Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00424/13.3BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A tributação por métodos indirectos só é admitida nos casos e condições expressamente previstos na lei.
II. À administração tributária cabe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Só feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT).
III. Não se mostram demonstrados os pressupostos da tributação por métodos indirectos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 87º e alínea d) do art.º 88º, ambos da Lei Geral Tributária, se a AT não demonstra, nem sequer pondera as omissões detectadas num dos segmentos da actividade da impugnante, na sua actividade global. E se não explicita a razão de não poder corrigir aritmeticamente a matéria colectável, sendo certo que no caso concreto, a nível de compras, se tratam de transacções internacionais sujeitos ao cumprimento de formalidades alfandegárias, e como tal, das quais podia ter sido obtida informação concreta.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., SA, com o NIPC 5…, melhor identificada nos autos contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, referente a período do ano de 2007.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Por via da douta sentença, aqui recorrida, o Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu julgar a presente impugnação procedente, por considerar que a liquidação de IVA, relativa ao ano de 2007, no segmento relativo à determinação indirecta da matéria colectável, foi praticada sem que a AT tivesse demonstrado a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria colectável;
2. O acto impugnado não resultou da violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no âmbito da acção inspectiva de que foi alvo, nem tal matéria resultou controvertida nos presentes autos;
3. A decisão de apurar indirectamente a base tributável e o imposto devido pelo sujeito passivo teve por base os fundamentos explanados nos capítulos II, IV e V do RIT, e assentou na constatação da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (cf. alínea b) do artigo 87.º, LGT) consubstanciada na evidenciação de factos reveladores de uma capacidade contributiva da Impugnante manifestamente superior à declarada (cf. alínea d) do artigo 88.º, LGT),
4. A razão da impossibilidade de determinação directa da matéria tributável estribou-se na existência de uma discrepância significativa entre os valores constantes do inventário final de existências de 2007 e os valores efectivamente percebidos pela Impugnante, a título de rendas devidas pela outorga de três contratos de cessão de exploração hoteleira;
5. O quantus das correcções à matéria colectável, controvertidas nos presentes autos, respeita ao imposto não liquidado apurado por aplicação da taxa normal de IVA às vendas omitidas pela Impugnante à contabilidade e à Autoridade Tributária;
6. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (cf. n.º 1 do artigo 85.º da LGT), só podendo a administração tributária lançar mão da primeira quando se encontrem reunidos os pressupostos legalmente consagrados (cf. artigo 87.º da LGT);
7. Cabe à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da determinação da matéria colectável por recurso a métodos indirectos e ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso da respectiva quantificação.
8. No caso em apreço, atentos os factos apurados, estribados em prova documental, entende a Recorrente que ficou cabalmente demonstrada nos autos a impossibilidade de determinação da matéria colectável da Impugnante por avaliação directa;
9. O recurso à avaliação indirecta mostrou-se suficientemente fundamentado, de facto e de direito, consideradas as divergências detectadas na contabilidade da Impugnante, as quais permaneceram por esclarecer;
10. Teve a Impugnante, quer no âmbito do procedimento inspectivo quer em sede das instâncias administrativas realizadas a montante da presente impugnação, oportunidade para esclarecer, com prova objectiva e não por meras alegações, o destino dado aos 243 blocos de granito, cuja aquisição está revelada na contabilidade, sem que haja qualquer relevação ou registo da sua venda ou menção dos mesmos no inventário final de 2007, o que, em rigor, determinou a imperiosa necessidade de recurso à avaliação indirecta da matéria colectável;
11. A decisão de recorrer à avaliação indirecta da matéria colectável da Impugnante observou, pois, integralmente os comandos legais ínsitos nas disposições conjugadas dos artigos 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, alínea d), ambos da Lei Geral Tributária e artigo 90.º, n.º 1 do Código do IVA, mostrando-se por isso suficiente e adequadamente comprovada a indispensabilidade do recurso à aplicação de métodos indirectos nas correcções que deram origem ao acto impugnado;
12. A AT não teve possibilidade de apurar directamente a matéria colectável da Impugnante face às omissões, insuficiências e discrepâncias da sua organização contabilística, no tocante, nomeadamente, aos inventários das existências relativamente aos blocos de granitos adquiridos a entidades relacionadas com a Impugnante.
13. A averiguação do preço efectivo de venda e a margem de lucro, conforme a categoria do granito, com base nos elementos apurados pelos serviços de inspecção tributária, não deixaria de consubstanciar uma forma indirecta de apuramento do respectivo valor;
14. Assim, a sentença que declarou anulada a liquidação de IVA relativa ao ano de 2007, por considerar verificada a existência de erro quanto aos pressupostos da avaliação indirecta, violou as disposições legais ínsitas nos supra referidos artigos, não podendo, em conformidade com este juízo, os seus efeitos manterem-se na ordem jurídica;
15. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida, e a confirmação da legalidade da liquidação impugnada, assim se fazendo a já acostumada Justiça.”

A agora Recorrida não apresentou contra–alegações.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, a fls. 96 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais juntos das Exmas. Juízes-Adjuntas vem o processo à Conferência para julgamento.

I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:


A única questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas conclusões das alegações de recurso (nos termos dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela não verificação dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e, nessa medida, pela ilegalidade das correcções à matéria tributável que subjazem à liquidação impugnada.

II. Fundamentação

II.1- De Facto

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

Factos provados:

1. A actividade da Impugnante consiste na extracção de granitos nas pedreiras que possui no território nacional, produtos que comercializa quer no mercado interno, no comunitário e no internacional – Fls. 14 do PA Fls. 5 do Relatório de Inspecção);

2. A contabilidade do impugnante foi objecto de inspecção tributária, que resultou num relatório que consta de fls. 12 a 18 do PA, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque:

“(…)

- imagens omissas -

(…)”

3. A AT considerou, assim, que o montante de IVA devido pela Impugnante é de 292.916,04 € - Fls. 18 do PA

4. A Impugnante solicitou a revisão da matéria tributável – Fls. 19 e ss do PA;

5. Por despacho de 3/8/2011 notificado à Impugnante, e considerando a inexistência de acordo entre os peritos, o Sr. Director de Finanças de Vila Real decidiu fixar o IVA em falta no ano de 2007 no montante de 292.058,29 € - Fls. 32 a 42;

6. Por despacho de 3/6/2013 o Sr. Subdirector-Geral da AT indeferiu o pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de IVA referente ao ano de 2007– Fls. 5 a 11 do PA. “

II.1.1 Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), e 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), acorda-se em alterar, reformulando, o ponto 2., em face do constante no relatório que sustentou a liquidação impugnada, nos termos que se seguem:

“2. A contabilidade do impugnante foi objecto de inspecção tributária, que resultou num relatório que consta de fls. 12 a 18 do PA, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque:


“ II.3.2. Actividade
A actividade da contribuinte consiste na extracção e granitos (Pedras Salgadas, Monchique, Rosa Monção) nas pedreiras que possui no território nacional, produtos que comercializa quer no mercado nacional, no mercado comunitário e internacional.
Além desta actividade extractiva, a contribuinte procede também à comercialização de granitos vindos de Angola e Brasil que entram no mercado europeu através dos portos marítimos de Vigo (Espanha) e Carrara (Itália). A partir destes portos marítimos esse granito tem como destino o mercado português, o mercado europeu e o mercado asiático.
II.3.3.Comercialização de Granitos (Provenientes Angola)
O procedimento inspectivo agora concluído centrou a sua análise na comercialização de granitos provenientes de Angola, tendo-se apurado o seguinte:
A contribuinte tem como fornecedora de blocos de granito a empresa ANG…E, sediada em Lubango, província de Huila, em angola (empresa que também é detida pela sociedade G...). No ano de 2007 esta empresa forneceu à contribuinte 1357 blocos de granito, das qualidades: Mármore Azul, Black peral, Negro Angola, Brow Antique e Labrador Black. Estes fornecimentos foram remetidos, de acordo com as facturas, para o porto marítimo de Vigo (Espanha), e também para o porto marítimo de Carrara (Itália).
Estes blocos de granito adquiridos a Angola são por sua vez vendidos e recomprados a duas empresas com ligações à contribuinte: A A… Espanha, sediada em Vigo (detida pela G...); e a G…, sediada na Irlanda (detida pela própria contribuinte). No ano em questão, a contribuinte adquiriu 433 blocos de granito à empresa espanhola e 481 blocos de granito à empresa irlandesa. A contribuinte justificou esta operação com a necessidade de se efectuar o desalfandegamento da mercadoria nos respectivos portos e a recompra já comportar esses custos, destinando-se a serem comercializados no mercado português ou novamente no mercado comunitário e internacional.
II.3.4.Controlo das Aquisições/Vendas Blocos provenientes Angola
II.3.4.1. No sentido de efectuar um controlo ao comércio destes blocos de granito, soube-se pela contribuinte, que todos os blocos identificados por um número que se mantém inalterado desde o embarque em Angola até ao cliente final, número esse que é devidamente identificado nas facturas de aquisição e de venda; esse número de identificação é pois, uma espécie de bilhete de identidade do bloco de granito. Assim, sendo esse número de identificação um elemento fiável na análise pretendida, foram relacionadas todas as compras e recompras (anexo1-32 fls.) e vendas (Anexo 2-28 fls.) dos diversos blocos de granito de Angola, concluindo-se, em função dos inventários finais de 2006 e 2007 exibidos, a existência de divergências significativas, nomeadamente, omissões de compras e de vendas.
II.3.4.2 No dia 31.03.2011, em reunião agendada para dar conta das conclusões finais à contribuinte deste controlo efectuado, o Sr C..., Técnico Oficial de Contas, referiu que quando foi alertado do facto de existirem divergências a este nível, procedeu também a uma verificação e concluiu no sentido dos inventários apresentados no decurso da acção inspectiva e que sustentam as contas aprovadas e encerradas de 2007, não se encontravam correctos, não conseguindo porém identificar concretamente o motivo dessa ocorrência, a não ser por lapso. Por esse motivo tinha entretanto (em 24.03.2011) procedido à substituição da modelo 22 e da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, partindo e novos inventários finais de mercadorias de 2006 e 2007, dos quais nos apresentou cópias que se encontram autenticadas com a assinatura do TOC e carimbo da empresa (Anexo3-15 fls.).Estes inventários finais de 2006 e 2007 agora apresentados divergem (largamente) dos primeiros, quer em quantidade de blocos, quer em valores finais: em 2006 o primeiro inventário apresentado identificava apenas 7 blocos de granito proveniente de Angola, no valor global de 20.171,87€, enquanto o segundo inventário agora apresentado identifica 90 blocos com essa mesma proveniência, no valor global de 230.142,00€; em 2007 a divergência é ainda mais significativa, ou seja, o primeiro inventário exibido identifica 20 blocos de granito proveniente de Angola, no montante global de 71.551,71€, enquanto que o segundo inventário identifica 660 blocos da mesma proveniência, no montante global de 907.495,75€. Esta alteração dos inventários tem implicações ao nível do custo das vendas em 2006 e 2007 e consequentemente ao nível dos resultados apresentados que tiveram aprovação da assembleia geral da sociedade.
(…)
Capítulo IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
1.Como já se referiu anteriormente, através da análise exaustiva efectuada à actividade desenvolvida pela contribuinte no que se refere à comercialização de blocos de granito provenientes de Angola, foi possível concluir, mesmo depois da contribuinte proceder (agora em 2011) à realização de novos inventários finais de mercadorias para 2006 e 2007 ( facto que desacredita e absoluto quer s contas aprovadas em 2006 quer as contas aprovadas em 2007) que subsistem divergências significativas quer ao nível de omissão de compras (43 blocos), quer ao nível da omissão de vendas (243 blocos).
2. Estas divergências apuradas permitem pois concluir que a capacidade contributiva da contribuinte é significativamente maior que a declarada, nomeadamente no que se refere aos 243 blocos de granito, que, tendo sido adquiridos, não foi registada a correspondente venda.
3. É pois, esta capacidade contributiva significativamente maior do que declarada pela contribuinte, o pressuposto em que vai assentar a aplicação dos métodos indirectos de tributação, tal como prevêem a alínea b) do n.º 1 do art.º 87º e alínea d) do art.º 88º, ambos da Lei Geral Tributária.
Capítulo V – Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
1.Critérios
1.1Como se referiu anteriormente, os blocos de granito provenientes de Angola são, segundo a contribuinte, vendidos À At… Espanha, que procede ao seu desalfandegamento no porto de Vigo, são novamente comprados acrescidos do custo dessa operação e, finalmente, vendidos ao cliente final. Analisadas essas transacções na contabilidade, concluiu-se que geralmente os blocos de granito são adquiridos à ANG… entre os $200,00 e $350,00 dólares americanos, são vendidos À A... Espanha cm uma margem de comercialização substancial e são recomprados por um preço superior, que se apurou: Black Peral – 840,00€/m3; Negro Angola – 727,60€/m3; Brown Antique – 997,50€/m3; Labrador Black – 609,00€/m3. De foram a se determinar o valor final da venda dos 243 blocos omitidos na contabilidade, vai-se fazer incidir sobre este preço de recompra dos blocos uma margem de comercialização de 28,05%, calculada em função da amostragem realizada aos preços e venda de 267 blocos recomprados À A... Espanha (Anexo 4 – 7 fls.), o que traduzirá o preço de venda (m3) praticado ao cliente final no mercado nacional.
1.2 No que se refere aos 43 blocos de granito omitidos nas compras, procede-se à quantificação do seu custo tendo em conta preço de venda praticado, deduzido da mesma margem de comercialização referida no ponto anterior.
2. Cálculos
2.1 Omissões de Vendas (Vendas Presumidas)
Em função do critério referido no ponto 1.1 calcula-se a omissão de venda dos 243 blocos em 1.547.500,04€ (Anexo 5 – 5 fls.).
2.2 IVA em falta
Sobre as vendas presumidas incide IVA à taxa normal de 21% no montante de 324.975,00€, que irá ser exigido na declaração periódica de IVA do mês de Dezembro de 2007.
2.3. Omissão de compras
Em função do critério referido no ponto 1.2, calcula-se o custo dos 43 blocos de granito omitidos nas compras em 95.729,99€ (Anexo 6 – 1 fl.).
(…)
Capítulo IX – Direito de Audição
Ao abrigo do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária aprovados pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro e Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, respectivamente, notificou-se a contribuinte, por via do n/ Ofício n.º 2360, de 2011 -04-11, para exercer no prazo de 10 (dez) dias o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção tributária. Tal direito foi exercido pelo sujeito passivo, por escrito, petição que deu entrada nestes Serviços e 28-04-2011.
(…)
3. Em face das incorrecções referidas no ponto 1.3 e da duplicação de blocos facturados referida no ponto 2., foram reformulados os cálculos da omissão da venda de blocos, que agora se quantifica agora em 1.394.836,28€ (Anexo 7-5 fls.), sendo por isso devido IVA no montante de 292.916,04€. Foram também reformulados os cálculos dos custos presumidos, que agora se quantificam em 85.863,97€ (Anexo 8 – 1fl.).
Por conseguinte, as correcções com o recurso a métodos indirectos calculadas no capitulo V deste relatório sofrem as seguintes alterações: em sede de IRC – 1.308.974,31€; em sede de IVA – 292.916,04€.
(…)”

II.2 De Direito

II.2.1 A única questão que cumpre apreciar e decidir é, como referido supra, saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que não estavam verificados os pressupostos da fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.

A matéria tributável, regra geral, é determinada directamente e com base nos elementos legalmente exigíveis e que o contribuinte tem de fornecer à administração tributária, uma vez que impende sobre os contribuintes obrigações acessórias de apresentação de declarações e de exibição da contabilidade ou escrita.
Nos termos do artigo 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT) “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

A presunção de veracidade das declarações dos contribuintes cessa, de acordo com os condicionalismos legais tipificados no nº 2 do artigo 75º, entre outros, se a contabilidade revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de aquelas não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

No caso de, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT deixar de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos directos ou, quando tal não seja possível, a métodos indirectos.

Assim, e de acordo com o ínsito no artigo 81º, nº1 da LGT, o recurso a métodos indirectos é excepcional, sendo sempre subsidiária da avaliação directa, de acordo com o artigo 85º, também da LGT.

Daí também que o legislador tenha estabelecido uma acrescida exigência de fundamentação da decisão administrativa que determine o recurso a esse método de avaliação (cf. artigo 77º, nº 4 da LGT).

Em suma, o recurso a presunções ou métodos indirectos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar directamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indirectos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais.

Por outro lado, compete à administração tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT). – cfr. nestes precisos termos veja-se o acórdão deste TCAN, de 27.11.2014, no processo nº 255/05.4 BEBRG.

Por imposição do artigo 84º do CIVA, a liquidação do IVA com base em presunções ou métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstas nos artigos 87º e 89º da LGT.

Da leitura dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT decorre de modo manifesto que os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria colectável de modo directo e exacto, nomeadamente através de correcções meramente aritméticas.

Invectiva a recorrente contra sentença alegando que a AT enunciou e externou os factos concretos e objectivos em que assentou a sua conclusão da impossibilidade de avaliar directamente a matéria colectável com base em factos reveladores de uma capacidade contributiva da impugnante manifestamente superior à declarada (alínea d) do artigo 88º da LGT. Que consideradas as divergências detectadas na contabilidade da impugnante, estas ficaram por esclarecer. Que a impugnante teve oportunidade de esclarecer o destino dado aos 243 blocos de granito, cuja aquisição está relevada na contabilidade, sem que haja qualquer relevação ou registo de compras ou menção dos mesmos no inventário final de 2007, o que me rigoar determinou a necessidade de recurso à avaliação indirecta da matéria colectável. E que o acto impugnado não resultou da violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no âmbito da acção inspectiva de que foi alvo, nem tal matéria resultou controvertida nos presents autos [Conclusões 2) 3), 8), 9), 10) e 12)].

Antecipe-se, desde já, que não tem razão a recorrente.

A sentença sob recurso, apreciou a questão da verificação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos nos seguintes termos: Ora, analisados os fundamentos concretamente invocados pela Administração Tributária e, em função das normas legais referidas, e dos factos apurados, afigura-se não poder considerar-se como justificado o recurso a métodos indirectos, tanto mais que a própria AT identifica, com precisão, a venda não registada de 243 blocos de granito. (...)

Ou seja, se a AT sabe que o preço de compra dos blocos foi de $ 200,00 a $ 350,00; e se sabe que são recomprados por um preço superior, que efectivamente apurou ( 840,00 €/m3; 727,60€/m3; 997,50 m3 e 609,00€/m3, consoante a qualidade do granito que identifica no Relatório), o que é que a impediu de averiguar o preço efectivo de venda e a margem de lucro, conforme a categoria do granito ?

Ou seja, a AT tinha de provar que, mesmo assim, aquela irregularidade não permitiu apurar o rendimento real e efectivo. Na previsão legal não existe um efeito automático que deriva do facto de se constatar a inexistência, insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, para se lançar mão da aplicação de métodos indirectos. Assim, a correcção à matéria tributável teria de ser feita de forma directa.

Quando a AT demonstra as irregularidades na contabilidade e, de seguida, no Relatório, aplica os métodos indirectos de tributação, dá-se como que uma inversão psicológica do ónus da prova, porque o Impugnante sente-se na necessidade de demonstrar que, ou as irregularidades não existem, ou que o que declarou corresponde ao rendimento real.

A partir deste momento o processo fica viciado: na contestação, ou no procedimento de revisão da matéria colectável, a AT rebate, ou aceita em parte, a posição da impugnante, designadamente porque a sua contabilidade não reflectia a verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtido, sem nunca demonstrar a indispensabilidade de aplicação dos métodos indirectos.

Daqui se retira que caberia à FP “demonstrar que os erros ou irregularidades detectados na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.”. Cfr. Ac. TCAN, proc. n.º 00321/04 de 31/3/2005, in www.dgsi.pt .

Neste caso, e apesar da irregularidade, a AT tinha a possibilidade de apurar a matéria colectável através da sua quantificação directa – pelo que a aplicação de métodos indirectos de tributação é ilegal. “

E concordamos com o explanado na sentença, com excepção de quando se refere que “Ora, para além da própria AT reconhecer que o Impugnante admitiu a correcção dos inventários, o certo é que não lhe foi permitido regularizar a sua contabilidade ou apresentar documentos relativos à venda daqueles blocos de granito. Portanto, face das exigências legais referidas supra não podem considerar-se como justificativos do recurso a métodos indirectos o facto de o Impugnante não possuir os registos obrigatórios dessas vendas, que, pela precisão da quantidade de blocos vendidos (243), não vemos porque é que esta irregularidade impediu o apuramento do rendimento real e efectivo da Impugnante.. “, pois como resulta da leitura da p.i., e como a agora Recorrente alega nas conclusões de recurso, no acto impugnado tal matéria não se encontra controvertida nos presentes autos.

Mas, nem essa inexactidão, afasta a correcta apreciação feita pela sentença, quanto ao segmento da sentença que apreciou a não verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos para determinação da base tributável de liquidação do IVA. Como ali se referiu, não foi explicado pela AT a razão é que resultava inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação directa, sendo que, como vimos, na lógica do sistema, mesmo quanto a presunção do art. 75° é abalada, a prevalência deverá ser dada aos métodos directos de avaliação, constituindo os métodos indirectos uma ultima ratio só utilizável quando aqueles se mostrem imprestáveis e, por outro lado, o art. 77° da LGT expressamente impõe a especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável. O recurso a métodos indirectos de tributação tem de implicar, pelas consequências gravosas para o património dos contribuintes que pode assumir, um acrescido esforço de fundamentação não só formal mas, sobretudo, material através de uma inequívoca e segura demonstração probatória dos pressupostos justificativos do recurso a tais métodos por parte da administração tributária.

Apreciado o teor do relatório e a matéria de facto que não foi impugnada, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento. A AT teria de ter explicado clara e inequivocamente que a liquidação não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, constatadas que fossem irregularidades e omissões detectadas na contabilidade. O que não se verificou. A AT não demonstra, nem sequer pondera as omissões detectadas na actividade global da impugnante. Não se olvide, como resulta do ponto 2) da matéria de facto (II.2.2 do relatório) que a actividade da empresa não se resume às operações realizadas com blocos de granito provenientes de Angola. Mas o que resulta como fundamentação do recurso a métodos indirectos fundamenta-se apenas e só neste segmento.

Por outro lado, quanto às omissões referidas nos pontos 3.4.3. do relatório, a AT limitou-se a constatar a divergência, sem contudo explicitar a razão de não poder corrigir aritmeticamente a matéria colectável, sendo certo que se trata, a nível de compras, desde logo, de transacções internacionais sujeitos ao cumprimento de formalidades alfandegárias e como tal das quais podia ter sido obtida informação concreta. E a nível das vendas, não ter verificado se, como afirma a impugnante, ocorreram em 2008, independentemente de constarem ou não do inventário de 2007. O que não sucedeu.

Em face do exposto, é de concluir pela ilegalidade da liquidação decorrente da ilegal determinação da matéria tributável que lhe subjaz, por a administração tributária não ter demonstrado, como lhe competia, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso aos métodos indirectos de avaliação.

Faça-se apenas uma última consideração, quanto ao alegado na conclusão 4 de recurso. Nela se afirma que a razão da impossibilidade de determinação directa da matéria tributável se fundou na “discrepância significativa entre os valores constantes do inventário final de existências de 2007 e os valores efectivamente percebidos pela Impugnante, a título de rendas devidas pela outorga de três contratos de cessão de exploração hoteleira”.

Considerando que nada existe nos autos que aluda a rendas de três contratos de cessão de exploração hoteleira, apenas podemos supor a existência de um erro de escrita aquando da redacção de tal conclusão. Razão pela qual não será tida em conta.

Soçobrando as conclusões de recurso é de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença na ordem jurídica, com a presente fundamentação.

III -Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, com fundamentação diversa.

Custas pela Recorrente em ambas as instâncias.

Porto, 12 de Abril de 2018

Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves