Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00535/19.1BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/30/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IRS, ISENÇÃO; ARTIGO 39º DO EBF; COOPERAÇÃO COM PAÍS MEMBRO DA UE
Sumário:I. A isenção de IRS prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais quando se refere às “pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação”, tem em vista as pessoas que, de modo directo ou indirecto, servem o Estado Português no cumprimento das obrigações de direito internacional que para este decorrem da celebração de tratados, bilaterais ou multilaterais, que assumam a forma de acordos de cooperação internacional.

II. A cooperação realizada no âmbito do direito internacional do desenvolvimento para efeitos de isenção, não abrange a cooperação entre os países da União Europeia, nem no âmbito de acordos culturais celebrados entre Portugal e outros países europeus, em que se insere o acordo cultural de cooperação entre Portugal e Luxemburgo no domínio da educação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. AA e BB (Recorrentes), notificados da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação IRS, relativa ao exercício de 2018, no valor global de € 13.088,75, inconformados vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegaram, formulando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu improcedente a impugnação do ato de liquidação do IRS referente ao exercício de 2018, bem como decidiu pela não existência de inconstitucionalidade quanto à norma constante do número 1., do artigo 39.º do EBF.
2. Os RECORRENTES não podem conformar-se com aquela decisão, dela recorrendo de facto e de direito.
3. Quanto à impugnação relativa à decisão da matéria de facto, existem factos alegados pelos ora RECORRENTES em sede da sua petição inicial que não foram levados pelo tribunal recorrido ao elenco dos factos provados, tendo sido, nessa conformidade, julgados como não provados, relativamente aos quais, entendem os RECORRENTES que deverá ser proferida decisão contrária.
4. A matéria de facto constante no artigo 3.º da petição inicial, onde se refere que: “Do que decorre que os ora IMPUGNANTES declararam ter recebido o montante total de rendimentos no valor de € 70.690,54 (setenta mil e seiscentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos), tendo declarado o montante total de retenções na fonte no valor de € 18.645.72 (dezoito mil e seiscentos e quarenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos).”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento 2., junto com a apetição inicial.
5. A matéria de facto constante no artigo 5.º da petição inicial, onde se refere que: “Após a entrega da declaração de rendimentos, foram os IMPUGNANTES notificados para comprovarem os rendimentos isentos declarados para o exercício de 2018, o que fizeram, através de correio eletrónico.” deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do teor do documento número 3., junto à petição inicial.
6. A matéria de facto constante no artigo 6.º da petição inicial, onde se refere que: “Não obstante, a Autoridade Tributária veio a notificar os ora IMPUGNANTES para, querendo, exercerem o seu direito de audição prévia sobre o Projeto de Correções elaborado na sequência da análise da Declaração de Rendimentos, Modelo 3 de IRS, do exercício de 2018 e dos elementos apresentados quando notificados para comprovarem a isenção dos rendimentos”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do teor dos documentos 4., e 5., juntos com a petição inicial.
7. A matéria de facto constante no artigo 7.º da petição inicial onde se refere que: “Na referida notificação, a Autoridade Tributária refere que:
“Analisada a exposição apresentada, envio resposta em anexo, pelo que deverá entregar declaração de substituição no prazo de 15 dias com as alterações propostas, sob pena de passado o prazo ser efetuada declaração oficiosa.” (...) “Deste modo, fica V. Exa. notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3:
AnexoQuadroCampoValor
Declarado
Valor a
Corrigir
Valor Final
A4 A401€ 0,00€ 35.133,62€ 35.133,62
A4 A402€ 0,00€ 35.556,92€ 35.556,92
H4401€ 35.133,62€ 0,00€ 0,00
H4402€ 35.566,92€ 0,00€ 0,00
.”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento 5., junto com a petição inicial.
8. A matéria de facto constante no artigo 8.º da petição inicial onde se refere que: “Os ora Impugnantes exerceram o seu direito de audição prévia.”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento 6., junto com a petição inicial.
9. A matéria de facto constante no artigo 9.º da petição inicial onde se refere que: “Posteriormente, a Autoridade Tributária veio a proferir Informação e Despacho, datado de 19 de setembro de 2019, que considerou que os ora IMPUGNANTES não lograram demonstrar ou provar a natureza isenta dos rendimentos auferidos, convertendo em definitivo o projeto de correção aos valores inscritos na declaração de IRS 2018.”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 7.”, junto aos autos com a petição inicial.
10. A matéria de facto constante no artigo 15.º da petição inicial onde se refere que: “Assim, a Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, tendo como objetivo a escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes nos Estados-membros subscritores do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, nos quais se incluem o Luxemburgo, veio determinar que: “Os Estados-membros tomarão, em conformidade com a sua situação nacional e com o seu sistema jurídico, e em cooperação com os Estados de origem, as medidas adequadas tendo em vista promover, em coordenação com o ensino normal, um ensino da língua materna e da cultura do país de origem em favor dos menores referidos no artigo 1.º” “, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre documento número 8., junto aos autos com a petição inicial.
11. A matéria de facto constante no artigo 17.º da petição inicial onde se refere que: “A Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, impôs um prazo de 4 (quatro) anos aos Estados-membros para darem cumprimento ao estipulado, mais determinando que, durante aquele período, os Estados-membros deveriam transmitir à Comissão todas as informações úteis, a fim de permitir que, no prazo de 5 (cinco) anos, a Comissão apresentasse ao Conselho um relatório sobre a aplicação da Diretiva..”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do teor do documento 8., junto com a petição inicial.
12. A matéria de facto constante no artigo 18.º da petição inicial onde se refere que: “Ora, é nestas circunstâncias que o Luxemburgo, Estado-membro que acolhia uma larga comunidade de filhos de trabalhadores oriundos do Estado Português, vem a celebrar com Portugal o Acordo de Cooperação, assinado em Lisboa a 12 de julho de 1982, que veio a ser aprovado para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 129/82, de 16 de novembro”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 9., junto aos autos com a petição inicial.
13. A matéria de facto constante no artigo 22.º da petição inicial onde se refere que: “Com base no Acordo de Cooperação celebrado entre o Luxemburgo e Portugal, o relatório da Comissão apresentado ao Conselho, relativo à implementação da Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977, faz referência à existência de um regime adaptado aos filhos de trabalhadores migrantes portugueses que frequentassem o ensino primário, com aulas, ministradas por professores portugueses, nomeados e remunerados pelo Consulado Português, integradas no horário escolar normal, o que permitiu que se considerasse que, no âmbito do ensino primário, o Luxemburgo se encontrasse bem adaptado à Diretiva..”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 10.,junto aos autos com a petição inicial.
14. A matéria de facto constante no artigo 32.º da petição inicial onde se refere que: “Os princípios básicos dos cursos em português são os definidos no Acordo de Cooperação bilateral celebrado entre Portugal e o Luxemburgo em Lisboa, a 12 de junho de 1982, sendo os professores recrutados e pagos pelas autoridades portuguesas”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 14., junto aos autos com a petição inicial.
15. A matéria de facto constante no artigo 33.º da petição inicial onde se refere que: “O Ministério da Educação e da Ciência tem atuado, na ação desenvolvida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em estreita colaboração com o Instituto Camões e a Direção-Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 15., junto aos autos com a petição inicial.
16. A matéria de facto constante no artigo 36.º da petição inicial onde se refere que: “Refira-se que, quanto à natureza do Acordo de Cooperação celebrado entre Portugal e o Luxemburgo, de acordo com o claro e inequívoco entendimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, entidade que exerce a superintendência sobre o Instituto Camões, o Acordo de Cooperação celebrado entre Portugal e o Luxemburgo em Lisboa, a 12 de junho de 1982, é um Acordo de Cooperação Bilateral, conforme documento número 16., que se junta à presente impugnação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde se refere que: “Um acordo de cooperação bilateral é um instrumento jurídico internacional vinculativo que estabelece um enquadramento jurídico para a cooperação a ser desenvolvida entre dois Estados. Assim, o Acordo Cultural de Cooperação entre Portugal e Luxemburgo de 1982 é um acordo de cooperação bilateral.””, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 16., junto aos autos com a petição inicial.
17. A matéria de facto constante nos artigos 37.º e 38.º da petição inicial onde se refere que: “Sendo certo que os ora IMPUGNANTES tomaram conhecimento, no passado dia 3 de setembro, da existência de uma comunicação emitida pelo Instituto Camões que reconhece expressamente que os IMPUGNANTES se encontram colocados ao abrigo de Contratos de Cooperação.
38.º
Efetivamente, pode ler-se no referido documento, que se junta, que: “(...) verificando-se a ausência física de alguns docentes por se encontrarem no dia 1 de setembro a prestar funções no estrangeiro ao abrigo de contratos de cooperação, nas Escolas Portuguesas no Estrangeiro ou no ensino do Português no Estrangeiro (...)””, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 17., junto aos autos com a petição inicial.
18. A matéria de facto constante no artigo 41.º da petição inicial onde se refere que: “O Ministério da Educação e da Ciência tem atuado, na ação desenvolvida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em estreita colaboração com o Instituto Camões e a Direção-Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do documento número 15., junto aos autos com a petição inicial.
19. A matéria de facto constante no artigo 43.º da petição inicial onde se refere que: “Em consequência do referido concurso público, vieram os ora IMPUGNANTES a celebrar contratos de serviço docente para exercerem funções docentes na Área Consular do Luxemburgo durante o ano escolar 2006/2007, que foram depois renovados sucessivamente até 31 de agosto de 2009, e que vieram a ser convolados automaticamente em comissão de serviço, por força do disposto no artigo 3.º, número 5., do Decreto-Lei n.º 165-C/2009, de 28 de julho e que veio a sofrer renovações até 2017”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre dos documentos números 19., a 23., juntos aos autos com a petição inicial.
20. Por todos os motivos supra expostos, deverão ser julgados como provados, e em consequência serem levados ao elenco dos factos provados contidos na sentença sob recurso, os factos contidos nos artigos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 15.º, 17.º 18.º 22.º 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, e 43.º, da petição inicial.
21. Na presente ação, foi colocada à douta apreciação do Tribunal a legalidade do ato de liquidação de IRS respeitante ao exercício de 2018, que decidiu que à concreta situação dos RECORRENTES não seria aplicável a isenção prevista no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante apenas EBF).
22. O Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, que reuniu a Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos, no artigo 49.º, no Título III, relativo à livre circulação de pessoas, serviços e bens, estabeleceu medidas necessárias com vista à realização progressiva da livre circulação de trabalhadores, prevendo a eliminação de quaisquer formas de discriminação existentes entre os trabalhadores migrantes e os trabalhadores nacionais do Estado de acolhimento.
23. Tendo em conta este propósito comum dos Estados subscritores do Tratado, na Resolução de 21 de janeiro de 1974, relativa a um programa de ação social, o Conselho adotou, entre as ações a desenvolver prioritariamente, as que teriam por objetivo melhorar as condições da livre circulação dos trabalhadores relacionadas especialmente com o acolhimento e o ensino dos seus filhos.
24. A Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, tendo como objetivo a escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes nos Estados-membros subscritores do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, nos quais se incluem o Luxemburgo, veio determinar que: “Os Estados-membros tomarão, em conformidade com a sua situação nacional e com o seu sistema jurídico, e em cooperação com os Estados de origem, as medidas adequadas tendo em vista promover, em coordenação com o ensino normal, um ensino da língua materna e da cultura do país de origem em favor dos menores referidos no artigo 1.º” (negrito e sublinhados nossos).
25. A Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, impôs um prazo de 4 (quatro) anos aos Estados-membros para darem cumprimento ao estipulado, mais determinando que, durante aquele período, os Estados-membros deveriam transmitir à Comissão todas as informações úteis, a fim de permitir que, no prazo de 5 (cinco) anos, a Comissão apresentasse ao Conselho um relatório sobre a aplicação da Diretiva.
26. É precisamente em cumprimento da Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, que o Luxemburgo, Estado-membro que acolhia uma larga comunidade de filhos de trabalhadores oriundos do Estado Português, vem a celebrar com Portugal o Acordo de Cooperação, assinado em Lisboa a 12 de julho de 1982, que veio a ser aprovado para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 129/82, de 16 de novembro, acordo este que beneficiou ambas as partes contratantes.
27. Constituindo o benefício do Luxemburgo, desde logo, o cumprimento da Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, e o benefício do Estado Português a melhoria das condições de vida dos seus cidadãos deslocados como trabalhadores no Luxemburgo e a melhoria da promoção do ensino da língua portuguesa no estrangeiro.
28. O referido Acordo de Cooperação determinou que o Luxemburgo, no que se refere ao ensino básico, se comprometesse a estudar as medidas necessárias com vista à integração dos cursos complementares de português no currículo semanal regular luxemburguês, sendo que, em caso afirmativo, ambas as partes deveriam colaborar para pôr em prática a integração daqueles cursos (cf., artigo 5.º, do Acordo de Cooperação).
29. Mais se determinou no referido Acordo de Cooperação que, a fim de se favorecer a integração dos estudantes portugueses nos diferentes níveis do ensino luxemburguês, deveriam promover-se encontros entre os responsáveis das suas instituições competentes na matéria, assim como o intercâmbio de professores e outros especialistas (cf., artigo 6.º, do Acordo de Cooperação).
30. O Acordo de Cooperação entre Portugal e o Luxemburgo, estabeleceu, ainda, que as partes contratantes deveriam constituir uma comissão mista, que deveria reunir-se em sessão plenária, segundo as necessidades e pelo menos uma vez de 3 (três) em 3 (três) anos, devendo cada uma das partes permutar projetos dos programas de cooperação antes de cada reunião.
31. O primeiro programa de cooperação foi celebrado para o triénio de 2003/2005.
32. Aí estabeleceu-se que o ensino da língua portuguesa nos estabelecimentos escolares luxemburgueses seja feito através da realização de cursos em regime integrado e paralelo.
33. Para o período de 2008 a 2011, foi celebrado um novo programa, que manteve a realização de cursos em regime integrado e paralelo.
34. Os cursos integrados fazem parte do horário escolar, sendo as disciplinas do programa escolar lecionadas em português duas vezes por semana.
35. Os cursos paralelos são organizados fora do horário escolar.
36. Os princípios básicos dos cursos em português são os definidos no Acordo de Cooperação bilateral celebrado entre Portugal e o Luxemburgo em Lisboa, a 12 de junho de 1982, sendo os professores recrutados e pagos pelas autoridades portuguesas.
37. Com efeito, no domínio o acordo de cooperação entre o Luxemburgo e Portugal, assumem relevância o “Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, IP.” e os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Educação.
38. Constitui atribuição do Ministério dos negócios Estrangeiros defender e promover a língua e cultura portuguesas no estrangeiro, sendo-lhe conferida, em articulação com o Ministério da Educação, a atribuição do ensino do português no estrangeiro (cf., artigo 2.º, número 1., alínea f), e número 2., alínea b), do Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro).
39. Por seu turno, o “Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, IP.”, prossegue atribuições do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sob superintendência e tutela do respetivo ministro (cf., artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro), designadamente, a articulação com o Ministério da Educação e da Ciência na difusão do ensino da língua portuguesa no estrangeiro, nomeadamente através das escolas tuteladas pelo Ministério da Educação e da Ciência (cf., artigo 15.º, número 1., do Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro).
40. Dispõe o artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sob a epígrafe “Acordos e relações de cooperação”: “1 – Ficam isentas de IRS as pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação, relativamente aos rendimentos auferidos no âmbito do respetivo acordo.”
41. Da letra da referida norma resulta que, para que haja lugar à isenção contida na previsão normativa, terão que se verificar os seguintes requisitos:
a) Que se tratem de pessoas deslocadas no estrangeiro;
b) Que essa deslocação seja ao abrigo de um acordo de cooperação;
c) Que os rendimentos sejam auferidos no âmbito do respetivo acordo.
42. A questão controvertida reside precisamente no preenchimento do requisito referido sob a alínea b), do qual importará o preenchimento do requisito referido sob a alínea c), ou seja, estamos, ou não, perante um acordo de cooperação.
43. Importará começar por perceber-se que a cooperação internacional é um instrumento ao serviço da política externa refletindo, na sua generalidade, as áreas geográficas e os países com os quais um Estado tem relações preferenciais, com um objetivo comum, que pode ser dos mais diversos tipos, designadamente, entre outros, judiciários, políticos, culturais, estratégicos, humanitários, educacionais e económicos
44. Os Acordos de cooperação internacionais constituem, tal como os Tratados, fontes de Direito Internacional e Comunitário.
45. Na definição contante da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de maio de 1969 (alínea a), do número 1., do artigo 2.º) “Tratado designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular” (negrito e sublinhado nossos).
46. Aquando da aprovação para ratificação do Acordo de Cooperação entre o Estado Português e o Grão-Ducado do Luxemburgo, em 1982, a redação do artigo 200.º, da Constituição da República Portuguesa à data vigente era a seguinte:
“1. Compete ao Governo, no exercício de funções políticas:
(...)
c) Aprovar os acordos internacionais, bem como os tratados cuja aprovação não seja da competência da Assembleia da República ou que a esta não tenham sido submetidos;
(...)
2. A aprovação pelo Governo de tratados e de acordos internacionais reveste a forma de decreto.” (negrito e sublinhados nossos)
47. O Decreto-Lei n.º 129/83, de 16 de novembro, refere que: “O Governo decreta, nos termos da alínea c) do artigo 200.º da Constituição o seguinte:
Artigo único: É aprovado para ratificação o Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo, assinado em Lisboa a 12 de julho de 1982, cujo texto vai anexo ao presente decreto.”
48. Do que decorre, indubitavelmente, que o referido acordo se trata de um Acordo de Cooperação Internacional, tendo-se observado integralmente as normas constantes da Constituição no que concerne à aprovação de tratados e acordos internacionais.
49. Posição sufragada pelo próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde se refere expressamente que “O Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo foi concluído a 12/07/1982, aprovado na nossa ordem interna pelo Decreto 129/82 e publicado em Diário da República I, n.º 265 de16/11/1982.
Um acordo de cooperação bilateral é um instrumento jurídico internacional vinculativo que estabelece um enquadramento jurídico para a cooperação a ser desenvolvida entre dois Estados. Assim, o Acordo Cultural de Cooperação entre Portugal e Luxemburgo de 1982 é um acordo de cooperação bilateral.”
50. Pelo exposto, dúvidas não poderão existir quanto à natureza de um Acordo de Cooperação Bilateral do Acordo de Cooperação celebrado entre Portugal e o Luxemburgo em Lisboa, a 12 de junho de 1982.
51. É neste contexto que o Ministério da Educação lançou o concurso público para recrutamento de pessoal docente para exercício de funções docentes do ensino português no estrangeiro para o ano 2006/2007, nomeadamente para a Área Consular do Luxemburgo, visando dar cumprimento às obrigações assumidas pelas partes contratantes no Acordo de Cooperação.
52. Em consequência do referido concurso público, vieram os a ora RECORRENTES a celebrar contratos de serviço docente para exercer funções docentes na Área Consular do Luxemburgo durante o ano escolar 2006/2007, que foi depois renovado sucessivamente até 31 de agosto de 2009, e que veio a ser convolado automaticamente em comissão de serviço, por força do disposto no artigo 3.º, número 5., do Decreto-Lei n.º 165-C/2009, de 28 de julho, ao abrigo da qual exerceram, no ano de 2017, funções de docência da língua portuguesa no Luxemburgo.
53. A criação dos cursos integrados de ensino de português no âmbito dos quais os ora RECORRENTES foram colocados a exercer as suas funções de docência no Luxemburgo decorre do Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo foi concluído a 12.07.1982, aprovado na nossa ordem interna pelo Decreto 129/82 e publicado em Diário da República I, n.º 265 de 16.11.1982, o qual foi celebrado nos termos da Diretiva 77/486/CEE, do Conselho, de 25 de junho de 1977.
54. Pelo exposto, no ano de exercício de 2018, os RECORRENTES exerceram funções docentes na Área Consular do Luxemburgo ao abrigo do Acordo de Cooperação Bilateral existente entre Portugal e o Luxemburgo.
55. Não sendo questão controvertida que os rendimentos em questão foram auferidos pelos ora RECORRENTES como contrapartida pelos serviços de docência que exerceram no Luxemburgo e tendo aqueles sido exercidos no âmbito do respetivo acordo, forçoso será concluir que os rendimentos foram auferidos no âmbito do Acordo de Cooperação Bilateral.
56. Todo o supra exposto impõe que se conclua que os RECORRENTES se encontram isentos de IRS, nos termos do número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
57. O tribunal recorrido entendeu que a norma não será aplicável à situação concreta da RECORRENTE, dado que não preenche os requisitos impostos pela Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, não se podendo, contudo, aceitar tal interpretação normativa.
58. Com efeito, de acordo com o artigo 2.º, número 2., do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os benefícios fiscais podem concretizar-se através de isenções, reduções de taxas, deduções à matéria coletável e à coleta, amortizações e depreciações aceleradas e outras medidas fiscais que revistam as características enunciadas no número 1., do mesmo artigo.
59. No caso sub judice, estamos perante uma isenção, ou seja, uma verdadeira exceção à incidência pessoal dos impostos9, uma vez que impedem a produção dos efeitos do facto constitutivo da obrigação de imposto, sendo a tributação afastada, de forma total ou parcial, temporária ou definitivamente.
9 XAVIER, ALBERTO, Manual de Direito Fiscal, Manuais da FDL, Lisboa, 1974, pp. 281 e 282.
60. Relativamente aos modos operativos da eficácia dos benefícios fiscais, de acordo com o estabelecido no artigo 5.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, estes serão automáticos, quando o direito ao benefício resulta direta e imediatamente da lei, operando ope legis, pela verificação dos respetivos pressupostos, e não carecendo de qualquer ato posterior da administração tributária, como será o benefício ora em análise.
61. Assim, a aplicação do benefício fiscal previsto no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, depende apenas do preenchimento dos seus pressupostos, ou seja, que o contribuinte esteja deslocado no estrangeiro ao abrigo de um acordo de cooperação e que os rendimentos sejam auferidos no âmbito do respetivo acordo (nesse sentido, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de outubro de 2002, no Processo n.º 1653/99).
62. Não decorre da norma, ao contrário da posição sufragada na decisão recorrida, que seja necessário o preenchimento de quaisquer outros requisitos, muito menos previstos noutro diploma, dado que nenhuma remissão é feita pelo normativo do Estatuto dos Benefícios Fiscais, contrariamente ao que acontece noutros preceitos legais do mesmo Estatuto, que remetem expressamente para outros diplomas.
63. Não faz qualquer sentido, nem tem qualquer suporte legal, fazer-se depender a aplicação do benefício fiscal em apreço dos requisitos contemplados na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, até porque fazendo-se a análise sistemática no âmbito do ordenamento jurídico português, verifica-se que a noção de acordos de cooperação internacionais inclui vários outros tipos de instrumentos de cooperação internacional para além daqueles que se encontram regulados pela Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.
64. Na verdade, se se aceita que o benefício também possa ser aplicável aos casos em que se verificam os requisitos previstos na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, não pode aceitar-se que apenas se aplique naquele caso.
65. Aliás, veja-se que no âmbito da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, se utiliza a designação de contratos de cooperação, ao passo que a norma do Estatuto dos Benefícios Fiscais refere acordos de cooperação.
66. Do mesmo modo, na norma constante do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não se determina que o benefício se aplique apenas se o contribuinte se encontrar deslocado em determinados ou específicos países.
67. Fazendo-se o exercício interpretativo da norma à luz das regras consagradas no artigo 9.º, do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, da Lei Geral Tributária, não se prevendo no texto normativo do número 1., do artigo 9.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, nem que de forma imperfeitamente expressa, qualquer remição para a Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, não poderá admitir-se tal interpretação do normativo em causa (número 2., do artigo 9.º, do Código Civil).
68. Acresce que, de acordo com o número 3., do artigo 9.º, do Código Civil, deverá entender-se que, se o legislador pretendesse fazer depender a aplicação daquele benefício aos requisitos contemplados na Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, o teria expressamente previsto.
69. De acordo com o número 1., do artigo 8.º, da Lei Geral Tributária, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contraordenações fiscais, estabelecendo o número 4., do artigo 10.º, do mesmo diploma legal que: “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.”
70. Por seu turno, no artigo 10.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, estabelece-se que “As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva.”
71. As normas supra referidas mais não são do que a decorrência do corolário constitucional do princípio da legalidade tributária consagrado no número 2., do artigo 103.º, do texto fundamental, que determina que: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” (negrito e sublinhado nossos)10
10 Vide, a propósito do princípio da legalidade tributária, Gomes Canotilho e Vital Moreira In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, pp. 1090 e 1091.
72. De harmonia com esse princípio, nenhum facto pode ser gerador da obrigação de imposto senão quando previsto na lei; nenhuma situação poderá ser tributável se a lei tributária a não considerar como tal; e só são elementos desse facto ou dessa situação aqueles que a norma legal estabelecer.
73. Pelo exposto se, por um lado, a lei fiscal não faz depender a isenção de imposto de quaisquer outros requisitos para além dos constantes no artigo 39.º, número 1., do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os quais como, se demonstrou, se encontram preenchidos no que concerne à concreta situação dos ora RECORRENTES, e se, por outro, o princípio da legalidade tributária impede o juiz ou a autoridade tributária de fixar requisitos adicionais ao funcionamento de um benefício fiscal ou uma isenção, é inegável a ilegalidade do ato de liquidação oficiosa em crise nos presentes autos, bem como o erro de julgamento em que incorre a decisão recorrida.
74. Os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem, nos termos do número 1., do artigo 2.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
75. Sendo medidas com carácter excecional, o legislador delimita, com rigor, as situações concretas objeto de benefício e as condições para operar11.
11 Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11 de fevereiro de 2016, no Processo n.º 00996/13.2BEPRT.
76. Acresce que a docência do português no estrangeiro é manifestamente matéria de interesse público, dado que permite ao Estado Português assegurar o ensino aos seus cidadãos que se encontram a trabalhar no estrangeiro, e designadamente aos respetivos filhos, e fomenta a expansão da língua portuguesa.
77. E estes interesses verificam-se quer se trate do ensino em país que beneficie de apoio ao desenvolvimento ou não.
78. O que justificaria a criação de medidas de carácter excecional, dado que os interesses públicos extrafiscais, como sejam a divulgação da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro, in casu, serão manifestamente superiores aos da tributação que impedem.
79. Por todo o exposto, deverá concluir-se que, não dependendo do preenchimento dos requisitos constantes da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, estando os RECORRENTES deslocados no estrangeiro ao abrigo de um Acordo de Cooperação, ser-lhes-á inequivocamente aplicável o benefício fiscal previsto no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não se vendo nenhuma razão lógica, sistemática, ou outra, que permita interpretar os citados normativos em sentido diferente.
80. A propósito da questão da inconstitucionalidade, que o tribunal a quo entendeu julgar improcedente, terá que, com o devido respeito, discordar-se do tribunal recorrido quanto a tais considerações.
81. Sendo clara a inconstitucionalidade que, sob o ponto de vista dos RECORRENTES inquinará a norma jurídica.
82. Ora, o artigo 103.º, número 2., da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da legalidade fiscal, o qual impede que o juiz ou a autoridade tributária de fixar requisitos adicionais ao funcionamento de um benefício fiscal ou uma isenção.
83. Por seu turno o artigo 111.º, número 2., da Constituição da República Portuguesa determina que: “Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei.”
84. Estabelecendo-se na alínea i), do número 1., do artigo 165.º, da Constituição da República Portuguesa que legislar sobre as matérias relativas a criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, é da exclusiva competência da Assembleia da República.
85. Como já se referiu, o benefício fiscal previsto no número 1., do artigo 39.º do EBF depende exclusivamente dos seguintes requisitos:
a) Que se tratem de pessoas deslocadas no estrangeiro;
b) Que essa deslocação seja ao abrigo de um acordo de cooperação;
c) Que os rendimentos sejam auferidos no âmbito do respetivo acordo.
86. Não decorrendo da letra da norma a necessidade de preenchimento de qualquer requisito adicional. Designadamente, não decorre da letra da norma em apreço a necessidade de integração do conceito de agente da cooperação, nos termos da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.
87. Sendo que, de harmonia com o princípio da legalidade tributária, nenhum facto pode ser gerador da obrigação de imposto senão quando previsto na lei; nenhuma situação poderá ser tributável se a lei tributária a não considerar como tal; e só são elementos desse facto ou dessa situação aqueles que a norma legal estabelecer.
88. Princípio este igualmente aplicável aos benefícios fiscais, dado que normas que estabelecem isenções de imposto são, obviamente, normas tributárias.
89. O princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva, como, aliás, reconhece o legislador ordinário (artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais).
90. Porém, a interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador “minus dixit quam voluit”, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo; o que, manifestamente, não se verifica no caso concreto.12
12 Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28 de abril de 2016, no Processo n.º 01825/11.7BEPRT
91. Do que se referiu supra decorre, necessariamente, que se, por um lado, a lei fiscal não faz depender a isenção de imposto de quaisquer outros requisitos para além dos constantes no artigo 39.º, número 1., do Estatuto dos Benefícios Fiscais, os quais como, se demonstrou, se encontram preenchidos no que concerne à concreta situação dos ora RECORRENTES, e se, por outro lado, o princípio da legalidade tributária impede o juiz ou a autoridade tributária de fixar requisitos adicionais ao funcionamento de um benefício fiscal ou uma isenção, a interpretação da norma contida no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no sentido de a aplicação daquele benefício depender do preenchimento dos requisitos constantes da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, referentes aos agentes de cooperação, estará ferida de inconstitucionalidade, por violação dos referidos artigos 103.º, número 1., e número 2., 111.º, e 165.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, desde já, expressamente se invoca.
92. De acordo com o teor da sentença proferida, o tribunal a quo, tal como anteriormente a Autoridade Tributária, considera que à concreta situação dos ora RECORRENTES não será aplicável o benefício previsto no número 1., do artigo 39.º do EBF, por entender que o contrato de serviço docente que o estado Português celebrou com os RECORRENTES para exercer função de docente nos anos em causa na área Consular do Luxemburgo, não se pode considerar ação ou projeto em prol do desenvolvimento de países recetores de ajuda humanitária, tal como configurado nos termos do artigo 3.º, alínea c) e artigo 2.º, número 1., ambos da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.
93. Ou seja, interpreta a norma contida no número 1., do artigo 39.º do EBF no sentido de a aplicação daquele benefício depender do preenchimento dos requisitos constantes da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.
94. Sendo com base nessa interpretação que julga improcedente a pretensão dos ora RECORRENTES.
95. Como já se referiu, supra, e pelos mesmos motivos já expostos e que por mera questão de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidos, entendem os RECORRENTES que a interpretação da norma contida no número 1., do artigo 39.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no sentido de a aplicação daquele benefício depender do preenchimento dos requisitos constantes da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, referentes aos agentes de cooperação, estará ferida de inconstitucionalidade, por violação dos referidos artigos 103.º, número 1., e número 2., 111.º, e 165.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, desde já, expressamente se invoca.
96. Ao decidir nos termos constantes da sentença recorrida, o tribunal a quo violou o artigo 39.º, número 1., do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o artigo 9.º, do Código Civil, o número 1., do artigo 8.º, e o número 4., do artigo 10.º, ambos da Lei Geral Tributária e, ainda, o artigo 10.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, bem como os artigos 103.º, número 1., e número 2., 111.º, e 165.º, número 1., todos da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a sentença de que ora se recorre, substituindo-se a mesma por outra julgue procedente a presente impugnação.
Vossas Excelências farão, porém, JUSTIÇA.»

1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 535 e ss. do SITAF, no sentido da improcedência do recurso.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença incorre em erro de julgamento de facto, nomeadamente ao não dar como provados o conteúdo dos artigos3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 15.º, 17.º 18.º 22.º 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, e 43.º, da petição inicial;
Se a sentença incorre em erro de julgamento de direito ao decidir pela desconsideração da isenção de IRS prevista na disposição do art.º 39º nº1 do EBF, e de que não ocorre inconstitucionalidade na aplicação do art.º 39.º, n.º 1, interpretada no sentido daquele beneficio depender do preenchimento dos requisitos constantes da Lei nº 13/2004, de 14.04, por violação dos artigos 103.º, n.ºs 1 e 2, 111.º, 165.º, n.º 1 da CRP;
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«1. Os ora Impugnantes foram notificados do acto de demonstração de liquidação de IRS referente ao exercício de 2018 cujo valor a reembolsar foi de 5.556,97€, e que constitui objecto desta impugnação - Doc. 1 da PI e art.ºs 1 e 4 deste articulado;
2. Em 12/7/1982 foi assinado um acordo cultural de cooperação entre Portugal e o Luxemburgo nos domínios da educação, da ciência, da cultura, das artes e dos desportos, bem como noutros domínios de interesse comum, que entrou em vigor no dia 06/12/1983 - doc 9 da PI;
3. Este acordo de cooperação tem como objectivo promover o intercâmbio a diversos níveis entre Portugal e Luxemburgo, designadamente no domínio da educação (cfr. artigo 1.º do acordo de cooperação);
4. “No que se refere ao ensino básico, a Parte Luxemburguesa compromete-se a estudar as medidas necessárias com vista à integração dos cursos complementares de português no currículo semanal regular luxemburguês. Em caso afirmativo, as duas Partes colaborarão para pôr em prática a integração daqueles cursos” (cfr. artigo 5.º do acordo de cooperação);
5. Por seu turno, o artigo 9.º do referido acordo de cooperação dispõe que, “As Partes Contratantes procederão ao intercâmbio regular de professores, conferencistas, investigadores e estudantes. Comprometem-se ainda a favorecer os contactos e cooperação entre as instituições e os organismos de ensino, de cultura e de investigação nos dois países”;
6. O artigo 18.º do aludido acordo estabelece que, “A fim de assegurar a aplicação do presente Acordo as Partes Contratantes constituirão uma comissão mista, que deverá reunir-se, em sessão plenária, segundo as necessidades e pelo menos uma vez de 3 em 3 anos, alternadamente em Portugal e no Grão Ducado do Luxemburgo. //As partes contratantes permutarão projectos dos programas de cooperação antes de cada reunião mista”;
7. Para a aplicação deste acordo de cooperação foram celebrados, até ao momento, três programas de cooperação – art.º 24 da PI, não impugnado;
8. O primeiro programa de cooperação foi celebrado para o período de 2003, 2004 e 2005 - doc 11 da PI;
9. Nesse programa de cooperação prevê-se que o ensino da língua portuguesa, nos estabelecimentos escolares luxemburgueses, seja feito através da realização de cursos em regime integrado e paralelo, sendo ainda referido que “A Parte portuguesa manifesta a sua intenção de continuar a disponibilizar um número adequado de professores portugueses e a promover a formação contínua daqueles que estão colocados, em função dos objectivos educativos fixados” – doc 11, pág. 4;
10. No referido programa de cooperação é estabelecido que: “A Parte luxemburguesa continua a promover a participação activa dos professores portugueses na vida escolar e a garantir-lhes todo o apoio e informação necessários às suas actividades com o objectivo da integração escolar das crianças portuguesas” e que “(...) disponibiliza o material didáctico adaptado às necessidades específicas das crianças portuguesas e organiza cursos de formação contínua para os professores dos cursos integrados” – doc 11, página 3;
11. Para além disso, a Parte luxemburguesa assume o compromisso de prestar todo o apoio logístico necessário à organização dos cursos paralelos – (cfr. Doc. 11, páginas 4 e 5);
12. Posteriormente, foi celebrado, para o período de 2008-2011, um novo programa de cooperação – Fls. 99/ v e ss;
13. Neste programa de cooperação também se encontra previsto a realização de cursos integrados e paralelos para o ensino da língua e cultura portuguesa – Fls. 99/ v e ss ;
14. Dá-se aqui por reproduzido o documento ...3, assim identificado a fls. 115 e 115/v datado de 3/4/2017, com o seguinte destaque: “Por ocasião da visita do Primeiro-Ministro António Costa, ao Grão-Ducado do Luxemburgo, será assinado, no dia 5 de Abril de 2017, Um Memorando de Entendimento relativo à Promoção da Língua e da Cultura portuguesas no Luxemburgo.//Trata-se de um instrumento que visa incentivar a aprendizagem precoce da língua Portuguesa e a sua continuidade no ensino básico e secundário.//(...)Esta aprendizagem da língua portuguesa envolve professores luxemburgueses e portugueses.// (...) Este entendimento vai beneficiar a integração e o sucesso escolar dos alunos lusófonos (...)”
15. Na sequência do acordo de cooperação celebrado entre o Estado Português e o Estado Luxemburguês, o Ministério da Educação Luxemburguês criou “aulas integradas (isto é, integradas no horário e no programa escolar) em língua (...) portuguesa” – Fls. 120 a 120/V;
16. Foi, neste contexto, que o Ministério da Educação, através do Aviso n.º 7062/2006 (2.ª série) de 23 de Junho de 2006, lançou o concurso público para recrutamento de pessoal docente para o exercício de funções docentes do ensino português no estrangeiro para o ano escolar de 2006/2007, designadamente para a Área Consular do Luxemburgo – fls. doc 18;
17. Na sequência deste concurso foi celebrado entre o Ministério da Educação/Gabinete de Assuntos Europeus e Relações Internacionais e o Impugnante um contrato administrativo de serviço docente, para exercer as funções de docente na Área Consular do Luxemburgo durante os anos escolares de 2006 a 2018 – docs 19 e 20;
18. Com referência ao exercício de 2018, os Impugnantes auferiam rendimentos, na qualidade de professores ao abrigo do já referido acordo de cooperação pagos pelo Camões I.P – doc 19 e 20;
19. Este Instituto emitiu duas declarações no sentido de os Impugnantes “terem exercido funções docentes no Ensino de Português no Estrangeiro, com última colocação no Luxemburgo”, de 1/9/2006 a 31/8/2018 (ao abrigo do DL 165/06 de 11/8, de 1/9/2006 até 31/8/2013; e desde 1/9/2013 a 31/8/2017 ao abrigo do DL 234/12, de 30/9) – Docs 19 e 20;
20. Em 16 de Maio de 2019, os aqui Impugnantes submeteram por meios electrónicos, a Declaração Mod. 3 de IRS, relativa ao ano de 2018 – doc 1 da contestação;
21. No Quadro 4 do Anexo H (Benefícios Fiscais e Deduções) da referida declaração – destinado à comunicação dos rendimentos isentos sujeitos a englobamento – inscreveram o seguinte (Fls. 164):

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

22. Tendo a referida declaração sido seleccionada para análise foram os Impugnantes notificados para, no prazo de 15 dias, prestar os devidos esclarecimentos relativos à comprovação dos rendimentos isentos declarados; prazo findo o qual, sem que se mostrasse regularizada a situação – mediante a entrega de uma declaração de substituição – o procedimento prosseguiria para fins de correcção dos valores declarados – Fls. art.º 3.º da contestação, não impugnado;
23. Por requerimento datado de 1/7/2019 os Impugnantes deram entrada na AT de um requerimento onde defendem, para além do mais, os rendimentos pagos em 2018 pelo Instituto Camões, IP, como sendo obtidos “com o código 406” “se enquadram na isenção automática prevista no n.º 1 do artigo 39.º do estatuto dos benefícios fiscais” – doc 3, fls. 26 e ss;
Nesta sequência os ora Impugnantes foram notificados do acto de demonstração de liquidação de IRS referente ao exercício de 2018 cujo valor a reembolsar foi de 5.556,97€, e que constitui objecto desta impugnação - Doc. 1 da PI e art.ºs 1 e 4 deste articulado;»

2.2. De direito

Os Recorrentes (AA e BB) insurgem-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Mirandela em 27.04.2021, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação IRS, relativa ao exercício de 2018, no valor global de € 13.088,75, inconformados vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
A liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2018, decorreu da falta de comprovação de regime que lhes conferisse a isenção de tributação invocada.
Nos presentes autos pelo tribunal a quo analisados o pedido e a causa de pedir, foram delimitadas e apreciadas as seguintes questões: (a) da errónea quantificação da matéria tributável, designadamente quanto à desconsideração da isenção de IRS prevista na disposição do artigo 39º/1 do EBF (cf., também, os arts. 7º, 8º e 9º da L-13/2004, os arts. 20º e 21º do DL-165/2006, de 11/08 (RJEPE), 1º e 16º da L-46/86, de 14/10 (LBSE), e os DL-129/82, de 16/11, e 139-A/90, de 28/04); e, da inconstitucionalidade do art.º 39.º, n.º 1, interpretada no sentido daquele beneficio depender do preenchimento dos requisitos constantes da L 13/2004, de 14/4, por violação dos artigos 103.º, n.ºs 1 e 2 , 111.º, 165.º, n.º 1 da CRP.
Em suma, temos como fundamentos da impugnação a desconsideração da isenção de IRS dos rendimentos pagos em 2018, aos ora Impugnantes pelo Instituto Camões, IP, pelo exercício de funções de docentes na área Consular do Luxemburgo, no âmbito dos “contractos administrativos de serviço docente”, celebrados entre aqueles e o competente serviço Ministério da Educação, pois no seu entender os mesmos são susceptíveis de ser enquadrados na previsão da isenção-tributária estatuída na disposição do artigo 39º, n.º 1 do EBF.
Perante o decidido, inconformada, alega a Recorrente, em síntese, que a sentença (i) incorre em erro de julgamento de facto, nomeadamente ao não dar como provados o conteúdo dos artigos 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 15.º, 17.º 18.º 22.º 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, e 43.º, da petição inicial; e (ii) incorre em erro de julgamento de direito ao decidir pela desconsideração da isenção de IRS prevista na disposição do art.º 39º nº1 do EBF, e de que não ocorre inconstitucionalidade na aplicação do art.º 39.º, n.º 1, interpretada no sentido daquele beneficio depender do preenchimento dos requisitos constantes da Lei nº 13/2004, de 14.04, por violação dos artigos 103.º, n.ºs 1 e 2, 111.º, 165.º, n.º 1 da CRP.
2.2.1. Do erro de julgamento de facto
Da leitura conjugada das alegações e das conclusões de recurso verificamos que os Recorrente manifestam discordância quanto ao julgamento sobre a matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido, nomeadamente ao não considerar como provados os factos elencados nos itens 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 15.º, 17.º 18.º 22.º 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º, 41.º, e 43.º, da petição inicial, pretendendo que nesta sede recursória os mesmos sejam reconduzidos ao probatório conforme documentos constantes dos autos que identifica e reconduz a cada um dos itens como lhe é exigido.
Vejamos.
Como é sabido, a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640º nº1 alíneas a) e b) do CPC).
Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Importa, assinalar, que na decisão sobre a matéria de facto o Juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respetiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.05.11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os arts 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Assim, posta em causa a matéria de facto, o tribunal de recurso pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pela Recorrente como mal ou incorretamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão. Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas, legitimador da respetiva correção pelo Tribunal Superior.
No caso concreto, se bem interpretamos as conclusões do recurso, diga-se, o que os Recorrente efetivamente pretendem é discutir a convicção do julgador que fundamentou a decisão, ou seja, os impetrantes mais não querem do que alargar o campo do probatório, sem fundamentar em que medida as ampliações pretendidas interferem com os factos conduzidos ao probatório e as ilações alcançadas na sua fundamentação de direito com o objectivo último de responder ao que é questionada nos presentes autos.
Para além do mais, se a Recorrente pretende com estas alegações, que o tribunal ad quem proceda à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre tem de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adoptada.
Pois que, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, exige que o recorrente especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, analisando as alegações de recurso, adiantamos desde já que tal ónus foi cumprido, sendo que os Recorrente ao discordarem de factualidade, no seu entender, constante da petição inicial e omitida nos factos provados, reconduz cada um deles (itens da petição inicial) ao respectivo documento probatório, sendo que a questão que pode colocar é se estamos perante um facto propriamente dito, da sua natureza essencial, ou seja da sua pertinência para a decisão do pleito, do seu caracter conclusivo ou meramente instrumental.
Assim sendo perscrutada a sentença em apreço e as alegações e conclusões de recurso apresentadas, cumpre verificar das alegações que consta da petição inicial que os Recorrentes aclamam a sua inserção na matéria de facto dada como provada.
Em primeiro lugar, pretendem os Recorrentes que seja aditado como facto o vertido no artigo 3.º da petição inicial (Conclusão 4), que é o seguinte: “Do que decorre que os ora IMPUGNANTES declararam ter recebido o montante total de rendimentos no valor de € 70.690,54 (setenta mil e seiscentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos), tendo declarado o montante total de retenções na fonte no valor de € 18.645.72 (dezoito mil e seiscentos e quarenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos).”, ora tal constatação e respectivos valores decorrem do vertido no item 21, pelo que se considera desnecessária a sua inclusão no probatório.
No que concerne ao que consta do artigo 5.º, 6º e 8º da petição inicial (conclusões 5., 6. e 8.), atento a matéria vertida nos itens 22. e 23. da matéria de facto dada como provada, o mais, ou melhor a pretendida concretização, alteração da redacção pretendida pelos recorrentes não releva, sendo que no essencial o por si alegado foi reconduzido ao probatório em obediência ao tema de prova, questão a decidir previamente delimitada.
Relativamente ao vertido no artigo 7º da petição inicial (conclusão 7), verifica-se que a Recorrente pretende que verta para o probatório o constante daquele articulado a saber: “Analisada a exposição apresentada, envio resposta em anexo, pelo que deverá entregar declaração de substituição no prazo de 15 dias com as alterações propostas, sob pena de passado o prazo ser efetuada declaração oficiosa.” (...) “Deste modo, fica V. Exa. notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3 …, e para efeito indica o documento n.º ..., junto com a petição inicial, ora compulsados os autos constata-se que o documento n.º ... corresponde a cópia do Diário da Republica, 1ª série, n.º 265, de 11.06.1982, mais concretamente do Decreto n.º 129/82, de 18 de novembro, do Ministério do Negócios Estrangeiros, ali objecto de publicação.
Tendo em conta a falta de elementos documentais correspondentes ao pretendido e ao aludido no item 22. do probatório, nada mais se nos oferece, pelo que vai indeferido o pretendido aditamento à matéria de facto.
De seguida (conclusão 9) pretendem os Recorrentes que seja aditado a matéria de facto o que consta do artigo 9.º da Petição Inicial, que é o seguinte: “Posteriormente, a Autoridade Tributária veio a proferir Informação e Despacho, datado de 19 de setembro de 2019, que considerou que os ora IMPUGNANTES não lograram demonstrar ou provar a natureza isenta dos rendimentos auferidos, convertendo em definitivo o projeto de correção aos valores inscritos na declaração de IRS 2018” – o que decorre do documento n.º ... junto com a petição inicial. Efectivamente, na sentença sob recurso não se alude a resposta ao requerimento de resposta apresentado pelos sujeitos passivos em sede de audição prévia. Mostrando-se pertinente na sequência do alegado e dos factos carreados ao probatório, no momento próprio determina-se o seu aditamento.
De seguida pretendem, ainda, os Recorrentes que seja aditada à matéria de facto o que descreveu nos artigos 15º e 17º da Petição Inicial (Conclusão 10. e 11), que é o seguinte:
10. A matéria de facto constante no artigo 15.º da petição inicial onde se refere que: “Assim, a Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, tendo como objetivo a escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes nos Estados-membros subscritores do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, nos quais se incluem o Luxemburgo, veio determinar que: “Os Estados-membros tomarão, em conformidade com a sua situação nacional e com o seu sistema jurídico, e em cooperação com os Estados de origem, as medidas adequadas tendo em vista promover, em coordenação com o ensino normal, um ensino da língua materna e da cultura do país de origem em favor dos menores referidos no artigo 1.º” “, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre documento número 8., junto aos autos com a petição inicial.
11. A matéria de facto constante no artigo 17.º da petição inicial onde se refere que: “A Diretiva 77/486/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1977, impôs um prazo de 4 (quatro) anos aos Estados-membros para darem cumprimento ao estipulado, mais determinando que, durante aquele período, os Estados-membros deveriam transmitir à Comissão todas as informações úteis, a fim de permitir que, no prazo de 5 (cinco) anos, a Comissão apresentasse ao Conselho um relatório sobre a aplicação da Diretiva..”, deveria ter sido julgada provada, por ser o que decorre do teor do documento 8., junto com a petição inicial.”
Os recorrentes mais não estão que a pretender que este tribunal ad quem reconduza ao probatório o conteúdo de directivas comunitárias e, bem assim, as ilacções que retiram das mesmas.
Conforme é sabido, a matéria de facto deve versar somente sobre factos, não deve conter conclusões, interpretações, análises de normas, cláusulas, acordos, tratados ou qualquer tema jurídico, pois isso faz-se aquando da apreciação conjugada dos factos e das normas ou cláusulas aplicáveis ao caso concreto. Pelo exposto carecem de razão os recorrentes no aditamento ambicionado.
E, a mesma conclusão chegamos aos pretendidos aditamentos a que aludem nas conclusões 12. a 18., sobre a posição quer do Ministério da Educação quer do Instituto de Camões, estamos perante matéria conclusiva, pois para se poder dizer qual é o papel assumido por aqueles, é necessário interpretar as suas competências e saber se as têm genericamente exercido conforme relatado. O que está aqui em apreço não é saber como têm sido exercidas genericamente as competências do Ministério da Educação e do Instituto de Camões, mas antes em saber se no caso concreto a situação dos Recorrentes está ou não enquadrada no benefício fiscal que invocam. Ora, para tal o que importa é, no caso concreto saber a que título desempenharam as suas funções e a que título. E, quanto ao alegado nos artigos 37º e 38º da petição inicial, apenas se diga que alusão de um mail proveniente do “serviço de ensino”, junto do Ministério da Educação; aludindo-se em geral a professores colocados no estrangeiro ao abrigo de contratos de cooperação, contém em sim mesmo uma afirmação que vincula o Ministério, estamos, pois, perante uma afirmação de conteúdo genérico utilizada sem vinculação jurídica, sendo a sua alusão totalmente inócua na apreciação da questão em causa.
Improcede, pois, a pretensão dos Recorrentes.
Por último a matéria de factos constante do artigo 43º da petição inicial do seguinte teor: “Em consequência do referido concurso público, vieram os ora IMPUGNANTES a celebrar contratos de serviço docente para exercerem funções docentes na Área Consular do Luxemburgo durante o ano escolar 2006/2007, que foram depois renovados sucessivamente até 31 de agosto de 2009, e que vieram a ser convolados automaticamente em comissão de serviço, por força do disposto no artigo 3.º, número 5., do Decreto-Lei n.º 165-C/2009, de 28 de julho e que veio a sofrer renovações até 2017” – o que decorre dos documentos ...9. a 23. Juntos com a petição inicial.
O que importa ao Tribunal dar como provado (ou não provado) é a matéria que seja controvertida e que seja necessária para a apreciação jurídica da causa, e foi precisamente isso que o tribunal a quo ao conduzir ao probatório os itens 17., 18., e 19., no mais não se vislumbra qualquer relevância para a solução do litigio do alegado pelos Recorrentes, não se alcançado a razão de ser do aditamento proclamado em face do que já foi fixado com referência aos documentos ...9. a 23.
Desta forma, vai indeferida esta pretensão de aditamento à matéria de facto.
Em face do exposto, adita-se à matéria de facto a seguinte factualidade:
24. A AT notificou os Impugnantes, através do Ofício n.º ...27 de 29.10.2018, do Despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Mondim de Basto, o qual refere que:
«Tendo os sujeitos passivos sido notificados, nos termos e para efeitos do artº 60ª da Lei Geral Tributária, exerceram esse direito por escrito em 08 de Outubro de 2019, entrada nº ..., e compulsado o teor das alegações proferidas pelos sujeitos passivos, no âmbito do exercício do direito de audição prévia, cumpre referir o seguinte:
1º Na exposição apresentada, vieram os contribuintes reiterar a argumentação no sentido de que os rendimentos, por si auferidos no âmbito da comissão de serviço no cargo de professores da rede de ensino do português no estrangeiro, conforme Despacho n.º 786412017, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 7 de Setembro de 2017, e inscritos no Quadro 4 do Anexo H da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, como ‘Remunerações auferidas ao abrigo de acordos de cooperação – Código 406 – estão abrangidos pela isenção prevista no n.º 1 do Artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
De acordo com a tese defendida pelos sujeitos passivos, tais rendimentos encontram-se isentos de tributação em sede de IRS porquanto consideram os mesmos que estão verificados os pressupostos de que a lei faz depender o reconhecimento da referida isenção.
Mas sem razão, como se verá.
De facto, é incontroverso – porque documentalmente provado- de que os sujeitos passivos, no decurso do ano de 2018, desempenharam funções docentes no Luxemburgo.
Contudo, tal facto não basta para que se possa, sem mais, atestar a – aqui controvertida – natureza isenta dos rendimentos de trabalho, auferidos no âmbito da prestação do referido serviço.
Efectivamente, para que tal isenção seja reconhecida, mister é que os rendimentos tenham sido auferidos ao abrigo de acordos de cooperação; e é, precisamente, no preenchimento do sentido e alcance dessa expressão (‘Acordos de cooperação’) que reside a controvérsia que opõe os sujeitos passivos à AT.
A esse respeito, é entendimento da Autoridade Tributária de que a isenção em apreço depende do preenchimento dos pressupostos constantes do Oficio-Circulado n.º 2010/2005, de 30 de Agosto e dos artigos n.ºs 8.º e 9.º da Lei n.º 13/2004, de 14 de Abril (diploma que contém o enquadramento jurídico do agente da cooperação portuguesa e que define o respetivo estatuto jurídico, densificando e concretizando os conceitos de agente de cooperação e de acordo de cooperação previstos no artigo 39.º, n.º 1 do EBF.) designadamente o facto dos contratos se encontrarem registados no Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) e conterem as cláusulas contratuais previstas no último destes artigos e da prova da existência de um acordo de cooperação previsto na citada Lei n.º 13/2004.
Ora, os contratos celebrados com os sujeitos passivos não cumprem os requisitos enunciados nos supra citados artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 13/2004, de 14 de. Abril, não se encontrando registado nos termos do artigo 8.º, nem contendo as cláusulas obrigatórias do artigo 9.º do mesmo diploma.
Acresce, ainda, que a figura da comissão de serviço que os sujeitos passivos passaram a exercer desde 01.09.2009, não encontra previsão na Lei n.º 1312004, de 14 de Abril.
Aqui chegados, e relativamente aos documentos juntos pelos sujeitos passivos importa referir que dos mesmos não resulta qualquer prova consistente que contrarie a tese ora exposta, nomeadamente que ateste a existência de um Acordo de Cooperação celebrado entre Portugal e o Luxemburgo, que este país se encontre registado na lista do CAD, e que o(s) contrato(s) celebrados pelos sujeitos passivos preencham os requisitos dos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 13/2004, de 14 de Abril.
Destarte, face ao manifesto infundado da pretensão deduzida pelos sujeitos passivos, é de manter o entendimento de que os rendimentos controvertidos não se enquadram na previsão da norma constante do n.º 1 do artigo 39.º do EBF, razão pela qual não poderão os mesmos beneficiar da referida isenção.
2º que não trazem quaisquer elementos novos que sejam susceptíveis de abalar o conteúdo do projecto de decisão;
Pelo que converto em definitivo o projecto de correcção aos valores inscritos na declaração de IRS 2018.
Notifique-se.». (Doc. 7 da PI)

2.2.1. Do erro de julgamento de Direito
Antes de entrarmos na apreciação da questão colocada em sede de erro de julgamento de direito, cristalizada que se mostra a matéria de facto, importa referir que os Impugnantes/recorrente em sede de IRS do ano de 2011, e na sequência de liquidação oficiosa emitida pela AT em situação idêntica, colocaram a mesma questão ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela se os rendimentos pagos em 2011 à Impugnante mulher pelo Instituto Camões, IP, pelo exercício de funções docente na área consular do Luxemburgo, no âmbito dos “contratos administrativos de serviço docente”, celebrados entre aquela e o competente serviço Ministério da Educação, são suscetíveis de ser enquadrados na previsão da isenção-tributária estatuída na disposição do artigo 39.º, n.º 1 do EBF.
Ora, a Impugnante (mulher) perante o decidido pelo tribunal de 1ª instância, em decisão análoga a dos presentes autos, apenas divergindo quanto às liquidações e exercícios, declinada a sua pretensão apresentou recurso junto deste Tribunal Central Administrativo Norte, o qual já se pronunciou por acórdão de 15.06.2022, proferido no âmbito do processo em referência a que coube o nº 37/16.8BEMDL (IRS de 2011), que negando provimento ao recurso interposto da sentença proferida naqueles autos [de teor absolutamente similar à sentença aqui recorrida - inclusive no que respeita à factualidade considerada provada e normas legais aplicáveis, divergindo, apenas, no exercício em causa] negou razão à pretensão recursiva da Recorrente/impugnante, assente em alegações de recurso também similares às apresentadas nos presentes autos, nas quais as questões enunciadas são rigorosamente as mesmas, em sede de erro de julgamento de direito imputado.
Atendendo ao exposto, a apreciação levada a efeito naquele processo apresenta-se como sendo inteiramente válida e transponível para os presentes autos, por se tratar de casos rigorosamente idênticos, assente no mesmo silogismo, pelo que, considerando o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil - que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - acolhemos o decidido no acórdão datado de15.06.2022, aderindo integralmente ao seu discurso fundamentador, por não vislumbrarmos motivo para nos afastarmos do que este tribunal superior já decidiu relativamente à mesma situação fáctico-jurídica.
Assim, ponderou-se no referido acórdão nos seguintes termos (sendo que qualquer menção aos rendimentos de 2011 se deve ter como reportado ao IRS de 2018):
«Apreciando agora a questão essencial no recurso, vamos efetuar uma apreciação a que tipo de «acordos de cooperação» ou se se quiser, a que tipo de «cooperação» se estará a referir o artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Este preceito encontra-se inserido no Capítulo V do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que tem por epigrafe «Benefícios fiscais relativos a relações internacionais».
Ora, estes benefícios fiscais têm um objetivo extrafiscal, uma vez que não pretendem propriamente favorecer o titular dos rendimentos, mas antes em prosseguir um objetivo do Estado nas suas relações internacionais, como seja o incentivo ao desenvolvimento e cooperação internacionais. Ou seja, trata-se de uma situação em que o sujeito passivo beneficia indiretamente de uma isenção tributária, por força de o Estado pretender prosseguir determinados objetivos.
Portanto, o fim visado pela norma é o de promover a cooperação internacional, não a isenção subjetiva do sujeito passivo, fundada na qualidade e natureza da pessoa, que se encontra adstrita à realização do objetivo que o Estado pretende prosseguir. Contudo a pessoa usufrui do benefício fiscal, mas desde que se encontre a desempenhar funções no âmbito daquele objetivo estadual.
Desta forma, compete saber o que se deve entender por «acordos de cooperação», pois é a cooperação o objetivo visado pela norma.
Relativamente a este aspeto iremos fazer uma breve abordagem sobre o conceito de cooperação, de forma a dilucidar a questão.
A cooperação é um ramo do direito internacional público, vocacionado para a ajuda e o desenvolvimento de Estados mais carenciados.
Neste sentido, que poderemos considerar amplo, tende a confundir-se com o direito internacional do desenvolvimento, o qual se ocupa, em especial, das relações económicas entre organismos internacionais, os Estados desenvolvidos e os menos desenvolvidos.
Num sentido mais restrito, cooperação significa um conjunto de relações privilegiadas entre Estados descolonizados e o seu antigo colonizador.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, inúmeros países acederam à independência. O grau do seu desenvolvimento não era (ainda não o será hoje) comparável ao dos seus antigos colonizadores. Estes, conscientes disso e cientes que tinham uma responsabilidade acrescida, encetaram diversas formas de ajuda a esses novos países. Não foi propriamente ou exclusivamente por esta razão que se iniciou a cooperação, como melhor veremos adiante, mas o relacionamento entre Estados que têm uma ligação histórica longa, indubitavelmente traduz uma forte componente da cooperação.
De todas as organizações internacionais, a primeira a referir-se à cooperação é a Organização das Nações Unidas (ONU), que, como se sabe, foi criada em 1945. Segundo o artigo 1º da Carta das Nações Unidas, os seus fins (entre outros) são:
«3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;».
O capítulo IX da carta refere-se expressamente à cooperação económica e social internacional. Este tipo de cooperação tem por fim criar as condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações. Nos termos do artigo 55º, pretende favorecer: «a) a elevação dos níveis de vida, trabalho efectivo e condições de progresso e desenvolvimento económico e social; b) a solução dos problemas internacionais nos domínios económico, social, sanitário e outros conexos; e a cooperação internacional, de carácter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.».
Para realização destes propósitos os Estados comprometem-se a agir em cooperação com a ONU, em conjunto ou separadamente (artigo 56º da Carta das Nações Unidas).
Para o estudo, elaboração de relatórios e projetos e coordenação das atividades das organizações especializadas existe um Conselho Económico e Social, composto por 54 membros das Nações Unidas, que são eleitos pela Assembleia-geral.
As ações concretas no terreno são levadas a cabo pelas Agências, Fundos e Programas das Nações Unidas.
Podemos considerar que é na Carta das Nações Unidas que radica a cooperação, sendo este documento um fator deveras importante para a consciencialização e a implementação deste sistema de relacionamento internacional.
Relativamente à União Europeia, cumpre referir que já no Tratado de Roma, de 25 de março de 1957, referia que uma das formas de a Comunidade Económica Europeia prosseguir os seus fins era através da associação dos países e territórios ultramarinos com o objetivo de incrementar as trocas comerciais e de prosseguir em comum o desenvolvimento económico e social – artigo 3º.
A Parte IV do Tratado dispunha sob a forma e objetivos de associação dos países e territórios ultramarinos.
A partir do Tratado de Maastricht, a cooperação europeia teve maiores honras de consagração no tratado, sendo-lhe exclusivamente dedicado um novo Título XVII, tendo por epígrafe: «A cooperação no desenvolvimento».
Com o Tratado de Amesterdão, de 2 outubro de 1997, a cooperação passou a constar do Título XX.
A partir do Tratado de Lisboa, a cooperação passou a estar prevista no Título V do Capítulo 1 do Tratado da União Europeia (artigos 21.º e 22.º), concretizada na Parte V, Título III, Capítulo 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – artigos 208.º a 211.º, transcrevendo-se deste último o seguinte:
«Título III – A cooperação com países terceiros e a ajuda humanitária
Capítulo 1 – A cooperação para o desenvolvimento
Artigo 208.º (ex-artigo 177.º TCE)
1. A política da união em matéria de cooperação para o desenvolvimento é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa na União. A política da União em matéria de cooperação para o desenvolvimento e as políticas dos Estados-Membros no mesmo domínio completam-se e reforçam-se mutuamente.
O objetivo principal da política da união neste domínio é a redução e, a prazo, a erradicação da pobreza. Na execução das políticas suscetíveis de afetar os países em desenvolvimento, a união tem em conta os objetivos da cooperação para o desenvolvimento.
2. A União e os Estados-Membros respeitarão os compromissos e terão em conta os objetivos aprovados no âmbito das Nações unidas e das demais organizações internacionais competentes.»
A União Europeia, desde longa data, que mantêm acordos privilegiados entre os países menos desenvolvidos, em especial os da África, Caraíbas e Pacífico (vulgo: ACP’s). Com estes assinou, desde 1975, vários acordos de cooperação, conhecidos pelas Convenções de Lomé. [Para o que fica expendido relativamente à cooperação, foi utilizada a seguinte bibliografia: “Carta das Nações Unidas”; ÁLVARES, Pedro, Maastricht – a Europa e o futuro, Publicações Europa-América, Mem Martins, s/ d.; CAMPOS, João Mota de, Direito Comunitário, vol. III – o ordenamento económico, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1991; CUNHA, Joaquim Moreira da Silva, Direito Internacional Público – relações internacionais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 1990; LEITE, Luís Ferreira, Introdução ao direito da cooperação, Moraes editores, Lisboa 1979; ROBSON, Peter, Teoria económica da integração internacional, Coimbra Editora, Coimbra, 1985]
Em face do que fica exposto, pode concluir-se que a cooperação a que alude o artigo 39.º do EBF, é a cooperação internacional para o desenvolvimento, enquanto objetivo das relações internacionais entre os Estados ou entre a União Europeia e outros Estados não membros ou organizações internacionais.
Esse tipo de cooperação, em regra ocorre do País mais desenvolvido em favor do País menos desenvolvido. É que o acordo de cooperação internacional, tem de ser um acordo de cooperação tendo em vista o desenvolvimento, a resolução de problemas internacionais, a ajuda humanitária, a preocupação em erradicar a pobreza, em elevar o nível de vida das populações carenciadas, etc..
Esses acordos de cooperação, são realizados através de programas de ajuda aos Países mais necessitados, com um objetivo definido nesses programas. Ou seja, este tipo de cooperação visam a ajuda a todo um País, como fator de erradicação da pobreza e desenvolvimento geral e não tem por objetivo o apoio a uma concreta comunidade de pessoas ou a alguma população em especial ou a um setor de atividade em concreto. (Não sendo necessário que o acordo refira que se encontra abrangido por benefícios fiscal, mas que seja um acordo de cooperação ou ajuda para o desenvolvimento).
Ora, a cooperação que a Impugnante, ora Recorrente, invoca não é o mesmo tipo de cooperação a que alude o artigo 39.º, n.º 1 do EBF.
O acordo invocado pela Impugnante entre Portugal e o Luxemburgo, não se pode subsumir a um acordo do tipo de cooperação para o desenvolvimento, mas um acordo de apoio aos trabalhadores portugueses e suas famílias, assim como à ajuda na escolaridade dos seus filhos. Não é a mesma situação que cooperação para o desenvolvimento de todo um País. Aliás, o Decreto n.º 129/82, de 16 de novembro, publicado na 1.ª série do Diário da República, na mesma data, refere no seu sumário que aprova o «Acordo Cultural entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo». Não obstante no introito desse diploma se referir que as partes contratantes desejam aprofundar a cooperação entre os dois países e que essa cooperação contribuirá para uma melhor compreensão entre os dois povos, bem como para o estreitamento das suas relações; a cooperação ali mencionada não se pode considerar enquadrada no regime dos «acordos de cooperação» no âmbito do direito internacional do desenvolvimento, até porque o Acordo em causa é essencialmente cultural.
Desta forma, o Acordo de Cooperação, assinado em 1982, entre Portugal e o Luxemburgo, não corresponde a um acordo de cooperação para efeitos de direito internacional da cooperação e do desenvolvimento, como tal não preenche o conceito de «acordos de cooperação» estabelecido no n.º 1 do artigo 39.º do EBF.
Isto porque, o Acordo de Cultural entre Portugal e o Luxemburgo, não visa que Portugal ajude o desenvolvimento do Luxemburgo, mas antes (para o que aqui nos interessa), que haja um aprofundamento das relações respeitantes ao ensino, não sendo a mesma coisa que a cooperação para o desenvolvimento de todo um País que recebe essa ajuda.
Relativamente à invocada cooperação no seio da União Europeia, cumpre referir que esta cooperação é concebida e realizada da União Europeia para com Estados Terceiros ou organizações internacionais e não para com os próprios Estados da União Europeia, conforme melhor se pode depreender do que acima fica exposto.
Relativamente aos Estados da própria União Europeia funcionam as regras transnacionais e não o direito da cooperação internacional. Ainda que se utilize a palavra cooperação, tal não significa que sempre que usada esta expressão, se esteja diante do benefício fiscal a que alude o n.º 1 do artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Assim, tratam-se de situações diferentes, pelo que não obstante a identidade do substantivo feminino (atualmente designado como nome) cooperação, juridicamente tratam-se de situações distintas, na medida em que não se pode interpretar a menção descrita no n.º 1 do artigo 39.º do EBF de «acordos de cooperação», como abrangendo sempre toda e qualquer situação em que os Países utilizem a palavra cooperação.
Aliás, nem se compreenderia muito bem que, sempre que utilizada em normas, acordos, tratados ou qualquer instrumento jurídico a palavra cooperação, imediatamente os sujeitos passivos ficavam abrangido pelo regime do n.º 1 do artigo 39.º do EBF, sem necessidade de enquadramento de que tipo de cooperação afinal era a visada no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Invoca a Recorrente o regime da Diretiva n.º 77/486/CEE do Conselho de 25 de julho de 1977. Ora esta Diretiva tem por objetivo a escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes, portanto não se enquadra no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento.
Invoca, ainda, a Recorrente que a cooperação é realizada pelo «Camões – Instituto da Cooperação da Língua Portuguesa, IP», em articulação com o Ministério da Educação, conforme referido no Decreto-Lei n.º 121/2011, de 29 de dezembro. Ora, analisado este diploma, temos no mesmo um exemplo elucidativo de que o nome cooperação é utilizado nas suas diversas aceções. Veja-se por exemplo a alínea c) do n.º 2 do artigo 15.º que estabelece atribuições no domínio da cooperação ao instituto e que refere: c) Representar o Estado Português nos debates internacionais sobre a cooperação e a ajuda pública ao desenvolvimento, sem prejuízo das atribuições do Ministério das Finanças quanto às instituições financeiras internacionais.
Aqui está um exemplo em como a cooperação está enquadrada no direito internacional do desenvolvimento.
Por sua vez, na alínea e) do n.º 3 do mesmo artigo 15.º, diz o seguinte:
e) Promover a celebração e acompanhar a execução de acordos de cooperação cultural, sem prejuízo das atribuições do membro do Governo responsável pela área da cultura;
Este é um exemplo de um outro tipo de cooperação, já não no âmbito do direito internacional do desenvolvimento, mas no âmbito apenas de um setor, como é, no caso, o da cultura.
Alega, ainda, a Recorrente que a sua situação está abrangida pelo n.º 1 do artigo 39.º do EBF, independentemente de não poder ser considerada agente de cooperação, nos ternos da Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, pois que de outra forma o n.º 1 do artigo 39.º está ferido de inconstitucionalidade.
A Lei n.º 13/2004, de 14 de abril, estabelece o enquadramento jurídico do agente da cooperação portuguesa e define o respetivo estatuto jurídico, estabelecendo no artigo 2.º que se considera agente da cooperação apenas o cidadão que ao abrigo de um contrato, participe na identificação, formulação, execução, acompanhamento ou avaliação de um projeto, programa ou uma ação de cooperação financiada pelo Estado Português, promovida ou executada por uma entidade portuguesa de direito público ou por uma entidade de direito privado de fins não lucrativos em países parceiros.
A própria Recorrente reconhece que este diploma não lhe aplicável, mas que para o caso de apenas ser reconhecido o benefício fiscal para as pessoas abrangidas por este regime, implica a inconstitucionalidade do n.º 1 artigo 39.º do EBF, por violação dos artigos 103.º, nos. 1 e 2; 111.º e 165.º, n.º 1.
No seguimento do que acima já se referiu, «acordos de cooperação» são os que visam a cooperação segundo o direito internacional do desenvolvimento, ou seja, visa ajudar Países menos desenvolvidos. Esse tipo de ajuda pode ser realizada diretamente pelo Estado português ou pode ser feita através de outras entidades reconhecidas pelo Estado como cooperantes.
Ora, nada no Estatuto dos Benefícios Fiscais se estabelece no sentido que os beneficiários da isenção prevista no n.º 1 do artigo 39.º, são apenas aqueles que estiverem reconhecidos como agentes da cooperação, nos termos da citada Lei n.º 13/2004, de 14 de abril.
Apenas é necessário que os beneficiários sejam reconhecidos pela Administração Fiscal como tal, mas detendo o interessado já o estatuto de agente da cooperação, com certeza que a tarefa de reconhecimento fica facilitada.
Veja-se sobre o assunto os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (ambos em www.dgsi.pt) de 21/02/2012, proferida no processo n.º 04948/11; e de 13/03/2012, proferido no processo n.º 03844/10, cujo sumário se transcreve:
1. A concessão de isenção de IRS, relativa “Acordos e relações de cooperação” (artigo 46.º do EBF, redacção da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro), depende de despacho do Ministro das Finanças que reconheça o interesse nacional do contrato em causa.
2. O requerimento deve ser apresentado até ao limite do prazo para a entrega da declaração de rendimentos relativa ao período em que se verificam os pressupostos da atribuição do benefício fiscal (artigo 65.º, n.º 3, alínea b), do CPPT).
3. O reconhecimento da isenção em causa não constitui questão condicionante ou prejudicial da decisão final de liquidação do imposto em apreço, porque a mesma, através do procedimento administrativo de reconhecimento apropriado, intentado no tempo e formas próprias, integra-se no procedimento de liquidação do imposto, não assumindo virtualidade autónoma de causa dirimente a posteriori da tributação aplicada aquando da verificação do facto tributário.
Do exposto, resulta que não existe isenção automática de benefícios fiscal para qualquer agente da cooperação, pelo que não se deteta que ocorra qualquer inconstitucionalidade.
Cumpre ainda referir que, conforme matéria de facto aditada a pedido da Recorrente, o próprio Instituto Camões refere que a Impugnante não se encontra abrangida pelo regime do n.º 1 do artigo 39.º do EBF.
Aliás, tem sido entendimento uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte que os professores deslocados para o ensino em País da União Europeia não estão abrangidos pelo regime do n.º 1 do artigo 39.º do EBF.
Assim, decidiu este Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão proferido em 24/05/2012, no processo 528/06.9BEBRG; assim como no processo n.º 01104/07.4BEBRG, em Acórdão tirado em 14/06/2012, bem como no processo n.º 01732/06.5BEBRG, em Acórdão lavrado em 28/02/2013 (estes em www.dgsi.pt).
Para melhor apreensão dessa jurisprudência, transcreve-se o sumário do Acórdão tirado em 28/02/2013, proferido no processo n.º 01732/06.5BEBRG:
I – A norma do artigo 37.º, n.º 1 do EBF aplicável (actualmente, correspondente ao artigo 39.º, n.º 1 do mesmo diploma legal) quando se refere às “pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação”, tem em vista as pessoas que, de modo directo ou indirecto, servem o Estado Português no cumprimento das obrigações de direito internacional que para este decorrem da celebração de tratados, bilaterais ou multilaterais, que assumam a forma de acordos de cooperação internacional.
II – A Lei n.º 13/2004, de 14 de Abril, no seu artigo 3.º, alínea c), estabelece que para efeitos da sua aplicação a expressão “acção de cooperação”, a cujo artigo 2.º n.º 1, se refere, é a “acção ou projecto em prol do desenvolvimento de países receptores de ajuda pública ao desenvolvimento ou beneficiários de ajuda humanitária” (aliás, na senda do que já se previa nos art.s 2.º, n.º 1, e 3.º do Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro), pelo que a actividade de ensino desenvolvida por professora de português em França em regime de destacamento, ao abrigo do Decreto-Lei nº 13/98, de 24 de Janeiro, não se insere no âmbito da cooperação para o desenvolvimento ou ajuda humanitária.
III – O “suplemento de residência” atribuído mensalmente à Impugnante para compensar as diferenças de custo de vida entre Portugal e o país de acolhimento e necessidade de os docentes residirem temporariamente no estrangeiro, constitui um complemento remuneratório enquadrável na norma de incidência do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, alínea b), do CIRS, na redacção aqui aplicável.
IV – A invocação de “facto novo”, consubstanciado na alegação da existência de pensões de alimentos pagas a filhos maiores pela Impugnante, produzido ou alegado após a prolação da decisão, e que, por isso, não foi objecto da sua ponderação, constitui aquilo que tecnicamente se designa por “questão nova”, de que a Instância de recurso está impedida de conhecer.
V – Os recursos são meios de obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.» (fim de transcrição)
Acolhendo o discurso fundamentador do acórdão que vimos de transcrever, o qual, em face da factualidade nele adquirida e da argumentação jurídica produzida, detém, como se referiu, perfeita adequação no caso dos autos, nenhumas outras considerações se afigura necessário acrescentar, restando, pois, concluir, face a tudo o que foi dito na análise relativa a cada uma das questões que nos foi dirigida, que a sentença não errou no julgamento de direito que fez, pelo que, em consequência, é de manter na ordem jurídica.

O recurso não merece, assim, provimento, o que se decidirá seguidamente.

2.3. Conclusões

I. A isenção de IRS prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais quando se refere às “pessoas deslocadas no estrangeiro, ao abrigo de acordos de cooperação”, tem em vista as pessoas que, de modo directo ou indirecto, servem o Estado Português no cumprimento das obrigações de direito internacional que para este decorrem da celebração de tratados, bilaterais ou multilaterais, que assumam a forma de acordos de cooperação internacional.

II. A cooperação realizada no âmbito do direito internacional do desenvolvimento para efeitos de isenção, não abrange a cooperação entre os países da União Europeia, nem no âmbito de acordos culturais celebrados entre Portugal e outros países europeus, em que se insere o acordo cultural de cooperação entre Portugal e Luxemburgo no domínio da educação.
3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Porto, 30 de junho de 2022

Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Ana Paula Santos
(1.º Adjunta)
Margarida Reis
(2.ª Adjunta)