Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00228/13.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:LICENÇA MUNICIPAL; DEMOLIÇÃO; PROVA TESTEMUNHAL; INDEMNIZAÇÃO
Sumário:1 – Tratando-se de uma Ação Administrativa Especial, tendo o tribunal a quo entendido que a prova disponível, designadamente documental, se mostrava adequada e suficiente para dirimir as questões controvertidas, e não tendo a Recorrente logrado demonstrar o inverso, que não por via de afirmações meramente conclusivas, não se mostra censurável a dispensa da inquirição de testemunhas.

2 – Não pode a Recorrente invocar que os atos controvertidos se mostrem insuficientemente fundamentados, na medida em que é patente ao longo do Procedimento, que dúvidas não tem relativamente ao que está em causa, antes se cingindo a manifestar o seu desagrado pela decisão, o que é diverso.

3 - Perante a insusceptibilidade de licenciamento das obras levadas em área comum do edificado, até pela oposição dos condóminos, outra alternativa não terá o Município que não seja a de repor a legalidade, enveredando pela demolição do construído, não licenciável, sob pena de se gerar uma situação de impunidade permissiva, sempre perniciosa.

4 - Não estando as controvertidas obras realizadas no Terraço, manifestamente licenciadas, mal se compreenderia que o seu utilizador, sem titulo que o legitime, pelo facto do Município pretender exercer as suas competências de fiscalização urbanística, pudesse indemnizatoriamente beneficiar em resultado da reposição da legalidade.
Por outro lado, é manifesto que não estão preenchidos integralmente os pressupostos tendentes à atribuição de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, mormente faltando o pressuposto da ilicitude da atuação do Município.
Mal se compreenderia que a atuação de um qualquer Município na reposição da legalidade urbanística, pudesse ser entendida como um ato ilícito.
A edificação sem autorização ou licença não poderá ser tratada como de um instituto análogo à usucapião se tratasse.
Com efeito, o decurso do tempo não consolida a construção efetivada sem licença. O jus aedificandi não constitui parte integrante do direito de propriedade, antes acresce, dentro dos condicionalismos aplicáveis, à mesma.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.I.E.S.S.
Recorrido 1:Município da (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:A presente decisão resulta do Acórdão do STA de 5 de dezembro de 2019 que declarou nulo o precedentemente proferido Acórdão deste TCAN de 12 de outubro de 2018, por ter entendido julgar procedente “invocada nulidade por omissão de pronuncia (...) devendo os autos baixar ao TCAN para ai ser conhecida ...”.

Por uma questão sistemática e por forma otimizar o manuseamento e visualização de tudo quanto se expenderá e decidirá, integrar-se-á tudo quanto se disse e ora inovatoriamente se dirá, num único e novel Acórdão, ao invés de nos limitarmos a apreciar as questões entendidas como omitidas no precedente aresto.

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
M.I.E.S.S., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa especial intentada contra o Município da (...), tendente à impugnação de despacho municipal que determinou a demolição de obras executadas na morada indicada, sem licença municipal, inconformada com o Sentença proferida em 23 de março de 2018, no TAF de Coimbra (Cfr. fls. 263 a 279 Procº físico), que julgou improcedente a Ação, veio em 23 de março de 2018 Recorrer Jurisdicionalmente da referida decisão (Cfr. fls. 283 a 305 Procº físico).
Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 300 a 305 Procº físico).
“1 Na presente ação Impugna-se o ato que ordenou a demolição de uma construção por alegadamente ter sido feita sem licença municipal e em parte comum do edifício, tendo sido Imputados a tal ato um conjunto de ilegalidades e vícios. Ora,
2º O aresto em recurso enferma de nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do na 1 do art° 615º do CPC uma vez que deixou de se pronunciar sobre duas questões jurídicas suscitadas pela A. na p.l .• a saber:
- violação do princípio da imparcialidade (v. art° 51° da p-i);
- erro nos pressupostos por a Câmara ter emitido a licença de utilização (v. art°s 88° a 96° da p.i.), Por outro fado,
3º Ao dar por provados os factos constantes dos nas 6. 7. 8 e 10 da factologia assente sem antes ter permitido à Autora provar a factologia por si alegada na p.l, - designadamente nos art°s 14°, 15°, 16°,21°, 24°,25°,26°,27°,28°,29°,30°, n°, 74°, 83° a 91° da p-i), cuja prova poderia levar o Tribunal a quo a dar por provados factos claramente contrários aos que deu por provados e a alcançar uma solução de direito completamente diferente -, O aresto em recurso incorreu em flagrante e grave erro de julgamento. procedendo à fixação da matéria de facto em clara violação e desrespeito do princípio da igualdade das partes - consagrado no art° 6° do CPTA - e do direito fundamental à tutela judiciai efetiva - consagrado no artº 268º/4 da Constituição -, dos quais resulta que a cada parte há-de ser permitido provar, por todos os meios legalmente admissíveis, a factologia em que alicerça a sua posição e que o Tribunal deve ser Isento e equidistante em relação a ambas as partes, só podendo formar a sua livre convicção depois de assistir à prova que cada uma delas produza sobre os factos que alegou. Na verdade,
4° Os referidos factos alegados na p.l, eram não só controvertidos (v., neste sentido, o art.º 3º da contestação) como essenciais para a boa decisão da causa à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, pelo que não poderia o Tribunal a quo proceder à fixação da matéria de facto dada por provada apenas tendo em conta a versão factual apresentada pela entidade demandada e sem antes ter procedido à abertura de um período de prova destinado a permitir à A. provar a factologia por si alegada para fundamentar os vícios imputados, só podendo formar a sua livre convicção e fixar a factologia provada depois de realizada tal prova.
5° Consequentemente, ao fixar a matéria de facto constante dos nºs 6, 7,8, e 10 sem antes permitir à A. provar, através de um qualquer dos meios de prova legalmente admissíveis, os factos por si alegados em sustentação das Ilegalidades assacadas ao ato impugnado, o aresto em recurso violou o disposto no art.º 87° do CPTA e os direitos à igualdade das partes e à tutela judicial efetiva, consagrados nos artes 6° do mesmo diploma e 268°/4 da Constituição, Interpretando aquele primeiro preceito em sentido materialmente inconstitucional por violação do âmbito de proteção destes dois direitos.
6° Neste mesmo sentido, recorde-se que este douto Tribunal Central Administrativo Norte vem entendendo que do princípio da igualdade das partes decorre que se “... deva conceder às partes a possibilidade de nele fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra antes que este tome a sua decisão ...” (v. Ac do TCANORTE, de 28/3/2014, Proc. nº 316/10.8BECBR), no que é acompanhado pela nossa mais autorizada doutrina ao defender que a decisão judicial que denegar a uma das partes a possibilidade de provar os factos por si alegados e que são controvertidos e essenciais para o apuramento da causa viola frontalmente o princípio da tutela judiciai efetivo (v. CARLOS CADILHA, A prova em contencioso administrativo, CJA n" 690 pág. 49, e, no mesmo sentido, CARLOS CARVALHO, O juiz administrativo e o controlo jurisdicional da prova procedimental do processo disciplinar, CJA nº 101, pág. 23). Para além disso.
7° Ao dar por provados os factos constantes dos nºs 6, 7, 8,10, 11, 12, 13, 15, 16,17, 18, 19, 20, 21, 22 e 24 da factologia assente, o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento de facto por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, uma vez que tais factos não haviam sido alegados pelos partes nos articulados, não eram instrumentais nem notórios e nem sequer foram submetidos a prova e ao contraditório da Autora.
8° Refira-se, aliás, que, a circunstância de tais factos constarem eventualmente do processo Instrutor - o que se desconhece, pois nunca o Tribunal a quo notificou a Autora para se pronunciar sobre a junção do instrutor - jamais permitira que o Tribunal a quo os desse por provados sem que, previamente, tivesse submetido os mesmos a prova ou, no mínimo, ao contraditório da Autora, tanto mais que o instrutor não faz prova plena dos factos nele narrados e a factologia em causa era do completo desconhecimento da Autora, razão peta qual o seu surgimento como factos provados constitui uma verdadeira decisão- surpresa e uma denegação dos princípios do dispositivo e contraditório. Acresce, ainda, que,
9º Não só o Tribunal a quo não deu, ao arrepio do disposto no nº 4 do artº 607º do CPC, como provados ou não provados factos que eram absolutamente essenciais para a boa decisão da causa nada se sabendo sobre se a Câmara licenciou a utilização da construção recuada, se o projeto de arquitetura licenciado pela Câmara compreendia tal construção, da mesma forma que nada se decidiu sobre se tal construção recuada sempre estivera no uso exclusivo da fração da A. e se sempre teve o saneamento, luz e água dessa mesma fração", como a verdade é que a matéria de facto dada por assente é claramente insuficiente e obscura, uma vez que o Tribunal a quo considera legal uma ordem de demolição quando nem sequer sabe quais as áreas que estão afetas à fração V " da A. ", à fração X e às demais frações (v., neste sentido, o nº 10 da factologia dada por provada) e quando nem sequer deu por provado que obras foram efetuadas, quem as efetuou e onde as efetuou.
10º Semelhante comportamento do Tribunal a quo é, passe a expressão, a "prova provada" da desigualdade com que esse mesmo Tribunal tratou as partes em litígio, pois enquanto para a entidade demandada se dá por provado mesmo aquilo que ela não alegou" como supra se verificou -, já o que a A. alegou para sustentar os vícios imputados é considerado como matéria factual irrelevante, ao ponto de nem sequer valer a pena ao Tribunal a quo submete-la a prova e dá-la como provada ou não provada.
11º Para além disso, é verdadeiramente arrojado e revelador de imprudência que o Tribunal a quo tenha considerado legal a ordem de demolição com o argumento de o espaço ser comum e não privativo da fração da A. quando nem sequer se deslocou ao local, quando não ordenou qualquer perícia nem ouviu qualquer testemunha e quando é o primeiro a reconhecer que desde há muito existe uma dúvida sobre a natureza privativa ou comum do espaço em causa - ao ponto de o próprio Município ter dito em 2004 que o título constitutivo integrava o espaço em causa das frações da A.- e X - da Srª: C.M. (v. nº 20 da factologia dada por provada, podendo-se dizer que a Meritíssima Juiz a quo viu sem sequer sair do seu gabinete aquilo que nunca ninguém conseguira ver ao longo destes anos.
12° Consequentemente, seja por ter dado por provados factos em clara violação dos princípios da Igualdade, tutela judicial efetiva, contraditório e dispositivo, seja por incumprimento do nº 4 do artº 607º do CPC ou por insuficiência e obscuridade da matéria de facto, impõe-se anular a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo em cumprimento do disposto no art.º 662º do CPC. Acresce que.
13° O aresto em recurso Incorreu igualmente em erro de julgamento de direito ao julgar Improcedente o vício de prescrição do direito de ordenar o demolição com o argumento de que tal direito é imprescritível, pois não só estão sujeitos a prescrição todos os direitos que não sejam Indisponíveis e não sejam Isentos por lei (v., neste sentido, o art,º 298° do CCivil e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, Volume I, Artigos 1° a 761°, 48 Edição Revista e Atualizada, pp. 272 e 273) como a jurisdição administrativa já teve oportunidade de deixar bem claro que também os direitos reconhecidos por lei a pessoas coletivas públicas estão sujeitos aos prazos de prescrição constantes do Código Civil (v., neste sentido, o Ac. do TCASUL, de 07/1112013, Proc, nº 08867/12).
14° Consequentemente, estando provado que, pelo menos, desde 1988 a construção recuada alegadamente Ilegal tem existência e é do conhecimento do Município (v. nºs 8 e 9 da matéria de facto dada por provada) e sabendo-se que o Instituto da prescrição se fundamenta em razões de segurança e certeza jurídica (v., por todos, o Ac. do TCANORTE, de 9/9/2016, Proc. nº 0028/I4.0BEMDL) e que em parte alguma do DL nº 555/99 se prevê que o direito de ordenar a demolição esteja Isento de prescrição, muito naturalmente que em 2013 - data em que foi proferida a ordem de demolição impugnada (v. nº 34 da factologia assente) estava completamente ultrapassado o prazo geral de prescrição de 20 anos constante do artº 298º do Código Civil.
15° Refira-se, em abono do verdade, que o tese da imprescritibilidade do direito de ordenar o demolição sustentado pelo aresto em recurso represento uma inversão da ordem das coisas, pois enquanto o lei sujeito a prescrição todos os direitos que não sejam declarados por lei como Isentos de prescrição, o tribunal diz que como a lei não refere que o direito de ordenar a demolição está sujeito a prescrição ele é imprescritível, ou seja, diz exatamente o contrário do que está na lei. Por outro lado.
16º O aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, pois não só faz o milagre de ver dois terraços onde o título constitutivo apenas refere um, como interpretou tal título constitutivo de forma claramente errada, uma vez que o mesmo diferencia claramente a fração da A . bem como a fração X - das demais frações, considerando que tal fração (assim como a X) integra ainda um andar recuado à frente do qual existe um terraço que não serve de cobertura ao prédio e que fica afeto ao uso exclusivo da fração da A., o que significa que o único terraço que existe é no sexto piso e nele existe uma construção recuada que integra a propriedade da fração da A. (e outra que integra a propriedade da fração X), a qual tem ainda o uso exclusivo do terraço situado à frente de tal construção recuada.
17º De igual modo, incorreu ainda o aresto em recurso em claro erro de julgamento quando considerou que "todo o terraço do sexto piso constitui parle comum ", uma vez que o título constitutivo é bem claro ao determinar que o terraço não serve de cobertura ao prédio e a lei não deixa margem para dúvidas em como só são comuns os terraços que sirvam de cobertura (v. nº 1 do art," 1421° do CCivil).
18° Deste modo, face à Interpretação claramente errada do título constitutivo efetuada pelo Tribunal a quo e na ausência de qualquer outra prova - e, recorde-se, que o Tribunal a quo não realizou uma inspeção ao local, não solicitou qualquer prova pericial e nem sequer se deu ao trabalho de ouvir qualquer testemunha, muito naturalmente que este douto Tribunal de recurso apenas pode considerar que a construção recuada existente no 6º piso e à frente da qual existe um terraço Integra a propriedade da fração da A. ou, então, terá de decidir a presente causa tendo em atenção as regras que presidem à distribuição do ónus probatório, fazendo recair sobre a entidade demandada as consequências de não se ter provado que a construção que se mandou demolir fora feita em parte comum do edifício, uma vez que é hoje pacífico que “deve ser a Administração a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova da verificação dos pressupostos legais que permitem à Administração agir com autoridade ... " (v. Ac. do STA, de 26/01/2000, in CJA, nº 20, p. 44; v. Ac do STA, de 27/01/2010, Proc. nº 0978/09; v. Ac. do TCASUL, de 13/12/2005, Proc. nº 00287/04, e Ac. do TCANORTE, de 375/2012, Proc, nº 00209/08.9BEMDL; v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de atos administrativos, CJA, nº 20, p. 50).
Em qualquer dos casos,
19° O aresto em recurso sempre teria Incorrido ainda em erro de julgamento de direito ao não anular o ato impugnado por violação do nº 2 do art.º 106º do DL nº 555/99 e do princípio da proporcionalidade, uma vez que a ordem de demolição é a ultima ratio de que se pode socorrer a Administração e, portanto, não poderia o Município ordenar tal demolição em 2013 sem antes ter, ao menos questionado o condomínio se consentia na legalização de obras, sendo para esse efeito irrelevante o que 5 ou 10 anos antes havia sido deliberado por esse mesmo condomínio.
20° O aresto em recurso incorreu ainda em erro de julgamento de direito ao considerar que o ato impugnado estava fundamentado, uma vez que uma ordem de demolição só estará suficientemente fundamentada se determinar concretamente o que é que se tem de demolir, não cabendo ao administrado pôr-se a adivinhar o que é que deve demolir, sob pena de vir a demolir o que pertença a outras frações ou seja comum e a comprometer a própria segurança do prédio e dos seus habitantes.
21° Ora, nem o despacho Impugnado nem os pareceres de que se apropriou referem ou explicitam o que é que a Autora deveria ou estaria obrigada a demolir, o que se Impunha por maioria de razão no caso sub judice, seja por a Autora só ter adquirido a fração em 1999, seja por o próprio aresto em recurso ter dado por provado que as áreas afetas a cada fração não estavam bem definidas (v. n° 10 da factologia dada por provada), O que significa que a A. ou um destinatário normal terá de adivinhar o que é que deve demolir e corre o risco de vir o demolir o que esteja afeto o outra fração ou a comprometer com o demolição o segurança do edifício. Por fim,
22° O aresto em recurso também incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o vícios de violação do princípio da boa fé e o pedido Indemnizatório formulado a título subsidiário, uma vez que da factologia dada por provada pelo Tribunal a quo (v. nºs 8 e 9 da factologia assente), resulta que pelo menos desde 1988 o Município tinha conhecimento da pretensa ilegalidade da construção e não concretizou de imediato a ordem de demolição - até por entender que o espaço em causa integrava a propriedade privada da fração (v. nº 20 da factologia assente) -, tendo esperado que a Autora adquirisse a propriedade para só depois passar a defender o contrário do que antes defendera e pretender efetivar uma ordem de demolição que nunca efetivou enquanto outrem era o proprietário da fração.
23° Consequentemente, julga-se que mesmo com a singela e ilegal factologia dada por provada pelo Tribunal a quo resulta suficientemente demonstrada a violação do princípio da boa fé e a violação do dever de fiscalização e atuação que Impendia sobre o Município pelo menos desde 1988, o que consubstancia a prática de um ato ilícito e culposo por omissão e o responsabiliza pelos prejuízos daí decorrentes para a Autora, a qual nunca teria adquirido a fração em causa e pago o preço que pagou se o Município tivesse antes de 1999 concretizado a demolição e não tivesse até assegurado que a construção recuada integrava a respetiva fração de acordo com o título constitutivo.
Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença em recurso, com as legais consequências. Assim será cumprido o Direito.”

O Recorrido/Município veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 5 de junho de 2018, tendo concluído (Cfr. fls. 316 a 317vProcº físico):
“A) Não se verifica qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto aos vícios de violação do princípio da imparcialidade e o erro nos pressupostos por a Câmara ter alegadamente emitido a licença de utilização, alegados nos arts. 51º e 88º a 96º do petitório, quando a sentença na página 16 refere que, a propósito do princípio da imparcialidade, a autora lança meras suspeitas quanto à atuação do R. no caso concreto, pelo que tais considerações não serão aqui relevadas nem apreciadas autonomamente, e nas páginas 23 e 26 aprecia criticamente, julgando improcedente, o outro vício invocado.
B) Tendo o Tribunal a quo, por despacho saneador proferido em 3/10/2017, entendido que inexistiam factos controvertidos com relevância para a decisão da causa e, nessa medida, determinado a notificação das partes para alegar, e não tendo a autora recorrido desse despacho interlocutório com o recurso da decisão final nos termos previstos no art. 145º/3 do CPTA, não há como revogar esse despacho e concluir-se pela existência de factos controvertidos.
C) De resto, os factos que a autora têm por controvertidos têm por base uma interpretação errónea do título constitutivo, pois associa a construção recuada à construção erigida em zona comum no 6º piso em vez de associar à sua fração recuada no 5º piso.
D) Acresce que tais putativos factos controvertidos (relativos a um licenciamento) só podem ser demonstrados através de documentos autênticos e nem a autora apela a qualquer documento que demonstre tais factos nem os documentos constantes do revelam qualquer licenciamento concedido para a construção erigida no último piso do prédio.
E) Seja por apelo às normas dos artigos 5º, 6º, e 413º do CPC, seja por apelo às normas do contencioso administrativo que consagram amplos poderes inquisitórios mais amplos do que aqueles que são conferidos em processo civil (de tal modo que “o tribunal pode tomar em consideração os elementos probatórios constantes do processo, não porque eles se reportem apenas a factos instrumentais e se justifique o uso da faculdade prevista no artigo 6º, nº 1 do CPC, mas porque a utilização dos documentos constantes do processo instrutor se enquadra no âmbito dos poderes inquisitórios que se encontram especialmente atribuídos ao juiz administrativo no âmbito desse forma do processo ”- anotação 3 ao art. 84º do Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, 2017, 4ª edição), seja ainda por confronto com os articulados, facilmente se conclui que a autora não tem razão quanto alega que os factos constantes dos pontos 6 a 8º, 10 a 13º, 15º a 22 e 24º não foram alegados pelas partes nos seus articulados nem foram sujeitos a prova no decurso do processo. Com efeito, apura-se que tais factos ou foram alegados pelo réu na sua contestação ou complementam esses factos e constam, todos eles, do processo administrativo.
F) Também não assiste razão à recorrente quando se insurge pelo facto de “aresto em crise nem sequer referiu quais os factos que considerava como não provados, antes tendo dito que não havia qualquer factologia relevante a considerar como não provada”. É que contrariamente ao que atualmente dispõe o art. 94º/3 do CPTA, que obriga que na sentença se discriminem “os factos provados e não provados”, deve atender-se à redação do art. 94º/2 antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 214-G/2015 de 2 de Outubro, conforme resulta do art. 15º, nº 2 deste Decreto. E esse art. 94º/2 dispunha apenas que “Os fundamentos podem ser formulados sob a forma de considerandos, devendo discriminar os factos provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”. Assim, é liquido concluir-se que a lei aplicável apenas impõe que a sentença discrimine os factos provados, não exigindo a indicação dos factos não provados.
G) Acrescenta ainda recorrente que “o Tribunal a quo não deu por provado nem por não provado que a Câmara Municipal tenha licenciado a construção e que tenha emitido a licença de utilização”. Conclusão inversa se retira, porém, da leitura do ponto 7 dos factos provados.
H) Sobre a tese da prescrição do “direito” de ordenar a demolição, convém ter presente que a autarquia atua ao abrigo de normas de direito público, ou seja, normas que regulam as relações que se estabelecem entre o Estado ou outros entes públicos investidos do seu ius imperii e os particulares, pelo que de todo tem aplicabilidade o instituto privado da prescrição à ordem administrativa de demolição. Por outro lado,
I) A prescrição está contemplada para aplicação no âmbito dos direitos subjetivos e só há direito subjetivo quando o exercício do poder está dependente da vontade do seu titular. Ora, a autarquia não é livre de agir ou não agir pois atua no exercício de um dever de prossecução da legalidade urbanística (art. 3º do CPA) e no exercício de um poder de conteúdo vinculado. Não pode falar-se com rigor de qualquer direito que o R. possa exercer ou não. Em sentido próximo ao aqui defendido, veja-se o Ac. Trib. Rel. Porto, processo 9577/08.1TBVNG.P1, de 05/07/2011, disponível em www.dgsi.pt.
J) Contrariamente ao que sustenta a autora recorrente, o Tribunal não produziu o “milagre de ver ali dois terraços” nem considerou unicamente o título constitutivo da propriedade horizontal para concluir que o 6º piso é parte comum do prédio.
K) Além do título, considerou as fotografias juntos pelo réu e não impugnadas, a planta que consta do processo de licenciamento, mas igualmente a visita dos fiscais ao local, as reuniões de condóminos e as demais diligências documentadas no processo administrativo.
L) O título da propriedade horizontal é muito claro na referência, não a dois, mas a 3 terraços: 1 terraço em frente à fração V, afeto ao uso exclusivo desta;1 terraço em frente à fração X. afeto ao uso exclusivo desta; 1 terraço no último piso, dividido em 3, afeto ao uso exclusivo das frações V, X e demais frações. A autora não é proprietária de qualquer fração recuada que se situe no 6º piso, ou seja, no terraço que não serve de cobertura ao edifício. Em boa verdade, a sua fração recuada situa-se no 5º piso e tem um terraço em frente afeto ao seu uso exclusivo.
M) Os factos demonstram que a alegada violação do art. 102º/2 do RJUE não ocorre, pois como se disse supra, a construção existente no terraço do último piso do prédio nunca foi licenciada ou aprovada pela câmara municipal.
N) Sobre a inexistência de qualquer impossibilidade de legalização da obra, não pode o R. deixar de estar mais de acordo com a A. que, todavia, tem protelado a resolução da questão que deve ser dirimida nos tribunais comuns com os demais condóminos. O que não pode querer é que a autarquia nada faça perante uma construção clandestina relativamente à qual a autora nada faz para promover a sua legalização.
O) Quanto à falta de fundamentação, estranha-se que a A. invoque este vício, quando simultaneamente impugna os fundamentos da notificação que lhe foi dirigida, ao longo do seu petitório e quando em sede de audiência prévia, sem questionar o que, incompreensivelmente agora questiona, admite mesmo que “tal demolição só poderá ocorrer depois de se ter a absoluta certeza de que o espaço onde foram edificadas as obras que se projetam mandar demolir integra as partes comuns do edifício”, o que denota ter plena consciência daquilo que lhe compete demolir. No mais, acompanha-se a douta intervenção do Ministério Público em 1ª instância, que no seu parecer é bastante exaustivo a demonstrar a falta de fundamento da alegação deste vício.
Termos em que, sempre com douto suprimento de V. Exas., deve o recurso improceder.”
O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 7 de junho de 2018.
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 19 de junho de 2018 (Cfr. fls. 318 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a necessidade de verificar se ocorrerão os vícios suscitados, mormente a nulidade da Sentença, o Erro na fixação da matéria de facto e o invocado erro de julgamento da matéria de direito, sendo que o Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
“Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1) A A. é proprietária da fração “V”, correspondente ao 5.º andar recuado-esquerdo do prédio sito na Rua (...), 1.º-A, na cidade da (...), tendo adquirido tal fração em 21/04/1999 ao anterior proprietário (cfr. doc. de fls. 38 a 44 do suporte físico do processo).
2) A fração “V” faz parte do prédio urbano constituído em propriedade horizontal no dia 18/04/1986 (cfr. doc. de fls. 45 a 53 do suporte físico do processo).
3) Consta do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio urbano em causa, além do mais, que este é “composto de subcave, cave, rés-do-chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto andares e um terraço que não serve de cobertura ao prédio” e que à fração “V” corresponde o “quinto andar recuado-esquerdo, destinado a habitação, com um terraço em frente afeto ao seu uso exclusivo”, mais referindo que “o mencionado terraço que não serve de cobertura ao prédio fica afeto ao uso exclusivo destas frações pela seguinte forma: - o primeiro do lado nascente afeto ao uso da fração “V”; o segundo do lado nascente afeto ao uso da fração “X”; e o terceiro do lado nascente afeto ao uso das restantes frações” (cfr. doc. de fls. 45 a 53 do suporte físico do processo).
4) O quinto andar recuado, onde se situam as frações “V”, propriedade da A., e “X”, correspondente ao quinto andar recuado-direito, é composto por dois terraços, um em frente a cada uma das referidas frações, e que estão afetos ao seu uso exclusivo (cfr. planta de fls. 118 do processo administrativo e docs. de fls. 109 a 112 do suporte físico do processo).
5) O terraço que não serve de cobertura ao prédio situa-se no 6.º piso do mesmo prédio (cfr. planta de fls. 119 do processo administrativo e docs. de fls. 109 a 112 do suporte físico do processo).
6) O referido terraço do 6.º piso que não serve de cobertura ao prédio dispõe de uma cobertura ou teto que vem representado por uma linha tracejada na planta que constitui fls. 120 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. ainda docs. de fls. 109 a 112 do suporte físico do processo).
7) De acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal da (...) e que instruiu o pedido de viabilidade da constituição do prédio em propriedade horizontal, no terraço situado no 6.º piso não existia qualquer divisão, sendo o mesmo composto apenas pelas paredes, porta e janela representados na planta que constitui fls. 119 do processo administrativo, que delimitavam o acesso às escadas (cfr. ainda docs. de fls. 102 a 121, 385 e 448 do processo administrativo).
8) Em data não concretamente apurada, foram construídas paredes e foi colocado envidraçado na zona envolvente ao terraço do 6.º piso, criando-se um espaço fechado que era utilizado pelo condomínio como sala de reuniões e de recreio (cfr. doc. de fls. 200 do processo administrativo).
9) Por despacho proferido em 03/01/1988, foi ordenada a demolição do envidraçado colocado na zona envolvente ao terraço do 6.º piso, o que motivou o requerimento do então administrador do condomínio, de 22/02/1989, a solicitar a revogação da referida decisão (cfr. doc. de fls. 200 do processo administrativo).
10) Até, pelo menos, ao ano de 1997, este espaço fechado no terraço do 6.º piso não se encontrava dividido interiormente nem estavam definidas as áreas que se encontravam afetas ao uso exclusivo da fração “V”, da fração “X” e das restantes frações, sendo tal situação motivo de discórdia entre os condóminos (cfr. docs. de fls. 151, 210 a 213, e 313 a 320 do processo administrativo).
11) Da ata da reunião do condomínio do prédio em referência, realizada em 03/04/1997, consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Seguidamente a Administrador passou ao ponto 3) – Afetação da área ao condomínio, no terraço.
Deu conhecimento que a área total do terraço é de cerca de 150 m2 e que dos contactos efetuados com os condóminos que não tinham estado presentes na reunião anterior, estes são de opinião que a divisão deveria ser feita em partes iguais. Esta circunstância obviamente não obteve a aprovação do Sr. J.M. e da D. C.M., atendendo a que consideravam que as áreas já tinham ficado definidas na reunião anterior.
A D. C. P. contrariou esta argumentação, na medida em que só agora se estava a falar em áreas. Referiu que na reunião anterior, a Dra. L.M. apelou ao consenso entre as partes, no sentido de haver entendimento nesta matéria sugerindo um determinado espaço que poderia ficar situado entre as duas janelas imediatamente a seguir à porta do lado sul, onde habitualmente se fazem as reuniões. Esta proposta porém teria que ser aceite pelos condóminos que não se encontravam presentes.
O Dr. R.P apelou mais uma vez ao consenso e boa vontade de todos na resolução definitiva deste assunto.
Dada a inflexibilidade dos proprietários do quinto andar na divisão em partes iguais, foi fixada a área de 30 m2, ficando as despesas a cargo do condomínio, do Sr. J.M e da D. C.M., em partes iguais. (…)”
(cfr. doc. de fls. 212 e 213 do processo administrativo).
12) Da ata da reunião do condomínio do prédio em referência, realizada em 26/03/1999, consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Seguidamente deu a palavra ao Sr. S. que esclareceu porque pediu a reunião.
Informou que tinha ido à Câmara Municipal saber a situação do terraço.
Apresentou um esboço de alteração ao projeto do prédio, que carecia da aprovação de 2/3 do condomínio.
Este esboço de projeto prevê uma entrada direta do seu andar para o terraço, através de escada interior e construção de casas de banho.
Interveio a D. C. P. que discordou do esboço apresentado, dizendo que as frações do 5.º andar apenas têm a afetação de parte do terraço e não a sua posse, pelo que, em seu entender, obras desta envergadura descaracterizavam o sentido do que se encontra definido na escritura de propriedade horizontal, pondo em causa a permilagem estabelecida.
(…) Assim, a proposta foi rejeitada por maioria”
(cfr. doc. de fls. 201 do processo administrativo).
13) Por requerimento que deu entrada nos serviços do R. em 30/06/1999, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal, uma das condóminas do prédio em causa informou que “o novo proprietário da fração do 5.º andar esquerdo (…) está a executar obras de vulto, no terraço que fica por cima do seu apartamento, aproveitando o espaço que lhe está afeto para uso exclusivo, onde instalou gás, água e luz, bem como pavimento e outras obras, alterando por completo o título constitutivo passado pela Câmara. / As obras em causa contrariam não só o que se encontra estabelecido em matéria de escrituras, como evidencia um claro desrespeito às decisões tomadas e aprovadas em Assembleia de Condóminos, sobre ocupação do espaço destinado ao terraço (…). / Em face do exposto, solicito os bons ofícios de V. Ex.ª no sentido de mandar tomar as medidas que achar convenientes, com vista à reposição inicial do terraço de acordo com o projeto aprovado por essa Câmara Municipal e posterior pedido de vedação” (cfr. doc. de fls. 202 do processo administrativo).
14) Na sequência da exposição a que se refere o ponto anterior, os serviços de fiscalização do R. procederam a uma vistoria do prédio urbano em causa, nomeadamente ao terraço do 6.º piso (cfr. docs. de fls. 203 a 208 do processo administrativo).
15) Da ata da reunião do condomínio do prédio em referência, realizada em 21/01/2000, consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Sobre este assunto a D. C. P. deu conta do motivo que a levou a apresentar o requerimento na Câmara que foi apenas o de travar as intenções do Sr. S. de executar as obras de alteração no terraço do prédio e que, de acordo com o projeto que tinha apresentado, tratava-se de construir quase outro apartamento por cima da sua fração, onde não faltava casa de banho, escada de acesso privativo, ligações de água, gás e eletricidade, toldos ou portadas na vidraça, etc.
Todas estas obras não foram aprovadas pelos condóminos presentes na reunião por ele solicitada em 26 de março/99 e contrariamente ao deliberado nesta reunião o Sr. S. persistiu no avanço das obras, construindo uma parede de tijolo, paralela à de itong e fazendo as ligações que entendeu.
O Sr. N. tomou a palavra, dizendo que o Sr. S. foi informado da situação do terraço, que havia sido dividido particularmente e com a finalidade de se conseguir manter uma sala para as reuniões do condomínio, com alguma privacidade, tendo-se chegado a acordo com os proprietários das frações do 5.º andar, da altura, Sr. M. e Sr. J.M, com a divisão com que se encontrava presentemente e que aqueles espaços apenas podem ser considerados arrumos e nada mais. Contudo na altura do debate desta questão, foi chamada a atenção para o risco que se corria, pelo facto do terraço não constar do projeto aprovado pela Câmara e a todo o momento todas as obras poderiam ser postas em causa.
O Sr. S. insiste que quando comprou o seu andar lhe foi informado que poderia construir um T2 por cima do seu andar, com acesso direto e que, em seu entender pode fazer obras, por considerar serem obras de interior.
Dado o extremar de posições a que se chegou, relativamente ao problema do terraço, entre o condomínio e os proprietários do 5.º andar, foi sugerido pelo Sr. C. que o condomínio contactasse um advogado independente às partes, para se sair deste impasse, com o mínimo de prejuízo para o condomínio” (cfr. doc. de fls. 214 e 215 do processo administrativo).
16) Pelo ofício n.º 016683 de 17/07/2001, subscrito pela Chefe de Divisão de Licenciamentos da Câmara Municipal da (...), foi a administração do condomínio do prédio em causa notificada “para, no prazo de 30 dias úteis contados do dia seguinte à receção do presente ofício, apresentarem nestes Serviços projeto devidamente instruído nos termos da lei tendo em vista a eventual legalização das obras efetuadas no terraço do edifício acima identificado, sob pena de esta Câmara Municipal poder vir a ordenar a respetiva demolição” (cfr. doc. de fls. 222 do processo administrativo).
17) Por requerimento que deu entrada nos serviços do R. em 01/02/2002 e dirigido ao Presidente da Câmara Municipal, veio a administração do condomínio informar que, “atendendo a que a forma de utilização dos terraços nunca foi consensual, os restantes Condóminos que representam 49% do condomínio rejeitaram a solução de legalização e votaram favoravelmente à outra via sugerida pela Câmara, ou seja, a demolição das alterações repondo a situação inicial licenciada, de acordo com o projeto aprovado (…), procedendo-se posteriormente à retificação da escritura de constituição da propriedade horizontal” (cfr. doc. de fls. 249 do processo administrativo).
18) Pelo ofício n.º 22065 de 03/10/2003, foi a administração do condomínio novamente notificada “para, no prazo de 30 dias, (…) pronunciar-se sobre a intenção de apresentação de projeto para eventual legalização, sob pena de indeferimento e procedimento de demolição” (cfr. doc. de fls. 260 do processo administrativo).
19) Em resposta ao ofício que antecede, veio a administração do condomínio informar, por requerimento que deu entrada em 04/11/2003, “que a deliberação aprovada por maioria, na Assembleia Geral de Condóminos, realizada no passado dia 26 de janeiro de 2002, não sofreu alteração” (cfr. doc. de fls. 264 do processo administrativo).
20) Pelo ofício n.º 2100 de 22/01/2004, foi a administração do condomínio notificada de que, em conformidade com o despacho do Presidente da Câmara Municipal de 23/12/2003, “deverá acionar juridicamente acerca da posse de coisa comum, para efeitos de eventual contradição dos registos em sede de propriedade horizontal que atribui o espaço às frações já referenciadas da Sra. C.I.C.F.M. e E.M.S. S.” (cfr. doc. de fls. 63 do suporte físico do processo).
21) Pelo ofício n.º 021568 de 29/11/2006, foi a administração do condomínio novamente notificada “para no prazo de 45 dias (…), apresentar uma ata da reunião de condomínio atualizada, na qual deverá estar deliberada a autorização ou não para legalizar as obras existentes nos terraços” (cfr. doc. de fls. 290 do processo administrativo).
22) Em 23/10/2008 a administração do condomínio apresentou uma reclamação junto do Gabinete de Atendimento ao Munícipe da Câmara Municipal da (...), sob o assunto “Obras sem o consentimento da Assembleia de Condomínio (Proc. 3445/83)”, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“Na presente data o Condomínio supra mencionado vem rogar a V.as Ex.as para que procedam a uma fiscalização, com caráter urgente, ao nosso prédio, pois estão novamente a ser realizadas obras que, não tendo sido nunca autorizadas pela assembleia de condomínio, violam a lei civil e os direitos legítimos e interesses dos condóminos. Essas obras estão a ser realizadas no terraço afeto a uma das frações, conforme o proprietário reclama, mas, e reitera-se, sem autorização para realizar quaisquer obras.
O direito de construir sobre o terraço pertence a todos os condóminos e não, apenas, ao proprietário da fração a que porventura esteja afetado, ainda que em regime de exclusividade. Se se pretende implantar a construção em parte comum, a obra só poderia estar a ter lugar desde que, no cumprimento da lei, houvesse autorização dos condóminos para isso. Mas a assembleia nunca deliberou nenhuma autorização para as obras que se estão a realizar, assim em violação clara da lei e dos interesses legítimos dos condóminos.
O que ora reportamos/reclamamos é também, e desde já, que estas inovações que estejam a ocorrer diariamente, em prejuízo dos condóminos que nelas não consentiram, sejam interrompidas e as que entretanto se tenham realizado sejam desfeitas e reposta a legalidade.
Reclamamos assim para requerer, e para que seja reposta a legalidade, a vistoria/fiscalização ao terraço do nosso prédio onde se encontra a situação reportada, pois nunca a assembleia reunida deliberou consentir ou autorizar nas obras que ali se estão a realizar”
(cfr. doc. de fls. 302 e 303 do processo administrativo).
23) Em conformidade com o solicitado, os serviços de fiscalização do R. deslocaram-se ao local, tendo sido elaborada informação em 04/11/2008 nos termos da qual se concluiu “nunca terem sido autorizadas quaisquer tipos de obras para a individualização dos terraços do prédio em questão” (cfr. doc. de fls. 18 do processo administrativo referente ao pedido de vistoria).
24) Por requerimento de 28/01/2009, veio a administração do condomínio requerer novamente junto do R. a demolição da estrutura construída no terraço do 6.º piso (cfr. doc. de fls. 304 e 305 do processo administrativo).
25) Pelo ofício n.º 016095 de 18/08/2009, foi E.M.S.S., marido da ora A., notificado “para repor o terraço coberto de acordo com o projeto aprovado, no prazo de sessenta dias, (…) sendo que, em caso de incumprimento, os trabalhos poderão ser executados pela Câmara Municipal a suas expensas” (cfr. docs. de fls. 373 e 374 do processo administrativo).
26) Pelo ofício n.º 020464 de 27/10/2009, foi E.M.S. S. novamente notificado do seguinte:
“Relativamente ao processo mencionado em epígrafe, e em conformidade com o despacho datado de 2009.10.20 do Chefe de Divisão de Licenciamentos, informa-se V. Ex.ª que segundo o projeto aprovado consta apenas um terraço coberto no último piso sem estar encerrado lateralmente.
Face ao exposto, mantém-se a notificação anterior no sentido de ser reposta a obra de acordo com o projeto aprovado, dado que não foi obtida a autorização do condomínio para proceder à eventual legalização do encerramento lateral do terraço”
(cfr. docs. de fls. 385 e 386 do processo administrativo).
27) Em 14/02/2011 a Divisão Jurídica e de Contratação Pública do R. elaborou a informação n.º DU 3445/83, pela qual foi proposta a notificação de “cada um dos proprietários dos anexos construídos sem licença, incluindo a administração de condomínio relativamente ao anexo que funciona como sala de reuniões, para procederem à demolição dos mesmos nos termos do artigo 106.º do RJUE, uma vez que a Câmara só o poderá fazer caso os proprietários não a façam voluntariamente”, informação que obteve o despacho de concordância de um dos Vereadores da Câmara Municipal, proferido em 18/02/2011 (cfr. doc. de fls. 451 a 455 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
28) Pelo acórdão deste Tribunal de 05/07/2012, prolatado na ação administrativa especial que correu termos sob os processos apensados n.º 243/11.1BECBR e n.º 260/11.1BECBR, foi declarado nulo o despacho do Vereador da Câmara Municipal proferido em 18/02/2011, referido no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 69 a 76 do suporte físico do processo).
29) Pelo ofício n.º 10410 de 10/10/2012, na sequência da declaração de nulidade do despacho de 18/02/2011, foi E.M.S. S. notificado para se manifestar sobre a intenção de ser ordenada a demolição das obras no prazo de 30 dias, sob pena de a mesma, não sendo cumprida voluntariamente, ser executada através da autarquia, a expensas do infrator, tendo sido junta cópia da informação n.º DU 3445/83, de 14/02/2011 (cfr. doc. de fls. 494 do processo administrativo).
30) A ora A., na qualidade de viúva de E.M.S.S., exerceu o respetivo direito de audiência prévia, em 26/10/2012, requerendo a reformulação do projeto de decisão que se pretendia adotar, substituindo-o por outro que determinasse a sua suspensão enquanto as instâncias judiciais não se pronunciassem sobre a natureza comum ou privativa do espaço onde as construções foram edificadas (cfr. doc. de fls. 498 a 500 do processo administrativo).
31) Em 21/11/2012 foi elaborado parecer sobre os fundamentos apresentados pela A. em sede de audiência prévia, tendo-se concluído pela sua improcedência e pela manutenção do projeto de ordem de demolição (cfr. doc. de fls. 502 a 504 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
32) Em 11/12/2012 o Vereador do Pelouro, no uso de competências delegadas, proferiu o seguinte despacho, com base no parecer que antecede: “Proceda-se” (cfr. doc. de fls. 504 do processo administrativo).
33) Em 04/01/2013 foi elaborada pela Divisão de Gestão Urbanística do R. a informação n.º 37/DMU/DGU-GZ1/2013, com o seguinte teor:
“(…) Compulsado o processo, não há dúvida que foram executadas obras sem licença municipal, e igualmente sem autorização do condomínio qualificando-se estas como obras de inovação por se situarem em espaços comuns do prédio, de acordo com a certidão da PH existente da edificação em apreço.
Concordando, na generalidade, com o teor do parecer jurídico subscrito pelo Sr. Dr. A.R. (…), que conclui por não atender às exposições apresentadas em sede de audiência prévia do projeto de decisão da ordem de demolição, sou de opinião que, não tendo dado entrada no processo, até à presente data, qualquer ação judicial de reconhecimento de direito de propriedade sobre os espaços em causa, quer por parte do condomínio do prédio contra as munícipes, ou destas contra o condomínio, (…) se notifiquem a viúva do Sr. Eduardo Manuel Santos S. (D.ª Maria Isabel Esteves Santos S.) e a Sr.ª C.I.C.F.M. a procederem à demolição das obras em causa no prazo de 30 dias nos termos do n.º 1 do art.º 106.º do RJUE, sob pena de, não cumprindo voluntariamente, as mesmas serem executadas através dos serviços camarários a suas expensas” (cfr. doc. de fls. 505 do processo administrativo).
34) Pelo ofício n.º 2215 de 04/03/2013, foi a A. notificada do despacho de 11/12/2012, nos seguintes termos:
“Em cumprimento do despacho do Vereador do Pelouro, de 11/12/2012, no uso de competências delegadas, da sentença do TAFC, dos antecedentes do processo e face ao parecer jurídico do qual se envia cópia, notifica-se V. Ex.ª para, no prazo de 30 dias a contar do dia seguinte da receção da presente notificação, proceder à demolição das obras executadas sem a devida licença municipal” (cfr. doc. de fls. 506 do processo administrativo).
35) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 04/04/2013 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo).
36) Não foi intentada nenhuma ação, no tribunal materialmente competente, para definição do direito de propriedade sobre o espaço no qual foram edificadas as obras objeto da ordem de demolição.
Factos não provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.

IV – Do Direito
Analisemos então sucessivamente os suscitados vícios:
Da nulidade da sentença
Alega a recorrente que a sentença proferida no Tribunal a quo não se terá pronunciado relativamente a dois dos vícios suscitados, a saber, a violação do princípio da imparcialidade e o erro nos pressupostos em virtude de supostamente o Município ter emitido a licença de utilização.
Mal se compreende o suscitado, quando é patente que na Sentença recorrida se afirma expressamente que “Relativamente aos considerandos tecidos nos arts. 45.º a 51.º da petição inicial, a A. limita-se a alegar genericamente a violação de determinados princípios da atividade administrativa, nomeadamente do princípio da imparcialidade, lançando meras suspeitas quanto à atuação do R. no caso concreto, pelo que tais considerações não serão aqui relevadas nem apreciadas autonomamente”.
É manifesto que as imputações da Recorrente têm natureza meramente conclusiva, ao que acresce que o Tribunal a quo não deixou de apreciar a alegada violação da lei por erro nos pressupostos, relativamente à licença, afirmando sintomaticamente que “Mais alega que o ato erra nos seus pressupostos porque a autarquia licenciou a dita construção recuada, a qual consta do projeto de arquitetura que foi licenciado pela Câmara Municipal,” e que “Quanto ao alegado licenciamento da dita construção no terraço do 6.º piso, a qual constaria do projeto de arquitetura que foi licenciado pela Câmara Municipal, também aqui os factos provados demonstram, com clareza, que as obras foram efetivamente executadas sem a necessária licença municipal.
Com efeito, de acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal da (...) e que instruiu o pedido de viabilidade da constituição do prédio em propriedade horizontal, no terraço situado no 6.º piso não existia qualquer divisão, sendo o mesmo composto apenas pelas paredes, porta e janela representados na planta que constitui fls. 119 do processo administrativo, que delimitavam o acesso às escadas. Apenas posteriormente, em data não concretamente apurada, vieram a ser construídas paredes e foi colocado envidraçado na zona envolvente ao terraço do 6.º piso, criando-se um espaço fechado que era utilizado pelo condomínio como sala de reuniões e de recreio, situação que motivou o despacho de 03/01/1988, ordenando, já nessa data, a demolição do envidraçado colocado na zona envolvente ao terraço do 6.º piso (cfr. pontos 7 a 9 dos factos provados).
Acresce que essa falta de licenciamento e a não previsão das obras no projeto de arquitetura que inicialmente fora licenciado pela Câmara Municipal era já do conhecimento do marido da A. pelo menos desde a reunião de condomínio realizada em 21/01/2000, na qual foi debatida a intenção “do Sr. S. de executar as obras de alteração no terraço do prédio e que, de acordo com o projeto que tinha apresentado, tratava-se de construir quase outro apartamento por cima da sua fração, onde não faltava casa de banho, escada de acesso privativo, ligações de água, gás e eletricidade, toldos ou portadas na vidraça, etc.” Aí foi afirmado que “todas estas obras não foram aprovadas pelos condóminos presentes na reunião por ele solicitada em 26 de março/99 e contrariamente ao deliberado nesta reunião o Sr. S. persistiu no avanço das obras, construindo uma parede de tijolo, paralela à de itong e fazendo as ligações que entendeu”, sendo que “o Sr. S. foi informado da situação do terraço, que havia sido dividido particularmente e com a finalidade de se conseguir manter uma sala para as reuniões do condomínio, com alguma privacidade, tendo-se chegado a acordo com os proprietários das frações do 5.º andar, da altura, Sr. M. e Sr. J.M, com a divisão com que se encontrava presentemente e que aqueles espaços apenas podem ser considerados arrumos e nada mais. Contudo na altura do debate desta questão, foi chamada a atenção para o risco que se corria, pelo facto do terraço não constar do projeto aprovado pela Câmara e a todo o momento todas as obras poderiam ser postas em causa” (cfr. ponto 15 dos factos provados).
Pelo exposto, improcede o vício de violação de lei por erro nos pressupostos.”

Insistindo a Recorrente em partir de um pressuposto inexistente relativamente ao suposto licenciamento do edificado, tal evidência a inverificação da suscitada nulidade da sentença.

Da errada fixação da matéria de facto
Entende a recorrente que os autos denotam a existência de matéria de facto controvertida e que deveria ter sido fixado um período de produção de prova, nos termos da al. c) do nº 1 do art. 87º do CPTA.

Vejamos:
Fixou-se no despacho saneador de 3/10/2017:
“Inexistem factos controvertidos com relevância para a boa decisão da causa, pelo que se determina a notificação da A. para, querendo, apresentar alegações, no prazo de 20 dias, e, após, a notificação do R. para, no mesmo prazo, usar de igual faculdade, nos termos do art. 91º, nº 4 do CPTA”.
Há desde logo uma questão incontornável que resulta do facto de estarmos perante uma Ação Administrativa Especial, no âmbito de aplicação do anterior CPTA, em face do que a inquirição de testemunhas se mostrava meramente residual, mormente como no presente caso em que as partes não arrolaram testemunhas nos seus articulados iniciais, ao que acresce o facto de, em concreto, a prova se mostrar predominantemente documental.
Perante a prova documental disponível, competiu ao tribunal recorrer legitimamente à sua livre apreciação, por forma a concluir como concluiu que a mesma se mostrava suficiente e adequada para a decisão a proferir, à luz do Artº 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Aliás “(…) O tribunal pode (…) considerar que não existem factos controvertidos necessitados de prova, abstendo-se, nesse caso, de efetuar a seleção da matéria de facto e remetendo o processo diretamente para alegações escritas quando as partes delas não tenham prescindido. Pode ainda indeferir os requerimentos de prova que tenham sido formulados pelas partes (art. 90º nº 2).” (cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., 2007, p. 521)

Entendeu pois o tribunal a quo, como decorre dos arts. 87.º, n.º 1, al. c) e 90.º, n.º 1, do CPTA, considerar que a matéria de facto disponível era adequada, sendo assim suficiente para proferir decisão e, nesta medida, desnecessária a prática de outras diligências probatórias, designadamente, o recurso à prova testemunhal, a qual, repete-se, não foi arrolada.

Na análise e ponderação dos processos, compete ao juiz, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil, dilatória, redundante ou desnecessária.

Tendo o tribunal a quo entendido que a prova disponível, designadamente documental, se mostrava adequada e suficiente para dirimir as questões controvertidas, e não tendo a Recorrente logrado demonstrar o inverso, que não por via de afirmações meramente conclusivas, refira-se desde já que não se mostra censurável a conduta adotada, reiterando-se assim o discorrido no acórdão deste TCAN no Procº nº 420/07BEVIS-A, 22-01-2016.

Sem prejuízo do precedentemente afirmado, por estar em causa uma decisão interlocutória, ao se considerarem inexistir factos controvertidos, qualquer das partes, não se conformando com tal apreciação, sempre teria de impugnar a mesma de imediato, sob pena da questão ficar, como ficou, ultrapassada e consolidada na ordem jurídica - art. 142, nº 5 do CPTA.

Por outro lado, a alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
Efetivamente, ao tribunal superior apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, o que se não vislumbra, mormente enquanto erro de julgamento, muito menos, patente, ostensivo palmar ou manifesto.
Do erro na fixação da matéria de facto - Violação dos princípios do dispositivo e do contraditório
Nos termos do nº 1 do art. 5º do CPC é manifesto que recai sobre as partes o ónus de alegação relativamente aos factos essenciais invocados, cabendo acrescidamente ao tribunal complementá-los em função da instrução processual efetuada, pois que, nos termos do art. 413º do CPC “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…)”.

Efetivamente, nos termos do Contencioso Administrativo vigente, na ação administrativa o tribunal pode acrescidamente tomar em consideração os elementos probatórios constantes do processo instrutor, uma vez que a utilização desses documentos se insere no âmbito dos poderes inquisitórios que se encontram especialmente atribuídos ao juiz administrativo.

A qui chegados, a Recorrente contesta o facto de ter sido considerada factualidade não suscitada nos articulados, o que terá comprometido supostamente o contraditório.
Em qualquer caso, como se viu já, nos processos impugnatórios o juiz pode socorrer-se do processo administrativo no âmbito dos seus poderes inquisitórios, processo ao qual a contraparte tem acesso, nada obstando a que possam legitimamente vir a ser dados como provados, factos suportados em documentos constantes do PA.
Assim, não se reconhece qualquer erro na fixação da matéria de facto por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório.

Da insuficiência da matéria de facto.
Contesta ainda a recorrente que o “aresto em crise nem sequer referiu quais os factos que considerava como não provados, antes tendo dito que não havia qualquer factologia relevante a considerar como não provada”.

Sublinha-se desde já que refere o nº 2 do Artº do Decreto-Lei 214-G/2015 de 2 de Outubro, que alterou o CPTA que “As alterações efetuadas pelo presente decreto-lei ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2003, de 19 de fevereiro, 59/2008, de 11 de setembro, e 63/2011, de 14 de dezembro, só se aplicam aos processos administrativos que se iniciem após a sua entrada em vigor.

Assim sendo, uma vez que os presentes autos se encontravam já em tramitação aquando da entrada em vigor do referido CPTA, ser-lhe-á aplicável o anterior.

Referia então o art. 94º/2 do CPTA aqui aplicável que “Os fundamentos podem ser formulados sob a forma de considerandos, devendo discriminar os factos provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.

É patente que a enunciação dos factos na decisão aqui em apreciação não colide com os princípios emanados do CPTA aplicável, uma vez que não exigia a indicação dos factos não provados.

Invoca ainda a Recorrente que “o Tribunal a quo não deu por provado nem por não provado que a Câmara Municipal tenha licenciado a construção e que tenha emitido a licença de utilização”.

Em qualquer caso, é manifesto que o Facto Provado 7 contraria o afirmado, referindo expressamente que “De acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal e que instruiu o pedido de viabilidade da constituição da propriedade horizontal, no terraço situado no 6º piso não existia qualquer divisão, sendo o mesmo composto apenas pelas paredes, porta e janela representados na planta que constitui fls. 119 do processo administrativo, que delimitavam o acesso às escadas”.

DO ERRO DE JULGAMENTO.
Da prescrição
Vem a Recorrente insistir na tese da prescrição, o que já foi abordado e contrariado na decisão recorrida. Aí se afirmou que
“Entende a A. que o direito (e o dever) de ordenar a demolição e de demolir uma obra não perdura ad eternum, devendo ser obrigatoriamente exercido pela Câmara Municipal no prazo máximo de 20 anos, sob pena de prescrever tal direito de demolir (art.ºs 298.º, 304.º e 309.º do Código Civil), uma vez que, se durante um período tão longo de tempo a autarquia não exercitou o direito que lhe assiste, naturalmente nada justifica que o faça ao fim de tal período temporal, impondo a segurança e a certeza do direito que já não o possa mais fazer. Daí que, no caso concreto, a existir alguma obra efetuada em espaço comum e ilegal, a mesma era já do conhecimento da autarquia desde maio de 1986, pelo que dispunha o R. de 20 anos para assegurar a demolição de qualquer obra ilegal, sob pena de prescrever o direito de demolir essa mesma obra, o que sucedeu in casu, pois que tal demolição não foi efetuada até maio de 2006. Não é, todavia, assim.
Como bem sublinham o R. na contestação e o Ministério Público no seu parecer, a emissão de uma ordem de demolição, como a dos autos, não está condicionada a qualquer prazo de prescrição, porquanto não está aqui em causa um qualquer direito privado que pudesse ser subsumível aos preceitos legais do Código Civil reguladores da prescrição (nem tal resulta sequer da aplicação do art.º 69.º, n.º 4, do RJUE).
Com efeito, os diplomas ao abrigo dos quais foi proferido o ato impugnado – o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e o CPA – são normas de direito público, ou seja, são normas que regulam as relações que se estabelecem entre o Estado ou outros entes públicos, investidos nos seus poderes de autoridade, e os particulares.
Já o instituto da prescrição está vocacionado para uma aplicação no âmbito dos direitos subjetivos, enquanto poder jurídico de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo ou negativo ou de, por um ato livre de vontade, produzir determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa.
No entanto, o R. atuou, no caso vertente, não no exercício de um direito dependente da sua vontade, mas antes no exercício de um dever de prossecução da legalidade urbanística e no exercício de um poder de conteúdo vinculado, atendendo a que, se determinada obra não é legalizável ou, sendo-o, o interessado não promover a sua legalização, a entidade pública tem de ordenar a demolição, independentemente do período de tempo que tenha decorrido desde a sua construção.
Como referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/07/2011 (proc. n.º 9577/08.1TBVNG.P1, publicado em www.dgsi.pt), “aquele ato administrativo [decisão a ordenar a demolição do imóvel ao seu proprietário] não foi objeto de impugnação administrativa ou de recurso contencioso (artigos 114.º e 115.º do Regime Jurídico da Edificação e Urbanização), assistindo à edilidade o direito a impor a demolição. O regime jurídico em causa não estabelece a possibilidade ou prazo para a prescrição do direito da autarquia a executar a demolição por si ordenada ou a exigir a demolição de uma obra clandestina. Esse direito é imprescritível e a Câmara Municipal está legitimada a agir em conformidade com o teor dos atos administrativos de si emanados no âmbito do poder administrativo e autoritário que lhe é imanente” (sublinhado nosso).
Ante o exposto, improcede o vício em apreço, não ocorrendo nenhuma violação do art.º 309.º do Código Civil nem do princípio da legalidade do art.º 3.º do CPA.”

Desde já se afirma que se acompanha o raciocínio lucido efetuado em 1ª instância.

Efetivamente, os normativos que determinam a controvertida demolição, mormente o RJUE, são conjuntos normativos de direito público, em face do que desde logo se mostra inaplicável o instituto da prescrição, tal como desenhado pela Recorrente.

O Município ao determinar a controvertida demolição está a atuar no exercício de um dever de prossecução da legalidade urbanística, enquanto poder de conteúdo vinculado, não existindo à data qualquer condicionamento temporal à sua efetivação.

- Da improcedência do vício de violação da lei - Erro nos pressupostos
Entende a Recorrente que terá sido feita inadequada interpretação do título constitutivo da propriedade horizontal, determinante de erro de julgamento.
O Tribunal a quo, como lhe competia, apreciou a factualidade que lhe foi disponibilizada pelas partes, à luz do direito aplicável.

Para que conste, refere-se incontornavelmente no titulo constitutivo de Propriedade Horizontal, de 18 de Abril de 1986, que os representantes da sociedade M.M Lda. declararam “Que a representada sociedade é dona e legítima possuidora de um prédio urbano composto de subcave, cave, rés-do-chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto andares e um terraço que não serve de cobertura ao prédio, sito na (…) (…).”

Foram então constituídas 23 frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si.

Em função de toda a prova, mormente documental, não se reconhece qualquer violação ao art. 102º nº 2 do RJUE, pois que é manifesto que a construção controvertida existente no terraço do último piso do prédio não mereceu qualquer licenciamento por parte do Município, pese embora o esforço argumentativo da Recorrente, sendo que nunca os condóminos se dispuseram a viabilizar o edificado, o que torna tal impedimento incontornável.

Perante a insusceptibilidade de licenciamento do edificado, até pela oposição dos condóminos, outra alternativa não terá o Município que não seja a de repor a legalidade, enveredando pela demolição do construído, não licenciável, sob pena de se gerar uma situação de impunidade permissiva, sempre perniciosa.

Em face do que precede, não se verifica o suscitado erro de julgamento.

- Falta de fundamentação
Como bastas vezes ocorre, em bom rigor, o que a Recorrente pretende, não será invocar a falta de fundamentação da decisão objeto de Recurso, mas antes manifestar o seu desagrado pela mesma, o que é diverso.

Não pode a Recorrente invocar que os atos controvertidos se mostrem insuficientemente fundamentados, na medida em que é patente ao longo do Procedimento, que dúvidas não tem relativamente ao que está em causa.

Foi pois em função da percetibilidade do decidido e notificado que a Recorrente teve oportunidade de rebater os atos proferidos, imputando-lhes diversos vícios, já rebatidos.

Na situação em apreciação, o Despacho que vem impugnado encontra-se suficientemente fundamentado, suportado pela motivação constante de todos os elementos constituintes do Procedimento, os quais explicitam as razões de facto e de direito que determinaram a controvertida intenção de demolição do edificado e não licenciado, tendo permitido à aqui Recorrente a perceção do seu conteúdo e a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo seguido até à prolação do ato.

Mal se compreende como pode agora vir a Recorrente a afirmar desconhecer quais as obras que deverão ser demolidas, quando já preteritamente, em sede de audiência prévia, admitiu que a determinada demolição “(...) só poderá ocorrer depois de se ter a absoluta certeza de que o espaço onde foram edificadas as obras que se projetam mandar demolir integra as partes comuns do edifício”, o que evidência o pleno conhecimento das obras que terão de ser demolidas.

Em face do que precede, não se reconhecendo a invocada falta de fundamentação, bem andou a decisão recorrida ao ter decidido como decidiu.
* * *
Correspondentemente, decidiu-se neste TCAN em 12 de outubro de 2018, negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Em qualquer caso, e sem prejuízo do que infra acrescidamente se dirá, em cumprimento do determinado pelo STA, não é despiciente recordar que se expressou na decisão anteriormente proferida que “Tal como resulta do precedentemente expendido, ratificar-se-á tudo quanto se decidiu em 1ª instância, não se reconhecendo qualquer dos vícios suscitados relativamente à decisão recorrida.”

Do precedente Acórdão deste TCAN, veio a Autora Recorrer para o STA em 19 de novembro de 2018, tendo ai concluído:
“1º O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte de 12 de Outubro de 2018, que julgou improcedente a ação administrativa pela qual a ora recorrente impugnara o despacho camarário que ordenara a demolição de obras com o argumento de terem sido efetuadas em parte comum do edifício e sem licença municipal.
2º Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido suscitou cinco questões que possuem uma capacidade expansiva e uma Importância jurídica que Justifica a sua apreciação e resolução por parte deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, inclusive para se assegurar uma melhor aplicação do direito. a saber:
1ª O direito de ordenar a demolição de obras ilegais previsto no RJUE é imprescritível ou, pelo contrário, trata-se de um direito que, à semelhança de todo e qualquer direito, está sujeito aos efeitos do tempo e à prescrição pelo seu não exercido em determinado período temporal?
2ª É compatível com o direito fundamental à tutela judicial efetiva (v. artº 268º/4 da Constituição) e com o principio da igualdade das partes (v. art.º 6º do CPTA) que o Tribunal não permita ao administrado provar os factos que alegara na p.i. para fundamentar os vicias imputados à decisão administrativa e que foram impugnados em sede de contestação, para depois dar por provados exatamente os factos contrários com base no argumento de que o administrado não logrou provar os factos que alegara nem contraditar o que havia sido dado por provado pela Administração/parte no processo instrutor?
3ª Qual a força probatória do processo instrutor, designadamente se é um documento que faz prova plena dos factos nele relatados ao ponto de tornar desnecessária a realização de qualquer outra prova legalmente admissível ou se, pelo contrário, é apenas um dos meios de prova de que se pode socorrer o Tribunal para formar a sua livre convicção e que deve ser confrontado com todos os demais meios de prova que sejam legalmente admissíveis e relevantes para a descoberta da verdade material?
4ª É compatível com os principias do dispositivo e do contraditório que o Tribunal dê por provados factos que não foram alegados nem na p.i. nem na contestação, mas que são referidos no processo instrutor, sem que antes tenha submetido tais factos que considera relevantes para a boa decisão da causa ao contraditório das partes, designadamente da parte a quem os mesmos são prejudiciais?
5ª Do despacho saneador que considere não existirem factos controvertidos com relevância para a boa decisão da causa cabe recurso imediato, sob pena de tal decisão formar caso julgado formal, ou, pelo contrário, é uma decisão interlocutória que só pode ser impugnada no recurso interposto da decisão final? Na verdade,
3° Todas as questões colocadas no objeto da revista possuem uma capacidade expansiva por se poderem colocar em todas as futuras ações de impugnação de atos administrativos, onde, muito naturalmente, se terá de apurar o valor probatório do processo instrutor que por lei tem de ser junto aos autos e onde se terá de aferir se é compatível com o direito à tuteia judicial efetiva e com o princípio da Igualdade de partes reconhecer-se a este processo instrutor uma prevalência tal que permita ao juiz bastar-se com o que consta de tal processo, ao ponto de considerar desnecessário e nem sequer permitir ao administrado fazer prova dos factos por si alegados no sentido de demonstrar a ilegalidade do ato impugnado - factos esses que eram relevantes para a boa decisão da causa e que inclusive haviam sido objeto de impugnação pela parte contrária.
4° As questões colocadas na revista possuem igualmente uma Importância jurídica fundamental, seja por contenderem com um Instituto fundamental - o instituto da prescrição - e com a sua aplicação no universo da Administração Pública, seja por envolverem princípios fundamentais do processo judicial - os princípios do dispositivo e do contraditório - ou se reportarem a garantias processuais - como seja a de se saber se do despacho saneador que considere não haver factos controvertidos cabe recurso imediato ou apenas no final do processo. Por fim,
5° A admissibilidade do presente recurso de revista sempre resultaria ainda do facto de ser Imprescindível para assegurar uma melhor aplicação do direito e evitar que perdure no ordenamento jurídico uma decisão que renega as mais elementares garantias de certeza e segurança jurídica que estão subjacentes ao instituto da prescrição, que colide com algumas das mais elementares garantias de qualquer Estado de Direito - que asseguram que só depois de presenciados todos os meios de prova à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito o Tribunal possa formar a sua livre convicção - e que chega ao ponto de até contrariar a jurisprudência anteriormente defendida pelo próprio TCANORTE - a qual já anteriormente deixara bem claro que o saneador onde se entendesse não haver factos controvertidos era um despacho interlocutório de que se devia recorrer apenas no final do processo.
6° Consequentemente, seja por em causa estarem questões com relevante Importância jurídica e capacidade expansiva, seja para uma melhor aplicação do direito, julga-se ser Inquestionável estarem reunidos no caso sub judice os pressupostos para que este Venerando Supremo Tribunal admita e conheça o presente recurso de revista ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA
7ª Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art.º 615º do CPC, uma vez que julgou improcedente o recurso jurisdicional e confirmou a decisão proferida pela 1ª Instância sem ter apreciado as questões jurídicas suscitadas na conclusão 22° as alegações de recurso - violação do princípio da boa fé e erro de julgamento na improcedência do pedido indemnizatório formulado a título subsidiário. Por outro lado,
8ª Ao considerar que o direito de o Município ordenar a demolição das obras é imprescritível, o aresto em recurso violou frontalmente o disposto no art.º 298º do CCivil - que determina que estão sujeitos a prescrição todos os direitos com exceção daqueles que sejam indisponíveis ou por lei declarados como isentos de prescrição - e atentou de forma Inadmissível contra as exigências de certeza e segurança jurídica subjacentes ao instituto da prescrição, uma vez que não só aquele direito não é um direito indisponível como não há qualquer norma legal a determiná-lo como sendo isento de prescrição, razão pela qual não pode por via jurisprudencial determinar-se que tal direito pode ser exercido ad eternum. até por se saber que as exigências de certeza e de segurança jurídica se justificam de forma acrescida quando o cidadão é destinatário do lus lmperium estadual. Acresce que,
9° Tendo na PI sido alegados um conjunto de factos no sentido de as obras em causa terem sido efetuadas em espaço integrante da fração da A. e não em espaço comum do edifício e tendo tais factos sido impugnados, muito naturalmente que o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento e em imperdoável violação do direito à tutela judicial efetiva e do princípio da igualdade das partes ao bastar-se ab initio com a prova constante do processo instrutor produzido pela Administração, ao ponto de nem sequer permitir à parte contrária produzir a prova - , designadamente por perícia ao local ou testemunhal que permitiria comprovar a outra solução plausível da questão de direito e comprovar o vício de violação de lei por erro os pressupostos.
10ª Na verdade, seja por força do direito à tutela judiciai efetiva - do qual resulta o "... direito a um processo paritário com aplicação efetiva do princípio do contraditório e plenas possibilidades de defesa ..." (v. Mário Aroso de Almeida, Os Direitos Fundamentais dos Administrados após a Revisão Constitucional de 1989, Revista Direito e Justiça, vol. VI, 1992, p. 325) "seja por força do princípio da igualdade das partes consagrado no art.º 6° do CPTA - o qual há-de assegurar às partes " ... a possibilidade de proporcionar todos os elementos que reputem necessários à apreciação das pretensões deduzidas .,;" (v. Jésus González Perez, El Derecho a la tutela jurtsdicoionat, p, 71), os factos que sejam relevantes para a boa decisão da causa à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito devem ser submetidos a prova(v., neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, A Privatização da Função Pública, 2004, pág. 297, nota 631, e, mais recentemente, AROSO DE ALMEIDA, "Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de atos administrativos", CJA, nº 20, p. 50) para, só depois de realizada toda a prova relevante para as duas soluções plausíveis da questão de direito, o tribunal poder formar a sua livre convicção.
11º Consequentemente, ao interpretar os Artºs 87° e 90° do CPTA - à data em vigor - no sentido de permitir ao Tribunal atender ab initio apenas à prova constante do processo administrativo - e que ele ainda nem sequer presenciou - e só se essa prova for insuficiente ou merecer alguma desconfiança é que permitirá à outra parte contrariar a mesma e apresentar a prova que sustenta o vício imputado à decisão administrativa, o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento e numa interpretação materialmente inconstitucional dos citados normativos, uma vez que isso pressupõe uma Inadmissível presunção de superioridade de uma parte sobre a outra e representa uma afronta Intolerável aos direitos de tutela judicial efetiva e igualdade das partes que caracterizam qualquer estado que se queira de direito.
12° Mais notório se torna esse mesmo erro de julgamento e a inconstitucionalidade da interpretação sufragada pelo Tribunal a quo quando se sabe que o processo instrutor, que por força de lei tem de ser junto pela entidade demandada aos autos, não faz prova plena dos factos nele atestados nem beneficia de qualquer presunção de prevalência Instrutória que justifique a dispensa de toda e qualquer outra prova apta a comprovar o erro nos pressupostos imputado à decisão administrativa (e no sentido de que o juiz não deve nem pode ficar prisioneiro da prova procedimental,)
13° O erro de julgamento em que Incorreu o aresto em recurso decorre ainda do facto de ter Interpretado de forma claramente errada o título constitutivo da propriedade horizontal - vendo nele dois terraços quando ele só prevê um e considerando comum o terraço quando ele não serve de cobertura e, portanto, não é um espaço comum do prédio ex vi do n° 1 do art.º 1421° do CCiviI) - e de não ter querido apurar a verdade de forma rigorosa e esclarecida - designadamente ordenando a baixa do processo à 1ª instância para a realização de uma inspeção ao local, uma perícia ou para inquirição de testemunhas de ambas as partes, podendo-se dizer que sem saírem do seu gabinete e apenas pela leitura do título constitutivo os senhores juízes viram o que mais ninguém vira e tiveram as certezas que mais ninguém antes tivera - e recorde-se que o próprio Município da (...) anteriormente havia considerado que a construção recuada integrava a propriedade da A.
Por outro lado,
14° Ao dar por provados um conjunto de factos apenas constantes do processo instrutor (v. nºs 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 24 da factologia assente) sem, ao menos, antes os ter submetido ao contraditório da A., o aresto em recurso violou frontalmente os princípios do dispositivo e do contraditório, tendo dado por provado factos que não haviam sido alegados nos articulados, que não eram instrumentais nem notórios e que nem sequer foram sujeitos a prova e ao contraditório da Autora.
15° Deste modo, se já revelava enorme violação das leis processuais que um Tribunal resolva um diferendo apenas com base na prova produzida por uma das partes e sem antes ter permitido à outra parte provar os factos que alegara em defesa da sua posição, mais notória se torna essa violação quando logo em seguida esse mesmo Tribunal dá por provados factos que as partes não haviam alegado sem antes os ter submetido ao contraditória da parte por elas afetada. Por fim,
16° O aresto em recurso Incorreu ainda em violação de lei substantiva quando considerou que do saneador que entendeu não haver factos controvertidos cabia recurso jurisdicional imediato sob pena de tal decisão formar caso resolvido, uma vez que semelhante entendimento viola não só o nº 5 do art.º 142º do CPTA como é desconforme à doutrina e jurisprudência dominante (v. AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 2017, 4 ed., pág. 1092) e a própria jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos (v. entre outros, o Ac do TCANORTE. de 07/04/2017, Proc. n° 02587/15.4BEBRG- A e os Acórdãos do TCASUL de 19/12/2017 e de 18/12/2014, Procs. nºs 236/14.7BELSB-A e 08110111, respetivamente, todos disponíveis em www.dgs.pt).
Nestes termos,
a) Deve ser admitido o recurso de revista por se verificarem os pressupostos tipificados na lei para o efeito;
b) Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências. Assim será cumprido o Direito e feita Justiça!”

Em 25 de fevereiro de 2019 foi proferido o seguinte Despacho de sustentação do acórdão do TCAN:
Vem em sede de Recurso para esta instância suscitado que o Acórdão “(...) enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do Artº 615º CPC, uma vez que julgou improcedente o recurso jurisdicional e confirmou a decisão recorrida pela 1ª instância sem ter apreciado as questões jurídicas suscitadas na conclusão 22 as alegações de recurso”
Correspondentemente, refere-se na aludida conclusão 22:
“O aresto em recurso também incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o vícios de violação do princípio da boa fé e o pedido Indemnizatório formulado a título subsidiário, uma vez que da factologia dada por provada pelo Tribunal a quo (v. nºs 8 e 9 da factologia assente), resulta que pelo menos desde 1988 o Município tinha conhecimento da pretensa ilegalidade da construção e não concretizou de imediato a ordem de demolição - até por entender que o espaço em causa integrava a propriedade privada da fração (v. nº 20 da factologia assente) -, tendo esperado que a Autora adquirisse a propriedade para só depois passar a defender o contrário do que antes defendera e pretender efetivar uma ordem de demolição que nunca efetivou enquanto outrem era o proprietário da fração.”
Vejamos:
Nos termos do artigo 615º do CPC, verifica-se a nulidade da decisão judicial, quando a mesma:
(...)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(...)”
A “omissão de pronúncia” está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, a “omissão de pronúncia” existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Logo, não se verifica tal nulidade quando todas as questões que as partes submeteram à apreciação jurisdicional foram objeto de decisão, como é, no essencial e no nosso entender, a situação presente.
Na realidade, no caso, o acórdão constitui decisão jurisdicional proferida pelo tribunal no exercício da sua função jurisdicional que, num caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (artºs 1º e 4º ambos do ETAF), sendo que os mesmos conhecem do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que o acórdão pode estar viciado de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do falado artigo 615º do CPC.
Na situação em apreciação e tendo presente o enquadramento jurídico acabado de expor, temos que não se vislumbra no acórdão proferido por este TCAN qualquer nulidade.
Saber e determinar se o juízo contido no acórdão sob censura é ou não acertado consubstancia porventura erro de julgamento, o qual, manifestamente, não se integra na previsão do normativo em presença.
Tal equivale a dizer que não enfermando o acórdão posto em crise das falhas/nulidades que lhe são atribuídas (sem prejuízo de poder ter incorrido em erro de julgamento) se manterá na íntegra.
Na hipótese vertente, repete-se, este tribunal conheceu das questões levantadas pela parte Recorrente, embora não sufragando a sua leitura.
Na fase de recurso, em que nos encontramos, o que importa é apreciar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º/2 do CPTA e 639º/1 e 635º do CPC, às que integram o objeto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso), mas simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal recorrido - veja-se a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, em “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2ª ed., págs. 524/526 e os Acórdãos deste Tribunal de 08/05/2014/proc. 11054/14 e de 19/02/2013/proc. 06193/12.
Com efeito, configurando-se o recurso jurisdicional como o meio processual pelo qual se submete a decisão judicial a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objeto quer a ilegalidade da decisão (erro de julgamento) quer a sua nulidade (artigos 627º e 615º do NCPC, correspondentes aos anteriores 676° e 668°), é pela alegação e conclusões que se fixa o conteúdo do recurso.
Lidas estas é para nós notório que o acórdão enfrentou as questões que se lhe impunham, sendo que não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” - cfr. Alberto dos Reis em “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143 e os Acs. do STA de 18/03/2010, no proc. 0528/08, de 13/07/2011, no proc. 0937/10 e de 10/10/2013, no proc. 0774/13, entre muitos outros;
Questões, para este efeito, são as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - cfr. Antunes Varela em RLJ, Ano 122.º, pág. 112 - a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa - Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex 1997, págs. 220/221.
Com efeito, a alegada omissão de pronúncia reporta-se a meras questões argumentativas que nunca teriam a virtualidade, só por si, de alterar o sentido da decisão proferida.
Efetivamente, o que sempre esteve e está em causa é saber se a determinada demolição das obras edificadas sem licença deverá ser concretizada, o que, a confirmar-se, operará independentemente da argumentativamente invocada ausência de boa-fé do município, pois que mesmo que inexistisse esta, nunca o edificado poderia permanecer sem licença, sob pena de se enraizar um clima urbanístico de impunidade permissiva.
No que concerne já ao pedido Indemnizatório formulado a título subsidiário, não tendo sido dada razão ao Recorrente, naturalmente que a análise do pedido indemnizatório ficou prejudicada.
* * *
Termos em que se sustenta a decisão judicial em análise, considerando-se que não ocorreu a arguida nulidade.”

Em 5 de dezembro de 2019 é no STA proferido Acórdão cujo “Direito” infra se transcreve:
“Nos presentes autos impugna-se o “despacho de 11 de Dezembro de 2012, que ordenou a demolição de obras (ver doc. n° 1)”, formulando-se, além de pedido indemnizatório, que seja declarado nulo ou anulado o despacho impugnado. Invocou-se, para tal, que o ato impugnado enfermava de usurpação de poderes, prescrição do direito de ordenar a demolição e de demolir a obra, violação do princípio da boa fé, violação de lei por erro nos pressupostos, violação do art. 106°, n°2 do RJUE, e falta de fundamentação.
A sentença do TAF de Coimbra apreciou os vícios invocados e imputados ao ato, julgando-os improcedentes e, quanto ao pedido indemnizatório entendeu não se provar a ilicitude da conduta do réu, pelo que julgou a ação totalmente improcedente.
O TCAN confirmou a sentença proferida pela 1ª instância.
Na presente revista a recorrente suscita cinco questões, a saber:
“1.º O direito de ordenar a demolição de obras ilegais previsto no RJUE é imprescritível (...)?
2.° E compatível com o direito fundamental à tutela judicial efetiva (v. art° 268°, 4 da Constituição) e com o princípio da igualdade das partes (v. ad.° 6° do CPTA) que o tribunal não permita ao administrado provar os factos que alegara na p.i. para fundamentar os vícios imputados à decisão administrativa e que foram impugnados em sede de contestação, para depois dar por provados exatamente os factos contrários com base no argumento de que o administrado não logrou provar os factos que alegara nem contraditar o que havia sido dado por provado pela Administração/parte no processo instrutor?
3.° Qual a força probatória do processo instrutor; designadamente se é um documento que faz prova plena dos factos nele relatados ao ponto de tornar desnecessária a realização de qualquer outra prova legalmente admissível ouse, pelo contrário, é apenas um dos meios de prova de que se pode socorrer o Tribunal para formar a sua livre convicção e que deve ser confrontado com todos os demais meios de prova que sejam legalmente admissíveis e relevantes para a descoberta da verdade material?
4.° É compatível com os princípios do dispositivo e do contraditório que o Tribunal dê por provados factos que não foram alegados nem na PI nem na contestação, mas que são referidos no processo instrutor; sem que antes tenha submetido tais factos que considera relevantes para a boa decisão da causa ao contraditório das partes, designadamente da parte a quem os mesmos são prejudiciais?
5.° Do despacho saneador que considere não existirem factos controvertidos com relevância para a boa decisão da causa cabe recurso imediato, sob pena de tal decisão formar caso julgado formal, ou, pelo contrário, é uma decisão interlocutória que só pode ser impugnada no recurso interposto da decisão final?”.
Porém, na conclusão 7ª das suas alegações na presente revista a Recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido por não ter apreciado a conclusão 22ª do recurso de apelação para o TCAN, na qual imputava à sentença de 1ª instância erro de julgamento ao julgar improcedentes o vício de violação do princípio da boa fé e o pedido indemnizatório. Alega que o acórdão enferma da nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do art. 615° do CPC, “uma vez que julgou improcedente o recurso jurisdicional e confirmou a decisão recorrida pela 1ª instância sem ter apreciado as questões jurídicas suscitadas na conclusão 228 das alegações de recurso”.
Por decisão de 25.02.20 19, foi sustentado o decidido, considerando que não ocorreu a nulidade de acórdão (cfr. fls.377-79).
A nulidade de decisão por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, no que ao caso interessa.
Corresponde à violação por parte do juiz do dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 95º do CPTA e 608°, n° 2 do CPC). Isto é, apenas se verifica a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, quando o tribunal deixe de apreciar e resolver todas as questões colocadas pelas partes à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Na conclusão 22ª da apelação a Recorrente alegou o seguinte: “O aresto em recurso também incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o vício de violação do princípio da boa fé e o pedido indemniza tório formulado a título subsidiário, uma vez que da factologia dada por provada pelo tribunal a quo (v. n°s 8 e 9 da factologia assente), resulta que pelo menos desde 1988 o Município tinha conhecimento da pretensa ilegalidade da construção e não concretizou de imediato a ordem de demolição — até por entender que o espaço em causa integrava a propriedade privada da fração (v. n° 20 da factologia assente) -, tendo esperado que a Autora adquirisse a propriedade para só depois passar a defender o contrário do que antes defendera e pretender efetivar uma ordem de demolição que nunca efetivou enquanto outrem era o proprietário da fração”.
Nesta conclusão nada se concretiza quanto a uma alegada violação do princípio da boa fé, mas entendendo-se que a Recorrente pretendia também estender a sua atual alegação ao que constava da conclusão 23° na qual vinha invocada a violação do princípio da boa fé e a “violação do dever de fiscalização e atuação que impendia sobre o Município pelo menos desde 1988, o que consubstancia a prática de um ato ilícito e culposo por omissão e o responsabiliza pelos prejuízos daí decorrentes para a Autora,...”, há que averiguar se o acórdão recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, o alegado nas conclusões 22º e 23º corresponde, por um lado à invocação da violação do princípio da boa fé, em relação ao qual a sentença de 1ª instância ao tê-lo julgado improcedente teria incorrido em erro de julgamento. E esse invocado erro de julgamento da sentença não foi, efetivamente, apreciado.
Por outro lado, no que se refere ao pedido indemnizatório, formulado a titulo subsidiário, não pode dizer-se como se faz na decisão de sustentação que “não tendo sido dada razão à Recorrente, naturalmente que a análise do pedido indemnizatório ficou prejudicada”.
Com efeito, o pedido subsidiário tem como fundamento o alegado sob os n°s 107° a 116° da petição inicial. Neste último refere-se o seguinte:
“Consequentemente ao só ordenar a demolição cerca de vinte e cinco anos depois de a obra ter sido efetuada, a Câmara Municipal omitiu o cumprimento atempado de deveres de fiscalização e de demolição que legalmente lhe são impostos e que, a terem sido atempadamente cumpridos, teriam evitado a ocorrência de danos na esfera jurídica da A., pelo que, caso se conclua pela legalidade do ato impugnado, está o Município vinculado a ressarcir os danos patrimoniais sofridos pela A. e que se estimam no valor de 87.500€’.
A sentença recorrida procedeu à apreciação deste pedido subsidiário, tendo em conta a factualidade dada por provada e que considerou relevante, tendo concluído que “improcede o pedido subsidiário de condenação do R. a indemnizar a A. pelos danos patrimoniais sofridos, no valor de €87.500” (cfr. fls. 277 verso a 279 - págs. 30 a 33 da sentença).
Ora, manifestamente este pedido não fica prejudicado pela solução dada às questões respeitantes às ilegalidades imputadas ao ato impugnado.
Bem pelo contrário, tratando-se de um pedido subsidiário é precisamente a legalidade do ato impugnado que o justifica.
Procede, consequentemente, a invocada nulidade por omissão de pronúncia (arts. 615°, n° 1, aI. d) e 608°, n°2 do CPC), devendo os autos baixar ao TCAN para aí ser conhecida, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas no recurso.
Pelo exposto, acordam em declarar nulo o acórdão recorrido, determinando a baixa dos autos ao TCAN para aí ser conhecida.”

Sistematizemos e sintetizemos o invocado:
Refere-se nos Artº 22º e 23º do Recurso o seguinte:
22° O aresto em recurso também incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o vícios de violação do princípio da boa fé e o pedido Indemnizatório formulado a título subsidiário, uma vez que da factologia dada por provada pelo Tribunal a quo (v. nºs 8 e 9 da factologia assente), resulta que pelo menos desde 1988 o Município tinha conhecimento da pretensa ilegalidade da construção e não concretizou de imediato a ordem de demolição - até por entender que o espaço em causa integrava a propriedade privada da fração (v. nº 20 da factologia assente) -, tendo esperado que a Autora adquirisse a propriedade para só depois passar a defender o contrário do que antes defendera e pretender efetivar uma ordem de demolição que nunca efetivou enquanto outrem era o proprietário da fração.
23° Consequentemente, julga-se que mesmo com a singela e ilegal factologia dada por provada pelo Tribunal a quo resulta suficientemente demonstrada a violação do princípio da boa fé e a violação do dever de fiscalização e atuação que Impendia sobre o Município pelo menos desde 1988, o que consubstancia a prática de um ato ilícito e culposo por omissão e o responsabiliza pelos prejuízos daí decorrentes para a Autora, a qual nunca teria adquirido a fração em causa e pago o preço que pagou se o Município tivesse antes de 1999 concretizado a demolição e não tivesse até assegurado que a construção recuada integrava a respetiva fração de acordo com o título constitutivo.

Correspondentemente e a este propósito, discorreu-se em 1ª instância:
“Isto porque seria essencial que, do lado da A., se mostrasse necessário tutelar a estabilidade da sua situação jurídica e a proteção da sua confiança quanto à manutenção das obras por si realizadas no terraço do 6.º piso do prédio para que o interesse público na reposição da legalidade urbanística, mediante a ordem de demolição impugnada, devesse ceder em face da necessidade de proteção dessa confiança legítima.
No entanto, a factualidade provada nos autos demonstra que não há, do lado da A., qualquer confiança, que seja digna de tutela, na consolidação dos efeitos da sua atuação e da atuação dos anteriores proprietários da fração “V” no que respeita às obras que foram erigidas no terraço sem a autorização dos condóminos, senão vejamos:
- logo em 1988 foi ordenada a demolição do envidraçado colocado na zona envolvente ao terraço do 6.º piso, o que motivou o requerimento do então administrador do condomínio, de 22/02/1989, a solicitar a revogação da referida decisão (cfr. ponto 9 dos factos provados);
- da ata da reunião do condomínio do prédio em referência, realizada em 26/03/1999 (pouco tempo antes da aquisição da fração pela A.), consta que o marido da A. “informou que tinha ido à Câmara Municipal saber a situação do terraço” e que “apresentou um esboço de alteração ao projeto do prédio, que carecia da aprovação de 2/3 do condomínio”, esboço esse que previa “uma entrada direta do seu andar para o terraço, através de escada interior e construção de casas de banho”; sucede que, perante a discordância dos restantes condóminos, “a proposta foi rejeitada por maioria” (cfr. ponto 12 dos factos provados);
- na sequência de exposição de uma das condóminas a denunciar que “o novo proprietário da fração do 5.º andar esquerdo (…) está a executar obras de vulto, no terraço que fica por cima do seu apartamento, aproveitando o espaço que lhe está afeto para uso exclusivo, onde instalou gás, água e luz, bem como pavimento e outras obras, alterando por completo o título constitutivo passado pela Câmara” e que tais obras “contrariam não só o que se encontra estabelecido em matéria de escrituras, como evidencia um claro desrespeito às decisões tomadas e aprovadas em Assembleia de Condóminos, sobre ocupação do espaço destinado ao terraço”, os serviços de fiscalização do R. procederam a uma vistoria do prédio urbano em causa, nomeadamente ao terraço do 6.º piso (cfr. pontos 13 e 14 dos factos provados);
- da ata da reunião do condomínio, realizada em 21/01/2000 e na qual esteve presente o marido da A., consta que as obras que estavam a ser levadas a cabo por este último no terraço do 6.º piso “não foram aprovadas pelos condóminos presentes na reunião por ele solicitada em 26 de março/99 e contrariamente ao deliberado nesta reunião o Sr. S. persistiu no avanço das obras”, sendo que o mesmo fora “informado da situação do terraço, que havia sido dividido particularmente e com a finalidade de se conseguir manter uma sala para as reuniões do condomínio, com alguma privacidade, tendo-se chegado a acordo com os proprietários das frações do 5.º andar, da altura, Sr. M. e Sr. J.M, com a divisão com que se encontrava presentemente e que aqueles espaços apenas podem ser considerados arrumos e nada mais. Contudo na altura do debate desta questão, foi chamada a atenção para o risco que se corria, pelo facto do terraço não constar do projeto aprovado pela Câmara e a todo o momento todas as obras poderiam ser postas em causa” (cfr. ponto 15 dos factos provados);
- desde 2001 que o R. tem vindo sucessivamente a notificar a administração do condomínio, bem como os proprietários das frações do 5.º andar do prédio, incluindo a A., da necessidade de se proceder à legalização das obras efetuadas no terraço do 6.º piso, sob pena de ser ordenada a respetiva demolição, bem como a administração do condomínio tem vindo sucessivamente a manifestar a sua discordância contra a solução da legalização e a requerer ao R. a demolição das alterações promovidas pela A. e marido, repondo-se a situação inicialmente licenciada (cfr. pontos 16 a 27 dos factos provados).
Por conseguinte, da factualidade acima descrita retira-se que, desde que a A. e o marido adquiriram a fração “V” no prédio em causa, é do seu pleno conhecimento a irregularidade das obras que já lá existiam e daquelas que foram por si posteriormente realizadas no terraço do 6.º piso, bem como o facto de tais obras não constarem do projeto inicial aprovado pelo R. e de a todo o momento as mesmas poderem ser postas em causa, conjugados com a posição discordante dos restantes condóminos no que se refere à autorização para a conclusão de tais obras e, bem assim, o conhecimento da intenção do R. de providenciar pela regularização dessa situação, manifestada através de sucessivas notificações para a respetiva legalização, a primeira das quais em 1988.
Ademais, não é inteiramente exata a afirmação de que o próprio Presidente da Câmara Municipal reconheceu, em 2003, que a construção em causa integrava a fração da A., pois que não é isso que resulta do probatório. O que daqui decorre é que, pelo ofício n.º 2100 de 22/01/2004, foi a administração do condomínio notificada de que, em conformidade com o despacho do Presidente da Câmara Municipal de 23/12/2003, “deverá acionar juridicamente acerca da posse de coisa comum, para efeitos de eventual contradição dos registos em sede de propriedade horizontal que atribui o espaço às frações já referenciadas da Sra. C.I.C.F.M. e E.M.S. S.” (cfr. ponto 20 dos factos provados). Do teor deste despacho e desta notificação não resulta qualquer reconhecimento pelo Presidente da Câmara do condómino ou dos condóminos que são os efetivos proprietários da construção em apreço, mas tão-só o reconhecimento da controvérsia existente entre os condóminos, e já há muito detetada, sobre a natureza comum do espaço em causa e sobre a atribuição do seu uso exclusivo aos proprietários das frações do 5.º andar do prédio, incluindo a ora A.
Conclui-se, assim, que inexiste qualquer violação dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, pois que não há, do lado da A., qualquer confiança legítima digna de tutela, nos termos legais.”

Aqui chegados, e atenta a argumentação adotada em 1ª instância, assente na factualidade dada como provada, como já havia sido afirmado no originário acórdão, importa singelamente ratificar tudo quanto aí se expressou, de modo suficientemente claro, evidenciando a inexistência da invocada violação da boa-fé.

Acresce que, e como se havia já expressado na decisão de sustentação do acórdão proferido nesta instância, no que concerne à imputada omissão de pronúncia face à invocada violação da boa-fé, o afirmado reconduz-se a matéria meramente argumentativa, que nunca teria a virtualidade, só por si, de alterar o sentido da decisão proferida.

Efetivamente, o que sempre esteve e está em causa é saber se a determinada demolição das obras edificadas sem licença deverá ser concretizada, o que, a confirmar-se, sempre operaria independentemente da argumentativamente invocada ausência de boa-fé do município, que se não reconhece, pois que, em qualquer caso, a situação do edificado não se poderia eternizar sem licença, sob pena de se consolidar um clima urbanístico de impunidade permissiva.

Já quanto ao pedido indemnizatório subsidiário, e como vem referido supra, peticionou a Autor:
“(...) ao só ordenar a demolição cerca de vinte e cinco anos depois de a obra ter sido efetuada, a Câmara Municipal omitiu o cumprimento atempado de deveres de fiscalização e de demolição que legalmente lhe são impostos e que, a terem sido atempadamente cumpridos, teriam evitado a ocorrência de danos na esfera jurídica da A., pelo que, caso se conclua pela legalidade do ato impugnado, está o Município vinculado a ressarcir os danos patrimoniais sofridos pela A. e que se estimam no valor de 87.500€’.

Correspondentemente, discorreu-se na decisão de 1ª instância:
“Atendendo a que o ato impugnado – o despacho proferido, em 11/12/2012, pelo Vereador do Pelouro, no uso de competências delegadas, que ordenou a demolição das obras efetuadas no terraço do prédio – não padece dos vícios que lhe são imputados, devendo ser mantido na ordem jurídica, cumpre apreciar o pedido subsidiário deduzido pela A., no sentido da condenação do R. a indemnizá-la pelos danos patrimoniais sofridos.
Com efeito, alega, em síntese, a A. que estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do R., uma vez que, ao só ordenar a demolição cerca de vinte e cinco anos depois de a obra ter sido efetuada, este omitiu o cumprimento atempado dos deveres de fiscalização e de demolição que legalmente lhe são impostos e que, a terem sido atempadamente cumpridos, teriam evitado a ocorrência de danos na esfera jurídica da A., pelo que está o R. vinculado a ressarcir tais danos patrimoniais que se estimam no valor mínimo de € 87.500,00.
(...)
Já no que respeita à efetivação da responsabilidade do R., são pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário, condicionante do próprio evento enquanto processo causal;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético-jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico, no sentido de que o lesante podia e devia ter agido de outro modo, podendo revestir as modalidades de dolo ou negligência;
d) a existência de um dano, ou seja, o prejuízo (de natureza patrimonial ou não) resultante da lesão ou ofensa;
e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada do art.º 563.º do Código Civil, ou seja, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Ora, no caso dos autos, falha, desde logo, o pressuposto da ilicitude da atuação do R., que a A. alicerça na violação/omissão do cumprimento atempado dos deveres de fiscalização da obra em causa e que foi mandada demolir por se considerar ilegal.
Mais uma vez, a factualidade provada demonstra que esses deveres foram cumpridos e observados no caso sub judice, tendo em conta que:
- por despacho proferido em 03/01/1988, foi ordenada a demolição do envidraçado colocado na zona envolvente ao terraço do 6.º piso, o que motivou o requerimento do então administrador do condomínio, de 22/02/1989, a solicitar a revogação da referida decisão (cfr. ponto 9 dos factos provados);
- na sequência de uma queixa apresentada por uma das condóminas em 1999, os serviços de fiscalização do R. procederam a uma vistoria do prédio urbano em causa, nomeadamente ao terraço do 6.º piso (cfr. pontos 13 e 14 dos factos provados);
- desde 2001 que o R. tem vindo sucessivamente a notificar a administração do condomínio, bem como os proprietários das frações do 5.º andar do prédio, incluindo a A., da necessidade de se proceder à legalização das obras efetuadas no terraço do 6.º piso, sob pena de ser ordenada a respetiva demolição (cfr. pontos 16 a 27 dos factos provados);
- na sequência de reclamação apresentada pela administração do condomínio, os serviços de fiscalização do R. deslocaram-se ao local, tendo sido elaborada informação em 04/11/2008 nos termos da qual se concluiu “nunca terem sido autorizadas quaisquer tipos de obras para a individualização dos terraços do prédio em questão” (cfr. pontos 22 e 23 dos factos provados).
A factualidade acima descrita revela, portanto, que os deveres de fiscalização das irregularidades urbanísticas detetadas no terraço do 6.º piso do prédio a que pertence a fração da A. foram efetivamente, e desde cedo, observados pelo R., pelo que, não sendo possível imputar ao R. qualquer atuação ilícita neste domínio, este não é responsável pelos danos invocados pela A., porquanto os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são, como vimos, de verificação cumulativa.
Ademais, afirmando a A. que não teria adquirido a fração em causa e, muito menos, pelo preço que pagou, se nela não estivesse incluída a construção que agora se pretende demolir, a responsabilidade por tal situação não pode ser imputada ao R., mas, quando muito, e nos termos legais, aos anteriores proprietários que venderam a fração à A.
Termos em que improcede o pedido subsidiário de condenação do R. a indemnizar a A. pelos danos patrimoniais sofridos, no valor de €87.500.”

Mais uma vez se entende que o entendimento adotado em 1ª instância é escorreito e lapidar, ratifica-se o mesmo, como já havia resultado do anterior acórdão desta instância.

Na realidade, e se é verdade que estamos em presença de determinação da demolição de meras obras realizadas no terraço do identificado edifício e não de demolição de qualquer edifício, como por vezes parece resultar do esgrimido pela Recorrente, mal se compreenderia que se enveredasse pelo “beneficio do infrator”.

Não estando as referidas obras no controvertido Terraço, manifestamente licenciadas, mal se compreenderia que o seu utilizador, sem título que o legitime, pelo facto do Município pretender exercer as suas competências de fiscalização urbanística, pudesse indemnizatoriamente beneficiar em resultado da reposição da legalidade.

Em boa verdade a Recorrente só pode queixar-se de si própria, ao ter adquirido uma fração urbanística sem ter cuidado de verificar se todo o conjunto edificado se encontrava licenciado, ou em alternativa, tendo-se conformado com essa situação.

Em conclusão, e como resulta expresso do expendido em 1ª instância e precedentemente transcrito e que se ratificou, é manifesto que não estão preenchidos integralmente os pressupostos tendentes à atribuição de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, mormente faltando o pressuposto da ilicitude da atuação do Município.

Mal se compreenderia que a atuação de um qualquer Município na reposição da legalidade urbanística, pudesse ser entendida como um ato ilícito.

Na realidade, a edificação sem autorização ou licença não poderá ser tratada como de um instituto análogo à usucapião se tratasse.

Com efeito, o decurso do tempo não consolida a construção efetivada sem licença. O jus aedificandi não constitui parte integrante do direito de propriedade, antes acresce, dentro dos condicionalismos aplicáveis, à mesma.

Como se referiu no Ac. do STA de 30/09/2009, proc. nº 0564/08, “a necessidade do licenciamento não afronta o direito de propriedade tal como está gizado na Constituição (art. 62º), devendo o direito de construir ser sempre exercido dentro dos condicionamentos urbanísticos legalmente estabelecidos, de molde a não serem afrontados outros direitos e deveres também constitucionalmente consagrados.”

Assim sendo, e face à verificada realização de obras sem licenciamento municipal, está a entidade administrativa legalmente vinculada a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística.

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Porto, 31 de janeiro de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
João Beato
Hélder Vieira