Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00509/10.8BEVIS |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 02/02/2023 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Paula Moura Teixeira |
Descritores: | IVA; NULIDADE DE SENTENÇA; MÉTODOS INDIRETOS; PRESSUPOSTOS. |
Sumário: | I. Assim, o n. º 4 do art.º 77.º da LGT obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação. II. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. III. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Anular a sentença recorrida, e em substituição, julgar a impugnação judicial procedente, anulando-se as liquidações de IVA dos anos de 2005 e 2006. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Para além dos processos constantes do mapa anterior existe ainda informação sobre outros processos judiciais constantes da declaração modelo 11 entregue mensalmente pelos Tribunais, com informação dos processos concluídos nesse período Dessa declaração consta o NIF (Número de identificação fiscal) do advogado interveniente no mesmo, o n.° de processo, o próprio Tribunal e o valor da acção, pelo que não é possível relacionar directamente os recibos emitidos com os processos concluídos. No entanto, comparando os dados do mapa que se segue, onde é feita uma separação entre os recibos emitidos em resultado dos contratos de avença e todos os outros verifica-se que na realidade os segundos são meramente residuais.
2 - Divergências entre valores declarados Analisados os valores constantes das declarações periódicas de IVA e do anexo B à declaração de rendimentos modelo 3 (IRS) verifica-se que a base tributável declarada para efeitos de IVA, diverge do valor dos serviços prestados para efeitos de IRS correspondendo este último aos evidenciados pelos recibos emitidos. Fica desta forma demonstrado que as declarações não foram preenchidas com base nos registos contabilísticos, não oferecendo desta forma credibilidade os valores declarados /registados. 3 - Falta de Informação/declarações O sujeito passivo é obrigado, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 28º do CIVA, a entregar no mês de Junho uma declaração de informação contabilísticas e fiscal relativamente ao exercício anterior, a qual, deve conter informação de primordial importância na análise da situação tributária. No entanto o sujeito passivo não entregou esta declaração para qualquer exercício... 4 - Prejuízos contabilísticos O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime simplificado de tributação pelo que o rendimento tributável da actividade é apurado, nos termos do nº 2 do artigo 31º do CIRS, pela aplicação ao valor dos serviços prestados do coeficiente 0, 65, não sendo assim possível apurar um resultado tributável negativo. No entanto da análise aos livros e demais elementos da escrita verifica-se que nos exercícios de 2005 e 2006 o sujeito passivo apurou um resultado contabilístico negativo, dado que os custos registados superam os proveitos declarados, conforme mapa que se segue.
Para além dos prejuízos da actividade, dado que o sujeito passivo no exercício de 2005 adquiriu activo imobilizado, sendo apurado um fluxo de caixa negativo de € 1 356,32 e € 1 509 03... 5 -Motivos para aplicação de métodos indirectos Perante os factos anteriormente referidos, fica demonstrada a falta de veracidade dos valores declarados pelo Sujeito Passivo, bem como a existência de uma capacidade contributiva superior à declarada, pelo que nos termos da alínea b) do artigo 87º e alínea d) do artigo 88º, ambos da LGT, estão reunidas as condições para a necessária aplicação de métodos indirectos no apuramento dos rendimentos tributáveis. Capítulo VI – Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos 1 - Critério utilizado O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime simplificado de tributação pelo que a informação disponível pela consulta às declarações fiscais por si entregues apenas evidenciam o volume de negócio. No entanto da análise efectuada aos livros de registo do sujeito passivo foi possível apurar os custos incorridos pelo sujeito passivo no exercício da sua actividade, os quais totalizaram € 12 176 07 e € 13 059 03, respectivamente para o exercício de 2005 e 2006... Desta forma demonstrada que foi a necessidade da aplicação de métodos indirectos no apuramento do rendimento tributável e dada a falta de um método mais eficaz, como por exemplo o acesso à informação bancária, para apurar o rendimento tributável e o IVA liquidado, iremos recorrer à informação existente para este tipo de actividade (rácios da actividade). ... O passo seguinte é optar por um dos rácios disponíveis no sistema informático da DGCI (os quais resultam dos valores declarados pelos sujeitos passivos colectados com o mesmo código de actividade), tendo-se optado pelo rácio que compara o volume de negócios com o resultado líquida da actividade (rentabilidade líquida da actividade – R12) ...”, cfr. relatório de Inspecção, mormente fls. 3 e segs., correspondentes a fls. 24 e segs. do processo apenso que se vem aludindo; F) Relatório a que o Impugnante reagiu exercendo o direito de audição, o qual, depois de convertido em relatório final deu origem às liquidações nestes autos impugnadas, liquidações adicionais de IVA dos anos de 2005 e 2006 vide fls. 9 e 10 do relatório, 15 e 16 da 1ª Reclamação Graciosa últimas seis folhas do 1º Recurso hierárquico, dos autos apensos; G) liquidações emitidas em 29 de Novembro de 2008 e 15 de Março de 2009 12 e 13 de Março de 2009 e comunicadas, por cara registada, idem, F), última parte “...15 e 16 da 1ª Recl Graciosa...”; H) Descontente com o decidido veio a apresentar Reclamação Graciosa, uma para cada ano, onde, como nestes autos, defendeu, a ilegalidade no recurso a métodos indirectos e a falta de fundamentação quer do recurso àqueles métodos quer do acto tributário, vide fls. 3 e segs. dos autos apensos; I) Elaborada informação/proposta de decisão, no sentido do indeferimento da reclamação, foi o ora Impugnante notificado para, querendo, exercer o direito de audição mas nada disse ou requereu, pelo que a proposta se converteu em decisão de indeferimento, cfr. fls. 31 a 33 das Reclamações apensas; I) Não se conformando com o decidido, dizendo que as legalidades denunciadas não foram minimamente abordadas apresentou recurso hierárquico, um para cada ano, tendo os mesmos terminado com decisão a negar provimento aos recursos, decisão comunicada ao Impugnante em 02-08-2010, vide, fls. 8 e segss. dos respectivos recursos; J) Por último, das decisões que puseram termo aos recursos hierárquicos interpôs, em 8-11-2010 os presentes autos onde, em síntese, alegou: Ilegalidade no recurso aos métodos indirectos constituindo o mesmo, para além do mais, um vindicta a decisões judiciais que derrotaram a pretensão da Administração Tributária ao acesso a informação e/ou documentação bancária; Falta de fundamentação por se basearem em informações inócuas, de carácter especulativo como acontece com o próprio relatório de inspecção; ausência de audição prévia à decisão do recurso hierárquico; ilegalidade da notificação para pagamento cfr. fls. 3 e segs.. II Factos não provados Inexistem. 4. JULGAMENTO DE DIREITO 4.1. A Recorrente alega nas suas conclusões a nulidade da sentença nos termos da al. d) e b) do art.º 668.º do CPC (atual 615.º), por omissão pronúncia e por não ter especificado os seus fundamentos de facto e de direito, de acordo com o disposto no artigos 126.° do CPPT. Por força do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. Começando pela omissão de pronúncia a alínea d) do artigo art.º 668.º do CPC (atual 615.º do CPC) aplicável ao contencioso tributário por força da alínea e) do art.º 2 do CPPT, prevê a nulidade da sentença quando o juiz conheça ou não de questões de que não podia tomar conhecimento. Quer a omissão quer o excesso de pronúncia estão relacionados com o dever que é imposto ao juiz, pelo n.º 2 do artigo 660. º do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ressalvando aquelas que forem prejudicadas pela solução dada a outra não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras. Portanto, a nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013 e 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014). No caso em análise, o Recorrente alegou que, fundamentou a impugnação judicial com base na ilegalidade da decisão do recurso a métodos indiretos, na ausência da fundamentação legalmente exigida quer do recurso a tais métodos, quer do ato tributário, na ausência de audição prévia à decisão do recurso hierárquico e ilegalidade da notificação para pagamento. E que a decisão recorrida não se pronuncia convenientemente quanto à ilegalidade da decisão do recurso a métodos indiretos e ausência da fundamentação legalmente exigida. Entende que tendo todas essas questões sido levantadas, não tendo sido dada resposta às questões colocadas, ocorreu, omissão de pronúncia, conduzindo à nulidade da sentença. Da análise da petição inicial e da sentença recorrida resulta a apreciação da legalidade das liquidações de IVA, e respetivos juros, dos anos de 2005 a 2006, resultantes de correções por aplicação de métodos indiretos. Compulsada a decisão verifica-se que a mesma, identificou as questões a resolver, como “Ilegalidade no recurso aos métodos indirectos constituindo o mesmo, para além do mais, um vindicta a decisões judiciais que derrotaram a pretensão da Administração Tributária ao acesso a informação e/ou documentação bancária; Falta de fundamentação por se basearem em informações inócuas, de carácter especulativo, como acontece com o próprio relatório de inspecção; ausência de audição prévia à decisão do recurso hierárquico; e, ilegalidade da notificação para pagamento.” E em seguida tratou as duas primeiras questões em conjunto, como se argumentos se tratassem, reduzindo à questão, de saber se há ou não fundamentação suficiente na atuação da Administração Fiscal, nos termos do art.º 125.º do CPA. Analisada a petição inicial verifica-se que a mesma é confusa e pouco estruturada, no entanto, nos pontos números 11.º a 86.º sob o título ilegalidade do recurso a métodos indiretos, aponta ao ato tributário ilegalidades derivadas de: - não verificação da impossibilidade de comprovação e quantificação direta exata da matéria tributável situação que já tinha sido reconhecida no proc n.º ...3/08.7BEVIS (processo de derrogação de Sigilo Bancário) o qual foi julgado improcedente em primeira instância e confirmado por este TACN; (pontos (11.º a 52.º); - que não estava verificada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta exata da matéria tributável (53.º a 69.º); - não foram demonstradas as condições expressas previstas na lei para o recurso a métodos indiretos (70.º a 80.º); - questiona o critério aplicado, alegando violação do art.º 90.ºdo da LGT (81.º a 86.º). Nos pontos 87.º a 123.º sob o título ausência de fundamento legalmente exigida, quer de recurso a métodos indiciários, quer do ato tributário, a impugnação centra-se na falta de fundamentação. Tendo a sentença recorrida interpretado a petição inicial e reduzindo à questão de saber se há ou não fundamentação suficiente na atuação da Administração Fiscal, nos termos do art.º 125.º do CPA, incorreu em erro de julgamento e omitiu pronúncia quanto à questão da verificação dos pressupostos do recurso a métodos indiretos alegados pelo Impugnante/Recorrente. Assim, teremos de concluir que a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, pois não apreciou se estavam verificados os pressupostos para o recurso a métodos indiretos, a impossibilidade de comprovação e quantificação direta exata da matéria tributável e erro no critério aplicado, por violação do art.º 90.ºda LGT, vicio processual que conduz à sua anulação. Face ao disposto no art.º 715.º (atual 665º) do CPC cabe a este tribunal conhecer do mérito dessa parte, em substituição, se os autos fornecessem os necessários elementos. Com efeito o n.º 2 art.º 715.º do CPC prevê a hipótese de o TCA se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários. Nesta conformidade, dispondo este tribunal dos elementos necessários para decidir em substituição, dela se conhece de imediato. A questão principal que importa conhecer, face às conclusões e petição inicial é a de saber se o ato de liquidação de IVA dos anos de 2005 e 2006, enferma de ilegalidade por não estarem verificados os pressupostos para o recurso a métodos diretos. Da análise do relatório de inspeção, transcrito parcialmente na alínea E) da sentença recorrida, resultaram correções por aplicação de métodos indiretos à matéria tributável declarada relativamente aos anos de 2005 a 2006, pelo Impugnante/Recorrente O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estes tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.” Determina o n.º 2 do mesmo preceito que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo. Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial. Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados. Por sua vez o n.º4 do art.º 77.º da LGT, na redação aplicável, preceitua que “ A decisão da tributação por métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade base científica, ou fará a descrição dos bens …., e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.” (destacado nosso). Assim, o n. º 4 do art.º 77.º da LGT obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. Refira-se ainda que a avaliação indireta é uma forma subsidiária da avaliação direta da matéria tributável, nos termos do n.º 1 do artigo 85.º da LGT e excecional, uma vez que, apenas pode ser aplicada nos casos e condições expressamente previstas na lei, por força do art.º 81.º, n.º 1 da LGT. O regime regra de determinação da matéria tributável é o da avaliação direta, em consonância com o princípio da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrado no art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Decorre da alínea b), do art.º 87.º da LGT uma das situações que determina a possibilidade de se recorrer à avaliação indireta é “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”, sendo que essa impossibilidade pode resultar das anomalias e incorreções previstas nas alíneas a) a d) do art.º 88.º da LGT, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável. Dispõe, o art.º 88.º da LGT que: “A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) (…); d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada)”. Como decorre da matéria de facto – factualidade vertida na alínea E), e no capítulo IV do RIT – a Administração Tributária no relatório de inspeção descreveu a motivação que conduziu à aplicação de métodos indiretos, referindo que: “Da análise efectuada detectaram-se vários processos concluídos sem que aos mesmos correspondesse o respectivo recibo, nos termos do nº 1 do artigo 35º do CIVA. E que essa análise somente é possível fazer em relação ao ano de 2004 e 2005, dado que apenas para os exercícios de 2004 e 2005, se tem acesso a uma base de dados fornecida pelos tribunais, com a identificação dos intervenientes nos processos, clientes do sujeito passivo. Para além dos processos judiciais (Tribunais) existe também informação sobre processos que ocorreram nesta Direcção de Finanças, nomeadamente de reclamação graciosa e de revisão....
Para além dos processos constantes do mapa anterior existe ainda informação sobre outros processos judiciais constantes da declaração modelo 11 entregue mensalmente pelos Tribunais, com informação dos processos concluídos nesse período Dessa declaração consta o NIF (Número de identificação fiscal) do advogado interveniente no mesmo, o n.° de processo, o próprio Tribunal e o valor da acção, pelo que não é possível relacionar directamente os recibos emitidos com os processos concluídos. No entanto, comparando os dados do mapa que se segue, onde é feita uma separação entre os recibos emitidos em resultado dos contratos de avença e todos os outros verifica-se que na realidade os segundos são meramente residuais.
No entanto conforme consta da informação elaborada para propor ao Director Geral dos Impostos o acesso à informação bancária do sujeito passivo foi efectuada uma circularização aos clientes conhecidos do sujeito passivo verificando-se precisamente o contrário, ou seja, os clientes avençados correspondem apenas a 11.1% dos clientes conhecidos, conforme mapa que segue.
2 - Divergências entre valores declarados Analisados os valores constantes das declarações periódicas de IVA e do anexo B à declaração de rendimentos modelo 3 (IRS) verifica-se que a base tributável declarada para efeitos de IVA, diverge do valor dos serviços prestados para efeitos de IRS correspondendo este último aos evidenciados pelos recibos emitidos. Fica desta forma demonstrado que as declarações não foram preenchidas com base nos registos contabilísticos, não oferecendo desta forma credibilidade os valores declarados /registados. 3 - Falta de Informação/declarações O sujeito passivo é obrigado, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 28º do CIVA, a entregar no mês de Junho uma declaração de informação contabilísticas e fiscal relativamente ao exercício anterior, a qual, deve conter informação de primordial importância na análise da situação tributária. No entanto o sujeito passivo não entregou esta declaração para qualquer exercício... 4 - Prejuízos contabilísticos O sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime simplificado de tributação pelo que o rendimento tributável da actividade é apurado, nos termos do nº 2 do artigo 31º do CIRS, pela aplicação ao valor dos serviços prestados do coeficiente 0, 65, não sendo assim possível apurar um resultado tributável negativo. No entanto da análise aos livros e demais elementos da escrita verifica-se que nos exercícios de 2005 e 2006 o sujeito passivo apurou um resultado contabilístico negativo, dado que os custos registados superam os proveitos declarados, conforme mapa que se segue.
Para além dos prejuízos da actividade, dado que o sujeito passivo no exercício de 2005 adquiriu activo imobilizado, sendo apurado um fluxo de caixa negativo de € 1 356,32 e € 1 509 03… 5 -Motivos para aplicação de métodos indirectos Perante os factos anteriormente referidos, fica demonstrada a falta de veracidade dos valores declarados pelo Sujeito Passivo, bem como a existência de uma capacidade contributiva superior à declarada, pelo que nos termos da alínea b) do artigo 87º e alínea d) do artigo 88º, ambos da LGT, estão reunidas as condições para a necessária aplicação de métodos indirectos no apuramento dos rendimentos tributáveis. (…). Importa esclarecer que o Impugnante/Recorrente é advogado encontra-se enquadrado no regime simplificado de tributação a que se refere o art.º 28.º do CIRS e relativamente ao IVA no regime normal trimestral. Decorre do relatório de inspeção que a AT procedeu à determinação da matéria coletável dos exercícios de 2005 e 2006, com recurso a métodos indiretos, nos termos da alínea b) do art.º 87.º, conjugado com a alínea d) do art.º 88.º da LGT, presumido com base no cruzamento de informação que o Impugnante/Recorrente omitiu proveitos, pois não emitiu os respetivos recibos; nas divergências entre os valores declarados entre as declarações do IVA e do anexo B da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS; na falta de apresentação de informação/declarações nos termos da alínea d) do n.º1 do art.º 28.º do CIVA, a entregar no mês de junho; e na verificação de prejuízos contabilísticos nos anos de 2005 e 2006 no valor de € 1 356,32 e € 1 509 03, respetivamente. Como supra se disse, de acordo com as regras do ónus da prova prevista no art.º 74.º, n.º 3 da LGT, cabia à AT demonstrar a verificação dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indiretos. Nesta conformidade, competia à AT demonstrar que essas irregularidades /ocorrências encontradas na contabilidade do Impugnante, que desde já se diga não são muito exigentes, pois encontrava-se enquadrado no regime simplificado de tributação, o que à priori exigia à AT maior cuidado na verificação dos pressupostos e na impossibilidade do apuramento da matéria tributável por métodos diretos, pois só assim se encontrava legitimado o recurso a este meio de avaliação subsidiária e excecional [alínea b) do art.º 87.º conjugada com a a) do art.º 88.º, ambos da LGT]. Porém o relatório nada diz quanto a impossibilidade do apuramento da matéria tributável por métodos diretos, limita-se a concluir que face aquelas situações, estavam verificados os pressupostos. Está subjacente, à atuação da AT o entendimento de que, havendo irregularidades na contabilidade, encontrava-se legitimado de imediato o recurso a métodos indiretos. No entanto, não se pode sancionar este entendimento, na medida em que apesar de na contabilidade de 2005 e 2006, se ter verificado irregularidades/ocorrências, podem, com efeito, indiciar uma contabilidade desorganizada e com lacunas, no entanto não são de molde suficientes para demonstrar a omissão de proveitos e muito menos a impossibilidade da correção à matéria coletável por avaliação direta. Não tendo a AT demonstrado a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável não se encontram verificados os pressupostos para o recurso à avaliação por métodos indiretos, e deste modo, a impugnação terá de ser procedente, ficando prejudicadas as demais questões equacionadas na petição inicial. 4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário: I. Assim, o n. º 4 do art.º 77.º da LGT obriga a Administração quando recorre à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação. II. Compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Bem como cabe à Administração Tributária o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. III. Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. 5. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, anular a sentença recorrida, e em substituição, julgar a impugnação judicial procedente, anulando-se as liquidações de IVA dos anos de 2005 e 2006. Custas pela Recorrida, nos termos do art.º 527.º do CPC, com dispensa da taxa de justiça nesta instância, uma vez que não contra alegou. Porto, 02 de fevereiro de 2022 Paula Maria Dias de Moura Teixeira Maria da Conceição Soares Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes |