Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01097/08.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2013
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA; CONTRA-ORDENAÇÃO; CONTRA-ORDENAÇÃO CONTINUADA ; SUCESSÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL AO ARGUIDO
Sumário:I – Logram aplicação nas infracções tributárias, a título subsidiário, as normas gerais acerca do crime continuado, definido no art.º 30.º, n.º2 do Código Penal e com a previsão da sua forma de punição na norma do n.º 1 do art.º 79.º deste mesmo Código, sendo punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação.
II – Por força do princípio constitucional da lei mais favorável, a eficácia normativa da lei penal, estende-se, muito frequentemente, para aquém (retroactividade) e para além (ultra-actividade), da sua vigência formal: aplica-se sempre a norma que se mostrar mais favorável ao arguido, seja a lei que vigorava à data da prática do facto ou qualquer outra posterior de conteúdo mais favorável.
III – Em caso de concurso de contra-ordenações, sendo face ao quadro legal aplicável susceptível aplicação de uma coima única, cumpre ordenar a baixa dos autos à autoridade competente para organização de um único processo e prolação de uma única decisão de aplicação de coima.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELTÓRIO
A…, S.A., pessoa colectiva nº 5…, com sede na Avenida…, nº …, Gafanha da Nazaré, Ílhavo, impugnou a decisão administrativa proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, que lhe aplicou a coima de € 1.734,21 pela prática da contra-ordenação tipificada no art. 114º, nº 2 e 26º, nº 4, do RGIT, em conjugação com o art. 98º, do CIRS.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro foi proferida sentença, em 15.09.2011, que julgou improcedente o recurso, mantendo a condenação, decisão com que a arguida não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1) Tendo em consideração os factos dados como provados na Sentença recorrida, o tribunal a quo não poderia ter concluído, como efectivamente concluiu, pela inexistência de uma contra-ordenação continuada.
2) Com referência ao alegado pela Recorrente, o tribunal a quo, na Sentença recorrida, concluiu pela inexistência de qualquer contra-ordenação continuada, por entender, designadamente, que «tanto na altura em que foram praticadas as infracções tributárias que originaram os aludidos processos contra­ordenacionais, como na altura em que foi proferida a decisão recorrida, vigorava a norma pela qual as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material, não tendo aplicação a punição mediante cúmulo jurídico, decorrente da existência de “contra-ordenação continuada”».
3) Para chegar a tal conclusão, o tribunal a quo teria de ter apensado aos autos do processo em epígrafe todos os treze processos de contra-ordenação (conforme foi requerido pela ora Recorrente no recurso interposto da decisão de aplicação da colma proferida pelo Serviço de Finanças de Ílhavo em 26/04/2007), e, posteriormente, teria de ter dado como provada a respectiva existência.
4) Sucede que em momento algum dos “Factos Provado” é feita referência à existência desses treze processos.
5) Verifica-se, por isso, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art. 410°-2/a do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 3°/b do RGIT e do disposto no artigo 74°-4 do RGCO), uma vez que só dando como provada a existência dos processos n°s 0108200606016383, 0108200606016391, 0108200606016405, 0108200606016413, 0108200606016421, 0108200606016448, 0108200606016464, 0106200606016472, 0108200606016316, 0108200606016340, 0108200606016324, 0108200606016308 e 0108200606016278 é que o tribunal a quo poderia ter concluído, como efectivamente concluiu, que não assistia razão à Recorrente quanto à verificação de uma única contra-ordenação continuada.
6) Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se, em consequência, o reenvio do processo ao tribunal a quo para nova decisão relativamente à concreta questão acima mencionada, proferindo-se a final nova sentença.
7) Sem conceder,
8) Ainda que assim não se entendesse, no caso em apreço não só seria admissível como se impunha a punição da Recorrente por uma única contra-ordenação continuada.
9) Perante a realização plúrima do mesmo tipo contra-ordenacional (ou tipos que protegem o mesmo bem jurídico), há que verificar, antes de mais, se é aplicável o regime da infracção continuada.
10) Se esse regime não for aplicável (v.g. por não ocorrer uma única resolução criminosa), colocar-se-á então a questão do concurso de contra-ordenações a que alude o art. 25° do RGIT.
11) Contrariamente ao que vem referido na Sentença recorrida, a punição a título de contra-ordenação continuada não está de forma condicionada pelo facto do art. 25° do RGIT impor o cúmulo material das coimas.
12) Conforme resulta da própria estatuição dessa norma, a questão do cúmulo material das coimas respeita unicamente “às contra-ordenações em concurso”.
13) Estão em causa, pois, duas realidades absolutamente distintas (contra­ordenação continuada e concurso de contra-ordenações), tendo cada uma delas o seu regime próprio.
14) Atentos os condicionalismos do caso sub judice, verifica-se que, de forma distinta ao que se concluiu na Sentença recorrida, a conduta da Recorrente se integra numa única contra-ordenação continuada no tempo.
15) Uma vez que, conforme foi dado como provado naquela Sentença, à Recorrente foram aplicadas coimas, pela mesma conduta que está em causa nos presentes autos, “relativamente aos períodos 200501, 200502, 200503, 200504, 200505, 200508, 200510, 200511, 200405, 200409, 200406, 200404, 200401”, verifica-se, desde logo, que há unicidade no que respeita ao tipo de contra-ordenação em causa.
16) Por outro lado, as acções levadas a cabo pela Recorrente ter-se-ão desenvolvido sempre da mesma forma (falta de entrega do imposto retido na fonte) e num espaço temporal concentrado (períodos de “200501, 200502, 200503, 200504, 200505, 200508, 200510, 200511, 200405, 200409. 200406. 200404, 200401”).
17) Assim, a circunstância de a Recorrente, após as alegadas primeiras acções ilícitas, não ter sofrido qualquer consequência, sempre teria condicionado e facilitado a repetição dessas acções, tornando-se cada vez menos sustentável exigir-lhe que se comportasse de maneira diferente.
18) Tendo a Autoridade Administrativa (Serviço de Finanças de Ílhavo) entendido que a Recorrente praticou as supra referidas contra-ordenações, sempre a mesma teria de ter considerado, atento o acima exposto, que esse facto resultou de uma atitude menos reflectida, e que, por isso, a sua culpa estava consideravelmente diminuída para efeitos do disposto no art. 30º-2 do Código Penal.
19) Não estando prevista no RGIT nem no RGCO punição para a contra-ordenação continuada, a Autoridade Administrativa (Serviço de Finanças de Ílhavo) sempre deveria ter aplicado o preceituado no art. 79° do Código Penal (subsidiariamente aplicável ex vi do disposto nos arts. 3°/b do RGIT e 32° do RGCO) e, em consequência, punido a ora Recorrente com a coima correspondente à conduta mais grave que integra a continuação.
20) Analisando as decisões que foram enviadas à Recorrente nos autos do processo de contra-ordenação que deu origem ao processo em epígrafe e nos restantes processos de contra-ordenação, verifica-se que o maior montante de imposto em falta cifra-se em € 15.509,58 e respeita ao período de “200404”.
21) Por conseguinte, tendo a Autoridade Administrativa decidido fixar em € 3.210,49 a coima respeitante a essa infracção alegadamente praticada pela Recorrente, sempre esta, atendendo a que estava em causa uma única contra-ordenação continuada no tempo, deveria ter sido punida unicamente nesse valor.
22) Assim não tendo acontecido, ou seja, ao não ter a Autoridade Administrativa organizado um só processo de contra-ordenação, e, posteriormente, ao não ter aplicado à Recorrente uma coima única, foi cometida uma ilegalidade que inquina a decisão proferida em 26/04/2007, uma vez que a infracção que aí vem imputada à Recorrente, a ter ocorrido, se integra numa única contra-ordenação continuada.
23) Por sua vez, ao não ter o Tribunal a quo apensado todos os processos de contra-ordenação onde foram aplicadas as mencionadas coimas (cfr. arts. 24° e 29°-2 do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto no art. 3°/b do RGIT e do disposto no art. 41° do RGCO), e, posteriormente, ao não ter aplicado à Recorrente uma única coima correspondente à conduta mais grave que integra a contra contra-ordenação continuada, foi cometida uma ilegalidade que afecta a Sentença recorrida e que deverá determinar a respectiva revogação.
24) Termos em que deverá a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o recurso interposto da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo em 26/04/2007, com as legais consequências.
Em todo o caso, e sempre sem conceder,
25) Ainda que se entendesse que, no caso sub judice, não havia lugar à aplicação do regime da contra-ordenação continuada (no que não se concede e apenas se admite por cuidados de patrocínio), sempre o Tribunal a quo deveria ter fixado à Recorrente, em cúmulo jurídico, uma coima única resultante do concurso de infracções.
26) Apesar de o art. 25° do RGIT actualmente prever o cúmulo material de sanções, o regime do cúmulo jurídico resultante da entrada em vigor da Lei n.° 64-A/2008, de 31-12, deve, ex vi do preceituado no art. 29° da CRP, bem como do preceituado no art. 2°-4 do Cód. Penal (aplicável por remissão do disposto no art. 32° do RGCO e do art. 3°/b do RGIT), ser aplicado ao caso sub judice, por redundar numa sanção mais favorável para a Recorrente.
27) Conforme referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos em anotação ao art. 5° do RGIT (“Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado”, 4ª Edição 2010, Áreas Editora, pág. 63), “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão transitada em julgado (nº 4 do art.º 2º do C. Penal e n.º 2 do art. 3. ° do RGCO)”.
28) É inequívoco, pois, que a ora Recorrente sempre teria direito a que se aplicasse o regime do concurso jurídico de infracções (art. 25° do RGIT, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 64-A/2008, de 31-12) ao processo de contra-ordenação que deu origem ao processo em epígrafe e aos restantes processos de contra-ordenação em que foram aplicadas coimas pela mesma conduta, devendo, para esse efeito, proceder-se à respectiva apensação.
29) Pelo exposto, sempre a Sentença recorrida deverá ser revogada e, em consequência, ser ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para que aí seja efectuada a apensação de processos e proferida decisão de aplicação de uma coima única à Recorrente, nos termos do art. 25° do RGIT, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 64-A/2008, de 31-12.
30) Ao ter negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, a Sentença recorrida violou o disposto nos arts. 2°-4 e 79° do Código Penal (subsidiariamente aplicáveis ex vi do disposto nos arts. 3°/b do RGIT e 32° do RGCO), 24° e 29°-2 do Código de Processo Penal (aplicáveis ex vi do disposto no art. 3°/b do RGIT e do disposto no art. 41° do RGCO), 25° do RGIT (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 64-A/2008, de 31-12) e 29° da CRP, normas essas que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido supra descrito.
Nestes termos e nos mais de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.

O M.P., em sede de contra-alegações, pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da revogação da sentença proferida em 1ª Instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao não ter considerado a existência de outros vinte e um processos de contra-ordenação em que a Recorrente é arguida;
- Se o Tribunal a quo errou ao ter concluído pela inexistência de uma contra-ordenação continuada; e
- Se o Tribunal a quo errou ao não ter aplicado à arguida, ora Recorrente, em cúmulo jurídico, uma coima única.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. No dia 15 de Novembro de 2006, foi lavrado auto de notícia, imputando à arguida a não entrega, até 20.1.2005, de imposto retido na fonte no montante de € 8.377,84, respeitante ao período 2004/12.
2. A 26 de Abril de 2007, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo decisão de aplicação da coima no montante de € 1.734,21.
3. Consta da decisão recorrida:
Descrição Sumária dos factos:
À arguida foi levantado auto de notícia pelos seguintes factos: 1. Valor da prestação tributária retida: € 8.377,84.; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 Eur.; 3. Data de cumprimento da obrigação: 20/1/2005; 4. Período a que respeita a infracção: 2004/12; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 20/1/2005;, os quais se dão como provados”
Normas Infringidas e Punitivas
Os Factos relatados constituem violação dos artigos abaixo indicados, punidos pelos artigos do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação
Normas Infringidas, CIRS, artigo 98 CIRS – Falta de entrega do imposto retido na fonte, RGIT Artº 114 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta entrega prest. Tributária dentro prazo
Período Tributação 200412
Data infracção 2005-1-20
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do arguido deriva do artigo 7º do Dec-Lei nº 433/82 de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pela arguida e como autora material da contra-ordenação identificada supra.
Medida da coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao arguido em relação à contra-ordenação praticada tem como limite mínimo o valor de Eur. 1.675,57 e limite máximo o montante de Eur. 8.377,84, dado tratar-se de pessoa colectiva.
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da contra-ordenação praticada, para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27 do RGIT):
Requisitos/Contribuintes
Actos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Desconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 meses
Despacho
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no artigo 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.734,21 cominada nos artigos 114º, nº 2 e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26 do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.”
4. A arguida não entregou nos cofres do Estado a quantia relativa a IRS retido na fonte no montante de € 8.377,84, referente ao período 2004/12 até ao dia 20.1.2005;
5. A arguida, por meio dos seus legais representantes, não agiu com a diligência necessária para cumprir as obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida, omitindo deveres que lhe eram impostos por lei.
6. A arguida foi notificada a 10.4.2008 para proceder ao pagamento da coima referida em 3);
7. A arguida apresentou recurso a 15.5.2008;
8. Foram aplicadas coimas, pelo mesmo comportamento referido em 2), relativamente aos períodos 200501, 200502, 200503, 200504, 200505, 200508, 200510, 200511, 200405, 200409, 200406, 200404, 200401.

Factos Não Provados:
Nenhum outro facto, com relevância para a decisão da causa, resultou provado.
Motivação:
A convicção do tribunal fundou-se na análise do conjunto da prova documental junta aos autos, designadamente no auto de notícia, decisão administrativa e documentos juntos com a petição inicial.
Para além do que ficou dito, não foi produzida prova suficiente relativamente a quaisquer outros factos.
III -2.Decidindo
A…, S.A. veio nos termos do disposto no art. 80ºdo RGIT interpor recurso da decisão administrativa proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, que lhe aplicou a coima de 1.734,21 € pela prática da contra-ordenação p. e p. nos art.114º, n.º 2 e 26º n.º 4 do RGIT, em conjugação com o art. 98º do CIRS.
Sustenta, em suma, que os factos que constam da decisão recorrida não integram qualquer contra-ordenação, nulidade insuprível decorrente da circunstância de a decisão recorrida conter uma incorrecta e insuficiente indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima e a existência de contra-ordenação continuada e ilegalidade decorrente da violação do disposto nos art. 30º n.º 2 e 79º do Código Penal.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente o recurso, considerando que se mostra preenchido o elemento objectivo da contra-ordenação em causa, a autoridade administrativa, referiu todos os factos relevantes de que dispunha e que a lei impõem na determinação e fixação da coima e por último que perante várias coimas aplicadas a várias contra-ordenações, cometidas pelo mesmo arguido, as mesmas são cumuladas materialmente (art. 25º do RGIT), não sendo admissível a punição por contra-ordenação continuada.
Insurge-se contra o assim decidido, a recorrente.
Conforme deixamos indiciado no ponto II deste Acórdão – aquando da enunciação das questões a decidir, cumpre saber se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e errou o julgamento de direito ao decidir pela não existência de infracção continuada e que a mesma não tinha aplicação ao caso concreto.

Sobre estas questões, debruçou-se o recente Acórdão deste TCA Norte de 20 de janeiro de 2013 [processo n.º 1079/08.020BEVIS - Aveiro], em que a Recorrente igualmente assumia a qualidade de Recorrente e em causa estava aplicação de coima no montante de € 11 340,02, por não entrega até 20/08/2004 de imposto retido na fonte nos termos do artigo 98º do CIRS relativo ao período 2004/07 no montante de € 54 782,70. Iremos, pois, limitar-nos a transcrever a fundamentação da decisão proferida naquele acórdão, à qual se adere integralmente (cfr. artigo 8º, nº 3 do CC), sem prejuízo das especialidades decorrentes da factualidade apurada nestes autos e da apreciação concreta da relevância dos mesmos, do seguinte teor:
“A primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida padece de uma insuficiência na decisão da matéria de facto, por não ter dado como provada a existência de outros vinte e um processos de contra-ordenação em que é arguida a RECORRENTE e que esta identifica na conclusão 5. do recurso interposto.
Sustenta a RECORRENTE que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, concluiu pela inexistência de qualquer contra-ordenação continuada, por entender que tanto no momento da prática das infracções tributárias que originaram os processos contra-ordenacionais por si referidos, como no momento em que foi proferida a decisão, vigorava a norma pela qual as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material, sem que tivesse apensado aos autos todos os vinte e um processos de contra-ordenação e sem que desse como provada a respectiva existência. Afirma a RECORRENTE que em momento algum dos factos provados é feita referência à existência desses vinte e um processos (conclusão 4.).” [… desses treze processos – com referência aos presentes autos conclusão 4.]
Ora, certo é que da sentença recorrida consta o facto assente “8.” o qual tem a seguinte redacção: «8. Foram aplicadas coimas, pelo mesmo comportamento referido em 2), relativamente aos períodos 200501, 200502, 200503, 200504, 200505, 200508, 200510, 200511, 200405, 200409, 200406, 200404, 200401.».
“(…) Donde, salvo o devido respeito, não faz sentido afirmar-se que em momento algum dos factos provados é feita referência à existência dos processos contra-ordenacionais que a RECORRENTE identifica na conclusão 5. do recurso interposto (e já anterior e devidamente identificados em 8) do recurso apresentado junto do TAF de Viseu), quando se verifica que o probatório da sentença recorrida, embora sem identificar os processos é certo, expressamente menciona, de modo discriminado, os períodos a que esses processos se referem, mais dando como provado que (…)” - «foram aplicadas coimas» e «pelo mesmo comportamento referido em 2.» [a não entrega do imposto retido na fonte nos termos do art. 98.º do CIRS]”.
“ (…) Ou seja, o Tribunal a quo registou no probatório que a ora RECORRENTE havia sido condenada ao pagamento de “coimas” – não de uma única coima, evidencie-se a utilização do plural – por falta de entrega do imposto retido na fonte nos termos do art. 98.º do CIRS e relativamente a cada um dos períodos identificados no mesmo facto “H” [leia-se 8.]. Tem pois que concluir-se que, contrariamente ao afirmado pela RECORRENTE, é feita referência, ainda que sem a sua completa identificação, à existência dos ditos processos contra-ordenacionais.
E, como se retira da análise que infra se fará a propósito dos demais fundamentos do recurso, dúvida não há em como a decisão recorrida considerou na sua fundamentação jurídica a realidade desse quadro factual – a prática pela ora RECORRENTE da mesma infracção relativamente a outros períodos e a sua imputação noutros processos de contra-ordenação referentes aos períodos constantes de H. do probatório [leia-se constante de 8. do probatório] – o que, aliás, também se encontra pacificamente aceite por todos os intervenientes processuais.
Assim, em conclusão quanto a este ponto, não assiste razão à RECORRENTE quando questiona a (putativa) insuficiência da matéria de facto, improcedendo o recurso nesta parte.
Vejamos agora o erro de direito imputado à sentença recorrida. Nesta matéria, em suma, está em causa saber se a infracção cometida deve ou não ser considerada como contra-ordenação continuada, bem como se é de aplicar a correspondente sanção a cada infracção praticada, com aplicação do regime do cúmulo material como entendeu o Tribunal a quo ou se, como pretendido, ainda que subsidiariamente, pela RECORRENTE, antes o regime do cúmulo jurídico (na modalidade de infracção – contra-ordenação – continuada, como por si afirmado).
A este propósito disse-se na sentença recorrida o seguinte:(…)”
«Aquando da prática da infracção (20.1.2005), dispunha o art. 25º, do RGIT, que as sanções aplicadas às contra-ordenações são sempre cumuladas materialmente.
A Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, veio alterar esta norma, passando a consagrar o cúmulo jurídico das penas sempre que exista concurso de infracções.
Porém, este preceito foi novamente alterado pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que repôs a redacção anterior, sendo esta que vigora actualmente.
Como é sabido, o Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que consagra o Regime Geral das Contra-ordenação (RGCO), é a lei subsidiária em relação ao Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por força do disposto no artigo 3º, alínea b) deste regime legal.
E dispõe o artigo 3º do referido Decreto-Lei nº 433/82 que:
“1 - A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do factor ou do preenchimento dos pressupostos de que depende.
2 - Se a lei vigente ao tempo da prática do factor for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgamento e já executada.
3 - Quando a lei vale para um determinado período de tempo, continua a ser punida a contra ordenação praticada durante esse período.”
No caso em apreço, tanto na altura em que foram praticadas as infracções tributárias que originaram os aludidos processos contra-ordenacionais, como na altura em que foi proferida a decisão recorrida, vigorava a norma pela qual as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material, não tendo aplicação a punição mediante cúmulo jurídico, decorrente da consideração da existência de “contra-ordenação continuada”.
Atentemos no exposto no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 27 de Novembro de 2007, no processo nº 01804/07:
“O RGIT, quer o anterior CPT, não regulam os pressupostos para que exista concurso de contra-ordenações, nem mesmo o RGCO, regulando este, contudo, a sua forma de punição na norma do seu art.º 19.º n.º1, quanto ao concurso de contra-ordenações.
O Código Penal, no seu art. 30.º, de possível aplicação subsidiária às contra-ordenações – cfr. art. 3.º a) do RGIT – regula, quer o concurso de crimes, quer o crime continuado, com reflexos ao nível da respectiva punição, no norma do seu art. 78.º, em que a pena única é encontrada por cúmulo jurídico ou pela pena mais grave que integra a continuação, nos termos aí regulados. E idêntica forma de encontrar a pena única encontramos no RGCO – seu art. 19.º n.º 1.
Se a anterior norma do n.º 1 do art. 206.º do CPT, apontava para no âmbito tributário haver lugar à existência de concurso de contra-ordenações com a cominação de uma coima única em cúmulo jurídico, pelo menos em certos casos, o actual RGIT, embora admitindo a existência do concurso de contra-ordenações, deixa de, ou afasta, o regime de punição privilegiado subjacente ao concurso de crimes que era o de um pena única em cúmulo jurídico que não material, como hoje se prevê na norma do art. 25.º, deste diploma, sendo esta a norma aplicável no caso, que não a do art. 19.º n.º 1 do RGCO, por não nos encontrarmos perante qualquer caso omisso. Ou seja, deixou de existir a principal característica que enforma o regime do concurso de crimes – a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico - desta forma se perdendo o principal interesse no concurso, a não ser de índole de eventual economia processual.”
Ora, tendo em conta que, actualmente, a norma constante do art. 25º, do RGIT, no que toca ao concurso de infracções, tem a mesma redacção, a tese sufragada pelo acórdão citado mantém actualidade, sendo aplicável à situação vertente.
Deste modo, acolhendo os argumentos adiantados pelo acórdão transcrito, uma vez que, tanto actualmente como ao tempo da prática da infracção, as coimas aplicadas a várias contra-ordenações, cometidas pelo mesmo arguido, são cumuladas materialmente (art. 25º do RGIT), não é admissível a punição por contra-ordenação continuada.»
Prosseguindo na transcrição no acórdão deste TCAN, “Na análise das questões trazidas a este Tribunal de recurso apresenta-se então como prevalentes as matérias do crime continuado e da sucessão da lei (penal) no tempo: a questão relativa à consideração, ou não, da existência de uma infracção continuada, bem como da eventual punição com uma coima única (cúmulo jurídico versus cúmulo material). E a concluir-se pelo erro na aplicação da norma ao abrigo da qual a arguida foi sancionada, necessariamente terá que se proceder à revisão da decisão punitiva em face do regime dela decorrente.
Comecemos por nos debruçar sobre a questão da infracção tributária continuada e sua admissibilidade.
Sobre este ponto, em revisão de entendimento anterior, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 20.10.2009, proc. n.º 3258/09, nos seguintes moldes:
“Ao tempo em que foi proferido o acórdão deste Tribunal com o n.º1768/07, citado pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, e em que em parte apoiou a sua decisão, bem como na data em que foi proferida a decisão recorrida, a norma do art.º 25.º do RGIT que previa o cúmulo material para a punição das contra-ordenações, ainda não havia sido alterada, o que só aconteceu pela norma do art.º 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), em que veio dispor, a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico, nos termos que enumera, pelo que a doutrina expendida em tal acórdão (do cúmulo material), hoje já não se mantém, podendo haver lugar à aplicação de uma pena única em caso de concurso de infracções ou de infracções continuadas, aliás, o que também se poderia extrair da concatenação da doutrina do mesmo acórdão.
Assim, por força do disposto nos art.ºs 3.º b) do RGIT e 32.º do RGCO, logra aplicação nas infracções tributárias, a título subsidiário, as normas gerais acerca do crime continuado, definido no art.º 30.º, n.º2 do Código Penal e com a previsão da sua forma de punição na norma do n.º5 do art.º 78.º deste mesmo Código (sendo punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação).”
De igual modo, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª ed., em anotação ao art. 5.º, p. 74), admitem a existência da infracção tributária continuada, referindo que esta deve ser juridicamente considerada como uma só. Ensinam estes Autores, a propósito do conceito de infracção continuada, que “há infracção continuada, como consta do n.º 2 do art. 30.1 do C. Penal, quando, através de várias acções, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente” (idem, p. 116) [Como explicam os Autores citados (ob. cit. p. 116): “Sucede, por vezes, que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de infracção (ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico), e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que portanto atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente. O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se, pois, na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente.”].
A este entendimento, não obsta o princípio da especialidade das normas tributárias vertido no art. 10.º do RGIT, que consagra a regra de que aos responsáveis pelas infracções tributárias só se aplicam as sanções previstas nas leis tributárias, ressalvados os casos de concurso real de infracções (“desde que não tenham sido efectivamente cometidas infracções de outra natureza”), antes o reforça. Com efeito, o que decorre deste artigo é que se o agente com a sua conduta preencher formalmente vários tipos de infracção, mas em que, por via de interpretação, se concluir que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por um só dos tipos violados, os outros tipos não são aplicados.
E, como igualmente referem aqueles Autores, “não se prevendo neste RGIT nem no RGCO punição para o crime ou contra-ordenação continuada, há que aplicar o preceituado no art. 79.º, n.º 1 do C. Penal, subsidiariamente aplicável nos termos do arts. 3.º do RGIT e art . 32.º do RGCO” (ob. cit. p. 121).
Em síntese, quanto a este ponto, pode concluir-se que logram aplicação nas infracções tributárias, a título subsidiário, as normas gerais acerca do crime continuado, definido no art.º 30.º, n.º2 do Código Penal e com a previsão da sua forma de punição na norma do n.º 1 do art.º 79.º deste mesmo Código, sendo punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação (também expressamente neste sentido o Acórdão do TCA Sul de 10.11.2009, proc. n.º 3362/09.
Assim, a razão está do lado da RECORRENTE quando alega que contrariamente ao que foi referido na sentença recorrida, a punição a título de contra-ordenação continuada não está condicionada pelo art. 25º do RGIT.
E, entrando agora na questão da sucessão da lei penal no tempo, nem sequer aquele preceito impõe no caso concreto dos autos, como também erradamente o Tribunal a quo entendeu, o cúmulo material das coimas.
Vejamos então porquê.
O art. 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias RGIT), na redacção da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, preceituava que: “As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente”. No entanto, e por força do art. 113.º da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), o mesmo art. 25.º do RGIT foi alterado e passou a estabelecer a regra do cúmulo das coimas aplicáveis nos seguintes termos:
“1 - Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.
2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações” (cfr. art. 113.º da citada lei).
Ou seja, a anterior regra de cúmulo material foi substituída por uma regra de cúmulo jurídico. Determinou-se então que quem tivesse praticado várias contra-ordenações era punido com uma coima única com o valor máximo da soma das coimas aplicadas, desde que este não ultrapassasse o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso e o valor mínimo correspondente ao valor da mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.
Posteriormente o citado preceito foi novamente alterado pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (OE para 2011), que repôs a redacção anterior: “As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material”.
Temos então que entre 2001 e 2009 e após 2011, o artigo 25.º do RGIT manda sancionar o concurso de contra-ordenações através do sistema do cúmulo material, tendo este sistema sido o do cúmulo jurídico em 2009 e 2010.
Por outro lado, é pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que o sistema de cúmulo jurídico é abstractamente o mais favorável ao arguido (cfr. i.a. o Acórdão do STA de 15.04.2009, processo n.º 1113/08).
Por seu turno, como afinal o Mmo. Juiz do TAF de Aveiro também assinala, o art. 3.º do RGIT estabelece que são aplicáveis subsidiariamente quanto às contra-ordenações e respectivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social.
E o art. 3º, n.º 2, do RGCO dispõe que: “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada”.
Resulta, pois, do preceito legal acabado de transcrever que o cúmulo jurídico só deixa de ser possível se o arguido já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
Na verdade, o artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa preceitua no seu n.º 4 que: «Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido».
Este princípio constitucional da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido tem expressa consagração no Código Penal – aplicável também às contra-ordenações fiscais, por força da remissão do artigo 32.º do RGCO (Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro) e do artigo 3.º, al. b), do RGIT. Com efeito, o n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal estatui que: «Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior».
Conforme referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos em anotação ao art. 5.º do RGIT: “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão transitada em julgado (n.º 4 do art. 2.º do C. Penal e n.º 2 do art. 3.º do RGCO)” – cfr. Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª ed., 2008, p. 69).
Neste domínio ocorre, portanto, uma excepção de estalo constitucional relativamente ao princípio geral segundo o qual a lei apenas regula para o futuro, não se aplicando retroactivamente, e também que a lei não vigora após o seu termo, após a sua revogação, ou seja a lei não tem, regra geral, efeitos ultra-activos. Isto é, o princípio geral da irretroactividade cede perante o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, o que equivale a dizer que se exige ao intérprete-aplicador uma actividade de escolha de entre as leis em vigor no período que decorrer desde o momento da perpetração do facto delituoso até ao momento do seu julgamento; ou melhor dizendo, as leis sucessivas a tomar em consideração devem ser aquelas que entraram em vigor entre o momento da prática do facto (tempus delicti) e o trânsito em julgado da sentença condenatória (cfr. neste sentido, Manuel Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, I, Lisboa, 1981, p. 120 (ainda por referência ao Código de 1886) e Lições de Direito Penal, I, Lisboa, 1992, pp. 66-70; Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, I, Lisboa, 1997, pp. 264-265).
Como assinala Américo Taipa de Carvalho, a eficácia normativa da lei penal, por força do princípio constitucional da lei mais favorável, estende-se, muito frequentemente, “para aquém (retroactividade) e para além (ultra-actividade), da sua vigência formal: aplica-se a situações jurídicas criadas antes da sua entrada em vigor e a situações jurídicas sobreviventes à cessação da sua vigência formal” (in Sucessão de Leis Penais, Coimbra, 1990, p. 77).
A regra a considerar é, assim, a seguinte: aplica-se sempre a norma que se mostrar mais favorável ao arguido, seja a lei que vigorava à data da prática do facto ou qualquer outra posterior de conteúdo mais favorável. Como enfatiza Germano Marques da Silva, “o que importa é que as consequências sejam mais favoráveis ao arguido, caso em que será sempre aplicável a lei mais favorável entre as que vigoraram entre a prática do facto e o julgamento” (cfr. ob. cit., p. 264; sublinhado nosso).”
Posto isto, tendo a contra-ordenação pela qual a Recorrente foi condenada sido cometida, como decorre do facto provado em 1., em 20.01.2005 (data limite para entrega da prestação tributária em falta – imposto retido na fonte nos termos do art. 98.º do CIRS e relativo ao período 2004/12), tendo, por outro lado, a Recorrente ab initio alegado que as demais contra-ordenações também foram cometidas nos anos de 2004 e 2005, como resulta de 8. do probatório, e de acordo com uma igual conduta, e tendo sido a decisão ora recorrida proferida em 26.04.2007, verifica-se que na pendência do processo (remetido a Tribunal na sequência de despacho de 14.07.2008), mais concretamente nos anos de 2009 e 2010, a Recorrente beneficiou da redacção do art. 25.º do RGIT quando este previa o sistema do cúmulo jurídico (art. 113.º da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro).
“ (…) Ou seja, a partir da vigência da referida alteração ao art. 25.º do RGIT efectuada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (até à entrada em vigor da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro), a prática contra-ordenacional desenvolvida pela ora RECORRENTE – está fixado no probatório que o comportamento de que a RECORRENTE foi acusada nos presentes autos repetiu-se várias vezes ao longo do ano de 2004 e 2005 –, seria, no limite, punida com uma coima única. E sendo o cúmulo jurídico sempre mais favorável ao arguido do que o cúmulo material (cfr. os Acórdãos do STA de 21.01.2009, no processo n.º 928/08, de 15.04.2009, processo 1113/08, e de 18.02.2010, processo n.º 0983/09), sempre aquele seria de aplicar, por força do disposto no citado art. 3º do RGCO, do qual resulta, igualmente, que o cúmulo jurídico só deixa de ser possível se o arguido já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
Pelo que, por força do princípio vigente no âmbito de direito penal, e para aqui convocável, da imediata aplicação do regime legal penal mais favorável ao arguido, entende-se que, também quanto a este ponto, a razão se encontra do lado da RECORRENTE.
E funcionando a regra do cúmulo jurídico, haveria que aplicar uma única coima nos termos do art. 25.º do RGIT caso se verificasse, in casu, situação para isso e não fosse de se aplicar o regime da infracção continuada, como aquela defende. De outra banda, como decidido no Acórdão do STA de 21.01.2009, no processo n.º 928/08, “em caso de concurso de contra-ordenações, sendo aplicada uma coima única, recomenda-se que seja organizado pela autoridade competente um único processo e seja proferida uma única decisão de aplicação de coima – cf. a este respeito o n.º 1 do artigo 36.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), aplicável subsidiariamente às contra-ordenações fiscais por força da alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias; e cf. também Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, 1, Verbo, Lisboa, 2000, p. 196.”. E mais recentemente, tal sentido decisório, por nós também aqui adoptado, foi reiterado pelo Acórdão do STA de 30.03.2011, processo n.º 757/10.
De igual modo Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa defendem a solução de ser organizado pela autoridade competente um único processo e de ser proferida uma única decisão de aplicação de coima (in Contra-Ordenações: Anotações ao Regime Geral, nota 2 ao artigo 36.º, ed. de 2011, p. 307).
Por consequência, perante a provada existência de outros processos de contra-ordenação contra a RECORRENTE, pelo mesmo tipo de ilícito contra-ordenacional [vide o ponto 8. do probatório da sentença recorrida], é assertivo, à luz da doutrina enunciada, que, contrariamente ao decidido pelo Mmo. Juiz do TAF de Aveiro, a decisão de aplicação da coima recorrida não pode deixar de ser anulada para que, em sua substituição, o órgão decisor da Administração Tributária, proceda ao necessário julgamento das referidas contra-ordenações considerando devidamente o regime jurídico aplicável como supra explicitado.
Insista-se na afirmação de que para que possa haver lugar à aplicação de uma pena única por infracções continuadas, importa verificar, para além dos demais, do preenchimento dos pressupostos da existência de uma determinação psicológica semelhante no cometimento de cada uma das infracções e a existência de um mesmo quadro externo que diminua consideravelmente a culpa do agente. Ora, para que tal se possa verificar, na situação presente terão que ser apreciadas no mesmo processo as diversas infracções para aí se poder concluir se se verificavam ou não os pressupostos para tal punição.
Razão pela qual não pode neste sede, nem neste momento, proceder a pretensão da RECORRENTE quanto à aplicação da coima mais elevada.
E quanto ao cúmulo jurídico não constando dos autos elementos para isso, também ele não se pode efectuar por os autos não estarem juntos e uma decisão até já ter sido anulada. Tal cúmulo jurídico poderá ser requerido e efectuado na decisão proferida em último lugar nos mesmos termos previstos no Código Penal.
Assim sendo, para concluir, não sendo possível a este tribunal fixar a coima única aplicável às contra-ordenações fiscais em concurso nos termos dos artigos 77.º a 79.º do Código Penal, pois que, por um lado e desde logo, os processos foram tramitados separadamente (com todas as consequência daí advenientes, designadamente ao nível da identificação do quadro externo em que a conduta foi desenvolvida) e, por outro, não há notícia nos autos de ter, ou não, havido decisão transitada em julgado e/ou já executada, terá que anular-se a decisão administrativa de aplicação da coima e a remessa dos autos à Administração Fiscal para que esta proceda à devida apreciação da conduta da arguida, ora RECORRENTE, de modo integrado com os processos contra-ordenacionais em causa, levando em consideração o quadro jurídico de referência como explicitado. Ou seja, não só a decisão a proferir deverá atender, se se verificarem os pressupostos, ao disposto nos artigos 30.º, n.º 2, e 79.º do C. Penal, aplicáveis ex vi do art. 3.º, al. b), do RGIT e art . 32.º do RGCO, como, se tal não acontecer, ao regime consagrado no art.º 25.º do RGIT, na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.”
Em conformidade com a fundamentação do acórdão transcrito, a que se adere, procede o presente recurso, sendo de lhe conceder provimento.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e anular a decisão de aplicação da coima proferida no âmbito do processo de contra-ordenação nº 0108200606016375, para que a Administração Fiscal profira decisão como explicitado supra.
Sem custas, em ambas as instâncias.
Porto, 15 de fevereiro de 2013

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro