Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02204/13.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – NATUREZA VINCULATIVA DO ATO IMPUGNADO– ERRADA INTERPRETAÇÃO DA LEI
Sumário:I- Mostrando-se triunfalmente resolvida pelo Órgão jurisdicional cúpula desta Jurisdição a temática em torno de saber se resulta possível [ou não] atribuir eficácia invalidante aos detetados vícios de (i) falta de fundamentação e (ii) preterição de no sentido de se justificar a anulação do acto impugnado nos autos, por impossibilidade de se concluir que o acto foi praticado no exercício de poderes vinculados, não logra o Recorrente demonstrar, como era seu ónus, e, resulta do art. 342º, nº 1, do Código Civil, a tese exposta no plano da vinculatividade do ato impugnado.

II- Do disposto do n°. 2 do artigo 46° do Decreto-Lei n°75/2008, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012, não decorre a impossibilidade de nomeação da R.A. como Chefe dos serviços administrativos, atenta a sua integração na carreira de Assistente de Administração Escolar com a categoria de Chefe dos Serviços de Administração Escolar.

III- Tal é o que resulta inequivocamente da parte final do n°. 2 do citado artigo 46°, que estende a possibilidade de chefia dos serviços administrativos a trabalhadores detentores da “(…) carreira subsistente de chefe de serviços de administração escolar, nos termos do Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de julho, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho (…)”.

IV- Do disposto alínea d) do nº.2 do artigo 20º do Decreto-Lei n°75/2008, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012, não decorre a conclusão lógica e necessária que “(…) a reconstituição dessa situação seria sempre da exclusiva competência do Diretor do Agrupamento de Escolas de Airães (…)”, mas apenas o que dele consta, ou seja, que a “distribuição de serviço docente e não docente” é da competência do diretor do agrupamento de escolas ou escola não agrupada nas áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
Município ..., com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra si intentada pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE, também com os sinais dos autos, que declarou “(…) a nulidade da decisão consubstanciada na Ordem de Serviço n.° ...13, de 30 de abril de 2013, da autoria do Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., que foi formada em conformidade com decisão da Vereadora da Câmara Municipal de ..., datada de 10 de abril de 2013, devendo os Réus, consequentemente, concertar atuação no sentido de repor a situação de facto e de direito que envolve a representada do Autor, existente à data de 30 de abril de 2013 (….)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…)
1ª Sendo um ato administrativo estritamente vinculado, a Ordem de Serviço N°...13, nunca poderia sofrer de vício de violação de lei por violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé;
2ª Assim como nunca poderia sofrer do vício de forma, por falta de fundamentação;
3ª Tal como nunca poderia sofrer de vício de procedimento, por falta de audiência prévia da interessada;
4ª A imputar a essa ordem de serviço esses três vícios e ao declará-la nula a douta sentença objeto do presente recurso incorreu em erro de julgamento;
5ª Assim como incorreu em erro de julgamento ao considerar, sem qualquer fundamento, que esse ato corporiza uma sanção disciplinar;
6ª E incorreu em novo erro de julgamento ao condenar os Réus a colocarem a representada do Autor na situação de facto e de direito que ela tinha em 30 de abril de 2013, em manifesto desrespeito pelo preceituado no n°2 do artigo 46° do Decreto-Lei n°75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012;
7ª Tendo incorrido ainda num outro erro de julgamento ao condenar o Município ... a repor AA na situação profissional em que ela se encontrava em 10 de abril de 2013, quando a competência para operar essa reposição seria (se ela fosse legalmente possível) sempre e exclusivamente do Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., por força da alínea d) do n°4 do artigo 20° do Decreto-Lei n°75/2008, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012 (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no artigo 146º, nº 1 do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a determinar se se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro[s] de julgamento da matéria de direito, designadamente, por (i) errada imputação de sanção disciplinar e ainda por (ii) ofensa do disposto no n°. 2 do artigo 46° do Decreto-Lei n°75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012, bem como (iii) na alínea d) do n°4 do artigo 20° do Decreto-Lei n°75/2008, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado [positivo, negativo e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…)
1- Por despacho datado de 18 de abril de 2008 do Diretor Geral dos Recursos Humanos e da Educação, precedendo concurso público, a representada do Autor foi nomeada definitivamente na categoria de assistente de administração escolar principal da carreira de assistente de administração escolar do quadro distrital de vinculação do Porto do pessoal não docente - Cfr. fls. 1 do Processo Administrativo;
2 - No âmbito do contrato n.° ...09, celebrado entre o Ministério da Educação e a Câmara Municipal ... em 16 de setembro de 2008, e publicado no DR 2.a série, n.° 142, de 24 de julho de 2009, entre o mais, foi disciplinada a transferência de pessoal não docente para o Município ..., que em junho de 2008 se encontrava em exercício de funções nos estabelecimentos de educação e ensino do Município, de entre o qual a representada do Autor, cuja relação se encontra sob o Anexo I a esse Contrato - Cfr. fls. 2 e 3 do Processo Administrativo;
3 - Nos termos do Anexo I a esse Contrato, a representada do Autor tinha vínculo com o Ministério da Educação, estava integrada na carreira de Assistente de Administração Escolar, detendo a categoria de Chefe dos Serviços de Administração Escolar em regime de substituição, no escalão 1, índice 370, exercendo funções na EB 2,3 de ... - Cfr. fls. 2 e 3 do Processo Administrativo;
4 - Por oficio datado de 04 de janeiro de 2011, da Vereadora da Câmara Municipal de ..., dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., foi solicitado, que em virtude de a representada do Autor ter terminado no dia 31 de dezembro de 2010 a mobilidade interna como Chefe de serviços de administração escolar, que fosse informada do seu posicionamento remuneratório - Cfr. fls. 4 e 10 verso do Processo Administrativo;
5 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 02 de março de 2011, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ..., que se identificou como sendo assistente técnica a exercer funções nos serviços administrativos do Agrupamento de Escolas ..., e referindo que em fevereiro de 2011 a Câmara Municipal deu por findo a sua mobilidade inter categorias, requereu transferência para a escola - Cfr. fls. 6 do Processo Administrativo;
6 - Nessa sequência, por mensagem de correio eletrónico datada de 27 de abril de 2011, dirigido à Câmara Municipal, o Diretor do Agrupamento, BB, indicou a representada do Autor, Assistente técnica, para o exercício das funções de Chefe dos Serviços de Administração Escolar do Agrupamento, e que a nomeação devia ter efeitos desde 01 de janeiro de 2011, por existirem documentos pendentes que também deveriam ser assinados por essa responsável - Cfr. fls. 8 do Processo Administrativo;
7 - Por ofício datado de 27 de abril de 2011, da Vereadora da Câmara Municipal de ..., dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., foi-lhe comunicado que por seu despacho datado de 27 de abril de 2011, tinha sido aceite a proposta para que a representada do Autor exercesse as funções de Chefe de serviços de Administração Escolar, sem valorização remuneratória, até ulterior decisão - Cfr. fls. 9 do Processo Administrativo;
8 - Na sequência dessa nomeação da representada do Autor, de 27 de abril de 2011, a mesma participou na primeira reunião do Conselho Administrativo do Agrupamento vertical de Escolas de ... que se lhe seguiu, em 25 de maio de 2011 - Cfr. fls. 16 e 16-verso do Processo Administrativo;
9 - Por mensagem de correio eletrónico datada de 27 de março de 2013, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ..., o Diretor do Agrupamento, BB, invocando uma conversa por si tida com a Vereadora CC, e ainda as suas competências, propôs para o exercício de Coordenadora Técnica, a Assistente Técnica DD, e que em consequência, a representada do Autor, deixasse de exercer essas mesmas funções a partir da data que o mesmo [Presidente da Câmara] viesse a estipular - Cfr. fls. 20 do Processo Administrativo;
10 - Entre o Diretor do Agrupamento, BB, e o Coordenador Técnico do Departamento de Administração e Finanças da Câmara Municipal ..., foram trocadas mensagens de correio eletrónico, em 09 e 11 de abril de 2013, de onde se extrai, que este informou aquele que, por despacho datado de 10 de abril de 2013, da Vereadora CC foi aceite a proposta apresentada, de que a Assistente Técnica DD passe a exercer as funções de Coordenadora Técnica a partir de 02 de maio de 2013 - Cfr. fls. 21 do Processo Administrativo;
11 - No dia 30 de abril de 2013, o Diretor do Agrupamento, BB, invocando um despacho prévio da Vereadora CC, datado de 10 de abril de 2013, emitiu a Ordem de Serviço n.° ...13, pela qual, em suma, a Assistente Técnica DD, passava a exercer as funções de Coordenadora Técnica dos Serviços Administrativos do Agrupamento de Escolas de ..., e a partir dessa mesma data, a representada do Autor, passava a exercer as funções daquela [DD] - Cfr. fls. 23 do Processo Administrativo;
12 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 30 de abril de 2013, dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., foi-lhe pedido que a informasse, por escrito, do que lhe tinha dito verbalmente, no sentido da cessação das funções de Coordenadora Técnica a partir de 02 de maio de 2013, assim como da fundamentação para ser retirada das funções de Coordenadora Técnica, na sequência do que o referido Diretor lhe remeteu ofício levando em anexo cópia da Ordem de Serviço n.° ...13 - Cfr. fls. 22, 23 e 24 do Processo Administrativo;
13 - No dia 20 de maio de 2013, o Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., remeteu ofício à Vereadora da Câmara Municipal de ..., versando o modo e termos da comunicação verbal efetuada em 30 de abril de 2013 à representada do Autor em torno da sua cessação de funções - Cfr. fls. 25 e 25 verso do Processo Administrativo;
14 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 17 de julho de 2013, dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., foi-lhe pedida a emissão de fotocópia do despacho datado de 10 de abril de 2013 referido na Ordem de Serviço n.° ...13, tendo-lhe o mesmo remetido o documento constante da Petição inicial como doc. n.° 6, fl. 2- Cfr. fls. 26 do Processo Administrativo;
15 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 23 de julho de 2013, dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., foi-lhe pedida a emissão de fotocópia do documento enviado à Autarquia com a proposta da sua substituição de funções de Coordenadora Técnica, tendo-lhe sido remetido o documento constante da Petição inicial como doc. n.° 8 - Cfr. docs. n.°s 7 e 8 juntos com a petição inicial;
16 - A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal em 15 de setembro de 2013 - Cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
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Fundamentação:
Os factos dados como assentes supra, tiveram por base os documentos constantes dos autos, assim como do Processo Administrativo junto aos autos pelo Ministério da Educação, e/ou que não resultaram controvertidos.
Dão-se aqui por integralmente enunciados, os documentos enunciados nos factos dados como provados supra.
Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado, ou não provado (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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1. Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicional em análise, não sem antes efetuarmos uma breve resenha processual para cabal compreensão dos autos.
2. O Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, aqui Recorrido, intentou a presente ação com vista à obtenção à declaração judicial de ilegalidade, por nulidade ou anulabilidade, da decisão consubstanciada na Ordem de Serviço nº. ...13, de 30 de abril de 2013, da autoria do Diretor do Agrupamento de Escolas de ..., que fez cessar as função da Representada do Autor [doravante R.A.] de Coordenador Técnica, nomeando em sua substituição DD.
3. O T.A.F. do Porto julgou, como sabemos, esta ação procedente, na esteira do que declarou a nulidade da nulidade da decisão consubstanciada na apontada Ordem de Serviço n.° ...13, com a imposição aos Réus da concertação de atuação “(…) no sentido de repor a situação de facto e de direito que envolve a representada do Autor, existente à data de 30 de abril de 2013 (….)”.
4. O Município ... interpôs recurso jurisdicional desta para este Tribunal Central Administrativo, imputando-lhe erro de julgamento da matéria de direito, por manter a firme convicção de que o ato impugnado configura um ato vinculado, sendo, por isso, insuscetível de violar os princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé, para além de não carecer de fundamentação formal expressa e audiência prévia de interessados, não se mostrando, nessa medida, integrado pelos vícios de forma, por falta de fundamentação e de preterição de audiência de interessados.
5. Este T.C.A.N., por acórdão datado de 30.09.2020, concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogou a decisão judicial recorrida e julgou a presente ação improcedente.
6. Inconformado, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte apelou do assim decidido para o S.T.A., que, por aresto datado de 13.01.2022, concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão de 30.09.2020 e determinou a baixa dos autos a este Tribunal “(…) para aí serem apreciados os restantes erros de julgamento que na apelação interposta pelo Município ... haviam sido imputados à sentença e que não foram conhecidos (cf. art.º 672.º, do CPC, que exclui a aplicação ao recurso de revista do disposto no n.º 2 do art.º 655.º do mesmo diploma) (…)”
7. A ponderação de direito na qual o S.T.A estribou o juízo de procedência do recurso acórdão deste T.C.A.N. foi a seguinte:”(…)
O DL n.º 75/2008 - que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário - estabeleceu inicialmente, no art.º 46.º, n.º 2, que os serviços administrativos dos agrupamentos de escolas e de escolas não agrupadas eram chefiados por um chefe de serviço de administração escolar e, com a alteração que lhe foi introduzida pelo DL n.º 137/2012, passou a dispor:
“Os serviços administrativos são unidades orgânicas flexíveis com o nível de secção chefiados por trabalhador detentor da categoria de coordenador técnico da carreira geral de assistente técnico, sem prejuízo da carreira subsistente de chefe de serviços de administração escolar, nos termos do DL n.º 121/2008, de 11/7, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, e pelo DL n.º 72-A/2010, de 18/6”.
Resulta da matéria fáctica provada que, pela OS n.º 3/2013, a representada do A. – que tinha a categoria de assistente técnico – deixou de exercer as funções de coordenadora técnica que passaram a ser exercidas por outra assistente técnica, passando aquela a exercer as funções que esta vinha desempenhando.
O acórdão recorrido, como vimos, reconhecendo que esse acto padecia de vícios de forma - por falta de fundamentação e por preterição da formalidade da audiência prévia da representada pelo A. -, entendeu, por aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo vinculado, que estas ilegalidades não tinham eficácia invalidante, dado que, em face do que dispunha o citado art.º 46.º, n.º 2, a entidade demandada estava vinculada a nomear para a chefia dos serviços administrativos funcionário que integrasse a categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico ou da carreira subsistente de chefe de serviços da administração escolar, requisito que aquela não preenchia, pelo que o acto impugnado sempre teria de revestir o mesmo conteúdo.
Porém, como nota o acórdão da formação de apreciação preliminar que admitiu a presente revista, “carecendo o acto de fundamentação, não se sabe exatamente que norma pretendeu ele ativar ao substituir uma funcionária por outra”, sendo certo também que, tendo ambas a mesma categoria, não parece que se estivesse a aplicar o aludido art.º 46.º, n.º 2.
Ora, constitui jurisprudência deste STA, que a recusa do efeito invalidante com base no princípio do aproveitamento do acto administrativo supõe não só que se esteja perante um acto praticado no exercício de poderes vinculados mas também que o tribunal possa concluir, através do exercício dos seus poderes de cognição, que os efeitos jurídicos produzidos correspondem à decisão imposta por lei em face dos pressupostos existentes, apresentando-se, assim, como uma inevitabilidade legal (cf., entre muitos, os Acs. de 2/3/2000 – Proc. n.º 043390, de 28/1/2003 – Proc. n.º 0838/02, de 13/1/2004 – Proc. n.º 040245, de 9/2/2005 – Proc. n.º 1306/04, de 14/4/2005 – Proc. n.º 0774/04, de 16/2/2006 – Proc. n.º 0684/05, de 22/11/2006 – Proc. n.º 0425/06 e de 25/2/2009 – Proc. n.º 0974/08). Por isso, este princípio só é aplicável quando se possa afirmar, com inteira segurança e sem margem para quaisquer dúvidas, que a decisão tomada não tinha alternativa juridicamente válida, não podendo valer quando o tribunal não está em condições de extrair esse juízo.
Portanto, carecendo o acto impugnado de fundamentação, desconhece-se ao abrigo de que norma foi ele praticado e, consequentemente, se o foi no exercício de poderes vinculados, bem como se, sem margem para qualquer dúvida, ele consubstancia a única decisão legalmente possível, motivo por que o tribunal está impedido de antecipar o aludido juízo de inevitabilidade jurídica e de atribuir eficácia não invalidante aos vícios procedimentais que o acórdão reconheceu existirem.
Esta impossibilidade de se concluir que o acto foi praticado no exercício de poderes vinculados, determina também a improcedência do motivo que levou o acórdão recorrido a considerar não verificado o vício de violação de lei por infração dos princípios da proporcionalidade, justiça, imparcialidade, razoabilidade e boa fé.
Nestes termos, é de conceder provimento à revista, com a consequente revogação do acórdão recorrido, determinando-se a baixa dos autos ao TCA-Norte para aí serem apreciados os restantes erros de julgamento que na apelação interposta pelo Município ... haviam sido imputados à sentença e que não foram conhecidos (cf. art.º 672.º, do CPC, que exclui a aplicação ao recurso de revista do disposto no n.º 2 do art.º 655.º do mesmo diploma) (…)”.
8. Conforme dimana do que se vem de transcrever, mostra-se cristalizado o reconhecimento de que o ato impugnado enferma dos vícios de (i) falta de fundamentação e (ii) preterição de audiência prévia.
9. Dimana ainda que a temática em torno de saber se resulta possível [ou não] atribuir eficácia invalidante aos detetados vícios de (i) falta de fundamentação e (ii) preterição de audiência foi triunfalmente resolvida pelo Órgão jurisdicional cúpula desta Jurisdição no sentido de se justificar a anulação do acto impugnado nos autos, por impossibilidade de se concluir que o acto foi praticado no exercício de poderes vinculados.
10. Desta feita, e sopesando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, impera concluir que as questões que ora importa conhecer são as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por (i) errada interpretação e aplicação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé; (ii) por errada imputação de sanção disciplinar e ainda por (iii) por ofensa do disposto no (iii.1) n°. 2 do artigo 46° do Decreto-Lei n°75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012, bem como (iii.2) na alínea d) do n°4 do artigo 20° do Decreto-Lei n°75/2008, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012.
12. Vejamos detalhadamente cada destes pontos.
13. Sobre o primeiro ponto, importa que se comece por sublinhar que, perlustrando as conclusões de recurso transcritas no ponto I) do presente Acórdão, facilmente se atinge que o Recorrente Município ... estribou o erro de julgamento de análise exclusivamente na circunstância do ato impugnado revestir a natureza de “ato vinculado”.
14. Porém, conforme apreciado pelo colendo S.T.A. no aresto de 13.01.2022, “(…) carecendo o acto impugnado de fundamentação, desconhece-se ao abrigo de que norma foi ele praticado e, consequentemente, se o foi no exercício de poderes vinculados, bem como se, sem margem para qualquer dúvida, ele consubstancia a única decisão legalmente possível (…)”.
15. Sendo este os contornos imutáveis do caso a decidir, dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que o Recorrente não logrou demonstrar, como era seu ónus, e, resulta do art. 342º, nº 1, do Código Civil, a tese exposta no plano da vinculatividade do ato impugnado.
16. Por conseguinte, e em conformidade com o supra exposto, resulta cristalino que o erro de julgamento invocado pelo Recorrente no domínio da vício de violação de lei, por infração violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé fracassa redondamente.
17. Por sua vez, e com reporte ao assinalado erro de julgamento “(…) ao considerar sem qualquer fundamento, que esse ato corporiza uma sanção disciplinar (…)”, denote-se que a argumentação que o Recorrente mobiliza neste domínio é manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com o erro de julgamento convocado nos autos, não constituindo suporte para logicamente se concluir a necessidade, ou, sequer, a probabilidade da verificação do mesmo.
18. Por todo o exposto, sendo absolutamente cristalina a falta de substanciação necessária, não se pode concluir no sentido do verificação do pretendido erro de julgamento.
19. Idêntica conclusão é atingível no tocante à assinalada errada interpretação do disposto do n°. 2 do artigo 46° do Decreto-Lei n°75/2008, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012.
20. De facto, da normação que se vem de elencar não decorre a impossibilidade de nomeação da R.A. como Chefe dos serviços administrativos, atenta a sua integração na carreira de Assistente de Administração Escolar com a categoria de Chefe dos Serviços de Administração Escolar [cfr. pontos 3 e seguintes do probatório].
21. Tal é o que resulta inequivocamente da parte final do n°. 2 do citado artigo 46°, que estende a possibilidade de chefia dos serviços administrativos a trabalhadores detentores da “(…) carreira subsistente de chefe de serviços de administração escolar, nos termos do Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de julho, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho (…)”.
22. Sendo assim, não se descortina, quanto ao aspeto agora tratado, qualquer razão para censura da decisão judicial recorrida.
23. À mesma asserção se chega no tocante ao erro de julgamento de direito assacado pela Recorrente em torno da errada interpretação da alínea d) do nº.2 do artigo 20º do Decreto-Lei n°75/2008, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012.
24. Realmente, nos termos da normação em análise, compete ao diretor do agrupamento de escolas ou escola não agrupada nas áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial, “(…) a) Distribuir o serviço docente e não docente (…)”.
25. Mas daí não decorre a conclusão lógica e necessária que “(…) a reconstituição dessa situação seria sempre da exclusiva competência do Diretor do Agrupamento de Escolas de ... (…)”.
26. Na verdade, a única conclusão lógica que decorre do supra exposto, o é o que dele consta, ou seja, que a “distribuição de serviço docente e não docente” é da competência do diretor do agrupamento de escolas ou escola não agrupada nas áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial.
27. Qualquer outra conclusão em face do aludido preceito legal constitui uma extrapolação não sustentável, mesmo temerária, por falta do respectivo nexo lógico.
28. Neste enquadramento, não se pode acompanhar a tese sustentada pelo Recorrente no sentido de que a respetiva conclusão decisória não está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctica.
29. Assim deriva, naturalmente, que não se antolha a existência de qualquer erro de julgamento direito na questão tratada.
30. E assim fenecem todas as conclusões deste recurso.
31. Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrido.
32. Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
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Porto, 15 de julho de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia