Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02010/12.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/15/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; CONVERSÃO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA EM REVISÃO OFICIOSA; ART. 78.º LGT; ART. 52.º CPPT; ART. 131.º CPPT
Sumário:A revisão oficiosa é um poder-dever da Administração fiscal, atento o princípio da legalidade, motivo pelo qual a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores vem sublinhando que, e atendendo ao expressamente disposto no referido n.º 7 do art. 78.º da LGT, a revisão oficiosa nos termos reservados à ATA pode ser realizada a “pedido do sujeito passivo”, que a pode espoletar ainda que se mostre ultrapassado o prazo para a reclamação graciosa, ou que a reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT não tenha sequer chegado a ser interposta.

Atendendo a que a ATA se encontra obrigada, para além do mais, ao respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. art. 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência [cf. arts. 55.º da LGT, e 10.º do CPA, na redação então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT], não estava legitimada a escudar-se na circunstância de as entidades competentes para a decisão da reclamação graciosa e do pedido de revisão serem diferentes, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão oficiosa.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:P., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. RElatório

Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com o acórdão proferido em 2014-11-27 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a ação administrativa interposta por P., Lda. tendo por objeto o ato de indeferimento praticado em 2012-02-14 em sede de recurso hierárquico pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas sobre o pedido de convolação de reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRC do ano de 2005 em revisão oficiosa, vem interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

D. Conclusões
42. A reclamação graciosa apresentada pelo sujeito passivo foi extemporânea.
43 Sendo de sua iniciativa e com fundamento em ilegalidade, o pedido de revisão oficiosa deveria ser apresentado no mesmo prazo da reclamação graciosa, nos termos do disposto art.º 78.º, n.º 1, da LGT, o que não aconteceu.
44. A reclamação graciosa não poderia ser convolada em pedido de revisão da liquidação a pedido do sujeito passivo, pois o respectivo prazo de dedução estava ultrapassado, face ao disposto no art.º 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT.
45. Por outro lado, para que fosse legalmente possível, nos termos do art.º 52.º do CPPT, a convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa, deveria existir um erro na forma do procedimento.
46. Ora, não existiu qualquer erro na forma do procedimento, já que a reclamação graciosa era o meio próprio para reagir contra o acto tributário, apesar de manifestamente intempestivo.
47. Acresce que as entidades competentes para a decisão da reclamação graciosa e do pedido de revisão eram diferentes.
48. Não estão reunidos os pressupostos legais do art.º 78.º da LGT para promover a revisão da liquidação por iniciativa da administração, não apenas por estar absolutamente convencida da legalidade da sua actuação e de que, por isso, nada há a rever, como por não ter existido qualquer erro imputável aos serviços que a pudesse fundamentar.
49. A douta sentença erra ainda ao considerar verificados e provados os vícios, as ilegalidades e os erros dos serviços alegados pelo sujeito passivo com a única sua finalidade de aproveitar o prazo de 4 anos de revisão do acto tributário.
50. Termos em que se conclui não apenas pela inaplicabilidade do art. 52.º do CPPT, como, ainda, pela inaplicabilidade do art. 78.º, n.º 1, da LGT, ou seja, pela legalidade da actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao longo de todo este procedimento e, nesse sentido, pela legalidade do acto recorrido, ao indeferir o recurso hierárquico em que se pretendia a convolação da reclamação graciosa extemporânea em procedimento de revisão do acto tributária da iniciativa da AT.”

Termina pedindo:
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exa doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e provado, revogando-se a douta sentença recorrida, e assim se mantendo integralmente a legalidade do despacho recorrido”
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A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

IlI. CONCLUSÕES
A) Está em causa nos presentes autos o acórdão do Tribunal a quo, de 27.11.2014, que decidiu ''julgar procedente a acção, e em consequência, condenar a administração tributária a convolar a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa”.
B) Inconformada com a referida decisão, veio a AT dela interpor Recurso, alegando, em síntese, que “a douta sentença recorrida errou, manifestamente, na aplicação do direito, procedendo a uma inte1pretação e aplicação do disposto nas normas do art. 52.º do CPPT e do art. 78.º n. º 1, da LGT, que não encontram qualquer apoio nestas normas”.
C) Todavia, a decisão do Tribunal a quo é, a todos os títulos, de aplaudir, não merecendo qualquer reparo e não tendo violado ou interpretado incorrectamente qualquer norma jurídica.
D) Assim, é possível a convolação da reclamação graciosa apresentada em pedido de revisão oficiosa.
E) De facto, o pedido de revisão do acto é um dos meios que se encontram ao dispor do contribuinte, a par da reclamação graciosa e impugnação judicial, pelo que não se compreende a razão pela qual a AT entende que não é possível convolar a reclamação graciosa apresentada.
F) Refira-se, aliás, que, em face do indeferimento da reclamação graciosa por intempestividade, sempre poderia o contribuinte apresentar, ex novo, um pedido de revisão do acto de liquidação, pelo que, por maioria de razão e por respeito ao princípio da celeridade, deveria a AT ter atendido ao pedido de convolação efectuado pela Recorrida, assim evitando a instauração de um novo procedimento.
G) Para além disso, não é de acolher o argumento da AT de que se verifica a incompetência, em razão da matéria, do órgão decisor e que tal impede a convolação, porquanto, caso se verificasse a referida incompetência, tinha a AT o dever de, à luz do artigo 61.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, remeter os autos ao órgão competente.
H) Por último, também não se pode aceitar o argumento de que a convolação não é possível por não se encontrar demonstrado o requisito do erro imputável aos serviços, uma vez que havendo um erro de direito na liquidação, e sendo ela efectuada pelos serviços, é à AT que é imputável esse erro.
I) Sendo que resulta dos articulados produzidos em sede de procedimento que entende a Recorrida que a liquidação adicional de IRC n. 0 2009 8010030296, de 23.12.09, no montante de€ 17.722,32 (dezassete mil, setecentos e vinte e dois Euros e trinta e dois cêntimos) e da respectiva demonstração de liquidação juros n.º 2009 0000681925 8, de 30.11.2009, no montante de € 836,17, padece de ilegalidade, por errada interpretação e aplicação da lei, sendo tal erro imputável aos serviços.
J) Em face de tudo o que resulta exposto, não assiste qualquer razão à AT na medida em que o Acórdão recorrido, como vimos supra, não padece de qualquer vício de erro de julgamento, tendo efectuado uma exemplar aplicação do Direito, aplicação essa que, de resto, tem vindo a ser corroborada de forma sistemática e unânime pelos nossos tribunais superiores.”

Termina pedindo:
Termos em que, em face da fundamentação exposta e porque o douto acórdão bem decidiu, deve o mesmo ser mantido e negado provimento ao presente recurso apresentado pela fazenda pública, assim fazendo V. Exas. a costumada justiça.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são assacados pela Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

IV – Matéria de facto

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 23.12.2009 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2009 8010030296 relativa ao exercício de 2005 no montante de €17.722,32 – cfr. fls. 26 do processo de recurso hierárquico (RH) junto aos autos.
2. Na sequência da liquidação descrita em 1), a Autora deduziu em 7.06.2010 reclamação graciosa, instaurada com o n.º 3964201004002083, daí decorrendo “II – Dos vícios de violação de lei 2.1. Proveitos indevidamente contabilizados, 2.2 Encargos não dedutíveis 2.2.1 Despesas com a viatura XX-X-XX (VWCaddy), 2.2.2 Reclassificação de despesas com deslocações e estadas em despesas de Representação, 2.4. Pagamento de adiantamento por conta de lucros ao sócio-gerente” - cfr. fls. 1 a 23 do processo de RH junto aos autos.
3. Em 10.02.2011 foi elaborado pela Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto “projecto de despacho” de indeferimento da reclamação graciosa a que se alude em 2. – cfr. fls. 75 a 80 do processo de RH junto aos autos.
4. A Autora exerceu audição prévia no âmbito da reclamação descrita em 2., requerendo a convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa – cfr. fls. 83 a 101 do processo de RH junto aos autos.
5. Sob a reclamação graciosa a que se alude em 2) recaiu em 11.03.2011 despacho de indeferimento, por intempestividade – cfr. fls. 104 a 108 do processo de RH junto aos autos.
6. Do despacho de indeferimento a que se alude em 5., a Autora apresentou recurso hierárquico em 18.04.2011 – cfr. fls. 113 a 141 do processo de RH junto aos autos.
7. Em 14.02.2012 o recurso hierárquico a que se alude em 6. foi indeferido pela Directora de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - cfr. fls. 144 a 149 do processo de RH junto aos autos.
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Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
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O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, nos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos.
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II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pela Recorrente.

Como foi já referido supra, em causa nos presentes autos está o Recurso interposto pela ATA da sentença que deu razão à Recorrida, determinando a ilegalidade do ato que indeferiu o seu pedido de ver aceite a convolação da reclamação graciosa que interpusera do ato de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2005, na revisão oficiosa prevista no art. 78.º da LGT, atendendo a que a primeira fora interposta depois de excedido o prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT.

Argumenta a Recorrente que o acórdão em crise padece de erro de julgamento de direito, pois não se tendo verificado qualquer erro na forma do procedimento, não era aplicável ao caso o disposto no art. 52.º do CPPT; a convolação também não era possível pelo facto de os órgãos competentes para apreciar e decidir a reclamação e a revisão oficiosa não serem os mesmos; não estavam reunidos os pressupostos legais da revisão oficiosa, pois o prazo previsto no n.º 1 do art. 78.º da LGT já se encontrava esgotado; não podia a sentença dar como provada a existência de um erro imputável aos serviços, pois deste modo julgou a “matéria de fundo”.

Desde já se antecipa que a Recorrente não tem razão.

Vejamos então.
A ATA está sujeita a um conjunto de princípios, de entre os quais impera, como não poderia deixar de ser, o princípio da legalidade, não estando autorizada a efetuar liquidações de imposto que extravasem os estritos contornos da lei, a que deve obediência, tal como resulta do disposto no n.º 3 do art. 103.º, in fine, da Constituição da República Portuguesa, e tal como é concretizado no disposto no art. 8.º da LGT.

Por outro lado, no âmbito do procedimento tributário, não pode deixar de pautar a sua conduta no respeito pela prossecução do interesse público, e de acordo com, entre outros, os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da celeridade, e no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários (cf. art. 55.º da LGT).

Assim, e como a própria Recorrente reconhece nas suas alegações de recurso, quando “os Serviços” tomam conhecimento da existência de um erro que lhes seja imputável, têm a obrigação de proceder à sua correção, no prazo de caducidade da liquidação se o imposto foi já pago, ou a todo o tempo se assim não aconteceu, tal como resulta do disposto n.º 1, in fine, do art. 78.º da LGT.

É, aliás, o princípio da legalidade que se encontra subjacente à própria existência da possibilidade de revisão oficiosa dos atos tributários, prevista no art. 78.º da LGT.

Sucede que há muito que a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores – aliás, profusamente citada no acórdão recorrido - se encontra pacificada no entendimento de que uma interpretação correta e adequada do disposto no art. 78.º da LGT, também à luz do supracitado princípio da legalidade, implica que se deva aceitar que a revisão oficiosa da iniciativa da ATA, nos prazos de que a mesma dispõe para o efeito, pode também ela ser espoletada mediante requerimento dos sujeitos passivos (vejam-se nesse sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo STA em 24-05-2006, no proc. 01155/05; em 12-07-2006, no proc. 0402/06; em 15-11-2006, no proc. 028/06; em 22-03-2011, no proc. 01009/10; em 14-03-2012, no proc. 01007/11; em 06-02-2013, no proc. 0839/11; em 02-07-2014, no proc. 01950/13; em 18-11-2015, no proc. 01509/13; em 04-05-2016, no proc. 0407/15; em 09-11-2016, no proc. 01524/15; e em 03-02-2021, no proc. 02683/14.5BELRS 0181/18).

Com efeito, e tal como é referido com meridiana clareza num dos supracitados acórdãos “É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento” (cf. Acórdão do STA proferido em 04-05-2016, no proc. 0407/15).

De facto, “podem os contribuintes provocar a revisão (cf. n.º 7 da norma) a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a mesma revisão como um poder-dever (natureza vinculada), pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266, n.º 2, da C.R.P., art. 55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 03-02-2021, no proc. 02683/14.5BELRS 0181/18).

Ora, sendo a revisão oficiosa um poder-dever da ATA, além do mais, em obediência ao supracitado princípio da legalidade – e atendendo ao expressamente disposto no já referido n.º 7 do art. 78.º da LGT, nos termos do qual a revisão oficiosa pode ser realizada a “pedido do sujeito passivo” - não deixa de estar ao alcance do sujeito passivo espoletar a mesma, ainda que se mostre ultrapassado o prazo para a reclamação graciosa, como é aqui o caso, o que vem igualmente sendo reconhecido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, quando propugna que a revisão oficiosa é admissível ainda que não tenha sido sequer interposta a reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT, ou ainda que seja ultrapassado o prazo para o efeito, por ser “(…) contrária ao sentido do nº 2 do artº 78º da LGT e se reconduziria a uma restrição das possibilidades de revisão oficiosa, a interpretação (…) de que só seria possível a revisão oficiosa quando o contribuinte tivesse apresentado reclamação no prazo de dois anos”, pelo que “o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa não impede o impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta” (cf. Acórdão proferido pelo STA em 29-10-2014, no proc. 01540/13, e no mesmo sentido, os acórdãos proferidos em 12-09-2012, no proc. 476/12, em 14-06-2012, no proc. 259/12, em 14-03-2012, no proc. 1007/11, em 29-05-2013, no proc. 140/13, em 14-12-2011, no proc. 366/11, em 20-11-2007, no proc. 536/07, e em 02-02-2005, no proc. 1171/04, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Ora, sendo admissível o pedido de revisão oficiosa pelo sujeito passivo nos termos e no prazo em que o mesmo é admissível para ATA, ainda que após o esgotamento do decurso do prazo de reclamação graciosa, ou quando a mesma não chegue sequer a ser interposta, não há dúvida de que ao caso era aplicável o disposto no art. 52.º do CPPT, como foi corretamente preconizado no acórdão sob recurso, ao qual nada há a censurar nesta matéria, estando em causa um verdadeiro erro na forma do procedimento, uma vez que estando esgotado o prazo de reclamação, a Recorrida deveria ter lançado mão da revisão oficiosa.

Por outro lado, e atendendo a que a ATA se encontra obrigada, para além do mais, ao respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. art. 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência [cf. arts. 55.º da LGT, e 10.º do CPA, na redação então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT], não estava legitimada a escudar-se na circunstância de as entidades competentes para a decisão da reclamação graciosa e do pedido de revisão serem diferentes, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão.

De facto, atendendo a que estava ao seu alcance sanar esta deficiência, cabia-lhe fazê-lo, desde logo nos termos do disposto no art. 19.º do CPPT, remetendo oficiosamente o pedido para a entidade competente para a respetiva apreciação.

Por fim, não tem a Recorrente qualquer razão na alegação de que o acórdão sob recurso terá considerado “verificados e provados os vícios, as ilegalidades e os erros dos serviços alegados pelo sujeito passivo com a única sua finalidade de aproveitar o prazo de 4 anos de revisão do acto tributário”.

Com efeito, o que claramente resulta do referido acórdão é que com vista à “verificação do último pressuposto para decidir da convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão como estabelece para o efeito o artigo 78º da LGT, isto é, do erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 daquele dispositivo legal”, ali se apurou que “a Autora invocou em sede de reclamação graciosa vícios de violação de lei que considera serem de imputar à liquidação de IRC, designadamente quanto às correcções efectuadas relativamente aos “proveitos indevidamente contabilizados, encargos não dedutíveis, despesas com a viatura XX-X-XX (VWCaddy), reclassificação de despesas com deslocações e estadas em despesas de representação, pagamento de adiantamento por conta de lucros ao sócio-gerente” (cfr. ponto 2. do acervo probatório).”, concluindo-se, em conformidade, que “os vícios imputados ao acto tributário sindicado em sede de reclamação oficiosa, decorrentes da ilegalidade das correcções à matéria tributável, integram, de forma evidente, o conceito de erro imputável aos serviços e constituem fundamento válido de pedido de revisão dos actos tributários” (cf. páginas 7 e 8, do acórdão recorrido).

Já sobre a eventual (im)procedência dos referidos vícios, nada foi dito, pelo que também quanto a esta questão não há que dar razão à Recorrente.

Em face do exposto, e nada havendo a censurar ao acórdão recorrido, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
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No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à entidade Recorrente, atendendo ao seu decaimento [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].
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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

A revisão oficiosa é um poder-dever da Administração fiscal, atento o princípio da legalidade, motivo pelo qual a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores vem sublinhando que, e atendendo ao expressamente disposto no referido n.º 7 do art. 78.º da LGT, a revisão oficiosa nos termos reservados à ATA pode ser realizada a “pedido do sujeito passivo”, que a pode espoletar ainda que se mostre ultrapassado o prazo para a reclamação graciosa, ou que a reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT não tenha sequer chegado a ser interposta.

Atendendo a que a ATA se encontra obrigada, para além do mais, ao respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. art. 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência [cf. arts. 55.º da LGT, e 10.º do CPA, na redação então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT], não estava legitimada a escudar-se na circunstância de as entidades competentes para a decisão da reclamação graciosa e do pedido de revisão serem diferentes, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão oficiosa.
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III. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, confirmando o acórdão recorrido.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 15 de abril de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.