Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00334/14.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECLAMAÇÃO ART. 276º CPPT
NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E POR OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
PRESCRIÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I) No que concerne à nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.
II) No que diz respeito à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto; há, pois, um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
III) Como o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal.
IV) Por outro lado, e na medida em que a execução fiscal está estruturada para fornecer ao executado todas as garantias de defesa contra actos processuais ilegais, se o legislador não teve necessidade de criar mais uma fase procedimental precedente à prática dos actos executivos, não se vislumbra que direitos fundamentais do executado, nomeadamente, os princípios e normas apontados pela Recorrente, possam justificar e exigir a introdução de uma nova “fase procedimental”, com o prejuízo que isso acarreta para realização célere do interesse público na cobrança dos tributos, o que significa que determinada a natureza processual dos actos praticados órgão de execução fiscal, conclui-se pela inaplicabilidade das normas próprias do procedimento tributário, como é o caso do artigo 60º relativo ao direito de audição prévia, ao acto que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas.
V) A Recorrente coloca em crise a fundamentação em função de nada ser dito quanto à data em que foram constituídas as hipotecas legais, nem tampouco quanto ao valor dos bens sobre que incidiam tais hipotecas e sobretudo nada diz quanto a tais hipotecas serem suficientes para garantir ou não a dívida exequenda e acrescido, quando o elemento fundamental a ponderar prende-se com a suspensão dos autos de execução fiscal por ter sido constituída garantia, mencionando-se expressamente a data a partir da qual operou tal suspensão, ou seja, para a análise da prescrição foi relevada a referida suspensão, sendo que o eventual erro dessa análise já não releva nesta sede, mas sim quanto à substância da decisão que recusou o reconhecimento da prescrição das dívidas em causa.
VI) Uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição.
VII) Quanto à matéria da informação lavrada no processo por funcionário competente, tal como estabelece o n.º 1 do artigo 169º do CPPT, in fine, diga-se que tal elemento corporiza mero acto de trâmite, sem qualquer efeito constitutivo, não tendo qualquer relevo na aplicação do regime da suspensão da execução, operando esta ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora, sendo condição necessária e suficiente para o efeito, sendo a sua utilidade obstar à prática de actos inúteis e ilegais, como é o prosseguimento da execução após estar garantida a divida exequenda e acrescido.
VIII) Quanto ao mais, é a própria Recorrente que ajuda a descodificar a situação em apreço quando, no seu requerimento em que reclama o reconhecimento da prescrição aponta que o ónus que incide sobre os prédios identificados era em 06-06-2011 de € 302.215,29 (fls. 452 dos presentes autos), sendo que o valor patrimonial global dos prédios que servem de garantia é de € 509.654,60 (fls. 310 dos autos), verificando-se que no mesmo requerimento, a Recorrente afirma de forma convicta que os imóveis penhorados são garantia suficiente da dívida exequenda nos termos do artigo 199º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
R..., contribuinte fiscal n.º 2…, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 26-09-2014, que julgou improcedente a pretensão deduzida na presente instância de RECLAMAÇÃO, relacionada com o pedido de reconhecimento da prescrição de dívidas.
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 567-583), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1. O presente recurso vem interposto de sentença que decidiu julgar improcedente a reclamação apresentada.
2. Desde logo, importa realçar que os factos provados não reflectem qual a quantia exequenda, nem tampouco o período a que a mesma se refere.
3. Ora, considerando que foi invocada a prescrição, revela-se imprescindível resultar dos factos as menções anteriormente referidas, já que na ausência de tal elemento, não se concebe como é que a douta sentença pôde pronunciar-se acerca da prescrição.
4. Assim, a douta decisão ao ter omitido nos factos provados o período a que se reporta a quantia exequenda é nula por não ter especificado os fundamentos de facto, de acordo com o art. 125.° do CPPT.
5. Ainda, o despacho reclamado foi proferido sem que tenha sido cumprido o dever de audição do sujeito passivo relativo ao acto praticado, ou seja, sem que à reclamante lhe tenha sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre o sentido provável da decisão que iria ser tomada.
6. O certo é que inexiste, neste caso, qualquer justificação legal para a dispensa de audição do interessado
7. Não podemos, assim, subscrever, salvo o devido respeito por douta opinião contrária, o douto entendimento plasmado na sentença recorrida, que se limita a efectuar juízos de valor sem ter qualquer respeito pelas exigências de procedimento, prescritas na lei.
8. A verdade é que, a Administração Tributária desrespeitou os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, uma vez que, está por demais consagrada a obrigatoriedade da audição prévia do interessado.
9. Assim, a par do desrespeito da igualdade das partes, cuja ratio entronca nos artigos 13°, 20.° e 267.° n.° 5 da CRP, é clara e inequívoca a violação dos artigos 100º e 120° do CPA, dos artigos 54.°, 55.°, 60.°, n.° 5, e 98.° da LGT e do artigo 44° do CPPT, que expõem, clara e suficientemente, tal obrigação.
10. Também, o acto que indeferiu a prescrição foi atingido pela nulidade por falta de fundamentação.
11. De facto, em tal acto nada é referido quanto à data em que foram constituídas as hipotecas legais, nem tampouco quanto ao valor dos bens sobre que incidiam tais hipotecas e, consequentemente, mas sobretudo nada diz quanto a tais hipotecas ser suficientes para garantir ou não a dívida exequenda e acrescido,
12. A este propósito também não se pode deixar de referir que nada é dito quanto ao facto de ter havido tal informação lavrada no processo por funcionário competente, como manda a lei.
13. Em face do exposto, a decisão reclamada não apresenta a fundamentação fáctica justificativa.
14. Caso contrário teria dado cumprimento às normas legais invocadas e discriminado os factos omissos - e ora apontados - essenciais para a questão jurídica em análise - prescrição.
15. De modo que, a Administração Tributária não actuou em obediência à lei e ao direito, em clara e inequívoca violação dos artigos 36.° do CPPT, 74.°, n.ºs 1 e 2, 77° n.°s 1 e 2 da LGT. 66°, 123° a 125.° do CPA e 268.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
16. A douta sentença ao não reconhecer a nulidade daquele acto incorreu em erro de julgamento.
17. Relativamente à quantia exequenda referente a IVA (processo n.° 2720200301007203) e a IRS (processo n.° 2720200301008366) de 2000, o prazo de prescrição começou a correr a partir de 01.01.2001, sendo que a reclamante deduziu reclamação graciosa das liquidações a 10.03.2003 - tendo então decorrido de forma ininterrupta 2 anos, 3 meses e 9 dias, já que a reclamação apresentada teve a virtualidade de interromper a prescrição.
18. Tal prazo começou de novo acorrer no dia 10.03.2004.
19. É necessário atender que, contrariamente ao entendimento da douta sentença que, salvo o devido respeito, não podemos subscrever por não dar aplicação às normas jurídicas, o prazo da prescrição não esteve suspenso por força das hipotecas legais.
20. Isto porque, não foram cumpridas todas as formalidades relativamente às mesmas, designadamente, não consta a informação lavrada no processo por funcionário competente, tal como estabelece o n.° 1 do artigo 169° do CPPT.
21. Requisitos estes que não se verificaram, pelo que as hipotecas efectuadas não podem ter a virtude de suspender os autos.
22. Pois, a hipoteca legal só suspende o processo caso garanta “a totalidade da quantia exequenda e do acrescido”.
23. O que se desconhece face à ausência de menção.
24. Pelo que tal quantia exequenda encontra-se prescrita.
25. Assim, por maioria de razão, a quantia exequenda relativa a IVA (processo n.° 2720200301007203) e a IRS (processo n.° 2720200301008366) de 1999 também está prescrita.
26. Face a esta realidade insofismável impõe-se que a prescrição, de todas estas liquidações, seja conhecida oficiosamente, de acordo com o disposto nos arts. 48° e 49°, ambos da LGT e art. 175° do CPPT.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra, que dê provimento à reclamação apresentada, assim se fazendo a acostumada Justiça!”
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 600 a 608 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e por oposição entre a decisão e os fundamentos e bem assim analisar a descrita violação do direito de audição prévia e a apontada falta de fundamentação do despacho reclamado, sem olvidar questão de saber se as dívidas relacionadas com liquidações de IVA e IRS de 1999 e 2000 se encontram ou não prescritas.


3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
3.1. Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade:
A) Em 19 de Dezembro de 2003, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2720200301007203 e aps., foi constituída hipoteca legal sobre os prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria, sob os artigos …, … fração M e …, e da freguesia de Coração Jesus, sob os artigos … fração AA, … fração J, … fração CT e … fração Q. - Cfr. fls. 27 a 120 dos autos.

B) Por ofício de 02-03-2004, n.º 2271, do Serviço de Finanças de Viseu, foi a impugnante notificada de que havia sido constituída hipotecada legal nos termos mencionados no ponto anterior – cfr. fls. 120 dos autos.

C) A Impugnante instaurou reclamação contra a decisão de constituição de hipoteca legal referida em A), dando origem ao processo que correu termos neste Tribunal sob o n.º 550/04, que mereceu indeferimento nos termos da sentença de fls. 146 a 152 dos autos, que transitou por deserção do recurso interposto – cfr. fls. 146 a 152 e 158 dos autos.

D) Em 07 de Junho de 2014, a reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Viseu reclamação invocando a prescrição da dívida exequenda nos processos a que alude a alínea A) – cfr. fls. 443 a 451 dos autos.

E) Por Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 24/03/2014, foi indeferida a reclamação nos seguintes termos:
(…)
- Cfr. Fls. 468 e 469 dos autos.

F) A impugnante instaurou impugnação judicial conta as liquidações que deram origem às execuções a que se refere a alínea A) do probatório em 16/09/2005, dando origem aos processos n.ºs 1281/05 e 1285/05 – cfr. consulta ao SITAF.
A reclamante foi notificada da decisão que antecede em 17/04/2014 – cfr. fls. 466 e ss. dos autos.

G) A reclamação dos presentes autos foi remetida por correio registado em 28/04/2014 – cfr. fls 487 dos autos.

**
3.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há outros factos a considerar com interesse para a decisão.
**
3.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame do teor dos documentos, não impugnados, que dos presentes autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

Ao abrigo do disposto no art. 662º do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:

H) A ora Recorrente apresentou em 10-03-2003 reclamações graciosas com referência às liquidações identificadas nos autos, as quais foram indeferidas por decisão de 31-03-2004 (PAT apenso)

I) Nesta sequência, foram interpostos recursos hierárquicos em 30-04-2004.

J) Em função do exposto em A), H) e I), em 04-11-2004, o Chefe de Finanças proferiu o seguinte despacho:

“Atento ao teor da informação que antecede, mostrando-se os recursos hierárquicos por decidir, e verificando-se que a dívida se mostra assegurada, decido proceder à anulação da venda …” (fls. 196 destes autos).

K) O ónus que incide sobre os prédios id. em A) era em 06-06-2011 de € 302.215,29 (fls. 452 dos presentes autos).

L) O valor patrimonial global dos prédios que servem de garantia é de € 509.654,60 (fls. 310 dos autos).

3.2 DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, em função dos termos da alegação da Recorrente, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e por oposição entre a decisão e os fundamentos.

Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que os factos provados não reflectem qual a quantia exequenda, nem tampouco o período a que a mesma se refere, de modo que, considerando que foi invocada a prescrição, revela-se imprescindível resultar dos factos as menções anteriormente referidas, já que na ausência de tal elemento, não se concebe como é que a douta sentença pôde pronunciar-se acerca da prescrição, o que significa que a douta decisão ao ter omitido nos factos provados o período a que se reporta a quantia exequenda é nula por não ter especificado os fundamentos de facto, de acordo com o art. 125.º do CPPT

No que concerne ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.

Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.

Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.

Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.

Tendo presente que esta nulidade apenas se verifica, como se disse, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço, é manifesto que a Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, tanto mais que como consta da al. E) do probatório, foi considerado assente o teor do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Viseu, no qual se aponta de forma clara o montante das dívidas exequendas e o lapso de tempo a que as mesmas respeitam (IVA e IRS de 1999 e 2000), situação que permite a apreciação da invocada prescrição.

A Recorrente aponta depois que o despacho reclamado foi proferido sem que tenha sido cumprido o dever de audição do sujeito passivo relativo ao acto praticado, ou seja, sem que à reclamante lhe tenha sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre o sentido provável da decisão que iria ser tomada, sendo que inexiste, neste caso, qualquer justificação legal para a dispensa de audição do interessado, verificando-se que a Administração Tributária desrespeitou os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, uma vez que, está por demais consagrada a obrigatoriedade da audição prévia do interessado.

Pois bem, o artigo 103º nº 1 da LGT aponta que “o processo de execução fiscal tem natureza judicial”, exprime literalmente o sentido de que a execução fiscal se realiza através de um «processo» e não de um «procedimento administrativo», no pressuposto hoje indiscutível que estamos perante realidades com natureza distinta, sendo que ao atribuir natureza judicial à execução fiscal, apesar de impulsionada e movida por um órgão administrativo, a lei afasta qualquer tentativa de o enquadrar na categoria jurídica de procedimento administrativo, o que bem se compreende porque actualmente procedimento e processo são realidades teleológica e formalmente diferenciadas.

O procedimento surge não só como um instrumento de racionalização da actividade decisória da Administração, mas também como instrumento de legitimação da Administração, enquanto entidade que determina e regula os interesses em conflito, e assim, tomando decisões em que está pessoalmente empenhada.

Ora, não é isso que acontece na execução fiscal, em que o órgão de execução fiscal evidencia um estatuto supra partes, intervindo no exclusivo interesse da paz jurídica, obrigado a apreciar e decidir as questões enquanto autoridade exterior e neutra perante o litígio, mesmo que tenha que decidir contra si próprio, como acontece com o reconhecimento oficioso da prescrição.

Como o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos actos que nele sejam praticados, a conclusão lógica é que as normas previstas para o procedimento não se aplicam à categoria processo de execução fiscal.

Por outro lado, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 11-07-2012, Proc. nº 0665/12, www.dgsi.pt, “… Como o modelo de execução fiscal é construído segundo a forma de processo judicial, mas comporta ao mesmo tempo momentos jurisdicionais, da competência do juiz, e momentos administrativos, da competência do órgão da administração tributária, o conceito de acto materialmente administrativo tem que analisado numa tripla dimensão: orgânica, funcional e material.

Do ponto de vista orgânico, são jurisdicionais quando praticados pelo juiz e são administrativos quando praticados por um órgão administrativo, seja o órgão de execução ou outro. Portanto, é irrelevante a distinção que por vezes se faz entre órgão que age como credor exequente e órgão que age como agente de execução.

Do ponto de vista funcional, são actos cujos efeitos se produzem no e para o processo de execução fiscal e que por isso se caracterizam por uma natureza formal ou instrumental, ao serviço da pretensão de fundo dirigida à cobrança de créditos tributários.

Ora, se execução fiscal deve ser qualificada como um processo, então o conjunto de actos por ele formado são actos processuais e não actos procedimentais. São actos processuais porque fazem parte do complexo de actos que formam a sequência processual e/ou porque têm relevância no desenvolvimento da relação processual. Não são actos procedimentais, porque não estão enquadrados num procedimento tributário que funcione como instrumento de concretização da relação jurídica tributária material que se estabeleceu entre o contribuinte e a administração tributária. A única conexão material que existe entre o procedimento tributário e o processo de execução fiscal concretiza-se na necessária antecedência daquele relativamente a este, na medida em foi nele que se formou o acto tributário subjacente ao título executivo.

Do ponto de vista material, na definição do artigo 276º do CPPT, são actos que no processo afectam os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro. São “actos materiais” porque afectam verdadeiras posições jurídicas materiais que o executado dispõe no processo. A circunstância de se caracterizarem em pretensões de carácter instrumental, não impede o reconhecimento de que tais posições subjectivas são, em si mesmo, posições substantivas que, se forem respeitadas pelo órgão de execução fiscal, proporcionam ao executado utilidades efectivas, ainda que instrumentais.

A partir do momento em que é instaurada a execução fiscal, emerge na esfera jurídica do executado, ao lado da posição substantiva que dá corpo à relação jurídica tributária materializada no título executivo, uma posição específica, que integra poderes, faculdades, deveres e sujeições, reportada ao desenvolvimento, modificação ou definição da relação processual. Ora, se essa posição subjectiva processual for afectada por um acto processual ilícito, o nº 2 do artigo 103º da LGT garante ao executado a abertura da via jurisdicional para defesa dessa posição. O direito à reclamação, através do processo expedito e urgente regulado nos artigos 276º a 278º do CPPT, é pois um direito subjectivo processual que o executado tem para se defender dos actos processuais lesivos das posições jurídicas que a lei processual lhe atribui.

Em consonância com essa norma, o artigo 276º do CPPT estabelece que são susceptíveis de reclamação, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributária «que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado». Portanto, os actos materialmente administrativos objecto de reclamação são apenas aqueles que forem produzidos «no processo», ou seja, os actos processuais, ainda que simultaneamente aplicam normas de direito material. …”.

Pois bem, considerando a bondade do exposto, temos por adquirido que é assim que se deve caracterizar o acto que indefere o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas, na medida em que, pelos efeitos produzidos, é um acto predominantemente processual na medida em que supõe a continuação da execução fiscal, recusando o efeito jurídico reclamado pela ora Recorrente no sentido de, por via da alegação da prescrição, determinar a extinção da execução.

Com efeito, e não é algo de extraordinário, a lei reconhece, neste caso, à executada o direito a invocar o instituto da prescrição como forma de obstar ao prosseguimento da execução, situação que corresponde, em si mesma, a uma verdadeira posição jurídica substantiva, que lhe proporciona uma utilidade efectiva que lhe foi negada por aquele acto, verificando-se, no entanto, que essa posição jurídica material apresenta uma clara natureza instrumental, que lhe advém do facto de, por si só, não proporcionar ao executado a satisfação da posição subjectiva de fundo que defende na execução, e que é a de evitar o prosseguimento duma execução irregular ou injusta.

Diga-se ainda que na execução fiscal a protecção jurídica dos direitos processuais do executado é assegurada através do controlo a posteriori dos actos executivos, sobre os quais cabe sempre ao juiz a última palavra. No âmbito de um processo jurisdicional realizado na e através da execução fiscal, que lhe dá garantias de defesa e contraditório bem superiores às que resultam da audiência prévia à prática do acto processual, ainda que dele resultem efeitos substantivos, posto que o executado pode reagir imediatamente, no prazo de 10 dias, contra as eventuais ilegalidades praticadas no decurso da execução, com possibilidade da reclamação subir imediatamente se causar «prejuízo irreparável» ou se a sua retenção a tornar absolutamente inútil.

Assim sendo, e na medida em que a execução fiscal está estruturada para fornecer ao executado todas as garantias de defesa contra actos processuais ilegais, se o legislador não teve necessidade de criar mais uma fase procedimental precedente à prática dos actos executivos, não se vislumbra que direitos fundamentais do executado, nomeadamente, os princípios e normas apontados pela Recorrente, possam justificar e exigir a introdução de uma nova “fase procedimental”, com o prejuízo que isso acarreta para realização célere do interesse público na cobrança dos tributos, o que significa que determinada a natureza processual dos actos praticados órgão de execução fiscal, conclui-se pela inaplicabilidade das normas próprias do procedimento tributário, como é o caso do artigo 60º relativo ao direito de audição prévia, ao acto que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas, acto cuja prática, nos termos descritos, não precisa de ser precedido de audição prévia, situação que esgota de imediato a matéria apontada pela Recorrente neste domínio.

A Recorrente insiste depois que o acto que indeferiu a prescrição foi atingido pela nulidade por falta de fundamentação, pois que em tal acto nada é referido quanto à data em que foram constituídas as hipotecas legais, nem tampouco quanto ao valor dos bens sobre que incidiam tais hipotecas e, consequentemente, mas sobretudo nada diz quanto a tais hipotecas ser suficientes para garantir ou não a dívida exequenda e acrescido, sendo que a este propósito também não se pode deixar de referir que nada é dito quanto ao facto de ter havido tal informação lavrada no processo por funcionário competente, como manda a lei, de modo que, a decisão reclamada não apresenta a fundamentação fáctica justificativa.

No que concerne à matéria agora em análise (não podendo deixar de notar-se que a sanção para o vício agora em análise e a anulabilidade e não a nulidade), é sabido que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

A partir daqui, e tendo presente o teor do despacho reclamado descrito no probatório, cabe apenas dizer que deparamos com um despacho fundamentado, pois que remete para a informação que o antecede, sendo que a aludida informação contempla a alegação de um conjunto de factos sobre a situação das execuções fiscais em apreço e dos meios processuais utilizadas pela ora Recorrente para colocar em crise as liquidações subjacentes às dívidas exequendas, impondo-se notar que a fundamentação pode integrar a referência para anteriores diligências, pareceres, informações ou propostas, de modo que, não colhe a crítica da Recorrente neste domínio, pois que, considerando os elementos presentes nos autos, tem de entender-se que a fundamentação externada pela AT satisfaz o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, sendo suficiente porque permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão da Administração.

Aliás, a Recorrente coloca em crise a fundamentação em função de nada ser dito quanto à data em que foram constituídas as hipotecas legais, nem tampouco quanto ao valor dos bens sobre que incidiam tais hipotecas e sobretudo nada diz quanto a tais hipotecas serem suficientes para garantir ou não a dívida exequenda e acrescido, quando o elemento fundamental a ponderar prende-se com a suspensão dos autos de execução fiscal por ter sido constituída garantia, mencionando-se expressamente a data a partir da qual operou tal suspensão, ou seja, para a análise da prescrição foi relevada a referida suspensão, sendo que o eventual erro dessa análise já não releva nesta sede, mas sim quanto à substância da decisão que recusou o reconhecimento da prescrição das dívidas em causa.

Tal significa que quando se apreciam os elementos apontados pela Recorrente fica a sensação de que não lhe basta que o acto contenha as razões de facto e de direito de que a decisão brotou, quer que as razões mostrem que a decisão é boa - o que confunde a forma com o fundo, de modo que, estando apenas em causa a questão da falta de fundamentação do despacho em apreço, nenhum mérito pode recolher o recurso neste domínio.

A partir daqui, e quanto à questão substancial da eventual prescrição das dívidas exequendas, a Recorrente refere que relativamente à quantia exequenda referente a IVA (processo n.° 2720200301007203) e a IRS (processo n.° 2720200301008366) de 2000, o prazo de prescrição começou a correr a partir de 01.01.2001, sendo que a reclamante deduziu reclamação graciosa das liquidações a 10.03.2003 - tendo então decorrido de forma ininterrupta 2 anos, 3 meses e 9 dias, já que a reclamação apresentada teve a virtualidade de interromper a prescrição, sendo que tal prazo começou de novo a correr no dia 10.03.2004, verificando-se que o prazo da prescrição não esteve suspenso por força das hipotecas legais porque não foram cumpridas todas as formalidades relativamente às mesmas, designadamente, não consta a informação lavrada no processo por funcionário competente, tal como estabelece o n.º 1 do artigo 169º do CPPT, requisitos estes que não se verificaram, pelo que as hipotecas efectuadas não podem ter a virtude de suspender os autos, pois a hipoteca legal só suspende o processo caso garanta “a totalidade da quantia exequenda e do acrescido”, o que se desconhece face à ausência de menção, pelo que tal quantia exequenda encontra-se prescrita e assim, por maioria de razão, a quantia exequenda relativa a IVA (processo n.º 2720200301007203) e a IRS (processo n.º 2720200301008366) de 1999 também está prescrita.

Antes de avançar, importa notar que as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 12º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado.

Nesta sequência, considerando as dívidas de 2000, as reclamações graciosas foram apresentadas em 10-03-2003, situação que, nos termos do art. 49º nº 1 da LGT produziu a interrupção do prazo de prescrição, sendo que, interrompida a prescrição, inutiliza-se para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (artigo 326º nº 1 do Código Civil).

Aliás, é sabido que as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, ou seja, antes de 01.01.2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, sendo que ocorrendo sucessivas causas de interrupção da prescrição, antes da entrada em vigor da referida redacção do nº 3 do art. 49º da LGT, devem todos elas se consideradas autonomamente, para efeitos de contagem do respectivo prazo, desde que susceptíveis de influir no seu decurso (neste sentido, Ac. S.T.A. de 05-06-2013, Proc. nº 0903/13, www.dgsi.pt).

Neste medida, e estando apurado que foi negado provimento às identificadas reclamações graciosas, tem de entender-se que, na linha do exposto, ficou todo o tempo decorrido anteriormente inutilizado em termos de prescrição, ou seja, nesta sede, o prazo de prescrição voltou a iniciar-se a partir da data da referida decisão, sendo que foram interpostos recursos hierárquicos em 30-04-2004.

Ora, tal situação constitui um facto que produz a interrupção da prescrição, verificando-se que os autos não fornecem elementos sobre a sorte destes recursos em termos de se poder aplicar em toda a linha o que ficou exposto sobre as reclamações graciosas.

Como quer que seja, e já vamos ao grande elemento que se discute nos autos, na melhor das hipóteses para a Recorrente, o prazo em apreço terá sido retomado em 30-05-2005 (na hipótese de o recurso hierárquico ter estado um ano sem movimentação), situação em que teria de ser ponderado o tempo decorrido entre a decisão das reclamações e a instauração dos recursos hierárquicos.

A partir daqui, deixando para mais tarde, caso seja relevante, a questão da interrupção da prescrição motivada pela instauração das impugnações judiciais apontadas, cabe ponderar da eventual existência de uma situação de suspensão do prazo de prescrição tal como se aponta no despacho reclamado.

Com efeito, cumpre notar que das normas contidas nos artigos 169º nº 1 do CPPT e 49º nº 3 da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda ( e não existe qualquer dúvida neste matéria) “desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido” e que o “prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso”.

Além disso, a suspensão da execução nos termos do artigo 169.º, nº 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados (neste sentido, Ac. do S.T.A. de 19-12-2012, Proc. nº 01372/12, www.dgsi.pt).

Trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.

Tal significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição ( neste sentido, Acs. do S.T.A. de 04-03-2009, Proc. nº 0160/09, 26-01-2011, Proc. nº 01/11 e de 25-05-2011, Proc. nº 0465/11, todos disponíveis emwww.dgsi.pt).

Diga-se ainda que, como se deixou sumariado nos Acórdãos do S.T.A. de 05-05-2010, Proc. nº 0140/10 e de 07-12-2010, Proc. nº 0490/10, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt, “A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (nºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT). Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do artº 169º do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 do artº 49º da LGT, a prescrição se suspende também com a paragem da execução”.

Ora, é sabido que em 19 de Dezembro de 2003, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2720200301007203 e aps., foi constituída hipoteca legal sobre os prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria, sob os artigos 325, 1978 fracção M e 1957, e da freguesia de Coração Jesus, sob os artigos 987 fracção AA, 1019 fracção J, 1072 fracção CT e 1678 fracção Q.

Neste âmbito, a Recorrente discute a bondade da decisão, defendendo que o prazo da prescrição não esteve suspenso por força das hipotecas legais porque não foram cumpridas todas as formalidades relativamente às mesmas, designadamente, não consta a informação lavrada no processo por funcionário competente, tal como estabelece o n.º 1 do artigo 169º do CPPT, requisitos estes que não se verificaram, pelo que as hipotecas efectuadas não podem ter a virtude de suspender os autos, pois a hipoteca legal só suspende o processo caso garanta “a totalidade da quantia exequenda e do acrescido”.

Quanto ao primeiro elemento, a informação a que se refere aquele n.º 1 in fine, corporiza mero acto de trâmite, sem qualquer efeito constitutivo, não tendo qualquer relevo na aplicação do regime da suspensão da execução, operando esta ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora, sendo condição necessária e suficiente para o efeito, sendo a sua utilidade obstar à prática de actos inúteis e ilegais, como é o prosseguimento da execução após estar garantida a divida exequenda e acrescido.

No mais, é a própria Recorrente que ajuda a descodificar a situação em apreço quando, no seu requerimento em que reclama o reconhecimento da prescrição aponta que o ónus que incide sobre os prédios identificados era em 06-06-2011 de € 302.215,29 (fls. 452 dos presentes autos), sendo que o valor patrimonial global dos prédios que servem de garantia é de € 509.654,60 (fls. 310 dos autos).

Aliás, no mesmo requerimento, é a Recorrente que afirma de forma convicta que os imóveis penhorados são garantia suficiente da dívida exequenda nos termos do artigo 199º do CPPT.

Com este pano de fundo, resulta claro que, independentemente do fim do efeito interruptivo derivado da apresentação do recursos hierárquicos e do efeito interruptivo derivado da instauração das mencionadas impugnações judiciais, o prazo de prescrição está suspenso desde 04-11-2004 (o que também retira virtualidade à melhor hipótese acima assinalada quanto ao momento do eventual reinício do prazo) e esta suspensão do prazo mantém-se até haver decisão que ponha termo aos aludidos processos de impugnação, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne à pretensão da Recorrente, pois que o recurso interposto, no fundo, tem como pano de fundo a recusa da produção do aludido efeito suspensivo, matéria que aliás constitui o fundamento essencial do despacho reclamado.

Nesta medida, tem de concluir-se, como na decisão recorrida, com as precisões assinaladas, que o decurso do prazo prescricional que vem invocado pela Reclamante como forma de extinção das execuções descritas nos autos não ocorreu, atentas as causas interruptivas e suspensivas supra citadas, improcedendo, pois, a sua pretensão na presente Reclamação, de ver anulado o despacho do Chefe do SF de Viseu que não reconheceu aquela prescrição, o que significa que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de manter, devendo, nesta sequência, improceder totalmente o presente recurso jurisdicional.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Dezembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova