Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00306/01 - Braga
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:CIEC
VAREJO
PERDAS COM BENEFÍCIO DE FRANQUIA
Sumário:1. De acordo com o disposto no n.º1 do art.º37.º do CIEC, beneficiam de franquia as perdas ocorridas em regime de suspensão, durante a produção, armazenagem e circulação, bem como por caso fortuito ou de força maior.
2. O benefício da franquia por perdas pressupõe a contabilização das operações e dos movimentos relativos aos produtos em perda.
3. Se a impugnante tem armazenada no seu entreposto fiscal, em regime suspensivo, aguardente vínica de terceiros, esse produto passa a integrar as suas existências e como tal deve estar contabilizado.
4. Não o estando, as faltas do produto apuradas no varejo não podem ser imputadas a eventuais perdas com benefício de franquia (por evaporação, manipulação ou transfega).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Alfândega de Braga
Recorrido 1:Cooperativa Vitivinícola...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Cooperativa Vitivinícola… da liquidação de IABA no montante de 21.675.283$00, e anulou a mesma “no que respeita à aguardente vínica e a 13.403 litros de vinho generoso”.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.360).

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
a) A impugnante enquanto detentora do estatuto de Depositário Autorizado desde 1/1/93 é, nessa qualidade, detentora de três entrepostos fiscais de produção possuindo os direitos e os deveres específicos daí decorrentes;
b) Nos termos do art° 23° n° 2 do CIEC o Depositário Autorizado assume-se como sujeito passivo da relação tributária e como garante em relação aos deveres declarativos e à responsabilidade fiscal, mesmo que não seja proprietário dos produtos;
c) A relação que se estabelece entre a administração fiscal e o Depositário Autorizado assenta na responsabilidade fiscal deste por todos os produtos que se encontrem no seu entreposto em regime suspensivo tal como é consagrado no n.° 1 do art.° 21.º do CIEC;
d) O operador encontra-se vinculado às obrigações descritas no art.° 24.° do CIEC, de forma a poder beneficiar do regime suspensivo, sendo especialmente importante a constante na alínea b) do n.° 2 deste artigo: obrigação de organizar a contabilidade de existências em sistema de inventário permanente;
e) Compete ao Depositário Autorizado o cumprimento das suas obrigações fiscais, nomeadamente, o processamento das Declarações de Introdução no Consumo relativamente aos produtos do seu EF;
f) Na relação jurídico-tributária em análise o Depositário Autorizado “Cooperativa Vitivinícola… - Caves,,, , C.R.L” é o sujeito passivo (art.° 3.°, n.° 1 do CIEC) que, além de estar adstrito às obrigações específicas do art.° 24.° do CIEC, está também vinculado, por força do art.° 1 8.° e art.° 31.° da LGT, ao cumprimento da prestação tributária;
g) Em face do n.º 1 do art.° 6.° do CIEC, o álcool e as bebidas alcoólicas ficam sujeitos a imposto a partir da sua produção e, nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 7.° do CIEC, o imposto é exigível no momento da introdução no consumo ou da constatação das perdas que devam ser tributadas em conformidade com o Código;
h) O n.° 2 do art.° 7.º do CIEC vem esclarecer que se considera introdução no consumo a saída dos produtos de um regime de suspensão e, tal como decorre do n.° 1 do art.° 8.° do CIEC, a introdução regular no consumo deve ser formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC) que, no caso vertente, não veio a ser processada ou apresentada quanto às diferenças registadas, havendo lugar a liquidação oficiosa de acordo com o art.° 10.° do CIEC;
i) Nada impede que o Depositário Autorizado tenha no seu entreposto fiscal produtos em suspensão de imposto que sejam propriedade de terceiros, no entanto, será sempre o DA o responsável fiscal por esses produtos nomeadamente em caso de perdas;
j) A ora impugnante possui produtos que eram propriedade da S… 1 esse facto era do conhecimento das autoridades aduaneiras uma vez que esses produtos entravam, em regime suspensivo, no EF da impugnante provenientes do EF da S… ao abrigo de um DAA, passando a partir de então a fazer parte das existências do EF da impugnante, só podendo de lá sair ao abrigo de outro DAA (emitido pela impugnante) ou de DIC;
k) A aplicação das normas legais que regulamentam a produção, armazenagem, circulação e introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC não poderão ser afastadas pela invocação do Principio da Boa Fé - art° 59° da LGT - como fez a douta sentença pois este trata, como indica a epígrafe do artigo, da “colaboração” entre a Administração e o Particular.
Nestes termos, e nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exas, requer-se a revogação da sentença “a quo” e a sua substituição por outra que mantenha a liquidação do imposto relativamente à aguardente vínica pelo qual é responsável a impugnante».

A Recorrida apresentou contra-alegações que termina com as seguintes «Conclusões:

1º. A Fazenda Pública não contesta os factos.
2°. A Fazenda Pública apenas põe em causa a douta sentença no que respeita à fundamentação da decisão com base no princípio da boa-fé.
3°. Contudo, não é o facto de a aguardente vínica não ser propriedade da Impugnante, nem a ausência de controlo de entradas e saídas, ou a impossibilidade de medição que fundamentam o citado princípio da boa-fé (3°. e 4°. do recurso).
4°. O princípio da boa-fé está subjacente a todo o procedimento de admissão e tutela do regime suspensivo em que foram armazenados os 12 423 587 litros, e, posteriormente, colocada em circulação (também em regime suspensivo) a aguardente vínica, e é neste procedimento da própria Alfândega que encontra fundamento o princípio de boa-fé.
5°. Os factos provam ter havido da parte da Alfândega claramente um procedimento de admissão e tutela da armazenagem da aguardente nas instalações da Impugnante no âmbito do procedimento legal previsto para a armazenagem daquele produto.
6°. Não é verdade o que consta em 200. do recurso pelo facto de 7 só haver lugar a liquidação de dívida no caso de ser ultrapassada a tolerância de “até 1,5%” prevista no art°. 39º do CIEC, liquidação essa que é oficiosa e não de iniciativa do depositário; tudo o mais que consta do recurso fica prejudicado.
7°. A Impugnante sempre procedeu na convicção de que não agia ilicitamente.
8°. Foi, pois, com boa-fé que a Impugnante agiu em todo o processo.
9°. A douta sentença recorrida está correcta, e a boa-fé em que fundamentou a decisão está implícita em todo o procedimento e comprovada não só pela prova testemunhal como também pelos documentos anexos aos autos, conforme bem considerou em 23 a 31 e a páginas 10 e 11 da mesma decisão.
TERMOS EM QUE SE REQUER:
Que seja considerado improcedente o recurso interposto com todas as consequências legais
Como é de inteira JUSTIÇA».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece integral provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões da alegação apresentadas pelo Recorrente, o objecto do recurso consiste essencialmente em indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pelo afastamento da responsabilidade fiscal do depositário autorizado, no caso a Recorrida, relativamente aos produtos que se encontrem no seu entreposto fiscal em regime suspensivo ainda que propriedade de terceiros.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«Os Factos
Com relevância para a apreciação do mérito da pretensão têm-se como assentes os seguintes factos:
1 - A impugnante dedica-se à produção de vinhos comuns e licorosos, CAE 15931, estando registada como o n° de viticultor 10999824 na Casa do Douro.
2 - Detém o estatuto de depositário autorizado desde 1/1/93.
3 - A impugnante tutela três entrepostos fiscais de produção, n°s 39940568 – Quinta…, Godim -, 39908184 – Rua…, Godim, 39908176 – quinta…, Parada do Bispo.
4 - A 14/9/00 foi iniciada pela estância aduaneira de controlo - Delegação Aduaneira de Peso da Régua -, uma inspecção à impugnante, tendo como objectivo constatar o cumprimento integral do regime fiscal aplicado às bebidas alcoólicas nos termos do CIEC, abarcando o período entre 1997 e Setembro de 2000 (14/9/200). Fls. 147.
5- A 14/9/00 foram efectuados os Varejos constantes de fls. 118, 119 e 120, cujos dizeres se dão por reproduzidos, com os seguintes resultados;

Entreposto n° 39908184Quantidades
Aguardente vínica a granel c/ 77% vol. 744.736,50 lts
vinho generoso a granel 1.557.873,00 lts
vinho mesa a granel 1.728.800,25 lts
vinho mesa engarrafado 140.342,00 lts
vinho mesa a granel 0,00 lts
entreposto n° 39908176 quantidades
sem existência
entreposto n° 39940568 quantidades
vinho generoso a granel 38.954,00 lts
vinho mesa a granel 17.160,00 lts
vinho mesa engarrafado 880,00 lts

6 - Da inspecção resultou que entre 1997 e 31/1/2000 as quebras de aguardente vínica ascenderam a 15.657L. No período posterior as quebras no que respeita ao mesmo produto ascenderam a 909,75 L. e relativamente a vinho generoso ascendem a 1370 litros. Fls. 147ss.
7 - Relativamente a vinho generoso consta do relatório verificar-se uma discrepância entre os valores registados na contabilidade e a existência física em armazém, ascendendo a 20.817 litros. Fls. 148.
8 - Foi considerada na contabilidade de existências a quantia de 72492 L de vinho generoso - depois de correcção conforme fls 22 do relatório e 9 do mesmo -, relativo ao movimento NMV 184. Do DDA consta a quantia de 59089, correspondendo a diferença a 13.403 l.
9 - Esta quantidade, 13403, foi movimentada em suspensão de imposto sem documento legal de suporte, do entreposto da impugnante 39908184 para o entreposto 39910804 de Vinhos…. A mercadoria foi registada na entrada e na saída.
10 - A falta de documento deveu-se a falha de um trabalhador da impugnante
11 - Parte daquele vinho já havia sido introduzido no consumo em Portugal mediante pagamento do imposto devido - declaração de introdução no consumo n° 98 0001161 (fls. 69 a 93), e outro foi expedido para França em suspensão de cobrança mediante processamento de DAA Apresentados à alfândega em Novembro e Dezembro de 1997.
12 - A não inclusão da operação correspondente à NMV 184 no DAA 433 ocorreu por lapso.

13 - Aquela quantidade de vinho generoso deu entrada na cuba n°. 30 no dia 21.11.1997 por meio da Nota de Movimento de Vinhos n°. 433 (folhas 46 e 71 dos autos).
14 - O referido vinho saiu daquela cuba entre os dias 25.11.97 e 4.12.97 para engarrafamento (folhas 47 a 57 e 72 a 81 dos autos).
15 - Após ter sido engarrafado, parte dele foi expedido em regime de suspensão para França com os DAA nº. 6550, 7001 e 7002, em 27.11.97, 7003, em 3.12.97, e 7004, em 4.12.97, a que correspondem as facturas no. 1429, 1430, 1431, 1432 e 1433 (folhas 58 a 67 e 82 a 91 dos autos), tendo as existências do referido entreposto ficado reduzidas a “0” (folhas 68 e 92).
16 - O restante foi introduzido em consumo em Portugal tendo o imposto sido pago por meio da DIC n°. 98 000116 1, de 98.01.15, no valor de 1 868 863$00 (folhas 69 e 93 dos autos), valor esse que inclui, além do IEC incidente sobre o remanescente do Vinho Generoso em causa, também as restantes vendas para o mercado interno ocorridas no mês anterior.
17 - A impugnante não apresentou um plano de produção com indicação das taxas de rendimento para efeitos de benefício de franquia. fls. 148.
18 - Os inspectores apuraram tais quebras, com base nos varejos efectuados, e nos elementos e “documentação” pela impugnante fornecida, entre os quais “informações” e listagens”. Fls. 32.
19 - A tolerância aplicada (1,49%) incidiu sobre o saldo contabilístico existente à data de 31/1/00.
20 - A impugnante não acusou no campo próprio dos DAA (o C), excesso ou quebra de mercadorias por si recepcionadas. Fls. 36.
21 - A contabilidade de existências em sistema de inventário permanente não se encontrava correctamente processado nem actualizado não detectando as existências detectadas. Fls. 38.
22 - Em 2000 foi remetido à Alfandega de peso da Régua o pedido consubstanciado no doc. de fls. 42.
23 - No período em apreço deu entrada na impugnante aguardente vínica de pelo menos um outro depositário, a S… C.R.L. - Entradas e saídas relativas a este depositário que resultam dos docs. 7 a 14 (anexos), cujos teores se dão por reproduzidos.
24 - Tal situação era do conhecimento da alfândega.
25 - A situação foi criada pelo termo do monopólio da comercialização de aguardente vínica por parte da Casa do Douro, por não existirem ao tempo entrepostos de armazenamento com capacidade para as quantidades necessárias ao processamento do vinho do porto das campanhas desse período.
26 - Era a proprietária que supervisionava as entradas e saídas do produto e as mesmas eram acompanhadas pela CIRDD e era do conhecimento do IVP e da alfândega.
27 - Em tais entradas nada foi registado relativo a quebras nos DAA’s.
28 - A aguardente vínica era propriedade desses outros depositários, totalizando 12.423.587 L. (1850490 em 97, 2120621 em 98, 4849702 em 99 e 3602774 até 14/9/2000).
29 - A franquia prevista no art° 29 do D.L. 104/93 foi descontada sobre o saldo contabilístico conforme fls. 24 do relatório de inspecção (sobre 66.814).
30 - A Impugnante tinha à data dificuldade em proceder a medições rigorosas, devido aos sistemas de medição que possuía, tendo feito em esforço de modernização.
31 - Na sequência da inspecção realizada o Director da Alfândega de Braga, por despacho de 26/3/01, determinou a liquidação da dívida apurada em 21.675.283$00, no âmbito do processo de cobrança n° 04/2001, conforme fls. 147ss. Assim apurada:

Produto Quantidade % Álcool Taxa Dívida
Aguardente vínica 15.571,22 Litros (14.661,47*+909.75) 77% 1632$00 19.567.417$90
Vinho Generoso 22.187 Litros (1.370÷20.817) --- 95$00 2.107.765$00
Total 21.675.183$00
*66.814x149% =995,53=> 15.657-995,53 =14.661,47

Não se provaram outros factos, designadamente as dificuldades em comunicar quebras, nem que não pudesse verificar as mesmas com os meios de que dispunha, não obstante as dificuldades em proceder a medições rigorosas. Serviu para formar a convicção do tribunal os elementos juntos aos autos, designadamente os documentos referidos na matéria de facto, que apontam no sentido dos factos tal como descritos. O M… confirmou ter a impugnante recebido aguardente da sua entidade patronal a S…. F… confirmou as dificuldades da impugnante devida aos sistemas de medição e o esforço por esta realizada no sentido de se actualizar. O L… confirmou a realização efectiva do varejo, descrevendo com algum pormenor os actos realizados. O J… confirmou o pedido de fls. 42. Foi ainda confirmado pelas testemunhas indicadas pela impugnante o conhecimento por parte da alfândega de demais entidades da situação relativa à aguardente vínica, e a circunstância de ser a proprietária da mesma que supervisionava as entradas e saídas do produto, as quais eram do conhecimento do IVP e da alfândega».


4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Com o presente recurso, o Recorrente pretende apenas impugnar os fundamentos da sentença no que respeita à aguardente vínica, não integrando o objecto do recurso o decidido quanto ao vinho generoso.

Como decorre do probatório e dos autos, foi efectuada à impugnante – um depositário autorizado – uma acção inspectiva na qual foram apuradas discrepâncias entre os saldos contabilísticos e as existências físicas de aguardente vínica e vinho generoso, tendo sido apurado imposto sobre a diferença na falta de existências, corrigida de uma percentagem de 1,49 para perdas normais associadas ao processo produtivo, nos termos do disposto no DL 52/93, de 26 de Fevereiro e DL 104/93, de 5 de Abril.

Entendeu a sentença, acolhendo o alegado pela impugnante a propósito, que se fossem relevadas as quebras associadas ao manuseamento da aguardente vínica de terceiros armazenada nas suas instalações e cujo movimento não está reflectido no saldo contabilístico, tal permitiria justificar, a esse título, as faltas apuradas no varejo, não havendo base para liquidação do imposto, pois que esses terceiros depositantes e proprietários dos produtos sempre os levantaram na totalidade não lhes tendo sido imputada nos movimentos de saída qualquer diferença para quebras.

Como se diz na sentença, «É sabido no entanto que ocorrem perdas de volume devido às trasfegas, às manipulações, evaporação, etc. Tendo em conta tais conhecimentos e os valores usuais para este tipo de produto, a quebra total apurada, bem vistas as coisas, não se afigura excessiva.
No presente caso e relativamente à aguardente vínica, o produto não pertencia à impugnante não sendo esta mas antes a proprietária que supervisionava as entradas e saídas do produto. Não tinha a impugnante maneira de proceder às medições.
Tendo em conta o modo como as coisas se processaram, aliás com conhecimento das diversas entidades, não obstante a impugnante ter falhado no cumprimento das suas obrigações, designadamente no que respeita à documentação, imputar-lhe a referida falha mostra-se excessivo. Nunca a mesma controlou as entradas e saídas, o produto pertencia a terceira, tudo com conhecimento das autoridades. Atente-se não princípio da boa-fé que deve nortear as relações entre contribuinte e administração Fiscal - Art°59 da LGT».

Com este modo de ver não se conforma o Recorrente, porquanto e, designadamente, embora nada impeça que o Depositário Autorizado, no caso a Recorrida, tenha no seu entreposto fiscal produtos em suspensão de imposto que sejam propriedade de terceiros, no entanto, será sempre o DA o responsável fiscal por esses produtos, nomeadamente, em caso de perdas. E que, por outro lado, os produtos entrados em regime suspensivo no entreposto fiscal da impugnante ao abrigo de um DAA passam a integrar as suas existências, só de lá podendo ser movimentos a coberto de outro DAA (Documento Administrativo de Acompanhamento) ou de DIC (Declaração de Introdução no Consumo).

Cremos que a razão está do lado do Recorrente, avançamos já. Ora vejamos.

A impugnante é titular do estatuto de depositário autorizado, detendo nessa qualidade três entrepostos fiscais de produção (cf. pontos 1, 2 e 3 da matéria assente no probatório).
De acordo com o disposto no n.º1 do art.º23.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo DL 566/99, de 22 de Dezembro, na redacção anterior à da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, «A constituição de entrepostos fiscais é autorizada pela autoridade aduaneira com jurisdição na respectiva área, mediante vistoria prévia das instalações e sob condição de se encontrarem cumpridos e reunidos os requisitos fixados no artigo anterior».

Dispõe o n.º2 daquele preceito que «Só são autorizados entrepostos fiscais de armazenagem quando o depositário se assuma como garante em relação aos deveres declarativos e à responsabilidade fiscal, mesmo que não seja proprietário dos produtos».

Como salienta A. Brigas Afonso, “CIEC – Anotado”, 2.ª ed. Coimbra Ed., a pág.87, «…juridicamente, o depositário se identifica com o depositante, quer para efeitos declarativos quer quanto às obrigações fiscais, sem que, necessariamente, o depositário autorizado seja o proprietário dos produtos produzidos, transformados ou detidos no entreposto fiscal. Daqui decorre que o sujeito passivo dos IEC relativos aos produtos introduzidos no consumo à saída dos entrepostos fiscais é sempre o depositário autorizado, ainda que este não seja o proprietário».

Por outro lado e como decorre do disposto do n.º2 do art.º24.º do CIEC, o depositário autorizado deverá cumprir, entre outras, as seguintes obrigações acessórias (art.º31.º, n.º2, da LGT): b) manter actualizada uma contabilidade das existências em sistema de inventário permanente, com indicação da sua proveniência, destino e os elementos relevantes para o cálculo do imposto; d) prestar-se aos varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira.

Tais obrigações acessórias impostas ao Depositário Autorizado, já decorriam do n.º1 do art.º13.º do DL 52/93, de 26 de Fevereiro.

No que respeita a franquias por perdas, dispõe o n.º1 do art.º37.º do CIEC que «Beneficiam de franquia de imposto as perdas ocorridas em regime de suspensão, durante a produção, armazenagem e circulação, bem como por caso fortuito ou de força maior».

As perdas de armazenagem beneficiam de franquia de imposto correspondente às diferenças, para menos, entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto – art.º39.º, n.º1 do CIEC.

No mesmo sentido, já dispunha o n.º1 do art.º14.º do DL 52/93, que «O depositário autorizado beneficiará de uma franquia para as perdas ocorridas durante o regime de suspensão, devido a casos fortuitos ou de força maior, bem como para as perdas atinentes à própria natureza dos produtos durante o processo de produção e transformação, o armazenamento e o transporte».

E como decorre do disposto no n.º2 do art.º28.º do DL 104/93 que «Os suportes contabilísticos de entradas e saídas, em caso de perdas, deverão encontrar-se acompanhados dos respectivos comprovativos».

Ou seja, em qualquer dos regimes tributários potencialmente aplicáveis ao período entre 1997 e Setembro de 2000, abrangido pela acção inspectiva (cf. ponto 4 da matéria assente), as perdas tinham de estar reflectidas no registo contabilístico das operações.

Se a impugnante efectuou operações de armazenagem de aguardente vínica propriedade de terceiros depositantes – ainda que no quadro de uma situação excepcional e com o conhecimento e consentimento da autoridade aduaneira –, cujo movimento não fez reflectir no saldo contabilístico das existências, não pode agora pretender que as diferenças para menos nas existências físicas detectadas no varejo sejam reportadas como perdas com benefício de franquia associadas a manipulações, transfega ou evaporação do produto, até à percentagem de 1,5 consentida pela alínea a) do n.º1 do art.º39.º do CIEC.

Para beneficiar dessa franquia, tinha de reflectir no saldo contabilístico os movimentos desse produto, até porque a franquia é calculada sobre a diferença entre o saldo contabilístico e as existências físicas.

Não pode entender-se, como fez a sentença, que o conhecimento da situação pela autoridade aduaneira (i.e., de que havia produtos de terceiros armazenados no entreposto fiscal da impugnante em regime suspensivo) envolva a derrogação de obrigações acessórias prescritas na lei, nomeadamente no que concerne à contabilização das operações e que constituem o pressuposto necessário do benefício das franquias por perdas.

É certo que não tendo o produto de terceiros entrado no entreposto fiscal da impugnante sofrido qualquer correcção por perdas à saída (ou seja, os terceiros levantaram as exactas quantidades entradas), é provável que as faltas, para menos, detectadas nas existências físicas da impugnante tenham origem nessas eventuais perdas (por evaporação, transfega e manipulação).

No entanto, nem isso resulta demonstrado nos autos, nem foi esse o fundamento decisório da sentença.

Como dela se alcança, a Mma. juiz, fazendo apelo ao princípio da colaboração previsto no art.º59.º da LGT, concluiu que as diferenças apuradas no varejo eram imputáveis a perdas com benefício de franquia não obstante o incumprimento, pela impugnante, de obrigações acessórias de natureza legal que constituem o pressuposto necessário da consideração dessas diferenças como perdas com benefício de franquia, nessa medida não dando origem a qualquer tributação.

Dispõe o n.º2 do art.º59.º da LGT que «presume-se a boa fé da actuação dos contribuintes e da administração tributária».

Ora, compulsado o probatório, não alcançamos qualquer base factual para se poder afirmar que a administração tributária actuou no procedimento correctivo com violação do princípio da boa fé (isto é, ao arrepio da confiança suscitada pela sua actuação na contraparte ou da expectativa gerada pela sua actuação); mas ainda quando tal se pudesse afirmar, isso poderia constituir vício autónomo gerador de responsabilidade civil, mas nunca a impugnante poderia beneficiar, na ausência dos pressupostos legais, da franquia por perdas relativamente a faltas para menos constatadas nas existências com origem em movimentos omitidos na sua contabilidade.

A sentença incorreu, pois, no apontado erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrida.
Porto, 29 de Junho de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro