Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01866/04.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
MÉTODOS INDIRECTOS
PRESSUPOSTOS
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 14-07-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por M..., na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, respeitantes aos anos de 2000 e 2001.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 264-270), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. A douta sentença sob recurso concluiu pela procedência da presente impugnação, considerando que “a AT não demonstrou a realidade do facto por si avançado - CMV negativo - e que afastava a credibilidade da contabilidade da Impugnante”,
B. E que “a AT não logrou cumprir com o ónus que sobre eia impendia, no sentido de provar que se mostravam reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indireta da matéria coletável - a impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria coletável”.
C. A sentença recorrida deu como assente a factualidade elencada nos pontos A a N do probatório (“DOS FACTOS”), considerando ainda não se encontrar provado nos autos que “O valor total das existências da Impugnante a preço de custo correspondia em 31.12.2000 a € 746.254,14 (149.610.522$00) e em 31.12.2000 a € 1.045.738,69”.
D. Em causa nos autos encontram-se, pois, as liquidações adicionais de IVA (e respetivos juros compensatórios), resultantes das correções efetuadas pela AT, em sede de procedimento inspetivo, com recurso a métodos indiretos de avaliação,
E. As correções ao volume de negócios declarados nos exercícios de 2000 e 2001 em sede de IRS constituíram a base tributável para efeitos de IVA de imposto em falta de € 40.498,04 (€ 238.223,78* 17%) e € 46.598,45 (€ 274.108,50*17%), respetivamente.
F. Resulta dos autos que os SIT, no sentido do apuramento da verdadeira situação tributária da aqui impugnante, detetaram factos que consubstanciam indícios, fortes, sérios, concretos e objetivos que levam a concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável.
G. Tais factos constam discriminados no relatório junto aos autos e consistem, designadamente, no seguinte:
- Indícios de omissão de vendas à contabilidade, atento o facto do valor das existências iniciais, mais o valor das compras declaradas serem insuficientes para o valor das existências finais;
- Não exibição da fatura de venda com o nº 700;
- Falta de contabilização das faturas com os nºs 680, 689, 701 e 713;
- Os valores indicados na declaração de rendimentos apresentada pela impugnante (no anexo C) e por ela contabilizados como existências finais reportadas a 2000/12/31 e 2001/12/31, não coincidem com os inventários exibidos, correspondentes àquelas mesmas datas;
- Os preços constantes dos inventários exibidos à AT são preços de venda;
- A declaração da impetrante de que os seus fornecedores nem sempre faturavam a totalidade das suas vendas;
- A dificuldade de identificação dos artigos fabricados com destino a vendas fora da loja (para a mala), por falta de referências na fatura emitida pelos fabricantes.
H. Entende-se ainda relevante para uma correta decisão da causa, proceder à ampliação da matéria de facto provada, através do aditamento dos seguintes factos;
O) A AT deparou-se com a dificuldade de identificação dos artigos fabricados com destino a vendas fora da loja (para a mala), por falta de referências na fatura emitida pelos fabricantes,
P) o que a impediu de testar todos os artigos constantes dos inventários que lhe foram exibidos.
I. Considerou, assim, a AT encontrar-se legitimada, no caso em apreço, à aplicação de métodos indiretos, uma vez que, pelo confronto das declarações de rendimentos apresentadas pelo sujeito passivo, com a sua contabilidade, resultaram indícios fundados de que as mesmas não refletem a matéria tributável real do contribuinte.
J. Dispõe o nº 1 do artº 75º da LGT que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
K. Porém, esta presunção não se verifica no caso da contabilidade revelar omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflete ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (nº 2 do mesmo normativo).
L. Acontece que é o que se verifica in casu, porquanto a AT apurou na contabilidade do sujeito passivo, ora impetrante, certas irregularidades que, em seu entender, afastavam a presunção estabelecida no artº 75º da LGT.
M. Pelo que, afastada a presunção de veracidade das declarações da contribuinte, ora impugnante, face às omissões e inexatidões verificadas na sua contabilidade (artº 75º da LGT), procederam os SIT, em conformidade com o disposto nos artºs 87º e 88º da LGT, à avaliação indireta da matéria coletável da impetrante.
N. Acontece que, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artº 74º, nº 3 da LGT).
O. Destarte, demonstrados que estejam os pressupostos para recurso à avaliação indireta, caberia à impugnante demonstrar, através de prova concludente, factos que ponham em dúvida fundada os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade feito pela AT.
P. Do relatório extrai-se que o recurso aos métodos indiretos de avaliação assentou numa série de factos fortemente indiciadores de terem sido omitidas vendas pela impetrante (o que esta, aliás, confirmou no decurso do procedimento inspetivo), os quais constam descritos, detalhadamente, no capítulo IV do relatório, como supra se deixou exposto.
Q. A factualidade recolhida põe, assim, em dúvida a veracidade das declarações apresentadas pela impugnante.
R. Para que a AT utilize o mecanismo da avaliação indireta basta que conclua pela existência de anomalias e incorreções que inviabilizem o apuramento da matéria tributável, o que ocorreu, in casu, resultando da factualidade ínsita nos autos, que a AT carreou para os autos uma série de indícios suficientes e credíveis (irregularidades da contabilidade) que lhe permitiram concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, em conformidade com o disposto no al. b) do nº 1 do artº 87º e al. a) do nº 1 do artº 88º da LGT.
S. Porém, o Mmo Juíz a quo, porque entendeu que a AT não logrou demonstrar as asserções em que se baseia para o cálculo do CMV negativo, conclui não se poder aceitar o “«facto-índice» coligido pela AT”, “porque assente em pressupostos não demonstrados”.
T. Acontece que não se trata apenas de um “facto-índice”, mas de um conjunto de factos que, no seu todo, indiciam a inverdade das declarações apresentadas pela impugnante.
U. A douta sentença sob recurso analisa, isoladamente, cada um dos factos recolhidos pelos SIT - e que a AT tomou como legitimadores do recurso a métodos indiretos, chegando, a final, à conclusão de que o único facto que poderia servir para afastar a credibilidade da contabilidade da impugnante (CMV negativo), não foi demonstrado.
V. Porém, todos os factos carreados para os autos pela AT, como legitimadores do recurso aos métodos indiretos devem ser atendidos como um todo e não isoladamente como fez o Mmo Juíz a quo.
W. Concluiu a douta sentença que no que concerne à omissão à contabilidade de algumas faturas, para além destas poderem ser contabilizadas, tal omissão consubstancia um erro formal, enquadrável na al. c) do artº 88º da LGT e não na al. a) em que a AT se baseou, por não se tratar de uma irregularidade na organização ou execução da contabilidade.
X. Ora, se é certo que as mesmas podem ser contabilizadas, são também indício, juntamente com os restantes factos apurados, que mais faturas poderão não ter sido contabilizadas, tanto mais que a própria impugnante admite a omissão de compras, em virtude da subfacturação por parte dos seus fornecedores (fabricantes de artigos de ourivesaria).
Y. E também este facto (confissão da omissão de compras) não foi levado ao probatório.
Z. No que respeita à falta de exibição da fatura nº 700, considera a douta sentença do Tribunal a quo não ser razoável, sem mais, que a mera falta de uma fatura fundamente o recurso à avaliação por métodos indiretos, entendendo ainda que a AT deveria ter fixado um prazo para a sua exibição.
AA. E no que respeita à divergência entre os valores dos inventários declarados e os constantes dos inventários exibidos pela impugnante, concluiu a douta sentença sob recurso que, não obstante ser “notório que, quer a divergência entre os valores dos inventários declarados e os constantes nos inventários exibidos pela Impugnante à AT, quer a inventariação das existências a preço de venda consubstanciam irregularidades na organização ou execução da contabilidade, subsumíveis à al. a) do art. 88.° da LGT”,
BB. a AT não concedeu “prazo ao contribuinte para regularizar os elementos da sua contabilidade”.
CC. Considerou, assim que a AT descurou, desta forma, “o cumprimento de tal formalidade legal e lançou mão, para o cumprimento da respetiva diligência, dos elementos contabilísticos existentes e que, já tinha entendido, como irregularmente elaborados. Pelo que, necessariamente, não podia a AT ter concluído pela impossibilidade em comprovar e quantificar direta e exatamente a matéria coletável, quando tomou em consideração documentação que sabia deficiente sem conceder à Impugnante a possibilidade de regularizar a situação”.
DD. Acontece que, no que respeita à não concessão de um prazo para exibição da fatura em falta e para justificação da divergência entre os valores declarados e os constantes nos inventários exibidos, não obstante o mesmo não ter sido concedido, o certo é que, foi a impugnante notificada para exercer o direito de audição, antes da tomada de decisão final sobre o procedimento, e não veio, nessa sede, regularizar nenhuma daquelas situações, nem o fez em sede da presente impugnação.
EE. Reitera-se, a própria sentença sob recurso concluiu ser “notório que, quer a divergência entre os valores dos inventários declarados e os constantes nos inventários exibidos pela Impugnante à AT, quer a inventariação das existências a preço de venda consubstanciam irregularidades na organização ou execução da contabilidade, subsumíveis à al. a) do art. 88.° da LGT”.
FF. Acresce que, tendo a ação inspetiva em causa sido acompanhado pela impetrante, não se compreende porque razão não apresentou, então, todos os elementos contabilísticos e extra-contabilísticos que possuía ou tinha conhecimento, de forma a esclarecer a sua situação tributária, o que se torna ainda mais relevante face à notificação do projeto de correções, não o contrariando, não obstante ter exercido o direito de audição.
GG. Se foi a falta da referida notificação que impossibilitou a impugnante de regularizar a sua situação tributária, o certo é que a mesma o poderia ter feito, mormente em sede de exercício de direito de audição, inviabilizando assim as correções entretanto perpetradas pela AT.
HH. Porque não o fez, evidencia-se, desde logo, a omissão de elementos à AT necessários à correta determinação da matéria coletável da impugnante.
II. A factualidade constante do relatório da inspeção e transcrita no probatório fixado na sentença recorrida constitui, em si mesmo, factos integrantes do pressuposto do recurso à avaliação indireta da matéria coletável, previstos na al. b) do nº 1 do artº 87º e na al. a) do artº 88º, ambos da LGT.
JJ. Integra ainda essa factualidade relevante (pressupostos do recurso à aplicação de métodos indiretos), a falta de exibição à AT, no âmbito do procedimento inspetivo, de todos os elementos necessários à correta determinação da matéria coletável, subsumível nas referidas al.s b) do artº 87º e a) do artº 88º da LGT.
KK. Saliente-se que também não foi levado ao probatório o facto da AT se ter deparado com a dificuldade de identificação dos artigos fabricados com destino a vendas fora da loja (para a mala), por falta de referências na fatura emitida pelos fabricantes, o que a impediu de testar todos os artigos constantes dos inventários que lhe foram exibidos.
LL. Limitou-se pois a AT, como resulta do relatório, a testar na loja a conformidade de apenas alguns artigos constantes do inventário e assim confirmar que os valores constantes dos inventários são efetivamente o preço marcado nas etiquetas,
MM. o que lhe permitiu concluir que, efetivamente, os inventários exibidos pela impugnante estão valorizados ao preço de venda.
NN. Os valores que se encontravam disponíveis à AT eram, pois, os valores constantes das folhas que capeavam cada um dos inventários exibidos (€ 746.254,14 em 2000/12/31 e € 1.045.738,69 em 2001/12/31) – valores estes calculados pela impugnante e que estão em conformidade com as “tiras de máquina” juntas a cada um dos inventários, já valorizadas a preço de custos, como se deduz pelos cálculos ali efetuados (designadamente pela divisão dos valores constantes do inventário pelo coeficiente de 2,26 e onde se pode ler “Ó antigo”, ”Ó declarado” e ”Ó correto”).
OO. Ao decidir, como decidiu, cometeu o Mmo. Juíz a quo erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, na medida em que não levou ao probatório toda a matéria relevante para a boa decisão da causa,
PP. e não valorou adequada e suficientemente os meios de prova disponibilizados atinentes à verificação, in casu, da existência de pressupostos do recurso a métodos indiretos, violando, pois, a al. b) do artº 87º e a al. a) do artº 88º, ambos da LGT.
QQ. Em conclusão, não se verificando o vício sentenciado, a douta sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de julgamento da matéria de direito, devendo considerarem-se válidos os atos tributários de liquidação controvertidos e, como tal, manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”

A Recorrida M... não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento de facto e ainda indagar do suscitado erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A. A Impugnante foi objeto de ação inspetiva a coberto da ordem de serviço n.º 43477 com referência a IRS e IVA e aos anos de 1999, 2000 e 2001

[cfr. emerge de fls. 75 dos presentes autos]
B. No relatório inspetivo final foram propostas as seguintes correções à matéria tributável declarada pela Impugnante em sede de IVA:
Ano de 2000 Correções aritméticas – EUR 248,17
Correções resultantes de métodos indiretos – EUR 40.498,04
Ano de 2001 Correções aritméticas – EUR 893,01
Correções resultantes de métodos indiretos – EUR 46.598,45

[cfr. emerge de fls. 77 dos presentes autos]
C. As correções relativas a métodos indiretos constantes do facto antecedente tinham a seguinte fundamentação
“(…)
IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos
O recurso a métodos indiretos foi motivado pelos seguintes factos:
- Ter-se verificado omissão de vendas na contabilidade, dado não terem sido contabilizadas as faturas nos 680, 689, 701 e 713.
- Não nos ter sido exibida a fatura de venda n.º 700.
- Os valores constantes, nos anexos C das declarações modelo 3, como existências à data de 31/12/2000 (448.722,66 €) e à data de 31/12/2001 (447.523,91 €) não coincidem com os valores constantes nos respetivos inventários que nos foram exibidos (746.254,14€ em 31/12/2000 e 1.045.738,69€ em 31/12/2001). Deste modo, Constata-se que o valor das existências iniciais mais o valor das compras declaradas são insuficientes para o valor das existências finais, o que indicia omissão de compras, conforme se demonstra:

Ano de 2000Ano de 2001
Existências iniciais 279.933,54 € 764.254,14 €
Compras 206.653,85 € 172.275,39 €
Existências finais / 746.254,14€ 1.045.738,69€
Custo da Merc. Vend. (259.666,75 €) (109.209,16 €)

Questionado o sujeito passivo sobre tal facto, este informou-nos que os inventários apresentados eram os reais, neles constando todos os artigos existentes naquelas datas quer na loja quer nas malas dos vendedores e que a falta de compras se poderiam justificar pela subfacturação por parte dos seus fornecedores (fabricantes de artigos de ourivesaria), atendendo a que na valorização dos inventários considerava os custos reais do fabrico.
Testados os referidos inventários verificou-se que estão valorizados ao preço de venda (preço marcado nas etiquetas) no qual o Sujeito Passivo inclui o preço de custo mais o IVA sobre o preço de custo mais a margem de lucro mais o respetivo IVA. Para transformar estes inventários ao preço de custo, o sujeito passivo divide os valores constantes no inventário por 2.26, se a percentagem de lucro marcada nesse artigo foi de 65% ou 2.6 se a percentagem de lucro desse artigo foi de 90% coeficientes estes que se obtêm se dividirmos o preço de venda pelo preço de custo. No decurso da visita efetuou-se, na loja, um teste a alguns dos artigos que constavam nos inventários, tendo-se confirmado que os valores dos inventários são efetivamente os preços marcados nas etiquetas e que dividindo estes valores pelos coeficientes 2.26 (nos artigos cuja margem de lucro é de 60%) e 2.6 (nos artigos cuja margem de lucro é de 90%), se obtêm os preços de custo da fatura (este teste foi feito para artigos que tinham referência, pois constatamos também que para os artigos fabricados com destino a vendas fora da loja (para a mala), é difícil a identificação dada a falta de referências na fatura emitida pelos fabricantes.
Assim, tendo-se verificado:
1 - A omissão à contabilidade de algumas faturas de vendas.
2 - A não exibição da fatura de venda n.º 700.
3- Divergência entre os valores dos inventários declarados, nas declarações modelo 3 de IRS e os constantes nos inventários exibidos, cujas cópias devidamente autenticadas fazem parte do mapa de evidência de trabalho e os quais foram objeto de testes de conformidade, o que implica um custo de mercadorias vendidas negativo, conclui-se ter havido omissão de compras, pelo que na impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável se recorra à determinação da mesma por métodos indiretos, tal como o previsto no artigo 87° da LGT.
V— Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos
No cálculo do lucro tributável com recurso a métodos indiretos considerou-se:
Dado existirem indícios seguros de ter havido omissão de compras, uma vez que, por um lado como se demonstrou no ponto anterior, a soma algébrica das existências iniciais mais as compras declaradas subtraídas das existências finais conduz-nos a um custo das mercadorias vendidas negativo, por outro lado o próprio contribuinte no decurso da ação inspetiva admitiu que os seus fornecedores nem sempre faturavam a totalidade das suas vendas, vamos calcular o custo das mercadorias vendidas corrigido com base nos inventários que nos foram exibidos, e à falta de outros elementos que nos permitam quantificar o valor real das compras, recorremos à duração média das existências de mercadorias de 30,42, valor este correspondente ao 3° quartil dos rácios deste sector de atividade.
No cálculo do valor dos proveitos estimados consideramos o custo das mercadorias vendidas e consumidas corrigido e a margem bruta da venda de mercadorias de 31,64%, valor este correspondente ao 3.º quartil dos rácios deste sector de atividade.
Assim obteve-se:
A1 — Ano de 2000
Cálculo do C. M.V. Estimado
(Exist. Inicial + Exist. Final) x 0.5/ Custo Merc. Vend. x 12 = 30,42
(279.933,54€ + 76.2544€) x 0,5/ Custo Merc. Vend. X 12 = 30,42
Custo da Mercad. Vendida est. = 202.403,88 €
Calculo dos Prov. Estimados
(Vendas est. — custo merc. Vend. Est.)/Vendas est. = 0,3164
Vendas est. — 202.403,88 € = 0,3164 x vendas est.
Vendas estimadas = 297.652,77 €


DeclaradosCorreção Corrigido
Proveitos
Vendas Mercadorias 59.280,97 238.506,10 297.652,77
Outros Proveitos 130,30
Total de Proveitos 59.146,67 238.506,10 297.652,77
Custos
Custo Merc. Vendidas 37.864,73 164.539,15 202.403,88
Outros Custos 47.809,66 322,64 47.487,02
Total de Custos 85.674,39 164.216,51 247.890,90
Resultado Líquido (26.393,43) 74.155,30 47.761,87
Valor Acres. Quadro 17 723,37723,37
Lucro Tributável (25.670,06) 74.155,30 48.485,24
(…)
A2 — Ano de 2001
Cálculo do C. M.V. Estimado
(Exist. Inicial + Exist. Final) x 0.5/ Custo Merc. Vend. x 12 = 30,42
(746.254,14€ + 1.045.738,69) x 0,5/ Custo Merc. Vend. X 12 = 30,42
Custo da Mercad. Vendida est. = 353.450,26 €
Calculo dos Prov. Estimados
(Vendas est. — custo merc. Vend. Est.)/Vendas est. = 0,3164
Vendas est. — 353.450,26 € = 0,3164 x vendas est.
Vendas estimadas = 519.779,79 €

Declarados Correção Corrigido
Proveitos
Vendas Mercadorias 241.639,56 278.140,23 519.779,79
Custos
Custo Merc. Vendidas 173.474,14 179.976,12 353.450,26
Outros Custos 67.277,90 -1.336,48 65.941,31
Total de Custos 240.752,04 178.639,53 419.391,57
Resultado Líquido 887,52 99.500,70 100.388,22
Valor Acres. Quadro 17 3.027,17 3.027,17
Lucro Tributável 3.914,69 99.500,70 103.415,39
(…)
B - IVA em falta
B1 – Ano de 2000
Das correções no ponto anterior resulta IVA em falta no montante de 40.498,04 € assim determinado:
Vendas presumidas 297.652,77 €
Vendas declaradas 59.428,99 € b)
Vendas omitidas 238.223,78 €
IVA em falta 238.223,78 € x 17%
IVA em falta 40.498,04 €
b) nas vendas declaradas (59.146,67 €) foram considerados 282,32 € das correções técnicas referidas no ponto A2
B2-Ano de 2001
Das correções no ponto anterior resulta IVA em falta no montante de 46.598,45 € assim determinado:
Vendas presumidas 519.779,79 €
Vendas declaradas 245.67 1,29 € b)
Vendas omitidas 274.108,50 €
IVA em falta 274.108,50 €x 17%
IVA em falta 46.598,45 €
b) nas vendas declaradas (241.639,56 €) foram considerados 4.031,73 € das correções técnicas referidas no ponto A3
[cfr. emerge de fls. 80 a 85 dos presentes autos]
D. Os inventários apresentados pela Impugnante à Administração Fiscal no âmbito do procedimento inspetivo encontravam-se valorizados ao preço de venda e não de custo
[cfr. emerge do teor do relatório inspetivo e resulta inequívoco da prova testemunhal]
E. Em 3 de Fevereiro de 2004 foram efetuadas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, cujo prazo de pagamento voluntário terminava a 30 de Abril do mesmo ano:
Período Origem N.º Valor
2000 IVA 04024080 40498,04
0001 J. Compensatórios04024068163,56
0002 04024069 127,50
0003 04024070 579,24
0004 04024071 951,94
0005 04024072 41,09
0006 04024073 530,36
0007 04024074 38,11
0008 04024075 44,66
0009 04024076 36,07
0010 04024077 1361,46
0011 04024078 350,72
0012 04024079 2733,05
2001 IVA 04024085 46598,45
0103T J. Compensatórios 04024081 1040,04
0106T 04024082 963,81
0109T 04024083 1005,44
0112T 04024084 1773,15
[cfr. fls. 32 a 49 dos presentes autos]
F. As liquidações de juros compensatórios constantes do facto antecedente continham a seguinte fundamentação:
“Juros compensatórios liquidados nos termos do art.º 89.º do Código do IVA e 35.º da Lei Geral tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo.
Imposto em falta sobre o qual incidem juros ….. (montante)
Período a que se aplica a taxa de juro de ….. a ……
Taxa de juro aplicável ao período a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil. (…)”
[cfr. fls. 33 a 44 e 46 a 49 dos presentes autos]
G. Em 23 de Abril de 2004 foi elaborado o ofício n.º 215798 mediante o qual se pretendeu levar ao conhecimento da Impugnante da informação por esta peticionada em 03 de Abril de 2004, ao abrigo do art.º 37.º do CPPT, e respeitante aos inventários de 2000 e 2001 bem como dos rácios adotados pela Inspeção Tributária
[cfr. fls. 93 a 96verso dos presentes autos]
H. Em 7 de Junho de 2004 a Impugnante peticionou novamente a remessa dos referidos rácios com fundamento na incompletude dos que lhe tinham sido remetidos
[cfr. fls. 93 a 96verso dos presentes autos]
I. Em 29 de Junho de 2004 foram remetidos os rácios em falta acompanhados da informação de que para o ano de 2001 tinham sido utilizados os rácios referentes a 2000
[cfr. fls. 98 a 102 dos presentes autos]
J. Em 18 de Julho de 2004 foi instaurado no SF de Porto-2 o processo de execução fiscal n.º 3352200401021729 com vista à cobrança coerciva das liquidações aqui impugnadas
[cfr. fls. 203 a 213 dos presentes autos]
K. Em 28 de Julho de 2004 ocorreu a citação pessoal da executada
[cfr. aviso de receção de fls. 215 e dos presentes autos]
L. No processo de execução fiscal n.º 3352200401021729 entre a citação constante no facto antecedente 7 de Outubro de 2008 não foi praticada qualquer diligência coerciva [cfr. emerge do registo informático da tramitação processual constante de fls. 217 dos presentes autos. Emerge da referida tramitação que naquele período apenas ocorreu uma apensação em 2004/11/30 e a certificação da conformidade dos registos informáticos da tramitação processual com a versão em papel do PEF em 2006/10/18.]
M. Em 31 de Agosto de 2004 deu entrada no SF de Porto-2 a petição de impugnação
[cfr. fls. carimbo aposto na p.i. de fls. 3 dos presentes autos]
N. Em 28 de Junho de 2007 foi elaborado o ofício n.º 7567201 do 4.º Juízo Cível do Porto, 3.ª Secção, mediante o qual foi o SF citado da declaração de insolvência da Impugnante
[cfr. fls. 216 e 217 dos presentes autos]
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão, nomeadamente não se provou que a Administração Fiscal tivesse procedido à notificação da Impugnante para suprir incorreções relativas às faturas n.º 680, 689, 700, 701 e 713.
Motivação da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos assentes tendo por base, essencialmente, a análise crítica do conjunto da prova, com referência à documentação constante dos autos, ao depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante e do processo administrativo apenso de harmonia com as referências efetuadas no final de cada um deles.
Foi aproveitada a prova testemunhal produzida no processo de Impugnação Judicial n.º 8/05.0BEPRT respeitante aos mesmos factos mas tendo por objeto as liquidações de IRS.
A testemunha A…, Revisor Oficial de Contas desde 1992, declarou perante o Tribunal que foi a existência de custos de mercadoria vendida (CMV) negativos que impossibilitou o acordo no âmbito do procedimento de revisão da matéria coletável todavia, esses resultados só ocorreram por ter havido lapso na avaliação valores dos inventários.
Explicou a testemunha que, mercê da circunstância dos inventários se encontrarem indevidamente valorizados segundo o preço de venda das mercadorias, quando legalmente deveriam estar segundo o preço de custo, ficou deturpado o resultado do CMV ao se empolar o valor da mercadoria em stock.
Mais afirmou que, não obstante a fórmula de apuramento do CMV constante do relatório inspetivo se encontrar correta, o resultado obtido é inexato em razão desse lapso, sendo facilmente percetível no relatório inspetivo, por mero confronto entre os valores aí constantes relativos aos inventários e os utilizados para cálculo daquele CMV.
A testemunha P…, Inspetora Tributária que elaborou o relatório inspetivo, declarou que a fatura n.º 700 não foi exibida nem contabilizada, que aplicou a percentagem do terceiro quartil por ser a que mais beneficiava o contribuinte (maximizando o CMV), ser razoável perante a atividade que observou e que a margem detetada na contabilidade de 2000 tinha valor superior.
Declarou, ainda, que não foi feita qualquer referência no relatório ao inventário final de 1999 (inicial de 2000) por este não apresentar desconformidades.
Asseverou, também, que apesar de não ter documentos de suporte que demonstrassem o valor de custo das mercadorias em inventário, efetuou a sua análise por amostragem, concluindo que efetivamente os inventários se encontravam elaborados tendo por referência o preço de venda e não de custo, concluindo, assim, pela fiabilidade do apuramento corretivo feito pelo contabilista que converteu a valorização dos inventários para preço de custo.
Declarou, também, que mesmo com os inventários corrigidos se obtinha um CMV negativo, e não se recordar se tinha notificado por escrito a Impugnante para exibir a fatura n.º 700.
No que tange à factualidade considerada como não provada importa salientar que tal resultou de não constar dos autos e do processo administrativo apenso qualquer meio de prova que permitisse demonstrar a sua ocorrência nem ter sido efetuada qualquer referência nesse sentido que legitimasse o recurso ao inquisitório.”
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3.2. DE DIREITO
Nas suas primeiras conclusões do recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da Recorrente, para uma correcta decisão da causa, deve proceder-se à ampliação da matéria de facto provada, através do aditamento dos seguintes factos;
O) A AT deparou-se com a dificuldade de identificação dos artigos fabricados com destino a vendas fora da loja (para a mala), por falta de referências na factura emitida pelos fabricantes,
P) o que a impediu de testar todos os artigos constantes dos inventários que lhe foram exibidos.
Neste ponto, diga-se que o exposto pela Recorrente nada acrescenta no que diz respeito ao exposto no probatório com referência ao teor do RIT vertido no ponto C. do probatório, traduzindo a sua leitura da situação, o que significa que não pode atender-se ao exposto, porquanto, a realidade relacionada com os motivos que levaram à aplicação de métodos indirectos está integralmente apontada no probatório, sendo que quanto ao mais, está em causa matéria a considerar no âmbito da questão essencial a abordar no âmbito do presente recurso.

Com efeito, nas suas alegações, a Recorrente insiste que do relatório extrai-se que o recurso aos métodos indirectos de avaliação assentou numa série de factos fortemente indiciadores de terem sido omitidas vendas pela impetrante (o que esta, aliás, confirmou no decurso do procedimento inspetivo), os quais constam descritos, detalhadamente, no capítulo IV do relatório, como supra se deixou exposto e que a factualidade recolhida põe, assim, em dúvida a veracidade das declarações apresentadas pela impugnante, sendo que para que a AT utilize o mecanismo da avaliação indirecta basta que conclua pela existência de anomalias e incorrecções que inviabilizem o apuramento da matéria tributável, o que ocorreu, in casu, resultando da factualidade ínsita nos autos, que a AT carreou para os autos uma série de indícios suficientes e credíveis (irregularidades da contabilidade) que lhe permitiram concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, em conformidade com o disposto no al. b) do nº 1 do artº 87º e al. a) do nº 1 do artº 88º da LGT, mais referindo que não se trata apenas de um “facto-índice”, mas de um conjunto de factos que, no seu todo, indiciam a inverdade das declarações apresentadas pela impugnante, verificando-se que a douta sentença sob recurso analisa, isoladamente, cada um dos factos recolhidos pelos SIT - e que a AT tomou como legitimadores do recurso a métodos indirectos, chegando, a final, à conclusão de que o único facto que poderia servir para afastar a credibilidade da contabilidade da impugnante (CMV negativo), não foi demonstrado.
Porém, todos os factos carreados para os autos pela AT, como legitimadores do recurso aos métodos indirectos devem ser atendidos como um todo e não isoladamente como fez o Mmo Juíz a quo, concluindo no que concerne à omissão à contabilidade de algumas facturas, para além destas poderem ser contabilizadas, tal omissão consubstancia um erro formal, enquadrável na al. c) do artº 88º da LGT e não na al. a) em que a AT se baseou, por não se tratar de uma irregularidade na organização ou execução da contabilidade.
Ora, se é certo que as mesmas podem ser contabilizadas, são também indício, juntamente com os restantes factos apurados, que mais facturas poderão não ter sido contabilizadas, tanto mais que a própria impugnante admite a omissão de compras, em virtude da subfacturação por parte dos seus fornecedores (fabricantes de artigos de ourivesaria) e também este facto (confissão da omissão de compras) não foi levado ao probatório.
No que respeita à falta de exibição da factura nº 700, considera a douta sentença do Tribunal a quo não ser razoável, sem mais, que a mera falta de uma factura fundamente o recurso à avaliação por métodos indirectos, entendendo ainda que a AT deveria ter fixado um prazo para a sua exibição e no que respeita à divergência entre os valores dos inventários declarados e os constantes dos inventários exibidos pela impugnante, concluiu a douta sentença sob recurso que, não obstante ser “notório que, quer a divergência entre os valores dos inventários declarados e os constantes nos inventários exibidos pela Impugnante à AT, quer a inventariação das existências a preço de venda consubstanciam irregularidades na organização ou execução da contabilidade, subsumíveis à al. a) do art. 88.° da LGT”, a AT não concedeu “prazo ao contribuinte para regularizar os elementos da sua contabilidade”.
Considerou, assim que a AT descurou, desta forma, “o cumprimento de tal formalidade legal e lançou mão, para o cumprimento da respectiva diligência, dos elementos contabilísticos existentes e que, já tinha entendido, como irregularmente elaborados. Pelo que, necessariamente, não podia a AT ter concluído pela impossibilidade em comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria colectável, quando tomou em consideração documentação que sabia deficiente sem conceder à Impugnante a possibilidade de regularizar a situação”.
Acontece que, no que respeita à não concessão de um prazo para exibição da factura em falta e para justificação da divergência entre os valores declarados e os constantes nos inventários exibidos, não obstante o mesmo não ter sido concedido, o certo é que, foi a impugnante notificada para exercer o direito de audição, antes da tomada de decisão final sobre o procedimento, e não veio, nessa sede, regularizar nenhuma daquelas situações, nem o fez em sede da presente impugnação.
Acresce que, tendo a acção inspectiva em causa sido acompanhado pela impetrante, não se compreende porque razão não apresentou, então, todos os elementos contabilísticos e extra-contabilísticos que possuía ou tinha conhecimento, de forma a esclarecer a sua situação tributária, o que se torna ainda mais relevante face à notificação do projecto de correcções, não o contrariando, não obstante ter exercido o direito de audição e se foi a falta da referida notificação que impossibilitou a impugnante de regularizar a sua situação tributária, o certo é que a mesma o poderia ter feito, mormente em sede de exercício de direito de audição, inviabilizando assim as correcções entretanto perpetradas pela AT.
Porque não o fez, evidencia-se, desde logo, a omissão de elementos à AT necessários à correcta determinação da matéria colectável da impugnante e a factualidade constante do relatório da inspecção e transcrita no probatório fixado na sentença recorrida constitui, em si mesmo, factos integrantes do pressuposto do recurso à avaliação indirecta da matéria colectável, previstos na al. b) do nº 1 do artº 87º e na al. a) do artº 88º, ambos da LGT, integrando ainda essa factualidade relevante (pressupostos do recurso à aplicação de métodos indirectos), a falta de exibição à AT, no âmbito do procedimento inspectivo, de todos os elementos necessários à correcta determinação da matéria colectável, subsumível nas referidas al.s b) do artº 87º e a) do artº 88º da LGT.
Saliente-se que também não foi levado ao probatório o facto da AT se ter deparado com a dificuldade de identificação dos artigos fabricados com destino a vendas fora da loja (para a mala), por falta de referências na factura emitida pelos fabricantes, o que a impediu de testar todos os artigos constantes dos inventários que lhe foram exibidos, limitando-se a AT, como resulta do relatório, a testar na loja a conformidade de apenas alguns artigos constantes do inventário e assim confirmar que os valores constantes dos inventários são efectivamente o preço marcado nas etiquetas, o que lhe permitiu concluir que, efectivamente, os inventários exibidos pela impugnante estão valorizados ao preço de venda, sendo que os valores que se encontravam disponíveis à AT eram, pois, os valores constantes das folhas que capeavam cada um dos inventários exibidos (€ 746.254,14 em 2000/12/31 e € 1.045.738,69 em 2001/12/31) – valores estes calculados pela impugnante e que estão em conformidade com as “tiras de máquina” juntas a cada um dos inventários, já valorizadas a preço de custos, como se deduz pelos cálculos ali efectuados (designadamente pela divisão dos valores constantes do inventário pelo coeficiente de 2,26 e onde se pode ler “Ó antigo”, ”Ó declarado” e ”Ó correto”).
Ao decidir, como decidiu, cometeu o Mmo. Juíz a quo erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, na medida em que não levou ao probatório toda a matéria relevante para a boa decisão da causa e não valorou adequada e suficientemente os meios de prova disponibilizados atinentes à verificação, in casu, da existência de pressupostos do recurso a métodos indirectos, violando, pois, a al. b) do artº 87º e a al. a) do artº 88º, ambos da LGT, pelo que, não se verificando o vício sentenciado, a douta sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de julgamento da matéria de direito, devendo considerarem-se válidos os atos tributários de liquidação controvertidos e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

Que dizer?
Como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.
De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador.
Por isso que o referido sistema do princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» velo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade. Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade no recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados.
Ou seja e sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E, como se referiu, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AF ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação.
Isto tendo presente que nos movemos no âmbito tributário, em que, por um lado e por força de aí imperarem os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último, a descoberta da verdade material é inexistente uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, por outro, tal não significa que neste contencioso, em particular, não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê para que se alcance uma qualquer pretensão formulada. Daí que, porque a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório (1).
Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” (2).
Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.
Tal, contudo não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” (3).
Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AF (4) (5), sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional (6).
E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte.
Contudo o que se vem de dizer não esgota o tema relativo aos princípios que regem o regime jurídico da avaliação indirecta, particularmente no que concerne ao ónus que vincula a AT.
Isto porque, em sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AF, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Na realidade e como já acima se teve oportunidade de referir, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbditos nacionais que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul (7) (8) “... cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.” (sublinhados da nossa responsabilidade), e que, acrescentamos agora, que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
No caso presente, é sabido que a decisão recorrida entendeu que não se encontravam reunidos os pressupostos para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, impondo-se apreciar se, em face do probatório fixado, a sua decisão, ao não dar cobertura ao agir da AT, se mostra, ou não, certeira e conforme à lei.

Pois bem, como decorre do probatório, do relatório elaborado extracta-se que:
“(…)
IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos
O recurso a métodos indiretos foi motivado pelos seguintes factos:
- Ter-se verificado omissão de vendas na contabilidade, dado não terem sido contabilizadas as faturas nos 680, 689, 701 e 713.
- Não nos ter sido exibida a fatura de venda n.º 700.
- Os valores constantes, nos anexos C das declarações modelo 3, como existências à data de 31/12/2000 (448.722,66 €) e à data de 31/12/2001 (447.523,91 €) não coincidem com os valores constantes nos respetivos inventários que nos foram exibidos (746.254,14€ em 31/12/2000 e 1.045.738,69€ em 31/12/2001). Deste modo, Constata-se que o valor das existências iniciais mais o valor das compras declaradas são insuficientes para o valor das existências finais, o que indicia omissão de compras, conforme se demonstra:

Ano de 2000Ano de 2001
Existências iniciais 279.933,54 € 764.254,14 €
Compras 206.653,85 € 172.275,39 €
Existências finais / 746.254,14€ 1.045.738,69€
Custo da Merc. Vend. (259.666,75 €) (109.209,16 €)

Questionado o sujeito passivo sobre tal facto, este informou-nos que os inventários apresentados eram os reais, neles constando todos os artigos existentes naquelas datas quer na loja quer nas malas dos vendedores e que a falta de compras se poderiam justificar pela subfacturação por parte dos seus fornecedores (fabricantes de artigos de ourivesaria), atendendo a que na valorização dos inventários considerava os custos reais do fabrico.
Testados os referidos inventários verificou-se que estão valorizados ao preço de venda (preço marcado nas etiquetas) no qual o Sujeito Passivo inclui o preço de custo mais o IVA sobre o preço de custo mais a margem de lucro mais o respetivo IVA. Para transformar estes inventários ao preço de custo, o sujeito passivo divide os valores constantes no inventário por 2.26, se a percentagem de lucro marcada nesse artigo foi de 65% ou 2.6 se a percentagem de lucro desse artigo foi de 90% coeficientes estes que se obtêm se dividirmos o preço de venda pelo preço de custo. No decurso da visita efetuou-se, na loja, um teste a alguns dos artigos que constavam nos inventários, tendo-se confirmado que os valores dos inventários são efetivamente os preços marcados nas etiquetas e que dividindo estes valores pelos coeficientes 2.26 (nos artigos cuja margem de lucro é de 60%) e 2.6 (nos artigos cuja margem de lucro é de 90%), se obtêm os preços de custo da fatura (este teste foi feito para artigos que tinham referência, pois constatamos também que para os artigos fabricados com destino a vendas fora da loja (para a mala), é difícil a identificação dada a falta de referências na fatura emitida pelos fabricantes.
Assim, tendo-se verificado:
1 - A omissão à contabilidade de algumas faturas de vendas.
2 - A não exibição da fatura de venda n.º 700.
3- Divergência entre os valores dos inventários declarados, nas declarações modelo 3 de IRS e os constantes nos inventários exibidos, cujas cópias devidamente autenticadas fazem parte do mapa de evidência de trabalho e os quais foram objeto de testes de conformidade, o que implica um custo de mercadorias vendidas negativo, conclui-se ter havido omissão de compras, pelo que na impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável se recorra à determinação da mesma por métodos indiretos, tal como o previsto no artigo 87° da LGT.
V— Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos
No cálculo do lucro tributável com recurso a métodos indiretos considerou-se:
Dado existirem indícios seguros de ter havido omissão de compras, uma vez que, por um lado como se demonstrou no ponto anterior, a soma algébrica das existências iniciais mais as compras declaradas subtraídas das existências finais conduz-nos a um custo das mercadorias vendidas negativo, por outro lado o próprio contribuinte no decurso da ação inspetiva admitiu que os seus fornecedores nem sempre faturavam a totalidade das suas vendas, vamos calcular o custo das mercadorias vendidas corrigido com base nos inventários que nos foram exibidos, e à falta de outros elementos que nos permitam quantificar o valor real das compras, recorremos à duração média das existências de mercadorias de 30,42, valor este correspondente ao 3° quartil dos rácios deste sector de atividade.
No cálculo do valor dos proveitos estimados consideramos o custo das mercadorias vendidas e consumidas corrigido e a margem bruta da venda de mercadorias de 31,64%, valor este correspondente ao 3.º quartil dos rácios deste sector de atividade.
Assim obteve-se:
A1 — Ano de 2000
Cálculo do C. M.V. Estimado
(Exist. Inicial + Exist. Final) x 0.5/ Custo Merc. Vend. x 12 = 30,42
(279.933,54€ + 76.2544€) x 0,5/ Custo Merc. Vend. X 12 = 30,42
Custo da Mercad. Vendida est. = 202.403,88 €
Calculo dos Prov. Estimados
(Vendas est. — custo merc. Vend. Est.)/Vendas est. = 0,3164
Vendas est. — 202.403,88 € = 0,3164 x vendas est.
Vendas estimadas = 297.652,77 €


DeclaradosCorreção Corrigido
Proveitos
Vendas Mercadorias 59.280,97 238.506,10 297.652,77
Outros Proveitos 130,30
Total de Proveitos 59.146,67 238.506,10 297.652,77
Custos
Custo Merc. Vendidas 37.864,73 164.539,15 202.403,88
Outros Custos 47.809,66 322,64 47.487,02
Total de Custos 85.674,39 164.216,51 247.890,90
Resultado Líquido (26.393,43) 74.155,30 47.761,87
Valor Acres. Quadro 17 723,37723,37
Lucro Tributável (25.670,06) 74.155,30 48.485,24
(…)
A2 — Ano de 2001
Cálculo do C. M.V. Estimado
(Exist. Inicial + Exist. Final) x 0.5/ Custo Merc. Vend. x 12 = 30,42
(746.254,14€ + 1.045.738,69) x 0,5/ Custo Merc. Vend. X 12 = 30,42
Custo da Mercad. Vendida est. = 353.450,26 €
Calculo dos Prov. Estimados
(Vendas est. — custo merc. Vend. Est.)/Vendas est. = 0,3164
Vendas est. — 353.450,26 € = 0,3164 x vendas est.
Vendas estimadas = 519.779,79 €

Declarados Correção Corrigido
Proveitos
Vendas Mercadorias 241.639,56 278.140,23 519.779,79
Custos
Custo Merc. Vendidas 173.474,14 179.976,12 353.450,26
Outros Custos 67.277,90 -1.336,48 65.941,31
Total de Custos 240.752,04 178.639,53 419.391,57
Resultado Líquido 887,52 99.500,70 100.388,22
Valor Acres. Quadro 17 3.027,17 3.027,17
Lucro Tributável 3.914,69 99.500,70 103.415,39
(…)
B - IVA em falta
B1 – Ano de 2000
Das correções no ponto anterior resulta IVA em falta no montante de 40.498,04 € assim determinado:
Vendas presumidas 297.652,77 €
Vendas declaradas 59.428,99 € b)
Vendas omitidas 238.223,78 €
IVA em falta 238.223,78 € x 17%
IVA em falta 40.498,04 €
b) nas vendas declaradas (59.146,67 €) foram considerados 282,32 € das correções técnicas referidas no ponto A2
B2-Ano de 2001
Das correções no ponto anterior resulta IVA em falta no montante de 46.598,45 € assim determinado:
Vendas presumidas 519.779,79 €
Vendas declaradas 245.67 1,29 € b)
Vendas omitidas 274.108,50 €
IVA em falta 274.108,50 €x 17%
IVA em falta 46.598,45 €
b) nas vendas declaradas (241.639,56 €) foram considerados 4.031,73 € das correções técnicas referidas no ponto A3
[cfr. emerge de fls. 80 a 85 dos presentes autos]
(…)”.
Com este pano de fundo, é incontornável que a AT elegeu três elementos que suportam o seu discurso, a saber a omissão à contabilidade de algumas facturas de vendas, a não exibição da factura de venda n.º 700 e a divergência entre os valores dos inventários declarados, nas declarações modelo 3 de IRS e os constantes nos inventários exibidos, cujas cópias devidamente autenticadas fazem parte do mapa de evidência de trabalho e os quais foram objecto de testes de conformidade, o que implica um custo de mercadorias vendidas negativo, conclui-se ter havido omissão de compras, pelo que na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável se recorra à determinação da mesma por métodos indirectos, tal como o previsto no artigo 87° da LGT, sendo que destacou por duas vezes tais elementos no seu discurso, derivando o mais do desenvolvimento relativamente a este último elemento e para o seu enquadramento.
Nesta medida, e em relação à questão da omissão à contabilidade de algumas facturas de vendas, não podemos deixar de reconhecer que não está em causa matéria capaz de conduzir à aplicação de métodos indirectos, porquanto, a aludida omissão (e fala-se especificamente das facturas nºs 680, 689, 701 e 713) é susceptível de ser corrigida, quer pelo contribuinte quer pela Administração Fiscal, mediante a mera adição do montante nelas inscrito à matéria tributável de imposto, quer se trate do valor da venda para efeitos de imposto sobre o rendimento quer se trate do montante de imposto nelas inscrito como IVA liquidado em sede de IVA, obtendo-se, assim, a matéria tributável real.
Neste ponto, tem toda a pertinência o exposto na decisão recorrida no sentido de que impendia sobre a AT o dever de conceder um prazo para a Impugnante proceder às correcções devidas à contabilidade e às declarações por si apresentadas sob pena destas serem efectuadas oficiosamente e mediante meras correcções técnicas.
Do mesmo modo, no que concerne à matéria da factura de venda nº 700 (falta de exibição), não se mostra evidenciado em que termos tal situação impediu a determinação de forma directa da matéria colectável, impondo-se notar que a decisão recorrida ponderou ainda a questão da sua não contabilização, referindo que a omissão de contabilização da factura, acompanhada da sua não exibição, poderia, em abstracto ser factor impeditivo da determinação directa da matéria colectável, nomeadamente em razão do eventual desconhecimento do montante nela aposto.
No entanto, tal fundamento (a omissão de contabilização) não consta do relatório inspectivo e, desse modo, não integra a fundamentação dos actos tributários aqui em crise, não sendo admissível fundamentação que não seja prévia ou pelo menos contemporânea do acto, pelo que não pode ser valorada nesta sede, o que significa que subsiste a primeira apreciação acima apontada.
Depois, no que diz respeito à divergência entre os valores dos inventários declarados, nas declarações modelo 3 de IRS e os constantes nos inventários exibidos, cujas cópias devidamente autenticadas fazem parte do mapa de evidência de trabalho e os quais foram objecto de testes de conformidade, o que implica um custo de mercadorias vendidas negativo, mostra-se assertiva a decisão recorrida quando aponta que muito embora a Inspectora Tributária faça referência ao reconhecimento por parte do contribuinte da existência de omissão de compras, tal não se encontra de qualquer outra forma documentado ou em qualquer outro local reconhecido pelo interessado, além de que na expendida fundamentação a Inspectora Tributária teve a oportunidade de confirmar que os inventários efectivamente se encontravam valorizados segundo o preço de venda das mercadorias, circunstância que esta reafirmou no testemunho que produziu perante o Tribunal, verificando-se que a AT não formula qualquer objecção ou aponta qualquer erro quanto à composição dos inventários, quer quanto à quantidade em stock, quer no que respeita à qualidade das mercadorias e considerando que na declaração Modelo 3 de apuramento do rendimento tributável é relevado o preço de custo das mercadorias em stock e que os inventários foram elaborados tendo por referência o preço de venda (incluindo IVA), estranho seria se os valores fossem coincidentes, de modo que, comprovando-se aquele lapso de valorização impendia sobre a Administração Fiscal a concessão de prazo de regularização daquela, reavaliando-se aqueles inventários, situação que inquina o procedimento da AT em função da tal omissão da concessão de prazo à Impugnante para efectuar a rectificação do lapso incorrido, convertendo a valorização do inventário de preço de custo para preço de venda, porquanto se trata de incorrecção suprível que não impede o apuramento de qualquer imposto.
Neste âmbito, não colhe o exposto pela Recorrente no sentido de que a ora Recorrida, quer ao longo do procedimento, quer em sede de audiência prévia, poderia ter providenciado pelo suprimento dos elementos descritos, quando está em causa, isso sim, o comportamento da AT, que não pode ser apagado, passando o ónus que a lei lhe comete para o sujeito passivo, o que não é aceitável.
Além disso, não tem qualquer sentido a alegação de que os indícios lidos em conjunto apresentam um alcance que supera a simples apreciação relativamente a cada um dos elementos, pois que se foram desmontados os três elementos que suportavam o recurso a métodos indirectos, resulta claro a liquidação impugnada não pode manter-se e não pelo facto de se tentar agora eleger outros pretensos elementos, quando está em causa matéria ponderada pela AT e que depois conduziu aos três elementos supra mencionados.
Finalmente, importa notar que a decisão recorrida foi mais longe e tendo presente que a divergência de valores radica tão-somente no critério de valorização e com referência aos valores constantes da Modelo 3 apresentada pela Impugnante, apurou o Custo de Matéria Vendida: CMV2000=279.933,54+206.653,85-448.722,66= 37.864,73, sendo que considerando que as existências finais de 2000 correspondem às existências iniciais de 2001, teremos: CMV2001=448.722,66+172.275,39-447.523,91= 173.474,14, o que significa que os valores obtidos não são negativos como afirmado, não se encontrando no presente recurso matéria capaz de colocar em crise o que ficou exposto, do mesmo modo que ganha acuidade a consideração de que, confirmando a Administração Fiscal a valorização daqueles inventários a preços de venda (com IVA), e independentemente da justeza da necessidade de métodos indirectos, nunca poderia assentar a sua presunção do custo das mercadorias vendidas naqueles valores que, consabidamente, se mostravam empolados pelo IVA e pela margem de comercialização, pois que tal lapso contamina todo o raciocínio e apuramento do imposto subsequente porque se estriba em valores que se encontram determinados por excesso em cerca de 60% a 90% sobre o preço de custo (margem de comercialização) mais o respectivo IVA sobre a totalidade daquele preço (à data em 17%).
Nestas condições, o recurso não merece provimento, tendo a sentença procedido de forma assertiva ao não validar o juízo normativo da AT quanto à verificação dos pressupostos da decisão correctiva dos rendimentos declarados da ora Recorrido, impondo-se a sua manutenção na ordem jurídica.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 26 de Abril de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos

(1) Neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do TCA Sul de 99.12.14, Rec. Nº. 2.467/99.
(2) Cfr. Ac. do TCA Sul, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00.
(3) Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303.
(4) Uma vez que nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, -onde, há luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, não há uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, sem embargo de, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes não possa deixar de desfavorecer quem com ela estava onerado-, é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”.
(5) Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. Nº. 6.388/02.
(6) Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 305.
(7) Cfr. Ac. de 02.06.18, Rec. nº. 6.388/02.
(8) Ainda que por reporte ao aludido art.º 81.º do CPT, mas, como decorre do que acima se mencionou, com aplicabilidade ao preceituado no art.º 84.º/3 da LGT.