Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00731/11.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/14/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:APLICAÇÃO RETROATIVA DE CIRCULAR; TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA; IRC; CUSTOS.
Sumário:I. Decorre da interpretação n.º 2 do art.º 68.ºA da LGT (art.º 68.º n.º5 da LGT na versão original) que a proibição da retroatividade da orientação genérica funciona mediante uma condição prévia imposta ao contribuinte de que a interpretação da norma de incidência em questão fosse plausível e de boa-fé.

II. O conceito de boa-fé a que alude o nº 2 do artigo 68.º-A, da LGT, é um conceito objetivo ou de conduta do contribuinte. Impõe-se que, o sujeito passivo possua uma convicção legítima e justificada de que seria aquela a forma de contabilizar os custos relativos aquele contrato.

III. Em caso de dúvidas, as quais são aferidas por qualquer contribuinte de média sagacidade e diligência equivalente ao bonus pater familiae, impedem que se diga que a opção tomada, fosse pautada, sem margem para dúvidas, pela boa-fé.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:F., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente FAZENDA PÚBLICA, com sinais nos autos, interpôs recurso da sentença prolatada, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial instaurada por F., Ld.º e anulou as liquidações adicionais de IRC de 2007 e 2008 e respetivos juros compensatórios.

A Recorrente não se conformou com a decisão, tendo interposto o presente recurso, formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), dos exercícios de 2007 e, 2008, com os n.º 2009.8310019321 e, respetivos juros compensatórios e, 2009.8500019336, emitidas em 2009-11-18, nos montantes de 633,40 Euros e, 1.475,00 Euros, respetivamente, por haver concluído que, para levar a cabo as correções impugnadas se socorreu da aplicação retroativa da Circular n.º 20/2009.
B. Ressalvado o respeito devido por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porque a correção que deu origem às liquidações impugnadas foi efetivamente fundamentada no art. 81º, n.º 3, alínea a) do CIRC, a instrução administrativa não é lei e, por isso, o entendimento nela contido existia independentemente de se encontrar plasmado no direito circulatório e,
C. Sem prescindir, porque a eventual aplicação retroativa, apenas consubstancia atuação violadora do art. 68º-A, n.º 2 da LGT quando o contribuinte age de boa fé, o que não se verifica.
D. Constatada no mercado a elaboração de contratos de publicidade complexos (dignos de serem agrupados em serviços principais e em serviços acessórios), com diferentes repercussões na sua consideração fiscal como custos, consoante se enquadrem no âmbito do art. 23º, n.º 1 do CIRC ou, no do art. 81º, n.º 3, alínea a) do CIRC e, não constando dos referidos contratos de adesão em causa, nem da contabilidade da impugnante, o necessário agrupamento e tratamento diferenciado,
E. a AT, mais não fez que ao emitir a referida instrução da Circular n.º 20/2009, interpretar a prática usual do mercado e, reduzi-la a escrito, quantificando as percentagens dos serviços principais (80%) e dos serviços acessórios (20%), por estes se mostrarem adequados à natureza e proporção dos serviços comercializados.
F. De facto, do probatório resulta que a impugnante por ter celebrado os contratos de publicidade em causa, adquiriu um vasto conjunto de direitos que vão para além da publicidade a beneficiar de tal contratação, tal como veem descritos no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), em coerência com os contratos de publicidade, reproduzidos em sede de probatório, como resulta das alíneas A) e C) dos factos doutamente elencados.
G. Não obstante, a impugnante, quando notificada pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto para proceder à discriminação, de acordo com a sua natureza, dos valores dos serviços constantes das faturas, resultantes dos contratos celebrados, ter defendido, que “(...) os valores das facturas emitidas pelo V., dizem respeito na sua totalidade a despesas com publicidade.”, o certo é que, apesar de as faturas emitidas pelo clube não discriminarem os serviços prestados, contendo apenas a simples designação de Publicidade Estática, torna-se inequívoco que as faturas emitidas se reportam aos ditos contratos celebrados, pelo que a natureza dos valores faturados é indissociável dos mesmos e terá de abranger o conjunto dos serviços prestados.
H. Pela conduta da impugnante aquando da contabilização dos custos e no decurso do procedimento inspetivo (mesmo quando confrontada com a materialidade apurada), fica patente a ausência de boa fé por parte da recorrida, visto que, conhecendo os exatos contornos da relação contratual que a ligavam ao V., não seria plausível a interpretação por si defendida de que estamos perante “Publicidade Estática”.
I. Deste modo, apenas podemos concluir que a contabilização correta dos serviços comercializados pela impugnante nos contratos de publicidade celebrados aqui em causa, é a que resulta vertida do RIT que originou as liquidações adicionais de IRC impugnadas, sendo, portanto, manifesto o erro de julgamento sobre a matéria de facto quando a sentença julga verificada a boa fé da impugnante face à interpretação da lei em vigor.
J. A impugnante sabia e, não podia desconhecer o conjunto de direitos em que incorreu com a outorga dos contratos aqui em causa e, tinha a obrigação de refletir tal realidade na sua contabilidade e, subsequentemente, nas declarações Modelo 22 de IRC apresentadas, apurando o correspondente valor na parte sujeita a tributação autónoma.
K. Em face do exposto, ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu também em erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 68º-A da LGT e, consequentemente, do n.º 1 do art. 23º e alínea a) do n.º 3 do art. 81º do CIRC, por ter sido este o normativo que sustentou a correção efetuada.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências. (…)”


1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
I
Ao pretender corrigir exercícios de 2007 e de 2008, mediante o recurso ao raciocínio interpretativo de instruções contidas numa orientação genérica que entrou em vigor em 2009 - a circular n° 20/2009 da DSIRC e da DSIVA - a AT incorre na violação ostensiva do disposto n° 2 do artigo 68°-A da LGT.
II
Por conseguinte, é inequívoco que as liquidações daí resultantes estão feridas do vício de ilegalidade, tal como propugna o M.° Juiz a quo na Douta Sentença recorrida.
Com efeito,
III
Não obstante a correção que deu origem às liquidações impugnadas se estribar na alínea a) do n° 3 do artigo 81° do CIRC, é inequívoco que a AT se socorreu exclusivamente da Circular n° 20/2009 para alcançar as percentagens dos serviços denominados de "principais" e "acessórios".
IV
O juízo prévio de qualificação e quantificação das despesas do sujeito passivo é levado a cabo por uma orientação genérica que a AT quer ver aplicado a situações passadas, em clamorosa afronta ao disposto no n° 2 do artigo 68°-A da LGT.
V
Dando eficácia retroactiva ao veiculado entendimento, como se tratasse de uma norma interpretativa - o que, atenta a falta de juridicidade de uma circular, como fonte de direito fiscal - é inaceitável.
VI
O que está em causa efectivamente é o percurso de raciocínio interpretativo da alínea a) do n° 3 do artigo 81° do CIRC, visto que "...resulta das instruções difundidas pela Circular n° 20/2009...", tal como, e nos precisos termos expressos no Relatório de Inspecção Tributária - pág. 5 do DOC. 12 junto com a PI.
VII
Ao que acresce que bem ao contrário do doutamente alegado pelo MI Representante da Fazenda Pública para afastar a conduta violadora do n° 2 do artigo 68°-A da LGT, a impugnante agiu de boa de fé.
VIII
No decurso dos exercícios em causa, a impugnante mais não fez do que uma interpretação de boa-fé, e mais do que plausível - a única possível - do preceituado no n° 1 do artigo 23° do C IRC, cada vez que enquadrava e registava contabilisticamente o facto tributário.
IX
Se a "prática usual do mercado" fosse por todos conhecida no âmbito dos contratos de publicidade designados por "Pacotes Corporate", desnecessário teriam sido as instruções emergentes da circular, enfim, dúvidas não se levantariam quanto ao enquadramento a dar às despesas deles emergentes na contabilização de custos.
X
A menos que possuísse bola de cristal, a impugnante jamais poderia adivinhar qual a prática usual do mercado, pois deteve-se a enquadrar a sua situação concreta, o que aliado ao facto de as facturas a que se reportam os contratos não descriminarem prestações principais e prestações acessórias, só poder resultar no juízo de que agiu de boa-fé.
XI
Como justamente concluiu o M° Juiz a quo na Douta Decisão sob censura.
XII
Além disso, ao invocar-se que aquela circular reflecte a interpretação escrita da "prática usual do mercado" parece querer aceitar-se que essa interpretação não era uniforme antes da sua entrada em vigor, donde não se compreenderia a sua necessidade.
XIII
Foram as dúvidas sobre o enquadramento dessas despesas para efeitos de IRC e de IVA que estiveram na origem da referida circular, tal como muito bem é afirmado na Douta Sentença recorrida.
XIV
O que visa proteger o n° 2 do artigo 68°-A da LGT é a confiança dos contribuintes na actuação da AT, que vem alterando, com eficácia retroactiva, interpretações plausíveis e de boa-fé do regime legal vigente,
XV
Gerando um clima pouco propício à certeza e segurança jurídicas indispensáveis à actuação dos agentes económicos e às decisões de investimento.
XVI
Com efeito, era dever da AT permitir que a interpretação, qualquer ela que fosse, do enquadramento como custos dos designados "Pacotes Corporate" fosse dada a conhecer prévia ou simultaneamente com o início da produção de efeitos das instruções contidas naquela orientação genérica.
XVII
O que teria determinado e seguramente condicionado a decisão de investimento em publicidade.
XVIII
Ao invés, estribada na interpretação - que além do mais é discutível - da circular n° 20/2009, vem a AT conferir eficácia retroactiva ao entendimento ali propugnado, para liquidar impostos de exercícios anteriores à sua entrada em vigor.
XIX
É inequívoca, pois, a actuação ilegal da AT.
XX
É patente a violação do n° 2 do artigo 68°-A da LGT.
XXI
Por conseguinte, muito bem andou o M.° Juiz a quo ao julgar anuladas as liquidações impugnadas de IRC de 2007 e 2008.
XXII
Devendo ser mantido o decidido na Douta Sentença recorrida, assim se fazendo justiça.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, uma vez que, a AT ao invocar a aplicação retroativa da Circular n.º 20/2009 para proceder às correção da matéria tributável, dos anos de 2007 e 2008 e às consequentes liquidações adicionais, violou o estatuído no 68.º-A da LGT.

Com dispensa dos vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, nos termos do art.º 657.º, n. º4, do Código de Processo Civil, submete-se o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do n.º 2 do art.º 68º-A da LGT e, consequentemente, do n.º 1 do art.º 23º e alínea a) do n.º 3 do art.º 81º do CIRC, por ter sido este o normativo que sustentou a correção efetuada.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
A) A impugnante celebrou com o V. contratos de publicidade para as épocas desportivas 2005/2006, 2006/2007, 2007/2008 e 2008/2009, nos ternos dos contratos juntos aos autos de fls. 23 a 33, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) Em cumprimento desses contratos, a impugnante pagou o montante de €60.000,00, acrescido de IVA no valor de €12.600,00, no total de €72.600,00, em cada um dos anos de 2006 e 2007, o montante de €147.500,00, acrescido de IVA no valor de €30.3500,00, no total de €177.850,00, no ano de 2008, discriminados a fls. 65 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
C) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva aos exercícios de 2005 a 2008, que foi concluída pelo relatório de inspecção tributária (RIT) junto aos autos de fls. 58 a 69, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
D) Com base nas conclusões desse relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a administração tributária procedeu às correcções meramente aritméticas do IRC de 2006, 2007 e 2008, tendo apurado um imposto em falta de, respectivamente, €600,00, €600,00 e €1.475,00 (fls. 58 e 59).
E) Estas correcções deram origem às liquidações impugnadas de fls. 13, 16 e 20, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
F) As referidas liquidações dos anos de 2006, 2007 e 2008, originaram, respectivamente, um saldo a reem­bolsar de €1.056,19, e um saldo a pagar de €633,40 e €1.475,00 (fls. 13 a 21).
G) O saldo a pagar das liquidações de 2007 e 2008 foram pagos em 20/1/2010 (fls. 16 a 22).
H) A impugnante foi notificada da liquidação impugnada relativa ao ano de 2006 e da demonstração do res­pectivo acerto de contas em 2/12/2009 (fls. 13, 14, 121 e 122).
I) A impugnante apresentou a petição inicial da impugnação judicial em 12/4/2010 (fls. 74 e artigo 54.° da petição inicial). .(…)”.

3.1. A Recorrente na conclusão I alega que, apenas podemos concluir que a contabilização correta dos serviços comercializados pela impugnante nos contratos de publicidade celebrados aqui em causa, é a que resulta vertida do RIT que originou as liquidações adicionais de IRC impugnadas, sendo, portanto, manifesto o erro de julgamento sobre a matéria de facto quando a sentença julga verificada a boa fé da impugnante face à interpretação da lei em vigor.
Resulta da conjunção dos artigos 712.º e 685º-B.º do CPC, (atuais art.°s 662.º e 640.º) que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios.
Como é sabido, existem rigorosas regras que não foram minimamente cumpridas pela Recorrente, logo, nesta parte terá de ser rejeitado, sem prejuízo da sua ponderação no erro de julgamento.

4 . FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A Recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do n.º 2 do art.º 68.º-A da LGT e, consequentemente, do n.º 1 do art.º 23.º e alínea a) do n.º 3 do art.º 81.º do CIRC, por ter sido este o normativo que sustentou a correção efetuada.
Vejamos:
A sentença recorrida entendeu que a Administração Tributária ao invocar a aplicação retroativa da Circular n.° 20/2009 para proceder à correção da matéria tributável da Recorrida/Impugnante nos exercícios de 2007 e 2008 e às consequentes liquidações adicionais incorreu na aplicação ilegal dessa circular, face ao disposto no art.º 68.°-A, n.º 2, da LGT.
A sentença recorrida refere que “Pese embora a correcção que deu origem às liquidações impugnadas esteja fundamentada no art. 81.º, n.º 3, alínea a), do CIRC, conforme decorre expressamente do RIT o valor das correcções resultou da aplicação da referida Circular n.º 9/2009. [20/2009 ].
Com efeito, no RIT diz-se expressamente que “(...) 2. A repartição dos serviços pelos dois conjuntos será feita na proporção de 80% respeitante aos serviços “principais” de 20 % para os serviços “acessórios” , percentagens que se mostram adequadas á natureza dos serviços abrangidos pelos contratos celebrados e conforme resulta das instruções difundidas pela circular nº 20/2009 da Direcção de Serviços relatório de inspecção IRC e da Direcção de Serviços do IVA, de 28 de Julho de 2009.
2.1. IRC
- As despesas com serviços acessórios “principais”; são aceites como custo nos termos do n. º 1 do artigo 23.° do Código do IRC;
- As despesas com serviços ditos “acessórios, são igualmente aceites como custo mas, como configuram “despesas de representação”; ficam sujeitas à tributação autónoma prevista na alínea a) do n. ° 3 do artigo 81. ° do Código do IRC”; (fls. 64 dos autos).
Daqui resulta claramente que a administração tributária socorreu-se da aplicação da Circular n.º 20/2009, para qualificar os denominados serviços “principais” e ”acessórios” determinar o valor da percentagem de uns e outros, para os aceitar como custo nos termos do art. 23. °, n.º 1, do CIRC ou como custos sujeitos a tributação autónoma nos termos do art. 81.º, n.º 3, alínea a), do CIRC.
Assim, não há dúvida que a administração tributária para proceder à correcção da matéria colectável da impugnante e às subsequentes liquidações impugnadas nestes autos, referentes aos exercícios de 2007 e 2008, socorreu-se da aplicação retroactiva da referida Circular n.º 20/2009.
No momento do facto tributário ainda não estava em vigor a Circular n.º 20/2009 e naquela data a interpretação dada pela impugnante à lei em vigor era a única possível e de boa-fé.
De resto foram as dúvidas sobre o enquadramento dessas despesas para efeitos de IRC e IVA que estiveram na origem da referida circular. Na verdade, resulta do seu preâmbulo que “Tendo surgido dúvidas sobre o enquadramento para efeitos de IRC e de IVA dos encargos ou gastos suportados pelos sujeitos passivos com a «aquisição de direitos de utilização de camarotes nos estádios de futebol» (designados de «Pacotes Corporate»], (...) foi sancionado o seguinte entendimento (...)”.
Por isso, não pode dizer-se que a impugnante não deu uma interpretação plausível e de boa-fé ao regime legal em vigor à data dos factos tributários em causa nestes autos, os exercícios de 2007 e 2008. (…)”
E julgou procedente a impugnação judicial anulando as liquidações de 2007 e 2008 o que desde já se diga que não nos merece reparo.
Resulta dos autos que a Recorrida, para as épocas de 2005/2006 e 2007/2008 celebrou contratos de Publicidade com o V., vulgarmente conhecidos por “Pacotes Corporate”, o que permitia publicidade estática e outros benefícios nomeadamente, utilização do estádio, para ações congressos apresentação de produtos, acesso a camarotes VIP Premium, camarote presidencial, 30 lugares de bancada e ainda lugares de estacionamento.
A Recorrida contabilizou a totalidade dos valores constantes nas faturas numa conta de custos- 62233- Publicidade, nos anos de 2007 e 2008.
Em 21.10.2009 foi efetuada inspeção que abrangeu os anos de 2007 a 2008 e nessa sequência foi corrigido a matéria coletável tendo os valores pagos e titulados por aquelas faturas sido discriminados em “serviços principais” e “serviços acessórios” tendo sido utilizado a proporção de 80% e 20% respetivamente, sendo os primeiros considerados custos e os segundos tributados nos termos da alínea a) do n.º 3 do art.º 81.º do CIRC, como tributações autónomas.
Como refere a sentença recorrida, o relatório de inspeção invoca expressamente a doutrina da circular n.º 20/2009 de 28.07.2009 (repare-se que o relatório foi concluído em 21.10.2009) seguindo a proporção nela estabelecida.
O art.º 68.º A da LGT prevê que: “1 - A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.
2 - Não são invocáveis retroativamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.
3 - (…)”
Decorre da interpretação n.º 2 do art.º 68.ºA da LGT (art.º 68.º n.º 5 da LGT na versão original) que a proibição da retroatividade da orientação genérica funciona mediante uma condição prévia imposta ao contribuinte de que a interpretação da norma de incidência em questão fosse plausível e de boa-fé.
O conceito de boa-fé a que alude o nº 2 do artigo 68.º-A, da LGT, é um conceito objetivo ou de conduta do contribuinte. Impõe-se que, o sujeito passivo possua uma convicção legítima e justificada de que seria aquela a forma de contabilizar os custos relativos aquele contrato.
Em caso de dúvidas, as quais são aferidas por qualquer contribuinte de média sagacidade e diligência equivalente ao bonus pater familiae, impedem que se diga que a opção tomada, fosse pautada, sem margem para dúvidas, pela boa-fé.
Acresce ainda referir, que a circular n.º 20/2009 reconhece no seu preâmbulo a existência de dúvidas verificadas por outros contribuintes, sobre o enquadramento para efeitos de IRC e IVA dos encargos ou gastos suportados pelos sujeitos passivos com a “(...) aquisição de direitos de utilização de camarotes nos estádios de futebol» [designados de «Pacotes Corporate»] (…), o que conduziu a emissão orientações genéricas, reconhecendo-se assim, interpretações diversas pelos contribuintes.
Assim sendo, ter-se-á de concluir que a interpretação da norma de incidência em questão pela Recorrida era plausível e de boa-fé (cfr. acórdão TCAS 194/12.2BELRS de 21.01.2020).
Acresce ainda referir que se pretendia aplicação retroativa da circular, a Administração deveria ter efetuado um esforço mínimo de provar a má-fé da Recorrida. Em lado algum a AT demonstrou que lhe era legítimo aplicar retroativamente a circular, uma vez, que a Recorrida agiu de má-fé por conhecer que assim deveria ser contabilizado.
Com efeito, a alínea a) do art.º 23.º do CIRC, considera custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.
Assim, não decorre da interpretação do art.º 23.º e 81.º do CIRC, nas versões à data dos factos (2007 e 2008) que aqueles custos deveria ser divididos e nas respetivas proporções de 80% e 20%.
Assim a interpretação efetuada pela Recorrida à luz do n.º 2 do art.º 68.º-A da LGT, pode considerar plausível e manifestamente de boa-fé.
Destarte a sentença recorrida fez uma correta interpretação da lei pelo que não incorreu em erro de julgamento que lhe vem assacado.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:
I. Decorre da interpretação n.º 2 do art.º 68.ºA da LGT (art.º 68.º n.º5 da LGT na versão original) que a proibição da retroatividade da orientação genérica funciona mediante uma condição prévia imposta ao contribuinte de que a interpretação da norma de incidência em questão fosse plausível e de boa-fé.
II. O conceito de boa-fé a que alude o nº 2 do artigo 68.º-A, da LGT, é um conceito objetivo ou de conduta do contribuinte. Impõe-se que, o sujeito passivo possua uma convicção legítima e justificada de que seria aquela a forma de contabilizar os custos relativos aquele contrato.
III. Em caso de dúvidas, as quais são aferidas por qualquer contribuinte de média sagacidade e diligência equivalente ao bonus pater familiae, impedem que se diga que a opção tomada, fosse pautada, sem margem para dúvidas, pela boa-fé.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.
*
Custas a cargo da Recorrente, nos termos do art.º 527.ª do CPC.
*
Porto, 14 de janeiro de 2021

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes