Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01555/17.6BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 06/19/2020 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Ricardo de Oliveira e Sousa |
Descritores: | ERRO MATERIAL – NULIDADE DE SENTENÇA |
Sumário: | I- A retificação de eventual erro material não pode interferir com o mérito da decisão. II- A nulidade de sentença, por oposição entre fundamentos e decisão, ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto.* * Sumário elaborado pelo relator |
Recorrente: | S., Lda |
Recorrido 1: | A., E.M |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Outros despachos |
Decisão: | Suprir nulidade e manter a decisão final de conceder provimento ao recurso da decisão. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIOA., E.M, Recorrida nos autos supra identificados, regularmente notificada do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 30 de abril de 2020, pelo que foi concedido PROVIMENTO ao recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 18.11.2019, vem, no segmento respeitante à sua condenação como litigante de má-fé, requerer a RETIFICAÇÃO DE ERRO MATERIAL ao abrigo do artigo 614°/n° 1 do CPC, ou, se assim não se considerar, ARGUIR NULIDADE decorrente de oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615°/n° 1 c) do CPC, tudo com vista à revogação da condenação da Ré como litigante de má-fé. Invoca, brevitatis causae, que o Acórdão deste Tribunal, ao considerar a data de conhecimento da execução do contrato por parte da Ré como sendo a de 11.04.2017 e não a de 11.04.2018, incorreu em lapso manifesto de datas [confundiu-se 2017 com 2018], o que é suprível nos termos do artigo 614°/n° 1 do CPC, por meio de retificação, com a consequente revogação da condenação da Ré como litigante de má-fé. Mais invoca que, quando assim não se entenda, haverá de qualificar-se esta situação como nulidade decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão, prevista no artigo 615°/n° 1 c) do CPC, o que importa igualmente a revogação da condenação da Ré como litigante de má-fé. * A Recorrente S., Lda. respondeu ao requerimento em análise, defendendo a condenação da Requerente/Recorrida como litigante de má-fé.* A apontada Recorrente arguiu ainda, por intermédio de articulado próprio, a nulidade do Acordão promanado nos autos, por omissão de pronúncia, já que, no seu entender, o “(…) Tribunal deixou se pronunciar sobre uma questão que deveria ter apreciado, mormente o pedido de condenação da contrainteressada como litigante de má-fé (…)”, ao que Requerente/Recorrida silenciou.* Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.* II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – DE FACTO Dão-se aqui por reproduzidos os factos assentes no acórdão promanado nos autos. * II.2 – DE DIREITO* Sob o requerimento em análise vem o Réu requerer a retificação do Acórdão promanado nos autos por lapso manifesto quanto à data de conhecimento da execução do contrato por parte da Ré [confundiu-se 2017 com 2018], pretendendo, com isso, a revogação da condenação da Ré como litigante de má-fé.Mas sem razão quanto ao alcance revogatório pretendido. De facto, como se ponderou no aresto do S.T.J, de 12.02.2009, tirado no processo nº. 08A2680, o erro material “(…) nunca interfere, decisivamente, com o mérito da decisão, tanto mais que terá de ser evidenciado pelo seu contexto cuja leitura atenta o torna percetível face às premissas do silogismo judiciário (…)”. Daqui decorre que não pode ser considerada a eventual retificação de um qualquer erro material como uma forma de introduzir alterações ao sentido decisório do acórdão promanado nos autos. Assim, a retificação do invocado lapso manifesto quanto à eventual data de conhecimento da execução do contrato por parte da Ré [2017 ou 2018], ainda que se nos afigure plenamente operante, nunca terá a virtualidade de alterar o sentido decisório no domínio da condenação da Ré como litigante de má-fé. O que bem se enquadra no princípio da hierarquia dos tribunais, que impede que o próprio Tribunal possa alterar e/ou revogar as suas decisões com exceção do (i) eventual suprimento de eventuais nulidades de sentença e da (ii) reforma da decisão. De facto, se do confronto entre a decisão e elementos com prova plena constantes do processo ressaltar um erro de julgamento ostensivo, poderá o mesmo ser corrigido mediante a reforma da decisão, nos termos do artigo 616º do CPC. Porém, se da análise da fundamentação de uma decisão judicial se concluir que ela não poderia conduzir à decisão que dela formalmente consta, haverá nulidade, suscetível de correção nos limites estritos da incongruência entre uma e outra. Assim, sendo a peticionada retificação de erro material inócua e insuficiente para de per se alterar a decisão da causa, o texto do acórdão de 30 de abril de 2020 mantém-se tal como foi aprovado e notificado às partes. O que nos remete para a subsidiária arguição de nulidade de sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, cuja assertividade importa agora apreciar. Assim, e entrando no conhecimento de tal questão, impera que se comece por sublinhar o teor da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo promanado no processo nº. 066/11, datado de 04.05.2011, porque definidor do quadro de abrangência da arguida nulidade de sentença: “(…) Esta causa de nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído. “A lei refere-se, na alínea c) do nº 1 do art. 668, à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente. ... Nos casos abrangidos pelo art. 668º, nº 1, al. c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente” (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pags. 689 e 690.). Por outras palavras, e socorrendo-nos do conceito de silogismo, temos que a sentença deve ter uma estrutura argumentativa lógica, no sentido de que as premissas precedem a conclusão, que delas deve decorrer naturalmente. Pelo que, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, sob pena de nulidade da decisão. (…)” Reiterando esta linha jurisprudencial, cumpre determinar se a conclusão decisória relativa à condenação da Ré como litigante de má-fé se mostra [ou não] logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica. E a resposta - concede-se - é, manifestamente favorável, às pretensões da Requerente, já que resulta patente a contradição entre a conclusão decisória e o respetivo esteio fáctico que a suporta. Efetivamente, perscrutando a fundamentação de direito vertida na decisão judicial recorrida no concreto segmento decisório em análise, logo se constata que este Tribunal Central Administrativo Norte fundou o juízo de condenação da Ré como litigante de má-fé no entendimento de que esta, ao invocar que “(…) situação só foi detetada com o requerimento apresentado pela CI em 11.04.2018, após pedido de informação do mandatário signatário à s/ constituinte, que depois de efetuadas diligências apurou que, de facto, o equipamento estava em funcionamento. (…) Nesse instante foi ordenada a paralisação do equipamento, assim se mantendo até aos dias de hoje (…)”, faltou conscientemente à verdade dos factos, dessa forma, litigando de má-fé, nos termos do artigo 542º, nº. 2 do CPC. Ocorre, porém, que, examinando o probatório coligido nos autos, não se deteta a aquisição de qualquer materialidade tendente a demonstrar que, já depois da data de 11.04.2018, a Ré violou conscientemente a obrigação imposta pelo artigo 103º-A do C.P.T.A. Pelo que não se pode concluir que a Ré faltou à verdade conscientemente dos factos quando invocou que “(…) Nesse instante [11.04.2018] foi ordenada a paralisação do equipamento, assim se mantendo até aos dias de hoje (…)”, que, como supra referiu, constituiu “o real fundamento” da condenação da Ré como litigante de má-fé determinada no acórdão sob censura. Refira-se que não assiste razão à Recorrente S., Lda quando advoga que, em face da “(…) deplorável e inadmissível” conduta processual da recorrida A., E.M e os elementos (de facto e de direito) que constam dos autos, esta jamais poderá deixar se ser condenada (como litigante de má-fé) nos termos em que o foi (…)”. É que os fundamentos de eventual condenação como litigante de má-fé são exclusivamente os que constam do nº. 2 do artigo 542º do C.P.C. Nos termos do que se vem ali de preceituar, exige-se a atuação censurada seja plenamente integrada nos domínios da eventual (i) formulação de formulação de pedidos injustos; (ii) da articulação consciente de factos que não se tenham verificado ou que não correspondam à realidade, por deturpação ou omissão; (iii) da solicitação de diligências meramente dilatórias; e (iv) do uso de meios processuais para alcançar intentos ilegais, entorpecer ou protelar a ação da justiça e o trânsito em julgado da sentença. Essa integração, todavia, não é verificável no caso em apreço, pois que, à míngua da aquisição de tecido fáctico capaz de suportar que, já depois da data de 11.04.2018, a Ré violou conscientemente a obrigação imposta pelo artigo 103º-A do C.P.T.A, não é possível concluir que a Ré tenha articulado “(…) consciente de factos que não se tenham verificado ou que não correspondam à realidade, por deturpação ou omissão (…)”, dessa forma, litigando de má-fé nos presentes autos. Desta feita, a eventual inobservância por parte da Ré da obrigação imposta pelo artigo 103º-A do C.P.T.A, embora determinante para efeito de apuramento de eventual responsabilidade civil, disciplinar ou criminal por parte do seu infrator, é, de per se, manifestamente insuficiente para justificar a sua condenação como litigante de má-fé. Aqui chegados, bem se vê que a nulidade agora em causa é absolutamente consequente, o que tem como efeito a invalidação do juízo vertido no acórdão promanado nos autos exclusivamente no segmento decisório em análise e a consequente improcedência do invocado erro de julgamento de direito, por ofensa do disposto no artigo 542.° do CPC, tratado no ponto II) do segmento fáctico-jurídico do acórdão promanado nos autos. Ao que se provirá no dispositivo, que determina a prejudicialidade do conhecimento da nulidade de sentença arguida pela Recorrente S., Lda [cfr. artigo 608º, nº. 2 do CPC]. * * III – DISPOSITIVONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP; (i) Suprir a arguida nulidade com o efeito previsto no nº 2 do artigo 617º ex vi artigo 666º, ambos do CPC, julgando-se improcedente o imputado erro de julgamento de direito, por ofensa do disposto no artigo 542.° do CPC. (ii) Julgar prejudicado o conhecimento da nulidade de sentença arguida pela Recorrente S., Lda. (iii) Manter a decisão final de conceder provimento ao recurso da decisão do T.A.F. de Braga, nos termos e com o alcance em que se mostram vertidos no Acórdão promanado nos autos, com exclusão da condenação da Ré como litigante de má-fé. Notifiquem-se as partes [nºs 3 e 4 do referido artigo 617º do CPC] e DN. Registe e Notifique-se. * * Porto, 19 de junho de 2020,Ricardo de Oliveira e Sousa Fernanda Brandão Helder Vieira |