Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00424/13.3BEMDL |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 04/12/2018 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | Cristina Travassos Bento |
Descritores: | MÉTODOS INDIRECTOS FUNDAMENTAÇÃO |
Sumário: | I. A tributação por métodos indirectos só é admitida nos casos e condições expressamente previstos na lei. II. À administração tributária cabe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Só feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT). III. Não se mostram demonstrados os pressupostos da tributação por métodos indirectos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 87º e alínea d) do art.º 88º, ambos da Lei Geral Tributária, se a AT não demonstra, nem sequer pondera as omissões detectadas num dos segmentos da actividade da impugnante, na sua actividade global. E se não explicita a razão de não poder corrigir aritmeticamente a matéria colectável, sendo certo que no caso concreto, a nível de compras, se tratam de transacções internacionais sujeitos ao cumprimento de formalidades alfandegárias, e como tal, das quais podia ter sido obtida informação concreta.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., SA, com o NIPC 5…, melhor identificada nos autos contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, referente a período do ano de 2007.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A agora Recorrida não apresentou contra–alegações.
Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, a fls. 96 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais juntos das Exmas. Juízes-Adjuntas vem o processo à Conferência para julgamento.
I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
II. Fundamentação
II.1- De Facto
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: “Factos provados: 1. A actividade da Impugnante consiste na extracção de granitos nas pedreiras que possui no território nacional, produtos que comercializa quer no mercado interno, no comunitário e no internacional – Fls. 14 do PA Fls. 5 do Relatório de Inspecção); 2. A contabilidade do impugnante foi objecto de inspecção tributária, que resultou num relatório que consta de fls. 12 a 18 do PA, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: “(…) - imagens omissas - (…)” 3. A AT considerou, assim, que o montante de IVA devido pela Impugnante é de 292.916,04 € - Fls. 18 do PA 4. A Impugnante solicitou a revisão da matéria tributável – Fls. 19 e ss do PA; 5. Por despacho de 3/8/2011 notificado à Impugnante, e considerando a inexistência de acordo entre os peritos, o Sr. Director de Finanças de Vila Real decidiu fixar o IVA em falta no ano de 2007 no montante de 292.058,29 € - Fls. 32 a 42; 6. Por despacho de 3/6/2013 o Sr. Subdirector-Geral da AT indeferiu o pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de IVA referente ao ano de 2007– Fls. 5 a 11 do PA. “
II.1.1 Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), e 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), acorda-se em alterar, reformulando, o ponto 2., em face do constante no relatório que sustentou a liquidação impugnada, nos termos que se seguem:
“2. A contabilidade do impugnante foi objecto de inspecção tributária, que resultou num relatório que consta de fls. 12 a 18 do PA, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque:
II.2 De Direito
II.2.1 A única questão que cumpre apreciar e decidir é, como referido supra, saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que não estavam verificados os pressupostos da fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos. A matéria tributável, regra geral, é determinada directamente e com base nos elementos legalmente exigíveis e que o contribuinte tem de fornecer à administração tributária, uma vez que impende sobre os contribuintes obrigações acessórias de apresentação de declarações e de exibição da contabilidade ou escrita. A presunção de veracidade das declarações dos contribuintes cessa, de acordo com os condicionalismos legais tipificados no nº 2 do artigo 75º, entre outros, se a contabilidade revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de aquelas não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo. No caso de, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT deixar de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos directos ou, quando tal não seja possível, a métodos indirectos. Assim, e de acordo com o ínsito no artigo 81º, nº1 da LGT, o recurso a métodos indirectos é excepcional, sendo sempre subsidiária da avaliação directa, de acordo com o artigo 85º, também da LGT. Daí também que o legislador tenha estabelecido uma acrescida exigência de fundamentação da decisão administrativa que determine o recurso a esse método de avaliação (cf. artigo 77º, nº 4 da LGT). Em suma, o recurso a presunções ou métodos indirectos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar directamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indirectos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais. Por outro lado, compete à administração tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT). – cfr. nestes precisos termos veja-se o acórdão deste TCAN, de 27.11.2014, no processo nº 255/05.4 BEBRG. Por imposição do artigo 84º do CIVA, a liquidação do IVA com base em presunções ou métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstas nos artigos 87º e 89º da LGT. Da leitura dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT decorre de modo manifesto que os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria colectável de modo directo e exacto, nomeadamente através de correcções meramente aritméticas. Invectiva a recorrente contra sentença alegando que a AT enunciou e externou os factos concretos e objectivos em que assentou a sua conclusão da impossibilidade de avaliar directamente a matéria colectável com base em factos reveladores de uma capacidade contributiva da impugnante manifestamente superior à declarada (alínea d) do artigo 88º da LGT. Que consideradas as divergências detectadas na contabilidade da impugnante, estas ficaram por esclarecer. Que a impugnante teve oportunidade de esclarecer o destino dado aos 243 blocos de granito, cuja aquisição está relevada na contabilidade, sem que haja qualquer relevação ou registo de compras ou menção dos mesmos no inventário final de 2007, o que me rigoar determinou a necessidade de recurso à avaliação indirecta da matéria colectável. E que o acto impugnado não resultou da violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no âmbito da acção inspectiva de que foi alvo, nem tal matéria resultou controvertida nos presents autos [Conclusões 2) 3), 8), 9), 10) e 12)]. Antecipe-se, desde já, que não tem razão a recorrente. A sentença sob recurso, apreciou a questão da verificação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos nos seguintes termos: ” Ora, analisados os fundamentos concretamente invocados pela Administração Tributária e, em função das normas legais referidas, e dos factos apurados, afigura-se não poder considerar-se como justificado o recurso a métodos indirectos, tanto mais que a própria AT identifica, com precisão, a venda não registada de 243 blocos de granito. (...) Ou seja, se a AT sabe que o preço de compra dos blocos foi de $ 200,00 a $ 350,00; e se sabe que são recomprados por um preço superior, que efectivamente apurou ( 840,00 €/m3; 727,60€/m3; 997,50 m3 e 609,00€/m3, consoante a qualidade do granito que identifica no Relatório), o que é que a impediu de averiguar o preço efectivo de venda e a margem de lucro, conforme a categoria do granito ? Ou seja, a AT tinha de provar que, mesmo assim, aquela irregularidade não permitiu apurar o rendimento real e efectivo. Na previsão legal não existe um efeito automático que deriva do facto de se constatar a inexistência, insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, para se lançar mão da aplicação de métodos indirectos. Assim, a correcção à matéria tributável teria de ser feita de forma directa. Quando a AT demonstra as irregularidades na contabilidade e, de seguida, no Relatório, aplica os métodos indirectos de tributação, dá-se como que uma inversão psicológica do ónus da prova, porque o Impugnante sente-se na necessidade de demonstrar que, ou as irregularidades não existem, ou que o que declarou corresponde ao rendimento real. A partir deste momento o processo fica viciado: na contestação, ou no procedimento de revisão da matéria colectável, a AT rebate, ou aceita em parte, a posição da impugnante, designadamente porque a sua contabilidade não reflectia a verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtido, sem nunca demonstrar a indispensabilidade de aplicação dos métodos indirectos. Daqui se retira que caberia à FP “demonstrar que os erros ou irregularidades detectados na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.”. Cfr. Ac. TCAN, proc. n.º 00321/04 de 31/3/2005, in www.dgsi.pt . Neste caso, e apesar da irregularidade, a AT tinha a possibilidade de apurar a matéria colectável através da sua quantificação directa – pelo que a aplicação de métodos indirectos de tributação é ilegal. “ E concordamos com o explanado na sentença, com excepção de quando se refere que “Ora, para além da própria AT reconhecer que o Impugnante admitiu a correcção dos inventários, o certo é que não lhe foi permitido regularizar a sua contabilidade ou apresentar documentos relativos à venda daqueles blocos de granito. Portanto, face das exigências legais referidas supra não podem considerar-se como justificativos do recurso a métodos indirectos o facto de o Impugnante não possuir os registos obrigatórios dessas vendas, que, pela precisão da quantidade de blocos vendidos (243), não vemos porque é que esta irregularidade impediu o apuramento do rendimento real e efectivo da Impugnante.. “, pois como resulta da leitura da p.i., e como a agora Recorrente alega nas conclusões de recurso, no acto impugnado tal matéria não se encontra controvertida nos presentes autos. Mas, nem essa inexactidão, afasta a correcta apreciação feita pela sentença, quanto ao segmento da sentença que apreciou a não verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos para determinação da base tributável de liquidação do IVA. Como ali se referiu, não foi explicado pela AT a razão é que resultava inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação directa, sendo que, como vimos, na lógica do sistema, mesmo quanto a presunção do art. 75° é abalada, a prevalência deverá ser dada aos métodos directos de avaliação, constituindo os métodos indirectos uma ultima ratio só utilizável quando aqueles se mostrem imprestáveis e, por outro lado, o art. 77° da LGT expressamente impõe a especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável. O recurso a métodos indirectos de tributação tem de implicar, pelas consequências gravosas para o património dos contribuintes que pode assumir, um acrescido esforço de fundamentação não só formal mas, sobretudo, material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária. Apreciado o teor do relatório e a matéria de facto que não foi impugnada, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento. A AT teria de ter explicado clara e inequivocamente que a liquidação não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, constatadas que fossem irregularidades e omissões detectadas na contabilidade. O que não se verificou. A AT não demonstra, nem sequer pondera as omissões detectadas na actividade global da impugnante. Não se olvide, como resulta do ponto 2) da matéria de facto (II.2.2 do relatório) que a actividade da empresa não se resume às operações realizadas com blocos de granito provenientes de Angola. Mas o que resulta como fundamentação do recurso a métodos indirectos fundamenta-se apenas e só neste segmento. Por outro lado, quanto às omissões referidas nos pontos 3.4.3. do relatório, a AT limitou-se a constatar a divergência, sem contudo explicitar a razão de não poder corrigir aritmeticamente a matéria colectável, sendo certo que se trata, a nível de compras, desde logo, de transacções internacionais sujeitos ao cumprimento de formalidades alfandegárias e como tal das quais podia ter sido obtida informação concreta. E a nível das vendas, não ter verificado se, como afirma a impugnante, ocorreram em 2008, independentemente de constarem ou não do inventário de 2007. O que não sucedeu. Em face do exposto, é de concluir pela ilegalidade da liquidação decorrente da ilegal determinação da matéria tributável que lhe subjaz, por a administração tributária não ter demonstrado, como lhe competia, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso aos métodos indirectos de avaliação. Faça-se apenas uma última consideração, quanto ao alegado na conclusão 4 de recurso. Nela se afirma que a razão da impossibilidade de determinação directa da matéria tributável se fundou na “discrepância significativa entre os valores constantes do inventário final de existências de 2007 e os valores efectivamente percebidos pela Impugnante, a título de rendas devidas pela outorga de três contratos de cessão de exploração hoteleira”. Considerando que nada existe nos autos que aluda a rendas de três contratos de cessão de exploração hoteleira, apenas podemos supor a existência de um erro de escrita aquando da redacção de tal conclusão. Razão pela qual não será tida em conta. Soçobrando as conclusões de recurso é de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença na ordem jurídica, com a presente fundamentação. III -Decisão Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, com fundamentação diversa. Custas pela Recorrente em ambas as instâncias. Porto, 12 de Abril de 2018 Ass. Cristina Travassos Bento |