida em acção anterior uma sentença de mérito, transitada em julgada, que proíbe que outros tribunais produzam sentenças contraditórias quanto à questão sub judice.
Na linha destes ensinamentos, repete-se, bem andou o Tribunal ao sufragar a atuação do Réu, porquanto se lhe impunha a autoridade do caso julgado da sentença proferida no processo 4185/13.8TBVNG, improcedendo, desta feita, o vício invocado;
-Já em sede de fundamentação do acto administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos;
-A fundamentado não tem que ser prolixa, basta que seja suficiente; dito de outro modo, é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação - cfr. o Prof. Vieira de Andrade, em “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 138;
-O grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado;
-No caso posto os vícios assacados ao acto e à sentença que o secundou não se descortinam;
-Têm-se, pois, por desprovidas de fundamento as alegações dos Recorrentes, o que culminará com a manutenção na ordem jurídica do aresto recorrido;
-É que, contrariamente ao avançado, a sentença efetuou uma correta interpretação dos factos e do direito, nada havendo a apontar-lhe;
-Naturalmente que uma coisa é a ausência/insuficiência de fundamentação e outra, bem distinta, é a discordância com essa mesma fundamentação, o que, no caso, se evidencia.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique e DN.
Porto, 15/07/2021
Fernanda Brandão
Hélder Vieira (com a seguinte declaração: “Vota a decisão”)
Helena Canelas