Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02842/18.1BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO; INCIDENTE)
Sumário:
I – A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o efeito suspensivo automático (previsto no nº 1) deve ser levantado quando se demonstre, por alegação e prova, que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4).
II – A decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos.
III – A decisão sobre a permanência ou o levantamento do efeito suspensivo automático deve ter por referência o contrato correspondente, a sua natureza e objeto (isto é, o contrato objeto da adjudicação, cuja suspensão decorrerá automaticamente, ope legis, da impugnação judicial do ato de adjudicação) e por conseguinte, também, os motivos que justificaram a decisão de contratar e o interesse público que, através dele, se visa satisfazer e assegurar; isto sem prejuízo das demais circunstâncias a que se deva também atender na situação concreta.
IV - O risco da produção de um dano comporta (e exige apenas) uma probabilidade séria, não a certeza da sua inevitável verificação.
V – Estando em causa o concurso público para realização de “Trabalhos de Conservação e Restauro do Recheio Artístico da Igreja SC do Porto”, classificada como monumento nacional, e como património da humanidade pela UNESCO, cuja necessidade de intervenção, em face do mau estado de conservação, motivou o lançamento do concurso, e se encontra identificado na memória descritiva do caderno de encargos, com risco de perda de elementos e agravamento do respetivo estado, justifica-se o levantamento do efeito suspensivo automático da impugnação do ato de adjudicação e do subsequente contrato, entretanto já celebrado. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MINISTÉRIO DA CULTURA
Recorrido 1:SGPC, Lda
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Deferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
O MINISTÉRIO DA CULTURA, réu no Processo de Contencioso Pré-contratual que contra si foi instaurado no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pela sociedade SGPC, Lda. – no qual foi impugnado o ato de adjudicação, e de todos os atos consequentes e subsequentes deste, proferidos no âmbito do procedimento concursal para “Trabalhos de Conservação e Restauro do Recheio Artístico da Igreja SC do Portoe em que são contra-interessadas as sociedades RRRC, Lda. e PRCROA, Lda., adjudicatárias, em consórcio, no identificado procedimento concursal (todas devidamente identificadas nos autos), inconformado com a decisão de 15/03/2019 do Tribunal a quo, que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA, que havia sido requerido quer por ele quer pelas contra-interessada RRRC, Lda. e PRCROA, Lda., dela interpõe o presente recurso (apelação autónoma com subida em separado), pugnando pela sua revogação e substituição por outra que defira o levantamento do efeito suspensivo automático, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1.ª) A sentença recorrida não determinou o levantamento do efeito suspensivo automático da presente ação de contencioso pré-contratual, que fora requerido pela ora Recorrente;
2.ª) Discorda a ora Recorrente do entendimento subscrito, pois entende que o tribunal a quo fez uma errónea interpretação da matéria factual e probatória (prova documental) carreada pela ora Recorrente para os presentes autos;
3.ª) A interposição do presente recurso radica nos seguintes argumentos:
a) o diferimento de execução do contrato coloca efetivamente em risco o espólio integrado da Igreja SC do Porto; e
b) o diferimento de execução do contrato determinará a perda de financiamento da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 e a não realização de outros trabalhos contemplados em candidatura;
4.ª) A sentença recorrida, no que respeita à matéria de facto dada como provada, é omissa quanto à classificação da Igreja SC como monumento nacional desde 1910 (Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910, de 23.06.1910), facto este expressamente referido e invocado pela ora Recorrente (art. 5º e 56º e segs. do requerimento inicial do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático);
5.ª) Justifica-se o aditamento desse novo facto à matéria de facto dada como provada devido à relevância dessa classificação e à sua possível “repercussão” quanto aos pressupostos do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático da ação de contencioso pré-contratual;
6.ª) Propõe-se um novo facto da matéria de facto dada como provada, com a seguinte redação: “A Igreja SC é classificada, desde 1910, como monumento nacional, conforme Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910”;
7.ª) No que respeita ao tópico relativo ao risco para o espólio integrado da Igreja SC, decidiu o tribunal a quo que não existia qualquer urgência significativa de ruína, bem como que o ora Recorrente e a contrainteressada apenas procederam a uma invocação abstrata de prejuízos genéricos;
8.ª) Discorda a ora Recorrente deste entendimento, face à material factual e probatória por si apresentada;
9.ª) A ora Recorrente especificou os graves problemas de conservação da Igreja SC, concretizando que os mesmos se verificam na capela-mor, talha da nave, esculturas em madeira e revestimentos azulejares (art. 16º e segs. e 86º do r.i.);
10.ª) Estes danos são detalhadamente descritos na Memória Descritiva e Justificativa das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, cujo conteúdo a ora Recorrente teve a oportunidade de transcrever (art. 31º do r.i.);
11.ª) Mas a ora Recorrente, através de requerimento datado de 11.12.2018, também juntou aos autos um relatório fotográfico da Igreja SC, contendo fotografias relativas ao estado de conservação do recheio artístico desta Igreja;
12.ª) Nessas fotografias é possível constatar o mau estado de conservação da Igreja SC, nomeadamente de elementos em queda e perda, desníveis causados pela cedência de elementos e evidências do ataque de térmitas (em conjuntos, alçados, peças em talha, altares, esculturas, etc.);
13.ª) Neste domínio, cumpre não olvidar a relevância do bem cultural em questão, pois a Igreja SC do Porto é classificada, desde 1910, como monumento nacional (a sentença recorrida é, estranhamente, omissa quanto a este tópico) e sobre o Estado recaem especiais deveres de proteção sobre este tipo de bens culturais (art.º 5º e segs. e 57º e segs. do r.i.);
14.ª) Aliás, a própria autora (recorrida) reconhece, na sua Memória Descritiva e Justificativa do Modo de Execução dos Trabalhos, o mau estado de diversos componentes do recheio artístico da Igreja SC, como o suporte em madeira da capela-mor e revestimentos do arco cruzeiro e nave da igreja, onde se faz expressa referência ao respetivos “risco eminente de cedência” e “sinais de degradação e descoesão” (págs. 5 e 6 do referido documento, constante do processo administrativo);
15.ª) Na sentença recorrida, chama-se à colação a existência de contratos anteriores ao procedimento de contratação pública em análise nos presentes autos para se rejeitar o levantamento do efeito suspensivo automático, mas olvida o tribunal a quo o diagnóstico do estado de conservação da Igreja SC refuta tal entendimento, para além do tribunal a quo não ter atentado no distinto objeto desses contratos (face ao contrato em análise nos presentes autos);
16.ª) Assim sendo, e contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a ora Recorrente concretizou os riscos que adviriam do diferimento de execução do contrato para o espólio integrado da Igreja SC do Porto, que urgia intervencionar e recuperar, conforme resulta da matéria de facto e probatória invocada pela ora Recorrente (atendendo, em especial, ao teor da Memória Descritiva e Justificativa das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos e do relatório fotográfico junto pela ora recorrente em 11.12.2018);
17.ª) Quanto ao tópico do risco de perda de financiamento da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007, decidiu o tribunal a quo que a ora Recorrente (e a contrainteressada) não concretizaram factualmente como é que a suspensão da obra a executar implicaria a perda de financiamento e a impossibilidade de realização de outros trabalhos, não tendo junto aos autos qualquer documentação que atestasse tal;
18.ª) Uma vez mais, discorda a ora Recorrente do entendimento subscrito na sentença recorrida;
19.ª) O calendário de execução da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 termina em Fevereiro de 2020, especificamente em 29.02.2020 (conforme resulta do teor da Informação n.º INF_N2020_NA_9404/2018, datada de 29.10.2018, e respetiva decisão da Comissão Diretiva do NORTE 2020, datada de 30.10.2018, juntas com o requerimento datado de 11.02.2019);
20.ª) A data de 29.02.2020 apresenta caráter excecional, conforme resulta do teor da Informação n.º INF_N2020_NA_9404/2018, datada de 29.10.2018, e respetiva decisão da Comissão Diretiva do NORTE 2020, datada de 30.10.2018 (juntas com o requerimento datado de 11.02.2019);
21.ª) O calendário de execução do contrato de empreitada de obra pública celebrado entre a ora Recorrente e a Contrainteressada (Contrato n.º 11/DRCN/DSBC-2018, datado de 24.10.2018) é de “365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, contados nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 362º do Código dos Contratos Públicos.” (cfr. Cláusula 3.2.ª do referido Contrato);
22.ª) A execução desse contrato encontra-se suspensa, por força da presente ação;
23.ª) Esta “colisão” destes calendários ou prazos (calendário de execução da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 / calendário de execução do contrato de empreitada de obra pública celebrado em 24.10.218) foi especificamente invocada e analisada pela ora Recorrente (art. 94º e segs. do r.i.), pois o prazo de execução do contrato de empreitada de obra pública celebrado entre a ora Recorrente e a Contrainteressada (Contrato n.º 11/DRCN/DSBC-2018, datado de 24.10.2018) tem de se “encaixar” temporalmente no calendário de execução da OPERAÇÃO NORTE-04-2114-FEDER-000007;
24.ª) A razão de ser da necessidade desse “encaixe temporal” prende-se com a realização de pagamentos do contrato de empreitada de obra pública em análise nos presentes autos, pois o financiamento da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 servirá para proceder aos pagamentos devidos no âmbito da execução daquele contrato de empreitada de obra pública já celebrado;
25.ª) Da análise do Termo de Aceitação da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 (junto com o requerimento datado de 11.02.2019) subscrito pela ora Recorrente e do regime legal aplicável (em especial, do art. 23º do DL n.º 159/2014, de 27 de outubro) resulta que, ultrapassada a data final do calendário da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 (29.02.2020), tal determinará, para a ora Recorrente, a revogação ou redução do apoio à operação;
26.ª) Da matéria factual e probatória carreada pela ora Recorrente para os presentes autos quanto ao risco de perda de financiamento (em especial, por reporte à documentação junta com o requerimento datado de 11.02.019) resulta que esta, contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, concretizou “factualmente que a suspensão da obra a executar implicaria a perda do financiamento e a impossibilidade de realização de outros trabalhos”, tendo junto, para o efeito, documentação que demonstra tal realidade;
27.ª) A ponderação de interesses a realizar pelo tribunal a quo, para efeitos do art. 103º-A do CPTA, devia ter sido substancialmente distinta daquela que foi realizada na sentença recorrida;
28.ª) Procedendo a uma síntese dos interesses em conflito por força do efeito suspensivo automático, temos, no que respeita à autora (recorrida), uma expetativa de facto (sem tutela jurídica);
29.ª) Quanto à ora Recorrente, temos prejuízos ao interesse público, numa “tripla vertente”:
a) Relevância da Igreja SC do Porto, face à sua classificação como monumento nacional desde 16.06.1910 (e sobre o Estado recai um especial dever de proteção deste tipo de bens, para efeitos dos arts. 9º e 78º n.º 2 da CRP e arts. 2º, 3º, 15º, 16º, 18º e 31º da Lei n.º 107/2001), e do seu recheio artístico, atendendo a que estamos perante um dos melhores exemplares do barroco joanino em Portugal;
b) Necessidade urgente de intervir e recuperar o recheio artístico da Igreja SC do Porto, muito fragilizado em consequência de anteriores infiltrações e infestação por térmita, com riscos de danos patrimoniais e humanos; e
c) Necessidade de cumprir o calendário da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 (fevereiro de 2020), que “contribui” com 85% do valor do preço no contrato (que se cifra em € 703.264,31), sob pena de perda desse financiamento.
30.ª) Quanto aos prejuízos que decorrem para a contrainteressada (consórcio RRRC / PRCROA) temos:
a) expetativa jurídica (por força do ato de adjudicação), que é vulnerada com a presente ação de contencioso pré-contratual;
b) suspensão da execução do contrato já celebrado, com a decorrente perda da remuneração / preço daí decorrente; e
c) eventual despedimento dos trabalhadores contratados para assegurarem a execução do contrato celebrado com a ora Recorrente.;
31.ª) Face à descrição dos interesses em jogo resulta inegável, ou, sem margem para dúvidas, que efetivamente existe “um desequilíbrio desproporcionado entre os interesses envolvidos, em desfavor da entidade demandada ou dos contrainteressados”, o que justifica o levantamento do efeito suspensivo automático da presente ação de contencioso pré-contratual (art. 103º-A n.º 2 do CPTA), contrariamente ao que foi decidido na sentença recorrida; e
32.ª) Em suma, e face ao anteriormente exposto, deve a sentença recorrida ser reapreciada e revogada no que respeita aos tópicos de discordância expostos pela ora Recorrente e que fundamentam o presente recurso, decretando-se o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente da presente ação de contencioso pré-contratual.
*
A recorrida SGPC, Lda., autora na ação, contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, tendo concluído formulando o seguinte quadro conclusivo:
I - Relativamente à questão da classificação da Igreja SC como monumento nacional, a mesma é incontroversa e resulta directamente da lei, entendendo-se que essa referência constitui matéria de direito e não matéria de facto, pelo que a sua inclusão nos factos provados não se afigura adequada.
II – Mais a mais, ainda que se considere atendível essa questão, a mesma, por si não abala a correcção da douta decisão recorrida, sendo de reduzida – senão de nula – relevância na ponderação de interesses legalmente atendível, em face das demais conclusões infra.
III – Na alegação e prova dos pressupostos legais da derrogação do efeito suspensivo automático, constantes do art. 103º-A n.º 2 e 4 do CPTA, o Recorrente o Recorrente quedou-se por prova documental escassa e insuficiente para o seu desiderato, sem ter indicado quaisquer outros meios de prova.
IV - O Recorrente confunde – salvo o devido respeito - duas realidades totalmente distintas: por um lado, os problemas no estado de conservação da Igreja e seu acervo e, por outro, uma situação de urgência na necessidade de atuação que não se compadeça com o tempo necessário à normal tramitação da ação administrativa em causa, com – recorde-se – natureza urgente.
V - Com efeito, competia ao Recorrente alegar e – sobretudo – provar, que o tempo expectável e necessário à normal tramitação da presente ação coloca em sério risco a integridade e salvaguarda daqueles bens e que o mesmo seja galopante, o que tudo não logrou demonstrar.
VI – O estado de degradação da Igreja em causa, e do seu espólio, é duradouro e paulatino, tendo sido objeto de diversas intervenções entre 2015 e 2017, de salvaguarda e contenção do avanço da degradação sobre os seus elementos mais prementes, críticos e sensíveis.
VII – Essas intervenções implicaram um gasto de 454.061,32 € que – certamente – se destinaram aos trabalhos mais prementes e prioritários para a contenção e salvaguarda da degradação da Igreja SC e respetivo espólio artístico, o que conteve o avanço do estado de degradação em ordem a retirar tais elementos de um estado de risco iminente, o que tudo resulta das regras normais da experiência e razoabilidade.
VIII - Merece especial ênfase o facto de o Recorrente ter subscrito o termo de aceitação do financiamento para a respetiva empreitada em 14/06/2016, ou seja, há mais de dois anos e meio relativamente ao momento em que deduziu o incidente, tendo promovido consecutivos pedidos de reprogramação, com a alteração do calendário de execução de 14/06/2019 para 29/02/2020 sem qualquer justificação mais digna do que a pendência de uma ação judicial.
IX – O Recorrente deixou que o prazo para a realização da empreitada fosse consumido a seu bel prazer para agora invocar um regime de exceção no controlo jurisdicional de um procedimento administrativo, procurando sustentar uma urgência absoluta e imperiosa na execução do contrato volvidos mais de dois anos e meio sobre a data da subscrição do termo de aceitação do financiamento.
X - A referência aos ataques de térmitas afigura-se falaciosa e insubsistente desde logo porque a empreitada, correspondente ao contrato de 10/02/2015 (cfr. facto provado 16), incluiu trabalhos contra o ataque de insectos xilófagos (onde se incluem as térmitas) e a reabilitação da envolvente exterior opaca e envidraçada, o que o Recorrente confirma no art. 15º no requerimento do incidente.
XI - Não existe nenhum especial nível de alerta contra os insectos xilófagos sendo a sua presença um problema habitual em todos os elementos estruturais e artísticos de construções antigas, em maior ou menor grau, não padecendo a dita Igreja, assim como o seu recheio artístico, de sinais objetivos de um estado galopante e excepcional que não se compagine com o período de tempo inerente à pendência dos presentes autos.
XII - Aliás, como o Recorrente refere no art. 17º do seu douto requerimento inicial, não se trata de matéria cognoscível à vista desarmada, quanto ao concreto espólio, não havendo sinais objetivos de um ataque no seu interior e – muito menos – com um tal ritmo que permita postergar a regra do efeito suspensivo automático nos moldes peticionados.
XIII - Mais a mais, o documento n.º 2 junto com o requerimento do incidente do Recorrente é absolutamente exíguo e insuficiente para que se possa dar como provada uma exposição de tal ordem intensa e galopante que justifique a derrogação do efeito suspensivo automático. Trata-se de um documento de duas folhas, intitulado “Como as pragas estão a voltar às cidades” (não obstante a sua paginação “2/52”), de 28/02/2014, que se limita a generalidades sobre pragas de baratas, roedores e percevejos, sendo a alusão a térmitas muito lateral e fugaz, sem qualquer dimensão concreta sobre a Igreja em referência, o qual é indevidamente extrapolado para o centro histórico do Porto, a que não faz qualquer referência.
XIV - É de destacar que nem as peças do procedimento, nem os trechos delas seleccionados no douto requerimento do incidente, fazem alusão específica a ataque de térmitas, limitando-se a descrever um estado de degradação sem alusão às causa (cfr. art. 31º e 85º do douto requerimento do incidente).
XV - É de referir que o procedimento pré-contratual decorreu entre 08/05/2018 e 01/10/2018, tendo demorado praticamente 5 meses, depois de uma prorrogação de mais de dois anos e meio na execução do financiamento. Nenhum dado objectivo aponta no sentido de o conjunto em causa não resistir aos escassos meses de pendência dos presentes autos, tendo resistido à pendência de um procedimento pré-contratual com a alegada extensão temporal, com reprogramações sucessivas do prazo de execução.
XVI - Por outro lado, das fotos referidas pelo Recorrente não se extrai qualquer conclusão que exorbite o mero mau estado atual de certos elementos, nada dizendo ou traduzindo quanto ao seu ritmo de degradação, sendo que a interpretação dessas fotos (cfr. pág. 9 das doutas alegações) em muito excede o que a imagem proporciona. Delas não se extrai elementos em queda, a causa dos desníveis e a presença das térmitas, nem – muito menos – que tal estado seja irremediavelmente comprometido pelo prazo normal de pendência de uma ação urgente.
XVII – Quanto ao risco de perda do financiamento comunitário, no plano normativo, o Réu apenas se fundamenta no art. 23º e 25º n.º 10 do Decreto-Lei n.º 159/2014.
XVIII - Do citado art. 23º não resulta qualquer consequência, inelutável e automática, de redução ou revogação do apoio financeiro que resulte da manutenção do efeito suspensivo automático, previsto no art. 103º-A n.º 1 do CPTA, e de eventual decisão judicial que o mantenha. A este normativo subjaz, manifestamente, um cariz sancionatório por efeito de um incumprimento culposo da entidade adjudicatária, o que não cabe naquele efeito legal, adotando – mais a mais – uma fórmula que remete para uma certa discricionariedade [“podem determinar a redução ou revogação (…)”] que não pode deixar de atender ao princípio geral de proporcionalidade e justiça (cfr. arts. 7º e 8º do CPA).
XIX - Destarte, o decurso do prazo de execução da empreitada determinado pelo efeito suspensivo automático apenas poderia ser equacionado no âmbito da al. a) do n.º 2 do art. 23º ou al. b) do seu n.º 3, normas que jamais poderão alicerçar uma revogação do financiamento por causa de um efeito legal previsto no CPTA, diploma este com a mesma hierarquia normativa, obviamente, o Decreto-Lei n.º 159/2014 não derrogou.
XX - A proceder a tese do Recorrente estava encontrado o meio para subverter a regra do efeito suspensivo automático – ela própria ditada pela legislação da EU – bastando para tal que existisse um financiamento concedido com fixação de prazo de execução, fosse qual fosse a entidade financiadora (!). As entidades gestoras do financiamento estão sujeitas à lei geral da República Portuguesa, não tendo suporte legal o efeito preclusivo sustentado pelo Recorrente que visa, a todo o custo, a vantagem do facto consumado que aquela norma pretende combater.
XXI - Acresce que nenhum dos documentos juntos ao processo (incluindo P.A.), ou referências normativas deles constantes, contém qualquer alusão à consequência de o prazo da operação ser excedido, apenas dele resultando o prazo em si mesmo.
XXII - O decurso do prazo por causa do efeito suspensivo automático jamais seria causa legítima de revogação ou redução do financiamento, no plano legal ou regulamentar.
XXIII – Tanto mais que a entidade gestora do financiamento possui discricionariedade para considerar atendíveis os motivos do incumprimento de prazos – conforme evidencia o despacho da Secretária Técnica do STST [cfr. fls. 9 do doc. 1 junto pelo Réu em 11/02/2019), que mereceu despacho superior de concordância, reiterado a fls. 20 do mesmo documento, pela Técnica Superior NA].
XXIV - Ou seja, se a entidade gestora considerou atendíveis os motivos dos atrasos procedimentais em sede administrativa, com uma fundamentação que – salvo melhor opinião – é difusa e inconsistente, não poderá deixar de considerar atendíveis os que resultarem do mero efeito legal do efeito suspensivo automático e da decisão judicial inerente. É, aliás, evidente a discricionariedade relativa à matéria de reprogramação do prazo de execução ao longo do documento e das sucessivas informações e despachos sobre a matéria.
XXV - Assim, a premissa de que o atraso emergente da pendência acarretará a perda do financiamento não tem qualquer suporte legal ou contratual, nem qualquer suporte probatório, não devendo o Tribunal valorar uma hipotética decisão ilegal da entidade financiadora como causa justificativa da derrogação da regra do efeito suspensivo automático.
XXVI – Nenhuma factualidade provada abala a correcção da ponderação de interesses vertida na douta sentença recorrida, à luz do disposto no n.º 2 e 4 do art. 103º- A do CPTA, sendo que na ponderação invocada pelo Recorrente o mesmo ignora o interesse subjacente à própria regra do efeito suspensivo automático previsto no art. 103º-A, n.º 1, do CPTA, ao mesmo tempo que também enfatiza interesses alheios (os das Contrainteressadas).
XXVII - Sobre estes putativos prejuízos salienta-se que as Contrainteressadas não os quantificaram nem provaram, sendo que também a Recorrida também possui os seus próprios interesses particulares, não menos dignos de tutela.
XXVIII - Os bens jurídicos tutelados pelas regras da contratação pública revestem, em si mesmos, uma dimensão de interesse público, o que o Recorrente procura diminuir e que deveria nortear a ponderação de interesses contrapostos, estando em causa a salvaguarda da estratégia do facto consumado e a indevida postergação de proposta com um valor significativamente mais reduzido, sendo de destacar que a proposta que mereceu a adjudicação é mais onerosa para o erário público em 125.333,31 €, padecendo – mais a mais – dos vícios evidenciados na petição inicial.
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Subiu o recurso em separado e com efeito suspensivo a este Tribunal em 02-01-2018, instruído com certidão das peças processuais atinentes ao incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA (cfr. fls. 546-547 SITAF).
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Neste, notificado o Digno Magistrado do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, emitiu Parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
«I – Da decisão recorrida:
1 – Por sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 15 de Março de 2019 - fls. 205 e ss. dos autos, processo físico - foi julgado improcedente o pedido incidental de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º -A nº 2 e nº 4 do CPTA. que foi deduzido pelo Réu Ministério da Cultura (MC) na acção proposta pela sociedade comercial «SGPC Lda.» com o fundamento de que não foram devida e suficientemente demonstrados prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento da execução do acto de liquidação de adjudicação e do contrato, não podendo afirmar-se, a partir do alegado ( pelo MC) que a suspensão deste seja gravemente prejudicial para o interesse público ou para outros interesses, nomeadamente os da contra interessada, pelo que não se concluindo que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
II – Do recurso:
2 – Recorre o MC, defendendo a revogação da sentença da primeira instância, por considerar que a mesma incorreu em erro de julgamento por deficiente apreciação da prova produzida, da qual se extrai que o diferimento da execução do contrato celebrado para a conservação e restauro do recheio artístico da Igreja SC da cidade do Porto, coloca de facto em risco o espólio existente nesse monumento, e determinará a perda do financiamento da operação, identificado como «Operação Norte – 04- 2114 – FEDER – 000007», concluindo a sua alegação em 32 pontos que se dão aqui por integralmente reproduzidos(fls. 223 a 226, processo físico).
3 – Respondeu ao recurso a Autora, realçando o acerto da decisão de primeira instância, cuja manutenção defende, concluindo em 28 pontos, que igualmente se dão aqui por reproduzidos ( fls. 236 a 241 dos autos, processo físico).
4 –Da decisão recorrida constam as razões pelas quais não se considerou estar suficientemente provada a existência de prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento da execução do acto de liquidação de adjudicação e do contrato.
5 – Assim, a questão a decidir no recurso, no essencial, cinge-se à análise sobre a bondade desse juízo.
III - Examinando,
6 – Recurso próprio, atempado, legítimo, nada obstando ao seu conhecimento.
7 – Da leitura da sentença incidental recorrida, da documentação junta aos autos e das peças elaboradas pelas partes no recurso, cremos que se evidencia uma situação de facto que nos faz concluir pela bondade e acerto do recurso interposto pelo MC.
8 – Na verdade, resulta para nós claro que é inegável que os riscos de agravamento das condições em que se encontra o espólio da Igreja SC existem, assim como também é certo que existe o risco de não ser executado como estava previsto o financiamento da operação, identificado como «Operação Norte – 04- 2114 – FEDER – 000007», as funções desempenhadas pelo Autor nos anos lectivos de 92/93,
9 – E embora a Autora minimize esses riscos, a verdade é que até da leitura das suas contra alegações se extrai que os riscos existem.
10 - E a simples constatação da existência desses riscos é suficiente, em nosso entender, para que se devesse ter atendido o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático formulado pelo MC.
11 - Pelo exposto, e cremos que sem necessidade de outras considerações, no mais, remetemos para a argumentação, de facto e de direito constante da alegação de recurso, que só não repetimos aqui por razões de celeridade, e concluímos que o interesse público que é afirmado pelo MC no recurso deve prevalecer sobre qualquer outra consideração de interesses no caso vertente, não existindo nenhum direito ou interesse eventualmente sacrificado na presente lide que lhe seja comparável, em termos proporcionais.
TERMOS EM QUE,
Somos de parecer que o presente recurso merece provimento.»
Sendo que dele notificadas as partes, apresentou-se a responder a recorrida SGPC, Lda., pugnando não deverem ser acatados os argumentos expostos naquele Parecer, improcedendo o recurso.
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Sem vistos (cfr. artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA), foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
O presente recurso vem dirigido à decisão do Tribunal a quo que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA, sendo as questões essenciais nele a decidir as seguintes:
- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto - (conclusões 4ª, 5ª e 6ª das alegações de recurso)
- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito) quanto à solução jurídica dada ao incidente, em termos que, ao invés do decidido, devia ter sido deferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático (conclusões 1ª a 3ª, 7ª a 32ª das suas alegações de recurso).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida expressis verbis na decisão recorrida:
1) Por anúncio publicado no Diário da República, n.º 104, 2.ª Série, de 30 de Maio de 2018, e mediante o anúncio de procedimento n.º 3942/2018, o Ministério da Cultura publicitou a abertura de concurso público para realização de “Trabalhos de Conservação e Restauro do Recheio Artístico da Igreja SC do Porto ” (cfr. fls. 38 do proc. físico e PA);
2) O Preço base previsto no procedimento foi de € 820.000,00 (cfr. fls. 38 do proc. físico e PA);
3) O prazo de execução dos trabalhos de conservação e restauro do recheio artístico da Igreja SC do Porto é de trezentos e sessenta e cinco dias (cfr. fls. 38 do proc. físico e PA);
4) A Autora apresentou a sua proposta, cujo conteúdo se tem aqui por integralmente reproduzido (cfr. PA);
5) As Contrainteressadas apresentaram proposta, que aqui se tem por integralmente reproduzida (cfr. PA);
6) Em 28 de Setembro de 2018, foi elaborada a Informação nº 1295272/DRCN/DSC-2018, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. PA);
7) Em 1 de Outubro de 2018, o Ministro da Cultura proferiu despacho de concordância com a Informação referida em 6) (cfr. PA);
8) Em 24 de Outubro de 2018, a Ministra da Cultura e as Contrainteressadas outorgaram o Contrato nº 11/DRCN/DSBC.2018, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. PA);
9) A execução do contrato referido em 8) tem financiamento da Operação Norte – 04-2114-FEDER-000007, com co-financiamento comunitário de 85% face ao valor do contrato celebrado (cfr. PA);
10) A Operação Norte – 04-2114-FEDER-000007 estipulou como término do prazo de execução da obra o mês de Fevereiro de 2020 (cfr.
11) A Igreja SC encontra-se classificada pela UNESCO como património mundial (cfr. whc.unesco.org./en list/755);
12) O interior da Igreja SC é constituída por talha dourada, esculturas, azulejos, pinturas mural, pinturas de cavalete e património musical (cfr. www.patrimoniocultural.gov.pt);
13) Em 2014/2015, a DRCN, no âmbito da Operação referida em 9), realizou uma barreira anti-térmita, drenagem perimetral, colocação de revestimento cerâmico nas coberturas e reabilitação e execução de alguns vãos na Igreja SC (cfr, PA);
14) Em 1 de Agosto de 2018, a Contrainteressada RRRC, Lda celebrou Contratos de Trabalho a Termo Incerto com AJPA, AMSA, CMFC, CCFLS, ARJG, RSAR, RRR, RMAP, MCCRP, JCAS, FSS e DVPRS, os quais se são aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls. 257 a 292 do proc. físico);
15) Em 10 de Fevereiro de 2015, a Direcção Regional de Cultura do Norte celebrou contrato de empreitada de obras públicas para “Conservação do imóvel e da envolvente” Igreja SC do Porto (cfr. fls 191 do proc. físico);
16) Em 4 de Setembro de 2017, a Direcção Regional de Cultura do Norte celebrou contrato de empreitada de obras públicas para “Trabalhos de Conservação e Restauro de um conjunto de pinturas de cavalete” na Igreja SC do Porto (cfr. fls 191 verso do proc. físico);
17) Em 8 de Setembro de 2017, a Direcção Regional de Cultura do Norte celebrou contrato de empreitada de obras públicas para “Reforços estruturais e trabalhos complementares na Igreja SC do Porto (cfr. fls 192 do proc. físico);
18) Em 11 de Setembro de 2017, a Direcção Regional de Cultura do Norte celebrou contrato de empreitada de obras públicas para “Trabalhos de conservação e Restauro do Recheio Artístico do Coro Baixo da Igreja SC do Porto (cfr. fls 192 verso do proc. físico).
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Vertendo o seguinte a respeito da factualidade não provada:
«Factos não provados
Para além da matéria de facto dada como provada, inexiste outra factualidade concreta que tenha sido alegada e que assuma interesse para a apreciação e decisão da questão sob escrutínio.»
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B – De direito
1. Da decisão recorrida
A Mmª Juíza do Tribunal a quo indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA, que havia sido requerido quer pelo réu MINISTÉRIO DA CULTURA quer pelas contra-interessadas adjudicatárias em consórcio. Decisão que tendo por base a matéria de facto que nela foi dada como provada, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«O art. 100º do CPTA prevê que: “1 – Para os efeitos do disposto na presente acção, o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços.”
Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 103º-A, do CPTA, a impugnação de actos de adjudicação praticados no âmbito de procedimentos de formação de contratos abrangidos pelo artigo 100.º, do Código, nos quais se insere o contrato de empreitada de obras públicas, faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
Por sua vez, consigna-se no n.º 2, deste artigo 103.º-A, que: “no caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2, do artigo 120º”.
Tendo a Entidade Demandada requerido, nos termos do disposto no art.º 103º-A, n.º2, do CPTA, o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art.º 103º-A, n.º1, do CPTA, cumpre conhecer de tal pedido.
O n.º 4, do preceito normativo consigna que “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”
Dispõe o nº 2 do art. 120º do CPTA que: “ Nas situações previstas no artigo anterior, a adoção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Este juízo comparativo dos interesses em jogo exige que se proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público ou interesse dos contra-interessados com a dimensão dos danos que o seu levantamento traz ao autor, operação que impõe que se proceda a um juízo de valor relativo fundado na comparação, e segundo critérios de proporcionalidade, dos interesses em presença.
Será, portanto, à luz da ponderação dos diversos interesses contrapostos e que se revelem como susceptíveis de serem lesados que se há-de decidir pelo levantamento ou manutenção do efeito suspensivo automático resultante da propositura da presente acção.
Apreciando.
A Entidade Demandada aduziu dois argumentos fundamentadores da conclusão de que o diferimento da execução do acto seria prejudicial para o interesse público, a saber, em síntese: 1) o presente concurso insere-se numa segunda fase de intervenção de requalificação e restauro da Igreja SC com a finalidade de resolver graves problemas de conservação que colocam em risco o seu espólio integrado, nomeadamente a talha dourada, esculturas e estruturas de sustentação em suporte de madeira “que evidencia risco de roturas e derrocadas”, degradação que se não for debelada a curto prazo tenderá para uma situação de possível ruína e de queda eminente de elementos. 2) A suspensão dos efeitos fará com que não seja cumprido o calendário das obras a executar, que inclui financiamento da Operação Norte-04-2114- FEDER-000007, com co-financiamento comunitário de 85% face ao valor do contrato celebrado, o que determinará a perda de financiamento e a não realização de outros trabalhos contemplados em candidatura.
Quanto ao objectivo legislativo de criação do efeito suspensivo automático discorrem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao CPTA, 4ª edição, pág. 839, que “o efeito suspensivo associado à impugnação jurisdicional do ato de adjudicação visa garantir a eficácia da reacção jurisdicional, impedindo que o contrato venha a ser celebrado enquanto o tribunal não emitir uma pronúncia sobre a pretensão impugnatória deduzida contra o ato de adjudicação visa, pois evitar que a celebração do contrato imediatamente após o decurso do período de standstill venha a gerar uma situação de facto consumado, constituindo um obstáculo à reconstituição do procedimento pré-contratual, no caso de vir mais tarde a ser reconhecida jurisdicionalmente a ilegalidade da adjudicação.”.
Quanto aos pressupostos de que depende a concessão do levantamento do efeito suspensivo automático esclarecem estes autores que “(…) afigura-se da maior importância notar que, ao exigir um grave prejuízo para o interesse público ou uma clara desproporção das consequências lesivas para outros interesses envolvidos (aqui se incluindo os interesses do adjudicatário), o preceito faz depender o levantamento do efeito suspensivo automático do preenchimento de pressupostos exigentes, no que diz respeito aos danos que podem resultar da manutenção do efeito suspensivo: a regra é o efeito suspensivo automático, que só deve ser levantado em circunstâncias particularmente exigentes.
Não pode deixar, pois, de ser nesta perspectiva que deve ser lida a remissão que é feita no segmento final do nº 2 para o critério previsto no artigo 120.º, n.º 2, e, a essa luz, a disposição constante do n.º 4, nos termos da qual “o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”.
Com efeito, a referência que no n.º 2 é feita ao critério do n.º 2 do artigo 120.º significa que o juiz deve formular um juízo de valor relativo entre a situação do impugnante e os interesses públicos e privados que se lhe contrapõem. Ora, se, como se infere do mesmo n.º 2, o levantamento do efeito suspensivo só pode ser concedido na condição de que “o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”, o juiz só pode levantar o efeito suspensivo quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seriam consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato, não sendo, assim, suficiente que o tribunal verifique que os danos que, para os interesses contrapostos aos do impugnante, resultariam da manutenção do efeito suspensivo sejam apenas superiores àqueles que, para o impugnante, podem resultar do seu levantamento.” (sublinhado nosso).
Ainda, sobre a exigência da especial gravidade do prejuízo, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 643/645, 2017 – 4ª edição referem que: «A referência, no nº 2, ao “grave prejuízo para o interesse público” e à lesão “claramente desproporcionada dos outros interesses envolvidos” tem, entretanto, o alcance de clarificar que, para a obtenção do levantamento do efeito suspensivo, não é suficiente a invocação abstracta pelos requerentes de prejuízos genéricos, sendo antes exigível a demonstração em concreto dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público ou os interesses privados relacionados com a adjudicação, para o que haverá que atender à natureza do contrato que é objecto do procedimento pré-contratual, à sua efectiva importância para a satisfação de necessidades colectivas, ao período de tempo que previsivelmente decorrerá até ao julgamento da acção e, se for caso disso, à situação em que se encontra a execução do contrato e as prestações e investimentos já realizados».
No que se refere à teorização dos requisitos de levantamento do efeito suspensivo refere o Acórdão do TCAS de 14/07/2016, in www.dgsi.pt, «I - Do art.º 103.º-A do CPTA revisto resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. II - O requisito enunciado no antecedente ponto I, alínea a), implica a alegação da pertinente factualidade, cujo ónus probatório recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados, os quais deverão oferecer a competente prova com o requerimento em que é deduzido o incidente (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA). III – Não basta à entidade demandada e aos contra-interessados alegarem – e provarem – a existência de prejuízos para o interesse público e para os outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação – e prova – da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. IV – O requisito acima enunciado no ponto I, alínea b), significa que a manutenção ou levantamento do efeito suspensivo depende de um juízo de ponderação de danos, devendo o efeito suspensivo ser levantado quando os danos com a manutenção sejam superiores aos danos com o levantamento, estes últimos a alegar pelo autor na resposta ao incidente, na qual também deverá oferecer a competente prova (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).»
Quanto ao primeiro fundamento invocado pelo Requerente deste incidente Ministério da Cultura, ou seja, o de que o diferimento de execução do contrato coloca em risco o seu espólio integrado, nomeadamente a talha dourada, esculturas e estruturas de sustentação em suporte de madeira “que evidencia risco de roturas e derrocadas”, degradação que se não for debelada a curto prazo tenderá para uma situação de possível ruína e de queda eminente de elementos, há que dizer que não nos parece que, dos elementos constantes destes autos, resulte qualquer urgência significativa ou risco actual identificado de derrocada e ruína daquele espólio que nos leve a fazer um juízo de que o eventual dano para o interesse público decorrente do não levantamento do efeito suspensivo seja consideravelmente superior ao dano que pode advir para a impugnante do levantamento daquele efeito. Conforme resulta do probatório supra, a Entidade Demandada, ao longo dos últimos anos, nomeadamente nos anos de 2015 e 2017, celebrou contratos de empreitada para realização de obras de conservação da Igreja SC e de algum do seu espólio, pelo que, recorrendo um juízo de experiência comum, certamente que já não existe risco concreto e relevante de ruína e derrocada durante o decurso dos presentes autos, que até é um processo urgente e, por isso, não terá uma duração tão prolongada como se não fosse.
A este juízo acresce que, nem o Ministério nem a Contrainteressada invocaram e provaram que, sem o levantamento do efeito suspensivo, os prejuízos para o interesse público assumem especial gravidade porque se limitaram a uma invocação abstracta de prejuízos genéricos, como a alegação de “risco de queda de elementos”, sem realizarem a invocação e demonstração em concreto dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público com a adjudicação.
Quanto ao segundo argumento segundo o qual o diferimento da execução do contrato fará com que a Entidade Demandada não cumpra o calendário das obras a executar, que inclui financiamento da Operação Norte-04-2114-FEDER-000007 e cofinanciamento comunitário de 85% face ao valor do contrato celebrado (€827.369,78), o que determinará a perda de financiamento e a não realização de outros trabalhos contemplados em candidatura, também não nos parece, aliás, de acordo com a jurisprudência mais recente, nomeadamente o decidido no Ac. do TCAN, de 30.08.2017, in www.dgsi.pr, que justifique a procedência do incidente em análise.
Importa referir que, a Entidade Demandada, bem como a Contrainteressada, alegaram de forma genérica, e não concretizaram factualmente, que a suspensão da obra a executar implicaria a perda do financiamento e a impossibilidade de realização de outros trabalhos, não demonstrando especificamente como é que a suspensão da execução do contrato obrigatoriamente levará à perda do financiamento e não execução de outros trabalhos.
Assim, considera-se que dos elementos constantes dos autos resulta uma insuficiente demonstração/concretização dos prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento de execução do acto de adjudicação e do contrato, pois que a Entidade Demanda não junta a estes mesmos autos qualquer documento que demonstre que do efeito suspensivo desta acção decorrerá a perda do financiamento obtido, pelo que não pode concluir-se, por este motivo, pela verificação deste pressuposto.
Neste sentido e no que diz respeito a este fundamento invocado, a eventual perda de financiamento, o Acórdão do TCANorte, de 30/08/2017, já supra referido, refere que “ (…) essa mera possibilidade de redução ou revogação de apoio financeiro concedido fica reduzida se considerarmos que apenas a interrupção não autorizada releva para tal efeito, não vindo alegado que tal autorização tivesse, no concreto caso, sido – ou seja claro que venha a ser – recusada pela entidade competente, mormente perante um contencioso que impugna actos de adjudicação e uma situação de efeito suspensivo ex lege dos efeitos do acto impugnado ou da execução do contrato (…)”.
Relativamente ao dano invocado pela contrainteressada, de já ter celebrado contratos de trabalho por efeito da adjudicação da obra em questão há que dizer que, para além, de estes contratos serem contratos de trabalho a termo incerto, nada resulta nos autos, nem sequer foi alegado, que estes trabalhadores se encontram sem exercer funções e a receber vencimento mensal, pelo que não se mostra provado que a contratação destes trabalhadores pela contrainteressada resulte num dano financeiro para esta.
Ponderados todos os elementos dos autos conclui-se que nestes não estão devida e suficientemente demonstrados prejuízos para o interesse público decorrentes do diferimento da execução do acto de adjudicação e do contrato, não podendo afirmar-se, a partir do alegado, que a suspensão deste seja gravemente prejudicial para o interesse público ou para outros interesses, nomeadamente os da Contrainteressada, pelo que, não se concluindo que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem resultar do seu levantamento, é de manter o efeito suspensivo ex lege.»
2. Do invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto
(conclusões 4ª, 5ª e 6ª das alegações de recurso)
2.1 Sustenta o recorrente, em primeiro lugar, que deve ser aditado ao probatório o seguinte facto, que não foi considerado na decisão recorrida: «A Igreja SC é classificada, desde 1910, como monumento nacional, conforme Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910».
Alega, a tal respeito, que a decisão recorrida é omissa quanto à classificação da Igreja SC como monumento nacional desde 1910 (Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910, de 23.06.1910), facto este expressamente referido e invocado pelo Recorrente nos artigos 5º e 56º seguintes do requerimento inicial do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático e que se justifica-se o aditamento deste facto à matéria de facto dada como provada devido à relevância dessa classificação e à sua possível repercussão quanto aos pressupostos do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático da ação de contencioso pré-contratual.
2.2 Está em causa na situação dos autos o concurso público n.º 3942/2018 aberto pelo Ministério da Cultura para realização de «Trabalhos de Conservação e Restauro do Recheio Artístico da Igreja SC do Porto», cujo ato de adjudicação foi judicialmente impugnado pela sociedade SGPC, Lda., concorrente naquele procedimento.
2.3 A Mmª Juíza a quo levou aos factos provados que aquela Igreja SC se encontra classificada pela UNESCO como património mundial (vide 11) do probatório), mas omitiu a circunstância, que também havia sido alegada pelo recorrente MINISTÉRIO DA CULTURA no requerimento inicial do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático (vide artigo 5º do RI do incidente), de que aquela Igreja está classificada como monumento nacional desde 1910, pelo Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910 (disponível online na página web http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70198/, em especial http://www.patrimoniocultural.gov.pt/media/uploads/decsmaria/Decreto23_06_1910.pdf).
2.4 Essa circunstância é factual, na exata medida em que a classificação de imóveis como monumentos nacionais (imóveis de interesse nacional) depende da prolação de um ato administrativo da competência do Governo.
E mostra-se relevante para a solução do incidente, segundo as várias soluções de direito plausíveis, em face da argumentação esgrimida pelo MINISTÉRIO DA CULTURA no requerimento inicial do incidente (vide artigos 56º a 80º daquele seu requerimento) com vista a sustentar a sua tese no sentido do levantamento do efeito suspensivo automático da impugnação do ato de adjudicação proferido no concurso público.
E é por isso que tal facto deve ser aditado.
Sendo irrelevante, nesta sede, que é de mera seleção da matéria factual que estando provada se mostra relevante para a decisão do dissídio segundo as várias soluções plausíveis do direito, se ela é ou não suficiente, per si, para modificar o sentido da decisão da 1ª instância. Não colhendo razão a contra-argumentação da recorrida neste aspeto (vide conclusões Iª e IIª das suas contra-alegações da recorrida autora)
2.5 Assim, e pelo exposto, deve aquele tal facto ser aditado ao probatório, nos termos seguintes:
«19) A Igreja SC do Porto encontra-se classificada como monumento nacional desde 1910, pelo Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910.»
3. Do invocado erro de julgamento quanto à solução jurídica
(conclusões 1ª a 3ª, 7ª a 32ª das alegações de recurso)
3.1 Propugna o recorrente pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que levante o efeito suspensivo automático.
Argumenta que o Tribunal a quo fez uma errónea interpretação da matéria factual e probatória, sustentando, em suma, que o diferimento de execução do contrato coloca efetivamente em risco o espólio integrado da Igreja SC do Porto bem como determinará a perda de financiamento da Operação NORTE-04-2114-FEDER-000007 e a não realização de outros trabalhos contemplados em candidatura, e que assim, com fundamento em tais circunstâncias, o efeito suspensivo automático devia ser levantado.
Vejamos.
3.2 A Mmª Juíza do Tribunal a quo identificou na decisão recorrida serem dois os argumentos alegados pelo MINISTÉRIO DA CULTURA como fundamento para sustentar a conclusão de que o diferimento da execução do ato seria prejudicial para o interesse público: i) um, o de que o concurso público se inserir numa segunda fase de intervenção de requalificação e restauro da Igreja SC com a finalidade de resolver graves problemas de conservação que colocam em risco o seu espólio integrado, nomeadamente a talha dourada, esculturas e estruturas de sustentação em suporte de madeira “que evidencia risco de roturas e derrocadas”, degradação que se não for debelada a curto prazo tenderá para uma situação de possível ruína e de queda eminente de elementos; ii) outro, o de que suspensão dos efeitos do ato de adjudicação e do contrato fará com que não seja cumprido o calendário das obras a executar, que inclui financiamento da Operação Norte-04-2114- FEDER-000007, com co-financiamento comunitário de 85% face ao valor do contrato celebrado, o que determinará a perda de financiamento e a não realização de outros trabalhos contemplados em candidatura.
3.3 Quanto ao primeiro aspeto a Mmª Juíza a quo disse que «…não nos parece que, dos elementos constantes destes autos, resulte qualquer urgência significativa ou risco actual identificado de derrocada e ruína daquele espólio que nos leve a fazer um juízo de que o eventual dano para o interesse público decorrente do não levantamento do efeito suspensivo seja consideravelmente superior ao dano que pode advir para a impugnante do levantamento daquele efeito». A que acrescentou: «Conforme resulta do probatório supra, a Entidade Demandada, ao longo dos últimos anos, nomeadamente nos anos de 2015 e 2017, celebrou contratos de empreitada para realização de obras de conservação da Igreja SC e de algum do seu espólio, pelo que, recorrendo um juízo de experiência comum, certamente que já não existe risco concreto e relevante de ruína e derrocada durante o decurso dos presentes autos, que até é um processo urgente e, por isso, não terá uma duração tão prolongada como se não fosse».
Dizendo ainda «… nem o Ministério nem a Contrainteressada invocaram e provaram que, sem o levantamento do efeito suspensivo, os prejuízos para o interesse público assumem especial gravidade porque se limitaram a uma invocação abstracta de prejuízos genéricos, como a alegação de “risco de queda de elementos”, sem realizarem a invocação e demonstração em concreto dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público com a adjudicação».
3.4 O recorrente MINISTÉRIO DA CULTURA insurge-se quando ao entendimento assim feito pela Mmª Juíza a quo, dizendo que especificou nos artigos 16º ss. e 86º ss. do requerimento do incidente os graves problemas de conservação da Igreja SC, concretizando que os mesmos se verificam na capela-mor, talha da nave, esculturas em madeira e revestimentos azulejares; que estes danos são detalhadamente descritos na Memória Descritiva e Justificativa das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, cujo conteúdo foi transcrito no artigo 31º do seu requerimento inicial do incidente; que através de requerimento datado de 11/12/2018, também juntou aos autos um relatório fotográfico da Igreja SC, contendo fotografias relativas ao estado de conservação do recheio artístico desta Igreja, sendo possível constatar nessas fotografias o mau estado de conservação da Igreja SC, nomeadamente de elementos em queda e perda, desníveis causados pela cedência de elementos e evidências do ataque de térmitas (em conjuntos, alçados, peças em talha, altares, esculturas, etc.); que não se pode olvidar a relevância do bem cultural em questão, por a Igreja SC do Porto ser classificada, desde 1910, como monumento nacional e que sobre o Estado recaem especiais deveres de proteção sobre este tipo de bens culturais, como alegou nos artigos 5º ss. e 57º ss. do seu requerimento inicial do incidente; e que também é reconhecido pela própria autora, ora recorrida, na sua Memória Descritiva e Justificativa do Modo de Execução dos Trabalhos, o mau estado de diversos componentes do recheio artístico da Igreja SC, como o suporte em madeira da capela-mor e revestimentos do arco cruzeiro e nave da igreja, onde se faz expressa referência ao respetivos “risco eminente de cedência” e “sinais de degradação e descoesão” (cfr. págs. 5 e 6 do referido documento, constante do processo administrativo); que os contratos anteriores ao procedimento de contratação pública em causa nos presentes autos referidos pela Mmª Juíza a quo na decisão recorrida têm distinto objeto face ao contrato em análise nos presentes autos, por tudo concluindo que contrariamente ao entendido na decisão recorrida o recorrente MINISTÉRIO DA CULTURA concretizou os riscos que adviriam do diferimento de execução do contrato para o espólio integrado da Igreja SC do Porto, que urgia intervencionar e recuperar (vide, designadamente, conclusões 7ª a 16ª das suas alegações de recurso).
3.5 As ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos (ou equiparados, para tal efeito) relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços, seguem a forma de processo de contencioso pré-contratual prevista e regulada nos artigos 100º ss. do CPTA.
Sempre que o processo de contencioso pré-contratual seja intentado com vista à impugnação de atos de adjudicação, a sua instauração suspende automaticamente os efeitos do ato de adjudicação ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
É o que resulta do artigo 103º-A nº 1 do CPTA, introduzido pelas alterações resultantes do DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, que dispõe o seguinte: “A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.
Trata-se do designado efeito suspensivo automático da impugnação dos atos de adjudicação. Solução acolhida pelo legislador nacional, em transposição das Diretivas Recursos, como aliás, é mencionado no preâmbulo do diploma. Recorde-se que a Diretiva n.º 2007/66/EC, do Parlamento Europeu e do Conselho, publicada no JO L n.º 335, de 20-12-2007, prevê no seu artigo 2º nº 3, para no caso de “…recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso”.
3.6 Este efeito suspensivo automático do ato de adjudicação (ou do contrato, caso tenha sido celebrado) pela mera decorrência da instauração do processo de contencioso pré-contratual em que o mesmo seja impugnado, agora acolhido no CPTA neste nº 1 do seu artigo 103º-A, conduz a que atualmente, o autor-impugnante não precise de lançar mão do mecanismo da providência cautelar de suspensão de eficácia para impedir a execução do ato de adjudicação, ou do contrato, caso este entretanto já houvesse sido celebrado, estar a entidade adjudicante obrigada.
3.7 Perspetivando que o mecanismo de suspensão automática previsto no artigo 3º nº 2 da Diretiva, acolhido na ordem interna no nº 1 do artigo 103º-A do CPTA, poderia gerar situações em que a paralisação dos efeitos do ato de adjudicação e do próprio contrato (caso entretanto já tivesse sido celebrado) afetasse, de forma desproporcionada, a prossecução do interesse público por ele visado (ou outros interesses em presença), o legislador nacional consagrou no nº 2 do artigo 103º-A do CPTA a possibilidade de ser levantado o efeito suspensivo automático, por decisão judicial, a requerimento das partes interessadas, alegando para tanto “…que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos” (nº 2), efeito suspensivo que é levantado “…quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”.
3.7 O direito ao levantamento do efeito suspensivo automático é de natureza substantiva, mas sendo a aferição dos respetivos pressupostos (requisitos substantivos) da competência do juiz, depende naturalmente de apresentação de requerimento nesse sentido, por não ser de iniciativa oficiosa. Simultaneamente, ao requerente do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático incumbe a alegação factual circunstanciada dos fundamentos do (causa de pedir). Sendo no requerimento do pedido que essa alegação factual deve ser feita. E porque o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103º-A do CPTA revisto consubstancia um incidente do processo de contencioso pré-contratual, atentos os termos como o mesmo se mostra ali configurado, conduzindo a que lhe sejam supletivamente aplicáveis, nos termos do artigo 1º do CPTA, as normas para os incidentes da instância contidas nos artigos 292º ss. do CPC novo, tal também implica que às partes interessadas cabe oferecer no requerimento em que se suscita o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático (e nos articulados de resposta que sejam apresentados), os respetivos meios de prova.
3.8 A decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos (cfr. entre muitos outros, os acórdãos do TCA Sul de 04/10/2018, Proc. nº 722/18.0BELSB-S1; de 07/03/2019, Proc. nº 848/18.0BESNT-S2; de 19/12/2017, Proc. nº 205/17.5BEPRT e de 28/02/2018, Proc. nº 2597/16.4BELSB-A, estes dois últimos por nós então relatados, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca).
3.9 Em face da redação constante da parte final do nº 2 deste artigo 104ºA e do nº 4 do mesmo artigo, aparentemente não coincidente e contraditória, poderão resultar dúvidas quanto ao critério da decisão do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático. Havendo, de todo o modo, que descortinar o critério que o legislador, pretendeu e fez estabelecer.
3.10 A doutrina não deixa de fazer referência a tal dificuldade, que tem tentado resolver. Veja-se a tal respeito, e nesse desiderato, entre outros, Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “A tutela "cautelar" ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, CJA 115, Janeiro-Fevereiro 2016, pág. 24 ss.; Margarida Olazabal Cabral, in, “O contencioso pré-contratual no CPTA revisto – algumas notas”, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Fevereiro, 2017, pág. 58 ss., consultável em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Contencioso_Precontratual.pdf; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4ª edição, págs. 643 ss. e págs. 843 ss; Duarte Rodrigues Silva, in, “O Levantamento do Efeito Suspensivo Automático no Contencioso Pré-Contratual”, Cadernos Sérvulo de Contencioso Administrativo e Arbitragem, n.º 1, 2016, págs. 11 e 12; Mário Aroso de Almeida, in, “Manual de Processo Administrativo”, 2016, 2ª Edição, págs. 389 e 453; António Cadilha, in, “Contencioso Pré-Contratual”, Revista Julgar, nº 23, Coimbra Editora, 2014, consultável in, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/05/10-Ant%C3%B3nio-Cadilha.pdf, pág. 213.
3.11 Temos para nós que a interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o efeito suspensivo automático (previsto no nº 1) deve ser levantado quando se demonstre (por alegação e prova) que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4).
Trata-se, de um duplo grau de exigência, como de certo modo já se entendeu no acórdão deste TCA Sul de 14-07-2016, Proc. nº 13444/16, in, www.dgsi.pt/jtcas, ao considerar-se que «Do art. 103º-A, do CPTA revisto, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.», e se reiterou, no acórdão de 04/10/2017, Proc. 1329/16.1BELSB, de que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtcas.
Interpretação que é, a um tempo, consentida pelo elemento literal dos dispositivos em causa, e a outro pelo espírito da lei, enformada pelo direito comunitário subjacente. O direito comunitário, pretende, através da Diretiva, a suspensão automática do ato de adjudicação em caso de recurso, com o que visa impedir o efeito de facto consumado decorrente da celebração e execução do contrato (que possa vir a ser reconhecido como ilegal), como já se viu supra. Se a norma nacional permite o levantamento desse efeito suspensivo quando, sob alegação da entidade adjudicante ou dos contra-interessados, se constate que o diferimento da execução do ato seja não tão somente prejudicial para o interesse público (que sempre será), mas gravemente prejudicial, que naturalmente exige uma qualificação (agravada) desse prejuízo, no sentido de sério, intenso ou elevado. O mesmo com as consequências lesivas para os outros interesses envolvidos, que a lei exige deverem ser claramente desproporcionadas. Pelo que só nesse caso deve a imposição ope legis do efeito suspensivo ceder, determinando o Tribunal o seu levantamento.
3.12 E os Tribunais têm enfrentado o problema, resolvendo as situações que lhe são casuisticamente apresentadas para decidirem. Importando, neste trecho, e procurando encontrar as linhas de orientação comuns, referenciar a jurisprudência resultante dos seguintes acórdãos:
- Ac. do TCA Sul de 14-07-2016, Proc. nº 13444/16, onde se sumariou que: «I - Do art. 103º-A, do CPTA revisto, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. II - O requisito enunciado no antecedente ponto I, alínea a), implica a alegação da pertinente factualidade, cujo ónus probatório recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados, os quais deverão oferecer a competente prova com o requerimento em que é deduzido o incidente (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA). III – Não basta à entidade demandada e aos contra-interessados alegarem – e provarem – a existência de prejuízos para o interesse público e para os outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação – e prova – da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. IV – O requisito acima enunciado no ponto I, alínea b), significa que a manutenção ou levantamento do efeito suspensivo depende de um juízo de ponderação de danos, devendo o efeito suspensivo ser levantado quando os danos com a manutenção sejam superiores aos danos com o levantamento, estes últimos a alegar pelo autor na resposta ao incidente, na qual também deverá oferecer a competente prova (cfr. art. 293º n.º 1, conjugado com o art. 292º, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).»
- Ac. do TCA Sul de 24-11-2016, no Proc. 13747/16, onde se sumariou que: «(…) ii) Do artigo 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a. Alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos; b. Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. iii) Para efeitos de verificação do primeiro daqueles requisitos não basta a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, necessariamente ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desse tido (não qualificado) e não o afastou do alcance do efeito suspensivo;
- Ac. do TCA Sul de 24-11-2016, Proc. nº 919/16.7BELSB, em que se sumariou: «(…) IV - O fim ou o objetivo do efeito suspensivo automático constante do artigo 103º-A/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos é a tutela jurisdicional efetiva da posição jurídica do autor, evitando o facto consumado resultante da “corrida ao contrato” e favorecendo ex legis a apreciação jurisdicional útil ou consequente da legalidade do ato administrativo de adjudicação. V - O regime que resulta dos nº 2 e nº 4 do artigo 103º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos é o seguinte: 1º- o “critério decisório”, ou melhor, a metodologia decisória do juiz passa pela ponderação racional e expressa, num juízo de prognose, de todos os interesses em presença e de todos os danos respetivos à luz da máxima metódica da proporcionalidade (com os seus três testes ou exames: adequação ou idoneidade, necessidade ou exigibilidade, proporcionalidade em sentido estrito ou equilíbrio); 2º- os dois pratos da balança do juiz, para ponderação ou sopesamento, são constituídos, (i) num lado, pelos prejuízos a causar pela continuação do efeito suspensivo automático e, (ii) por outro lado, pelos prejuízos a causar pela retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória; 3º- o juiz decidirá levantar o efeito suspensivo da interposição da ação (iniciado com a citação da entidade pública demandada) se - e só se – concluir que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostram claramente superiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória.»;
- Ac. do TCA Sul de 12-09-2017, Proc. nº 27/17.3BELSB-A, onde se sumariou que «I – Para que a regra do efeito suspensivo automático prevista no nº 1 do artigo 103-A do CPTA ceda é necessário que o diferimento da execução do acto seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionada para outros interesses envolvidos. II – Não se verifica grave lesão do interesse público, nem consequências lesivas desproporcionadas para outros interesses envolvidos, se a entidade adjudicante celebrou, com o adjudicatário do procedimento concursal visado nos autos, contrato de prestação de serviços com objecto igual ao do referido procedimento, contrato esse com a duração de um mês, que se renova automaticamente por iguais e sucessivos períodos até à decisão do Tribunal que levante o efeito suspensivo ou até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal quanto à questão de fundo no processo»
- Ac. do TCA Sul de 04-10-2017, Proc. nº 1904/16.4BELSB-A, em que se sumariou que: «I -Nos termos do artigo 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos (i) alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e (ii) ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. II - Da concatenação do art. 103.º-A, n.º 2, do CPTA, com o disposto no art. 342.º n.º 1, do C. Civil, decorre que recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. III - A suspensão do acto de adjudicação impugnado e a consequente suspensão do procedimento tendente à celebração do contrato, que impede a imediata execução do serviço de fornecimento de Gás Natural a um conjunto de 50 veículos de recolha de resíduos sólidos num universo de 172 viaturas, embora constitua um prejuízo para o interesse público, consubstancia tão-somente um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início do fornecimento do GN a uma parte dos veículos que vêm efectuando a recolha de resíduos sólidos, os quais continuam a ser garantidos pelos serviços municipais –, e não um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, “gravemente prejudicial para o interesse público” e que, como tal, deva ser imperiosa e urgentissimamente acautelado por via do incidente previsto no artigo 103.º, n.º 2, do CPTA.»
- Ac. do TCA Sul de 04-10-2017, Proc. 1329/16.1BELSB, em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «IX - A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA revisto é a de que o efeito suspensivo automático (previsto no nº 1) deve ser levantado quando se demonstre (por alegação e prova) que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4), consubstanciando, assim, um duplo grau de exigência.».
- Ac. do TCA Sul de 19-12-2017, Proc. 205/17.5BEPRT, em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «I – Sempre que o processo de contencioso pré-contratual seja intentado com vista à impugnação de atos de adjudicação, a sua instauração suspende automaticamente os efeitos do ato de adjudicação ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, nos termos do artigo 103º-A nº 1 do CPTA revisto (DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro). II – A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o levantamento do efeito suspensivo automático está sujeito um duplo grau de exigência, na medida em que só deve ser levantado quando resulte que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4). (…)»
- Ac. do TCA Sul de 28-02-2018, Proc. nº 2597/16.4BELSB-A, em que se sumariou designadamente o seguinte: «(…)VII – A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o levantamento do efeito suspensivo automático está sujeito um duplo grau de exigência, na medida em que só deve ser levantado quando resulte que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4). VIII – Não é de perspetivar-se ocorrer a verificação de consequências lesivas claramente desproporcionadas para os interesses da entidade pública justificadoras do levantamento do efeito suspensivo automático se o pedido se fundou na circunstância alegada, mas que não foi demonstrada, de que a suspensão do ato de adjudicação implica o recurso a adjudicações diretas para o fornecimento dos serviços de comunicações móveis (Serviço Combinado Móvel de Voz e Dados e Móvel Dados) muito mais dispendiosas do que as resultantes das decorrentes da adjudicação suspendenda
- Ac. do TCA Sul de 24-05-2018, Proc. nº 78/17.8BEPDL-A, assim sumariado: «I – Do art. 103º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade. II - Não basta à entidade demandada e aos contra-interessados alegarem – e provarem – a existência de prejuízos para o interesse público e para os outros interesses envolvidos, sendo necessária a alegação – e prova – da existência de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos
- Ac. do STA de 05-04-2017, Proc. nº 031/17 entendeu que «…a decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos», o que conjugado com o art. 342.º n.º 1, do C. Civil, implica que o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados.
3.13 Em todo o caso é relevante, e ostenta ser consensual, que a decisão sobre a permanência ou o levantamento do efeito suspensivo automático se faz desde logo por referência ao contrato correspondente, à sua natureza e objeto (o contrato objeto da adjudicação, cuja suspensão decorrerá automaticamente, ope legis, da impugnação judicial do ato de adjudicação) e por conseguinte, também, aos motivos que justificaram a decisão de contratar e o interesse público que, através dele, se visa satisfazer e assegurar. Isto sem prejuízo das demais circunstâncias a que se deva também atender.
3.14 Isso mesmo se encontra evidenciado em vários acórdãos, entre os quais os seguintes, nos quais, aliás, veio a ser decidido o levantamento do efeito suspensivo automático:
- Ac. do TCA Sul de 09-05-2019, Proc. nº 601/18.0BELRA-S1, em que se sumariou designadamente o seguinte: «(…) I – O recurso da decisão relativa ao levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação tem efeito devolutivo; II - A impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo Tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no Tribunal superior daquela que teve o Tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este Tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada; III - Nos termos dos art.ºs. 120.º, n.º 2, 103.º-A, n.ºs. 2 e 4, do CPTA e 342.º, n.º 1, do CC, para que proceda o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, exige-se que esteja alegado pela Entidade demandada (ou pelos Contra-interessados) e que resulte provado nos autos que tal efeito provoca um grave prejuízo para o interesse público ou que daí derivam consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. Verificados tais prejuízos ou consequências, há, depois, que fazer um juízo ponderativo entre todos os interesses envolvidos – públicos e privados – que se orienta por um critério de proporcionalidade, passando a aferir-se se os danos que resultariam da manutenção do indicado efeito são superiores aos que venham a resultar do seu levantamento. Concluindo-se pela superioridade dos danos resultantes da manutenção do efeito suspensivo automático face aos que advêm do seu levantamento, então, há que deferir o pedido de levantamento; IV - Quem impugna um acto pré-contratual tem à partida o direito a ver o procedimento concursal imediatamente suspenso, até que a correspondente acção seja definitivamente dirimida, situação que só pode ser invertida em situações atípicas ou extraordinárias, quando ocorram prejuízos ou danos graves e claramente desproporcionais para os interesses públicos ou contrapostos; V- A mera circunstância de se estar frente a uma prestação de serviços que se pretende efectuada de forma tendencialmente permanente e contínua, não é, só por si, uma razão para se concluir pelo preenchimento do conceito de grave prejuízo para o interesse público; VI- A invocação da necessidade de ter que celebrar um contrato temporário por um preço superior ao que resulta do acto de adjudicação, não preencherá, em si mesmo, o conceito de grave prejuízo para o interesse público; VII – Não estando provado nos autos que é impossível ou excepcionalmente oneroso para a Entidade demandada recorrer a um operador devidamente licenciado para proceder ao armazenamento das lamas desidratadas nas suas instalações, até que a acção principal de que este incidente depende estiver terminada, não se pode considerar preenchido o conceito de grave prejuízo para o interesse público; VIII – Na incerteza da caracterização e perigosidade de lamas desidratadas provenientes de águas residuais urbanas – que juntam águas domésticas com industriais - o levantamento do efeito suspensivo do acto de adjudicação, com a consequente contratação da gestão do lote 1 à Contra-interessada, que não terá licença para operar com resíduos perigosos e que os poderá destinar à valorização agrícola, muito provavelmente provocará maiores danos no ambiente, na saúde e na salubridade públicas, que aqueles que podem resultar de um eventual armazenamento das lamas desidratadas por um operador licenciado até que a acção principal de que este incidente depende estiver terminada.»;
- Ac. do TCA Sul de 24-11-2016, Proc. nº 919/16.7BELSB, em que estava em causa o Concurso Público para a celebração de acordo-quadro para aquisição de serviços de produção, planeamento, execução, acompanhamento e compra de espaço para a campanha de publicidade digital do Instituto do Turismo de Portugal, I.P., foi considerado que dos nº 2 e nº 4 do artigo 103º-A resulta que «1º- O “critério decisório”, ou melhor, a metodologia decisória do juiz passa pela ponderação racional e expressa, num juízo de prognose, de todos os interesses em presença e de todos os danos respetivos (sem os qualificar ou “agravar”, à partida, uns em relação a outros), com base nos factos provados no incidente e à luz da máxima metódica da proporcionalidade (com os seus três testes ou exames: adequação ou idoneidade, necessidade ou exigibilidade, proporcionalidade em sentido estrito ou equilíbrio – cfr. os textos de ROBERT ALEXY, in O Direito, Ano 146º, I/II, e in Direito & Política, nº 6, cits.); 2º- Os dois pratos da balança do juiz, para ponderação ou sopesamento, são constituídos, (i) num lado, pelos prejuízos a causar pela continuação do efeito suspensivo automático e, (ii) por outro lado, pelos prejuízos a causar pela retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória; 3º- O juiz decidirá levantar o efeito suspensivo da interposição da ação (iniciado com a citação da entidade pública demandada) se - e só se – concluir que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostram claramente superiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória.», mas entendido que não tendo a entidade demandada campanha de publicidade “on line” há mais de um mês consecutivo, com efeitos já concretos e redução do tráfego publicitário de Portugal de modo significativo (nos termos constantes do probatório) bem como a total impossibilidade de promover Portugal como destino turístico, - prosseguindo uma das suas atribuições legais – tal importa manifestos e objetivos prejuízos materiais e imateriais para o país, prejuízos que são e serão irreversíveis, ou seja, reconduzem-se a uma situação de facto consumado, porque os “timings” da publicidade “on line”, atenta a matéria objeto da publicidade e a sua dinâmica, significa que, quanto mais tarde for retomada aquela campanha publicitária, menores serão os resultados positivos do R. em atingir as suas metas e em agir no espaço digital no que importa à divulgação de Portugal como destino turístico. E que paralelamente os “prejuízos” das autoras se reportam a meras expectativas, traduzidas, como alegaram, no interesse no novo procedimento concursal, logo que anulada adjudicação; tendo, assim, concluído que os prejuízos para os interesses (de natureza pública) do réu com a manutenção do efeito suspensivo, superam em muito os prejuízos para os interesses materiais e morais das autoras, que entendeu ser um prejuízo leve; pelo que confirmou a decisão que havia sido já proferida pela 1ª instância, de levantamento do efeito suspensivo automático.
- Ac. do TCA Sul de 19-12-2017, Proc. nº 205/17.5BEPRT, por nós então relatado, referente a um Concurso Público para «Aquisição de Uma Lancha de Pilotos» (lancha de pilotos de barra) para um porto marítimo, a construir sob determinadas características técnicas, com prazo de execução (construção), de 300 dias (a contar da data de assinatura do contrato), em que se sumariou designadamente o seguinte: « I – Sempre que o processo de contencioso pré-contratual seja intentado com vista à impugnação de atos de adjudicação, a sua instauração suspende automaticamente os efeitos do ato de adjudicação ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, nos termos do artigo 103º-A nº 1 do CPTA revisto (DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro). II – A interpretação consentida pela concatenação dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA é a de que o levantamento do efeito suspensivo automático está sujeito um duplo grau de exigência, na medida em que só deve ser levantado quando resulte que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (nº 2) quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (nº 4). (…) V - É de configurar que o retardamento da celebração e execução do contrato de aquisição de uma lancha de pilotos faz perigar, de modo gravoso, a prossecução do interesse público levado a cabo pela entidade adjudicante, que tem a seu cargo a segurança marítima e portuária nas áreas sob a sua jurisdição, se foi quer a escassez de lanchas de piloto com as características da pretendida, quer a penúria das que possui, que justificou essa nova aquisição, conjugada com a circunstância de que a manutenção do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação até que seja decidido (com trânsito em julgado) o pedido impugnatório (obstando à celebração e execução do contrato até que a ação seja definitivamente decidida), acarretará, no caso de a ação vir a ser julgada improcedente, um retardamento na celebração e execução do contrato, fazendo acrescer mais uma dilação temporal (a da perduração do processo judicial), por natureza de duração incerta, ao prazo de fornecimento da lancha, que é de 300 dias, lançando, por conseguinte, para um momento futuro ainda mais longínquo (e incerto), a aquisição pela entidade adjudicante da pretendida lancha de pilotos, ocasião em que ocorrerá então, finalmente, a afetação da lancha a adquirir à satisfação do interesse público a que se destina.(…)»
- Ac. do STA de 26-04-2018, Proc. nº 062/18, em que estava em causa a aquisição de Gás Natural Comprimido (GNC) para os veículos de frota municipal, e que revogando o acórdão do TCA Sul de 04/10/2017, proferido no Proc. nº 1904/16.4BELSB-A (que havia confirmado a decisão do TCA de Lisboa de indeferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático) determinou o levantamento o efeito suspensivo, onde se sumariou o seguinte: « I - Sendo o objetivo do efeito suspensivo automático constante do artigo 103º-A/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos a tutela jurisdicional efectiva da posição jurídica do autor, evitando o facto consumado, a finalidade da suspensão nem por isso deixa de terminar sempre por uma ponderação racional e expressa, num juízo de prognose, de proporcionalidade entre todos os interesses em causa e os respetivos danos com base nos factos. II - Será de levantar o efeito suspensivo da interposição da ação se se concluir que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória
- Ac. do STA de 05-04-2017, Proc. nº 031/17 referente a concurso público internacional para a prestação de serviços de recolha e transporte de resíduos urbanos e de limpeza urbana, e que revogando o acórdão do TCA Norte de 18-11-2016 (que havia confirmado a sentença do TAF do Porto que indeferiu o pedido do levantamento do efeito suspensivo automático), determinou o levantamento do efeito suspensivo automático, em que se sumariou o seguinte: «I - A decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos. II - Estando na base do contrato impugnado, cujo efeito suspensivo automático se pretende levantar, um serviço a prestar pelo Município, de gestão de resíduos urbanos, que impõe imediata continuidade e não se compadece com qualquer delonga pelo trânsito da decisão a proferir na acção de contencioso pré-contratual a correr no TAF do Porto, a sua paralisação implicará por si só riscos de saúde pública. III - Não se impõe ao Município o ónus de alegar o facto negativo de que não podia superar a suspensão automática da execução do contrato através de uma contratação alternativa, antes bastando a invocação da falta de meios humanos e equipamentos que lhe permitissem assegurar a prestação dos serviços de recolha de lixo, objeto do contrato suspenso. IV - Face à falta de alegação de danos por parte das requeridas e falta de impugnação do alegado pelo requerente, apenas se pode considerar que o seu interesse no referido levantamento é o interesse particular de qualquer concorrente com expectativas de vir a ser o escolhido e das vantagens /benefícios que poderá retirar da futura adjudicação enquanto para o interesse público está em causa um risco de acumulação de lixos, por falta de recolha, potenciador de doenças e epidemias, sendo, por isso, gravemente prejudicial para o interesse público a manutenção do efeito suspensivo automático».
3.15 Na situação presente está em causa o concurso público para realização de “Trabalhos de Conservação e Restauro do Recheio Artístico da Igreja SC do Porto” - procedimento n.º 3942/2018 – aberto pelo MINISTÉRIO DA CULTURA, igreja que se encontra classificada pela UNESCO como património mundial e como monumento nacional desde 1910, pelo Decreto de 16.06.1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23.06.1910.
3.16 Foi o estado em que se encontrava o designado «recheio artístico» da Igreja SC do Porto que justificou o lançamento do concurso com vista à celebração do contrato para execução daqueles trabalhos de “conservação e restauro”.
3.17 O MINISTÉRIO DA CULTURA apelou a essa circunstância no seu requerimento do incidente para levantamento do efeito suspensivo automático, referindo que o recheio artístico Igreja SC do Porto se encontra em mau estado de conservação que urge debelar, tal como se encontra, nomeadamente, patenteado na Memória Descritiva e Justificativa das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos do procedimento; que se impõe a proteção urgente e premente daquele património cultural, em risco; que esse recheio artístico apresenta áreas de grande fragilidade por perda de resistência do material lenhoso, zonas de lacuna, elementos em destacamento, elementos destacados e em falta e inclusive cedências e desníveis em estruturas da Igreja, como é referido na Memória Descritiva e Justificativa das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, tendo explicitado, com base no teor da Memória Descritiva e Justificativa das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, que o mau estado de conservação do recheio artístico da Igreja SC do Porto, se materializava, nomeadamente, no seguinte: i) - Capela-mor: danos na zona inferior dos revestimentos dos alçados laterais e intradorso do arco cruzeiro (áreas de grande fragilidade por perda de resistência do material lenhoso, zonas de lacuna, elementos em destacamento, elementos destacados e em falta) e no revestimento dourado (sujidade aderente, destacamentos e lacunas pontuais); ii) - Talha da nave: cedências e desníveis em estruturas retabulares, painéis e motivos entalhados em falta e em risco de desprendimento, fragilidades dos apoios do teto da nave e fragilidades no sistema de sustentação de elementos avançados do conjunto entalhado; iv) - Esculturas em madeira: fendas, lacunas e fragilização quanto ao nível do suporte destas peças; v) - Revestimentos azulejares: desagregação das argamassas de suporte (vide, designadamente, artigos 31º, 53º, 62º, 81º, 82º, 85º e 86º do seu R.I. do incidente). E sustentando que perante o diagnóstico do estado de conservação do recheio artístico da Igreja SC é manifesta a urgência em iniciar a execução dos trabalhos tendentes a debelar aquela situação, sendo urgente a execução desses trabalhos, que integram o objeto do contrato celebrado, para reparar o recheio artístico da Igreja SC e que quanto mais cedo se iniciarem esses trabalhos, menor é a probabilidade de deterioração ou eventual perda dos bens que integram esse recheio artístico; e que a presente situação, de degradação, se não for debelada a curto prazo tenderá para uma situação mais drástica, de possível ruína, e que assim o efeito suspensivo automático põe em causa uma pronta resposta ao mau estado de conservação do recheio artístico da Igreja SC do Porto e à eventual perda dos bens do respetivo recheio artístico, cuja execução do contrato, entretanto já celebrado, pretende debelar (vide, designadamente, artigos 87º, 88º, 89º, 90º, 92º e 93º do seu R.I. do incidente).
3.18 A Memória Descritiva e Justificativa das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos do procedimento concursal refere, efetivamente, quanto a estado da Capela-mor, o seguinte: «(…)Na capela-mor, os danos ao nível do suporte de madeira, causados por ataque de térmita e podridão, concentram-se, de modo particular, na zona inferior dos revestimentos dos alçados laterais e intradorso do arco cruzeiro, onde se identificam áreas de grande fragilidade por perda de resistência do material lenhoso, zonas de lacuna, elementos em destacamento, elementos destacados e em falta, e, pontualmente, a introdução de elementos estranhos ao conjunto a colmatar zonas de lacuna. (…)»
E quanto à talha da nave, o seguinte: «(…) Na talha da nave, os estragos provocados pela entrada de água e pelo ataque de agentes xilófagos são mais generalizados, identificando-se danos provocados pelas térmitas nos suportes de madeira das zonas inferiores, quer do lado sul, quer do lado norte, e que estarão na origem das cedência e desníveis manifestados por algumas das estruturas retabulares. Contudo, em zonas superiores, a talha do alçado sul da nave evidencia maiores problemas de conservação que a zona de talha confrontante, do lado norte, evidenciando painéis e motivos entalhados em falta, bem como outros em risco iminente de desprendimento, particularmente visível no revestimento dos vãos das janelas. Os apoios do teto da nave, acessíveis pelo desvão da cobertura, revelam algumas fragilidades decorrentes da perda de secção de barrotes da armação. O sistema de sustentação de determinados elementos avançados do conjunto entalhado são também motivo de preocupação, como é o caso das sanefas que encimam os retábulos da nave, cuja sustentação é auxiliada por arames fixos nos interstícios das gelosias.(…)».
3.19 Ora, à luz do sobredito, e tendo presente a jurisprudência supra citada, não pode ser desconsiderada na decisão sobre a permanência ou o levantamento do efeito suspensivo automático, a natureza e objeto do contrato objeto da adjudicação, cuja suspensão decorrerá automaticamente, ope legis, da impugnação judicial do ato de adjudicação, e por conseguinte, também, aos motivos que justificaram a decisão de contratar e o interesse público que, através dele, se visa satisfazer e assegurar.
O que na situação dos autos implica que não pode ser esquecido, nem desvalorizado, o estado em que se encontra o recheio artístico da Igreja SC do Porto que motivou e justificou a decisão de contratar que originou o procedimento concursal, em causa nos presentes autos, e conduziu ao contrato, entretanto já celebrado com o consórcio adjudicatário. E é o identificado recheio artístico o destinatário dos trabalhos de conservação e restauro objeto do contrato.
3.20 Assiste, pois, neste aspeto, razão ao recorrente. Não se podendo subscrever o entendimento, feito pelo Tribunal a quo, de que o MINISTÉRIO DA CULTURA se limitou a uma invocação abstrata de prejuízos genéricos, como a alegação de “risco de queda de elementos”, sem concretizar a invocação e demonstração, em concreto, dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público.
3.21 Os danos com a manutenção do efeito suspensivo automático da impugnação do ato de adjudicação e do subsequente contrato, entretanto já celebrado, consubstanciam-se precisamente com o retardamento do início dos trabalhos de conservação e restauro do recheio artístico da Igreja SC do Porto, classificada como monumento nacional, e como património da humanidade, pela UNESCO, cuja necessidade de intervenção, em face do mau estado de conservação, identificado na memória descritiva do caderno de encargos, com risco de perda de elementos e agravamento do respetivo estado.
O risco da produção de um dano comporta (e exige apenas) uma probabilidade séria, não a certeza da sua inevitável verificação.
3.22 Por outro lado, a circunstância de o procedimento concursal ter tido uma duração de praticamente 5 meses, decorrendo entre os meses de maio e outubro do ano de 2018, a que se refere a recorrida nas suas contra-alegações, não contende com a premência na imediata execução dos trabalhos de conservação e restauro objeto do contrato, sendo que, na situação presente, à entidade adjudicante sempre estaria vedado, nos termos do 155º do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo DL. nº 18/2008, de 29 de janeiro), lançar mão do concurso público urgente, de tramitação procedimental mais acelerada, em face do valor do contrato a celebrar.
3.23 Sendo que, simultaneamente, as outras intervenções que foram anteriormente desencadeadas pelo MINISTÉRIO DA CULTURA relativamente à Igreja SC do Porto, e a que se referem os pontos 15), 16), 17) e 18) do probatório, tiveram um objeto diferente daquele que constitui, agora, o âmbito das ações de conservação e restauro a levar a cabo, as quais se circunscrevem ao identificado recheio artístico daquele edifício.
3.24 Não é, aliás, despiciendo que os trabalhos de conservação e restauro do recheio artístico da Igreja surjam agora, após a realização daqueles outros trabalhos, com os quais foram articulados. Como o também não é a circunstância de a execução do contrato objeto dos autos ter o financiamento da Operação Norte – 04-2114-FEDER-000007, com co-financiamento comunitário de 85%, onde se prevê como término do prazo de execução da obra o mês de Fevereiro de 2020 se o prazo de execução dos trabalhos é de trezentos e sessenta e cinco dias (vide 3), 8) e 9) do probatório).
3.25 Temos, assim, que nas particulares circunstâncias do caso, e à luz dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos nºs 2 e 4 do artigo 103º-A do CPTA, se justificava que tivesse sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no nº 1 do mesmo artigo.
O que, revogando-se a decisão recorrida, agora se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, e revogando-se a decisão recorrida, deferir-se o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático.
Custas pela recorrida - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 12 de julho de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato