Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02351/16.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:DURAÇÃO EFETIVA DE ESTÁGIO DE ADVOCACIA- DURAÇÃO PROGRÁMATICA DO ESTÁGIO DE ADVOCACIA – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I- Sendo a alegação da Recorrente absolutamente inócua e insuficiente para alterar o quadro decisório assumido na decisão judicial recorrida, a resolução pretendida integra um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer utilidade.

II- A expressão utilizada no artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS “tempo de estágio” reporta-se à duração programática do estágio de advocacia.

III- Um ato estará suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente do sentido da decisão nele prolatada e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:CPAS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

M., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou a presente ação improcedente, e, em consequência, absolveu a Ré CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES [doravante CPAS] do pedido.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…)

I. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedentes os pedidos deduzidos pela Autora, ora Recorrente, de condenação da Ré, aqui Recorrida, à prática do ato de deferimento do pedido de pagamento das contribuições correspondentes ao seu tempo efetivo de estágio e de emissão das guias de pagamento relativas aos meses de novembro e dezembro de 1986 e janeiro a maio de 1987, não reconhecidos nas deliberações de 18.08.2015 e 17.06.2016.
II. Para sustentar a sua decisão, o Tribunal a quo considerou que a expressão '“tempo de estágio” plasmada no artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS (aprovado pela Portaria n.° 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias n.°s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.° 22665/2007, de 28 de setembro) se refere à duração programática do estágio prevista no artigo 162.° do Estatuto da Ordem dos Advogados à data vigente (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março), ou seja, a 18 meses.
III. Porém, não pode a Recorrente conformar-se com o sentido da decisão recorrida, porquanto, e conforme se propõe demonstrar, mal andou o julgador na tarefa de subsunção dos factos ao Direito, porquanto à revelia das mais elementares regras da hermenêutica jurídica, interpretou restritivamente o artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS, assim impedindo a ora Recorrente de beneficiar de todo o seu tempo de estágio na sua carreira contributiva.
IV. Os fundamentos plasmados na decisão recorrida foram, essencialmente, três: (i) o normativo “não utiliza a expressão “duração efetiva de estágio”; (ii) caso tivesse subjacente a “duração efetiva de estágio”, tal traduzir-se-ia num tratamento desigual entre os beneficiários, uma vez que os candidatos que concluíssem o estágio em 18 meses apenas poderiam beneficiar de um aumento de 18 meses na sua carreira contributiva e aqueles que protelassem a sua inscrição, poderiam tirar partido dessa situação; (iii) permitir-se-ia um aumento da carreira contributiva, através do pagamento de contribuições pelo primeiro escalão, durante mais tempo do que o legalmente previsto (cfr. artigo 72.° do antigo Regulamento da CPAS).
V. Contudo, nenhum destes argumentos encontra na lei e no Direito qualquer acolhimento, sendo a interpretação veiculada pelo Tribunal a quo juridicamente inaceitável e desconforme com o disposto no artigo 63.°, n.°s 1 e 4 da CRP.
VI. Note-se que a letra do artigo 5.°-A do antigo Regulamento da CPAS expressamente refere a possibilidade dos beneficiários requererem o pagamento das contribuições respeitantes ao “tempo de estágio em que não tenham estado inscritos”, sendo certo que não usa a expressão “tempo da duração legal mínima do curso de estágio” ou “o tempo do curso de estágio” ou qualquer outra com igual significado.
VII. Ao empregar a expressão “o tempo” ou “ao tempo” está, em termos literais, a querer significar todo o tempo e não apenas ao período legal de duração do estágio.
VIII. Mais se diga que tal sentido é o que melhor se adequa, tendo em conta a relação jurídica sinalagmática estabelecida entre os Advogados e a Caixa de Previdência, a qual que tem como pressupostos de facto a “prestação de serviço numa dada qualidade” e o pagamento das correspondentes contribuições.
IX. A relação jurídica entre os Advogados e a Caixa de Previdência só se consolida e se completa com a qualidade de advogado ou solicitador, mas o artigo 5.° A do anterior Regulamento da CPAS ora em análise permite que o interessado possa fazer relevar o tempo em que era ainda estagiário.
X. Ao estender os efeitos da relação jurídica ao tempo de estágio, o Regulamento da CPAS está a compreender no seu âmbito, afinal, o tempo de serviço prestado numa determinada qualidade ou status, e as coisas não poderiam ser de outro modo, porquanto é a efetiva prestação de serviço enquanto advogado ou estagiário que é pressuposto para a constituição da relação jurídica em causa.
XI. Não é pois a “duração legal do curso de estágio” que constitui o pressuposto de facto para a constituição da relação jurídica, mas sim o tempo efetivo de duração do mesmo. Até porque, por razões organizativas e funcionais, trata-se de um período de referência, que quando muito — atendendo ao fim visado pelo legislador, de se assegurar que o futuro advogado, antes de atingir a plena capacidade profissional, passe por um período de tirocínio sob o controlo e acompanhamento de um patrono e da própria Ordem — constitui quer para a Ordem, enquanto entidade reguladora, quer sobretudo para os estagiários, um limiar temporal mínimo, e nunca máximo.
XII. Trata-se pois, como é óbvio, para a Ordem - e nessa medida, por decorrência, para os próprios estagiários àquela sujeitos, e enquanto a ela sujeitos — de um prazo ordenador, não sendo suposto o ter a mesma Ordem que organizar, implementar e encerrar cada curso de estágio (com a inscrição como advogados de todos os estagiários que hajam terminado o curso com sucesso e requerido tempestivamente a dita inscrição) nesses 18 meses.
XIII. Com todo o respeito, esta tese é de tal modo disparatada que chega a dificultar a demonstração da sua antítese, na medida em que é muitas vezes custoso o exercício de demonstrar tudo algo que é, à luz de critérios lógicos e de razoabilidade, evidente e manifesto.
XIV. Em face do exposto, dúvidas não restam que o sentido literal da expressão usada na lei é a de que todo o tempo de estágio (ou seja, todo o período de tempo em que o beneficiário foi estagiário, no âmbito de um mesmo e único curso de estágio, sem suspensões nem prorrogações) é contabilizável para efeitos do apuramento da carreira contributiva.
XV. Apenas consentindo a letra da lei, e com base na ideia de um tempo efetivo de estágio que não implique a frequência de um subsequente curso de estágio, um entendimento já algo restritivo, que exclui os períodos de suspensão ou prorrogação ou renovação do status profissional em questão (causas por definição imputáveis ao próprio — seja porque em razão de conveniência própria requereu tal suspensão, seja porque. não tendo cumprido os ónus presenciais a que estava adstrito ou não tendo conseguido superar a prova final do tirocínio, teve por isso necessidade de frequentar o subsequente curso de estágio).
XVI. Ao plasmar entendimento diferente, afigura-se claro que a decisão proferida pelo Tribunal a quo incorre em erro de interpretação e, consequentemente, aplicação da lei.
XVII. A conclusão restritiva plasmada na decisão recorrida não tem fundamento legal, nem sequer tem na letra da lei e no pensamento do legislador um mínimo de correspondência, incorrendo em violação primária do direito substantivo, por erro de interpretação (artigo 9.° do Código Civil) sobre o estatuído no artigo 5.°A do anterior Regulamento da CPAS.
XVIII. Do mesmo modo, não pode acolher-se o argumento utilizado na fundamentação da decisão recorrida segundo o qual a interpretação propugnada pela Recorrente conduziria à violação do princípio da igualdade, quando, na verdade, é o entendimento vertido na decisão recorrida que potencia situações de desigualdade de tratamento entre beneficiários que se encontrem em situações idênticas.
XIX. Atente-se que no lapso temporal de seis meses em que a Recorrente aguardou que a sua inscrição como advogada fosse efetivada, esteve impossibilitada de iniciar a sua carreira contributiva com o pagamento das contribuições devidas como e enquanto advogada, como também vê negado o seu direito de o fazer enquanto advogada-estagiária. Isto, quando, note-se, mantém o seu status profissional ativo, porquanto não suspendeu a sua inscrição na Ordem como advogada-estagiária: aliás, continuou legitimamente a praticar os atos próprios — forenses e de consultoria jurídica abrangidos pelo Estatuto.
XX. Não é pois admissível que candidatos que se encontrem nas mesmas circunstâncias, que terminam o estágio ao mesmo tempo e que requerem tempestivamente a sua inscrição como advogados tenham um tratamento tão desigual, motivado por fatores imputáveis à Ordem dos Advogados e a que os mesmos são alheios.
XXI. Não foi, por conseguinte, intenção do legislador que a atribuição do benefício plasmado no artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS ficasse dependente de fatores tão arbitrários como a maior ou menor eficiência dos serviços de um Conselho Distrital no processo de inscrição de um candidato à advocacia. Poder-se-ia até, por hipótese, dar o caso das inscrições se procederem por ordem alfabética e um candidato cujo nome se iniciasse pela letra “A” beneficiar de uma carreira contributiva superior a um candidato cujo nome comece por “Z”.
XXII. Não pode, em suma, consentir-se que o legislador tivesse previsto que o lapso temporal entre o final do estágio e a inscrição como advogado ficasse excluído de contabilização para qualquer efeito.
XXIII. Assim, para obviar a esta desigualdade de tratamento, outra não poderá ser a interpretação senão a de que todo o tempo de estágio - todo o tempo de estágio efetivamente decorrido num único e mesmo curso de estágio, sem suspensões ou prorrogações — releva para efeitos de aumento da carreira contributiva nos termos do artigo 5.°A do anterior regulamento da CPAS.
XXIV. Sendo indubitável que no lapso temporal decorrido entre o término do estágio e a efetiva inscrição como advogado o candidato mantém um status ativo (seja como advogado estagiário, se entendermos que o ato de inscrição é um ato constitutivo do status de advogado, como são doutrina e jurisprudência maioritárias; seja como advogado, caso de julgue que o ato de inscrição é meramente declarativo, retroagindo por isso os seus efeitos ao momento do preenchimento de todos os requisitos legalmente exigidos, mais precisamente à data de apresentação do requerimento de inscrição), a única forma do trabalho levado a cabo nessa fase ser tido em conta na carreira contributiva dos candidatos à advocacia — como é propósito do legislador com a consagração do artigo 5.°-A aqui em análise — é interpretando este normativo no sentido de permitir que os beneficiários possam pagar as contribuições referentes a todo o tempo efetivo de estágio (no âmbito de um único e mesmo curso de estágio, sem suspensões nem prorrogações).
XXV. Não será também de acolher o argumento expendido pelo Tribunal a quo segundo o qual, ao permitir o pagamento das contribuições de todo o período de estágio, estar-se-ia a possibilitar que os beneficiários pudessem alcançar a reforma, contribuindo por mais tempo do que o legalmente previsto pelo primeiro escalão, violando o disposto no artigo 72.°, n.° 3 do antigo Regulamento da CPAS.
XVI. Atente-se que a mencionada disposição legal se refere às regras aplicáveis à carreira contributiva após a inscrição como e enquanto advogados. No caso das contribuições referentes ao período de estágio, o artigo 5.°A, n.° 2 do antigo Regulamento da CPAS permite que estas sejam calculadas pelo valor correspondente a um, se mais não forem escolhidos, salário mínimo nacional que estiver em vigor no ano em que o pagamento for requerido (isto se a escolha do interessado não recais sobre um valor superior, de dois ou mais salários mínimos).
XXVII. Na medida em que esta norma possibilita essa escolha aos beneficiários, não é defensável a desconformidade do entendimento que ora se propugna (o pagamento das contribuições relativas a todo o período de estágio) com o preceituado no artigo 72.° do anterior Regulamento da CPAS.
XXVIII. Acresce que, na análise que empreende, o Tribunal a quo socorre-se da interpretação veiculada por este Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão de 09.10.2015, proferido no âmbito do processo n.° 00807/10.0BELSB, olvidando que a situação fáctica aí vertida era distinta da versada no caso sub judice.
XXIX. Naquele processo, o Tribunal teve em conta no seu julgamento que o estágio do Autor se realizou entre 15.01.1971 e 17.12.1977, ou seja, durante 83 meses, quase sete anos civis, imputáveis ao ali Autor (suspensão, prorrogação, ...).
XXX. Efetivamente, tal factualidade não tem o mínimo de correspondência com a da aqui Recorrente, uma vez que esta realizou o estágio no período legal fixado para o efeito (18 meses, nos termos do artigo 162.° do Estatuto da Ordem dos Advogados à data vigente), nunca o prorrogou ou suspendeu (nesta segunda hipótese, no sentido de, por conveniência própria ou por se ver forçada a tal, requerer a frequência de um subsequente curso de estágio) e sempre cumpriu, escrupulosa e linearmente, as suas obrigações enquanto advogada estagiária, tendo tempestivamente requerido a sua inscrição como advogada.
XXXI. Contudo, só ao fim de seis meses foi a Recorrente inscrita como advogada, sendo certo que tal lapso temporal é única e exclusivamente imputável à Ordem dos Advogados. Trata-se de um fator sobre o qual a Recorrente, que sempre agiu com o zelo e a diligência que lhe eram exigidos, não teve qualquer controlo ou responsabilidade — não se podendo retirar da lei uma interpretação in mala parte que beneficia a Administração, penalizando do mesmo passo o estagiário... por atrasos afinal imputáveis à Administração e só à Administração (e quando dizemos à Administração, não nos estamos sequer a referir a um complexo abstrato de órgãos e serviços articulados entre si / mas ao mesmo sujeito público!)
XXXII. Com efeito, a aceitar-se este iníquo entendimento, vê-se agora a Recorrente prejudicada pela negligência/ineficiência da Ordem dos Advogados. pela Caixa de Previdência da mesma Ordem dos Advogados! Ineficiência de que a aqui Recorrida agora tenta tirar partido, com manifesta má-fé porquanto incorre num inequívoco venire contra factum próprio.
XXXIII. Nestes termos, ao validar tal situação com recurso a uma interpretação que, como se demonstrou, nem sequer é consentânea com a letra e o espírito da lei, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é, mais do que um título, manifestamente ilegal.
XXXIV. Além disso, caso vingue a interpretação da decisão recorrida no sentido de não permitir que os beneficiários efetuem o pagamento das contribuições de todo o seu tempo efetivo de estágio, sem suspensões ou prorrogações (com frequência de um único e mesmo curso de estágio), então a mesma não respeita o preceito ínsito no artigo 63.°, n.°s 1 e 4 da CRP, segundo o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo da pensão de velhice e invalidez.
XXXV. De acordo com o disposto no Acórdão do STA de 27.05.2009, proferido no âmbito do processo n.° 0878/07, disponível em www.dgsi.pt, “o art. 63° n° 4 da CRP imporia que todo o tempo correspondente às contribuições do autor para a CPAS fosse contabilizado no cálculo da sua pensão de velhice”.
XXXVI. Como também bem clarificou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 411/99, “A utilização da expressão “todo o tempo de trabalho...”, em conjugação com o segmento “independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”, impõe, nesta matéria, a obrigação, para o legislador ordinário, de prever a contagem integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, sem restrições que afetem o núcleo essencial do direito (...). Se a lei fracionar o tempo de trabalho para efeitos de aposentação — assim eliminando parte do tempo de trabalho prestado -, já não será de todo o tempo de trabalho a contribuir para o cálculo das pensões, mas apenas parte dele” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p.638).
XXXVII. Refira-se que o direito à segurança social é um direito fundamental, sendo uma das suas dimensões o princípio de que todo o tempo de trabalho deve ser considerado para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado.
XXXVIII. A decisão recorrida, na esteira do defendido pela Recorrida, interpreta o artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS de forma contrária à Constituição, pois não está a permitir que se contabilize, para efeitos de cálculo da reforma da Recorrente, todo o tempo em que esta esteve, efetivamente, a trabalhar.
XXXIX. Assim, apenas entendendo que no mencionado artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS a expressão “tempo de estágio” não pode deixar de significar todo o tempo de duração do estágio, ou seja, o tempo de duração efetiva do estágio e não o tempo de duração legalmente previsto para o estágio, se fará uma interpretação conforme à Constituição.
XL. A interpretação plasmada na decisão recorrida nos termos da qual a expressão “tempo de estágio” do artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS tão só se refere ao tempo legal e programático de estágio, na medida em que impede que se contabilize, para efeitos de cálculo da reforma da Recorrente, todo o tempo em que esteve, efetivamente, a trabalhar, padece, assim, de inconstitucionalidade por violação do artigo 63.°, n.° 4 da CRP.
XLI. Por fim, relativamente ao vício de falta de fundamentação de que padecem as deliberações de 18.08.2015 e de 17.06.2016 invocado pela Recorrente na sua Petição Inicial, também a decisão recorrida merece censura, porquanto se afigura evidente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
XLII. Note-se que a deliberação de 18.08.2015 não apresenta qualquer fundamentação para sustentar a proposição jurídica suportada, limitando-se a afirmar que apenas se tomará em conta o tempo prestado durante 18 meses (entre 10.04.1985 e 10.10.1986), sem explicar qual o fundamento jurídico, textual, doutrinal ou jurisprudencial para esse entendimento, em contravenção com o disposto no artigo 152.° do CPA.
XLIII. Além da ilegalidade de que padece a deliberação em causa, a interpretação do art. 5.°-A da Portaria 487/83, de 27/4 adotada pela CPAS é ainda manifestamente inconstitucional, porque lesiva do núcleo essencial do direito fundamental à segurança social, previsto nos números 1 e 4 do artigo 63.° da CRP, conforme amplamente se explanou.
XLIV. Já relativamente à deliberação de 17.06.2016, a fundamentação já se afigura diversa, na medida em que se refere aos casos dos advogados e solicitadores “que por diversos motivos prolongam os estágios...”, situação que, segundo a deliberação, levou a CPAS a tomar em consideração apenas o tempo de duração legalmente previsto.
XLV. Tal fundamentação não se aplica ao caso da Recorrente, pois não foi esta que, por sua iniciativa - ou por facto que lhe possa ser imputável - prolongou (ou viu ser prolongado) o seu estágio.
XLVI. Por outras palavras, e como já se referiu, estamos, em sede interpretativa, face a dois distintos possíveis preenchimentos do conceito de «tempo de estágio»: um que exclui os casos de suspensão e prorrogação do estágio com frequência de curso ou cursos subsequentes (por considerar que tais casos, atendendo ao espírito da lei, não podem deixar de excluir do conceito legal de tempo de estágio), e outro (dito de «tempo legal») que abstrusamente exclui tudo o que ultrapasse os 18 meses que a lei programa para o estágio — nem que seja um dia a mais, e independentemente de a causa desse plus ser imputável à Administração ou ao advogado estagiário!
XLVII. O fundamento invocado na deliberação não se revela bastante para indeferir a pretensão da Recorrente, servindo apenas de sustento para indeferir as pretensões em que se constate um aumento do período de estágio provocado pelos próprios advogados ou solicitadores... E não quando o aumento do período de tempo programático de estágio tenha ocorrido por razões burocráticas exclusivamente imputáveis à Ordem dos Advogados.
XLVIII. Tal significa que a deliberação incorre em erro sobre os pressupostos de facto, na medida em que sustenta o indeferimento na dilatação do estágio imputável/provocada pelos estagiários — situação que não é aplicável à aqui Recorrente.
XLIX. Nestes termos, outra conclusão não poderia ter tirado o Tribunal a quo senão a de que as deliberações de 18.08.2015 e 17.06.2016 são nulas, pois padecem dos vícios de (i) falta de fundamentação, (ii) violação do artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS, pois interpreta-o em sentido que o torna inconstitucional por violação do artigo 63.°, n.° 1 e 4 da CRP, ofendendo o núcleo essencial de um direito fundamental, no caso, o direito à segurança social, na vertente de que todo o tempo de serviço prestado deve poder ser contabilizado para a reforma.
L. Posto isto, necessariamente se impõe a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, expurgada dos vícios apontados, julgue a pretensão da Recorrente totalmente procedente (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo:“(…)

1ª Em face do disposto no n.° 1 do art.° 5.°-A do RCPAS a questão que se coloca no presente recurso é a de saber como interpretar a expressão “tempo de estágio”, ou seja, se se deve entender como todo o tempo de duração efetiva de estágio ou se, apenas, o tempo de duração programático do mesmo.
2ª A sentença recorrida, e bem, considerou que a “tempo de estágio” terá de corresponder apenas o tempo de duração programática do mesmo, ou seja, o tempo que nos termos do respectivo estatuto é fixado para o estágio (18 meses, no caso previsto no art.° 162.° do EOA aplicável).
3ª Pois, conforme a douta sentença recorrida, a “tempo de estágio” terá de corresponder o «. período, geral e abstrato, igual para todos os candidatos à advocacia, que a lei estabelece e prevê para aprendizagem do exercício da função de advogar, que permite a inscrição como advogado no respectivo organismo de representação profissional.»
4ª A Recorrente, não satisfeita com a decisão, veio alegar que a sentença recorrida não interpretou o art.° 5.°-A, n.° 1 do anterior RCPAS de acordo com o disposto no art.° 9.° do Código Civil, uma vez que “tempo de estágio” deveria corresponder todo o tempo de duração efetiva do estágio.
5ª Além disso, veio alegar que a interpretação dada ao referido preceito, não respeita o princípio da igualdade, nem o principio constitucional previsto no art.° 63.°, n.° 4 da CRP; por fim veio alegar que as deliberações da CPAS (de 18.08.2015 e de 17.06.2016) são nulas pois padecem de falta de fundamentação.
6ª No caso “sub judice” ficou provado que a Recorrente fez o seu estágio de advocacia no período compreendido entre 10.04.1985 e 10.10.1986, ou seja em 18 meses, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser confirmada.
7ª Mas, além disso, e mesmo que assim não fosse, a interpretação defendida pela CPAS e perfilhada pela douta sentença recorrida é a que melhor se adequa à “letra da Lei”, ao espírito do legislador e a que melhor tem em consideração o respeito pelo princípio da igualdade e pela a unidade do sistema em que a norma se insere (o RCPAS).
8ª A sentença recorrida estribou a defesa da sua tese no princípio da igualdade de tratamento dos beneficiários.
9ª Pois, conforme dispõe o art.° 266.°, n.° 2 da CRP «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade ...»
10ª O que significa, nas palavras do Prof. Jorge Miranda (in “Constituição Portuguesa Anotada”, vol. III, pág. 569), em anotação ao art.° 266.° da CRP , que «. para além de proibir discriminações arbitrárias entre as pessoas, exige, também, positivamente, algo mais. No mínimo, exige uma equivalência de tratamento de situações semelhantes, mesmo não estando diretamente em causa a dignidade das pessoas, a diferenciação de situações objetiva e substancialmente diferentes, a proporcionalidade de tratamento das situações comparáveis embora diversas.»
11ª Mas, além disso, também no facto de na interpretação das normas o intérprete ter de levar em linha de conta a unidade do sistema jurídico, no caso o RCPAS (cf. art.° 9.°, n.° 1 do Código Civil).
12ª Pois da conjugação do disposto nos n.°s 1, 2 e 3 do art.° 5.°-A e art.° 13.°, n.° 1, alíneas a) e b), todos do RCPAS, pode concluir-se que a interpretação defendida pela CPAS e a que a douta sentença recorrida aderiu, é a única que, além de não introduzir desigualdade e discriminação entre os beneficiários, se adequa ao disposto no n.° 2 do art.° 72.° do anterior RCPAS.
13ª Pelo que a interpretação da douta sentença recorrida, de que a “tempo de estágio” corresponde, apenas, o tempo de duração programático do mesmo e não a todo o tempo de duração efetiva do estágio, como pretende a Recorrente, é a que melhor se adequa à letra da lei, ao espírito do legislador, e à unidade do sistema (cf. art.° 9.° do CC).
14ª Mais, tendo ficado provado que o período do estágio da Recorrente foi de 18 meses, têm os presentes autos de ser julgados improcedentes, por não provados. Pois em caso algum haveria fundamento para a Autora, ora Recorrente, pagar as contribuições para a CPAS, ao abrigo do disposto no art.° 5.°-A do anterior RCPAS, por um período superior aos 18 meses que efectivamente pagou.
15ª E, tendo ficado provado que a duração do estágio da Recorrente foi de 18 meses, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade.
14ª A Recorrente, para atacar a sentença recorrida, em desespero de causa, não hesitou em deitar mão a argumentos e fundamentos com manifesta a má fé.
15ª De facto, a Autora veio alegar que «só ao fim de seis meses foi a Recorrente inscrita como advogada, sendo certo que tal lapso de temporal é única e exclusivamente imputável à Ordem dos Advogados» pelo que, «a aceitar-se este iníquo entendimento, vê-se agora a Recorrente prejudicada pela negligência/ineficiência da Ordem dos Advogados... pela Caixa de Previdência da mesma Ordem dos Advogados! Ineficiência de que a aqui Recorrida (leia-se CPAS) agora tenta tirar partido, com manifesta má fé porquanto incorre num inequívoco venire contra factum próprio.»
16ª Ora a Recorrente tem obrigação de saber que a Ordem dos Advogados não se confunde com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. E que a Caixa de Previdência não pertence à Ordem dos Advogados.
17ª Pois a CPAS é uma instituição de previdência autónoma e independente em relação à Ordem dos Advogados (como é independente e autónoma em relação à OSAE - Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução), que abrange não só os advogados, mas também os Solicitadores e os Agente de Execução e é de inscrição obrigatória para estes profissionais.
18ª Por outro lado, a CPAS tem uma Direção própria, eleita em sufrágio direto pelos advogados (que elegem 4 membros da Direção) e pelos solicitadores e agentes de execução (que elegem 1 membro da Direção), que gere os destinos da Caixa e que não se confunde com os órgãos da Ordem dos Advogados, nomeadamente o seu Bastonário e o Conselho Geral.
19ª Sendo por isso inadmissível que a Recorrente venha tentar confundir a CPAS com a Ordem dos Advogados, como é inaceitável que venha invocar uma situação de abuso do direito ao alegar que a CPAS litiga, nos presentes autos, «num inequívoco venire contra factum próprio».
20ª Por outro lado, a CPAS é completamente alheia ao alegado atraso na inscrição da Recorrente na Ordem dos Advogados.
21ª Assim, sendo a CPAS completamente alheia à situação da inscrição da Recorrente, como advogada, na Ordem dos Advogados, não existe qualquer situação de abuso do direito na modalidade de “venire contra factum próprio”.
22ª Mas, além disso, a sentença recorrida não violou o principio constitucional previsto no art.° 63.°, n.° 4 da CRP.
23ª Pois, aquele preceito constitucional ao mesmo tempo que assegura que o direito a que todo o tempo de trabalho contribua para o cálculo da pensão de velhice, também o subordina aos «termos da lei».
24ª E como foi já decidido pelo Tribunal Constitucional, este comando constitucional «... impõe que aproveite ao interessado - no cálculo das pensões de invalidez e velhice, que são as eventualidades protegidas no n° 4 do art° 63° da Constituição - a contagem da totalidade do tempo de trabalho relativamente ao qual se tenham registado contribuições.» (Ac. n° 437/2006, in www.tribunalconstitucional.pt)
25ª Concluindo o referido Acórdão do Tribunal Constitucional :«... não decorrendo do n° 4 do art° 63° da Constituição a imposição ao legislador de um procedimento que permita a regularização das situações correspondentes a tempo de trabalho anterior à sua entrada em vigor em que os interessados não apresentem carreira contributiva.».
26ª Assim, nos termos da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, atrás citada, nada obrigava o legislador a adotar um procedimento que permitisse a regularização de situações passadas em que não houve pagamento de contribuições.
27ª Contudo o anterior RCPAS, no seu art.° 5.°-A, n.° 1, veio prever, relativamente ao “tempo de estágio”, e apenas ao tempo de estágio, essa possibilidade.
28ª Desta forma, a interpretação dada pela sentença recorrida à norma constante do art.° 5.° A, n.° 1 do anterior RCPAS que permitiu o pagamento das contribuições correspondentes ao “tempo do estágio”, correspondendo este ao período programático do mesmo, não viola o princípio constitucional previsto no art.° 63.°, n.° 4 do CRP.
29ª Por fim as deliberações da CPAS de 18.08.2015 e de 17.06.2016 não são nulas pois não padecem de falta de fundamentação.
30ª De facto, como foi salientado pela sentença recorrida, «ambos os atos explicitam, de forma suficiente e clara, a razão pela qua a pretensão da A. não foi integralmente deferida: o facto do estágio ter a duração de 18 meses, de acordo com o art.° 162.° do EOA e de só esse período ser relevante para efeitos de aplicação do art.° 5.°-A, n.° 1 do RCPAS.»
31ª Pelo que, como conclui a sentença recorrida, «foi facultado à A. o conhecimento e a compreensão dos fundamentos da decisão...»
32ª Assim, as deliberações da CPAS, impugnadas pela Recorrente, não padecem de falta de fundamentação.
33ª Razões pelas quais improcedem totalmente as conclusões em que a Autora/Recorrente fundamenta as suas alegações de recurso.
34ª Assim, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser confirmada, pelo que o presente recurso terá de ser julgado improcedente (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro[s] de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei.

Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…)

1) A Autora é advogada desde junho de 1987, inscrita no Conselho Distrital (...) da Ordem dos Advogados e titular da cédula profissional n.° XXXX-P (cfr. fls. 2 do p.a.).
2) A Autora realizou estágio profissional de advocacia no período compreendido entre 10 de abril de 1985 e 10 de outubro de 1986 (cfr. fls. 105, 127, 138 e 151 a 164 do p.a.).
3) A Autora está inscrita, como beneficiária na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, desde 1 de julho de 1987, como titular n.° XXXXXX (cfr. fls. 100 e ss do p.a.).
4) Em 13.08.2015, a Autora dirigiu um requerimento à CPAS, nos termos do artigo 106.° do Regulamento da CPAS, solicitando “o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo legal de estágio, pelo 4.° escalão” (cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial a fls. 39 do suporte físico do processo).
5) A R. deliberou, em 19 de agosto de 2015, em conformidade com o proposto, o seguinte:
“1. Por requerimento rececionado na CPAS em 17.08.2015, a Beneficiária requereu o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio, e que as mesmas fossem calculadas com base no 1º escalão
2. Nos termos da Declaração emitida em 31.07.2015, pelo Conselho Distrital (...) da Ordem dos Advogados, a Beneficiária realizou o seu estágio entre 10.04. 1985 e 10.10.1986, ou seja, durante 18 meses.
3. De harmonia com o disposto no ARTIGO 5º-A Nº 1 do RCPAS, aprovado pela Portaria n." 487/83 de 27/4, alterada pelas Portarias n."s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94 de 1 de outubro, "os beneficiários podem, a qualquer momento, requerer o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio em que não tenham estado inscritos"
4. Nos termos do ARTIGO 162º do ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, aprovado pelo Decreto-lei nº.84/84, de 16 de março, o estágio para advogado tinha a duração de 18 meses,
5. Sendo este o diploma que regulava o estágio à data em que a Beneficiária o realizou.
6. Tem sido entendimento reiterado da CPAS que '"tempo de estágio” é o tempo programático previsto no citado ARTIGO 162º do ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, ou seja, os referidos 18 meses, independentemente do tempo de duração da inscrição como advogada estagiária até à inscrição definitiva como advogada na Ordem dos Advogados.
7. Nos termos do ARTIGO 106º, nº 1 do novo Regulamento da CPAS, aprovado pelo Decreto-Lei n." 9 119/2015, de 29 de junho, os direitos previstos no nº 1 do artigo 5º-A do Regulamento anterior, podem ser exercidos até 60 dias a contar da data da sua entrada em vigor.
8. O Decreto-Lei nº 9 119/2015 entrou em vigor no dia 1 de julho de 2015.
9. Pelas razões atrás constantes, porque tempestivo, propõe-se:
a) Deferir o pedido de pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio, com a duração legal de 18 meses, pelo 1.2 escalão, no montante total de 1.545,30€ (85,85 € x 18 meses);
b) Para efeito do pagamento deverá Beneficiária remeter à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores cheque cruzado com o indicado montante até ao último dia do mês seguinte ao da notificação da presente proposta, contra cujo recebimento a CPAS remeterá o correlativo recibo via C.T.T. (cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial a fls. 40 a 43 do suporte físico do processo).
6) A Autora foi notificada do teor de tal deliberação e bem assim para proceder ao pagamento das contribuições relativas ao período de estágio até ao dia 30 de setembro de 2015, tendo, em conformidade, procedido ao pagamento da quantia de € 1.545,30 (cfr. fls. 40 do suporte físico do processo e 110 e ss do p.a.).
7) Em 19 de fevereiro de 2016, a Autora solicitou junto da Ré a anulação parcial da deliberação de 19.08.2015 e requereu o reconhecimento do direito ao pagamento das contribuições correspondentes a todo o tempo de estágio, no qual estão incluídos os meses de novembro e dezembro de 1986 e, janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 1987 e, consequentemente, a emissão das guias de pagamento relativas aos referidos meses (cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial a fls. 44 a 55 do suporte físico do processo).
8) Em 17 de junho de 2016 o R. deliberou indeferir o pedido da A., nos termos e com os fundamentos constantes da seguinte proposta de deliberação:
“1. Por carta datada de 19.02.2016 a beneficiária veio reclamar da deliberação da Direção de 19.08.2015, constante da Ata n.° 128/2016.
2. A beneficiária não se conformou com o teor da referida deliberação requerendo, a final, a) A anulação parcial da referida deliberação na parte em que limita o pagamento das contribuições relativas ao tempo de estágio de 18 meses;
b) O reconhecimento do direito ao pagamento de todo o tempo de estágio; e,
c) Em consequência, a emissão das respetivas guias para pagamento.
3. Para fundamentar a sua reclamação, a requerente alegou factos e argumentos para que ora se remetem na íntegra.
Em face dos fundamentos invocados e do pedido ora formulado pelo beneficiário importa analisar o seguinte:
4. Nos termos do artigo 106º do Regulamento da CPAS aprovado pelo Decreto-Lei nº. 119/2015, de 29 de junho, os direitos previstos no n.° 1 do artigo 5.°-A do Regulamento aprovado pela Portaria n.0 487/83 de 27 de abril, alterada pelas Portarias nº.s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho nº 22665/2007, de 28 de setembro, podem ser exercidos até 60 dias a contar da data de entrada em vigor do presente Regulamento.
5. De harmonia com o disposto no artigo 5°-A do n° 1 do referido Regulamento, “os beneficiários podem, a qualquer momento, requerer o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio em que não tenham estado inscritos”.
6. Tendo em consideração a ratio do preceito, bem como a diversidade de tempos de duração efetiva de estágio, quer dos advogados quer dos solicitadores, que por diferentes motivos prolongam os estágio, não raro, durante vários anos, o referido preceito sempre foi interpretado no seguinte sentido:
7. O tempo relevante para efeitos de pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio é o tempo de duração programática do estágio, definido legalmente quer para os advogados quer para os solicitadores, ao tempo em que o mesmo tenha sido realizado.
8. Tal interpretação da Direção tem sido vertida nas respetivas deliberações sobre o assunto.
9. Face ao exposto proponho o indeferimento do pedido.
(cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial a fls. 57 a 59 do suporte físico do processo).
Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão da causa.
*

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise dos documentos cujas folhas foram especificamente identificadas o final da enunciação de cada facto (…)”.
*

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III.2 - DO DIREITO
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A Autora, aqui Recorrente, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto] a presente Ação Administrativa contra a Ré, aqui Recorrida, peticionando a condenação da CPAS (i) reconhecer o direito da Autora ao pagamento das contribuições correspondentes a todo o tempo de estágio, ou seja, ao período de tempo compreendido entre abril de 1985 e maio de 1987; (ii) cumulativamente, a emitir as guias de pagamento relativas aos meses que não foram reconhecidos nas deliberações de 18.08.2015 e 17.06.2016, ou seja, novembro e dezembro de 1986, assim como janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 1987; e (iii) cumulativamente, que sejam “(…) eliminadas da ordem jurídica todas as deliberações que não se coadunem com o Direito da Autora que se logra ver reconhecido, em concreto, as Deliberações subscritas pela Direção da CPAS em 18.08.2015 e 17.06.2016 (…)”.
O T.A.F. do Porto julgou esta ação improcedente, tendo absolvido a Ré de todos os pedidos.
A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de procedência da presente ação foi a seguinte: “(…)
O Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 119/2015, (que revogou o Regulamento aprovado pela Portaria n.° 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias n.°s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.° 22665/2007, de 28 de setembro), tendo entrado em vigor em 1 de julho de 2015.
À data dos factos em apreço, a inscrição na CPAS era obrigatória para todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados e para todos os Solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores, desde que não tivessem mais de sessenta anos de idade à data da inscrição (cfr. art.°s 5.° e 8.° do anterior Regulamento da CPAS) sendo, no entanto, facultativa para os estagiários.
Conforme resulta da factualidade provada (cfr. ponto 4 dos factos provados), a Autora dirigiu, em 13.08.2015, um requerimento à CPAS, nos termos do artigo 106.° do novo Regulamento da CPAS, a solicitar o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo legal de estágio, pelo 4.° escalão.
Estabelece o art.° 106.° n.° 1 do novo Regulamento da CPAS o seguinte:
“Pagamento de contribuições relativas ao tempo de estágio e ao período de suspensão provisória dos efeitos da inscrição
1- Os direitos previstos no n.01 do artigo 5.0 -A do Regulamento aprovado pela Portaria n.0 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias nº.s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho nº. 22665/2007, de 28 de setembro, podem ser exercidos até 60 dias a contar da data de entrada em vigor do presente Regulamento.
2 - O não pagamento das contribuições decorrentes do exercício dos direitos referidos no número anterior até ao último dia do mês seguinte ao da notificação pela Caixa para o efeito preclude o respetivo direito ”.
Preconiza, por seu turno, o art.° 5.°-A, n.° 1 do anterior Regulamento da CPAS (aprovado pela Portaria n.° 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias n.°s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.° 22665/2007, de 28 de setembro), o seguinte:
“Prazo para requerer o pagamento das contribuições
1 - Os beneficiários podem, em qualquer momento, requerer o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio em que não tenham estado inscritos, bem como requerer o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo em que se tenha verificado a suspensão provisória dos efeitos da inscrição.
2 - As contribuições serão calculadas pelo valor correspondente a um, se mais não forem escolhidos, salário mínimo nacional que estiver em vigor no ano em que o pagamento for requerido.
3 - O tempo de inscrição decorrente dos pagamentos previstos nos números anteriores conta-se para efeitos de prazo de garantia, de pensão de reforma e de subsídios de invalidez e de sobrevivência”.
Nos termos do art.° 162.° do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março, em vigor à data dos factos, o estágio em advocacia tinha a duração de 18 meses.
Tendo por base o enquadramento legal supra, defende, a Autora, que a letra do art.° 5.°-A, n.° 1 do anterior Regulamento da CPAS não permite outra interpretação que não seja a de considerar como “tempo de estágio” todo o tempo efetivo em que esteve em estágio, ou seja, vinte e cinco meses correspondente ao período entre novembro de 1986 e maio de 1987, devendo, por isso, ser a Ré condenada a permitir-lhe o pagamento das contribuições correspondentes a todo esse período.
Pelo contrário, a Ré entende que a expressão “tempo de estágio” só pode corresponder ao tempo programático previsto no art.° 162.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, ou seja, 18 meses, independentemente do tempo de duração da inscrição como advogada estagiária, até à inscrição definitiva como advogada.
Ante o exposto, a questão decidenda que importa dirimir nos presentes autos cinge-se à interpretação da expressão “tempo de estágio” constante do artigo 5.°-A, n.° 1 do anterior Regulamento da CPAS.
Como vimos, são duas as alternativas quanto ao sentido de tal expressão:
i) A duração programática do estágio, de 18 meses, prevista de forma geral e abstrata para todos os candidatos à advocacia, previsto no art.° 162.° do Estatuto da Ordem dos Advogados; e
ii) A duração efetiva do estágio, ou seja, o tempo efetivamente despendido no estágio por cada candidato a advogado, ainda que superior a 18 meses.
Tal questão foi já decidida pelo Tribunal Central Administrativo Norte em acórdão, de 09.10.2015 (processo n.°00807/10.0BELSB, publicado em, www.dgsi.pt) que procurou, “a partir daquela expressão normativa polissémica descobrir o sentido ajustado ao pensamento legislativo, tendo em conta a «ratio» subjacente e a unidade do sistema jurídico ”.
Neste contexto, refere o citado aresto que, “o tempo e os montantes contributivos são os fundamentos básicos da atribuição e cálculo de pensões, tanto no sistema da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores como em qualquer sistema congénere”.
Assim, constituindo aqueles elementos pressupostos básicos na quantificação das pensões “devem subordinar-se o mais possível aos princípios matemáticos da previsibilidade que privilegiem a certeza assente na definição exata dos conceitos. Neste enquadramento racional surgiria como aberrante a norma que permitisse alongar indefinidamente uma situação excecionalmente favorecida em termos de carga contributiva, como é o tempo de estágio. Não é de supor que o legislador pretendesse consagrar o sentido normativo conducente a esse resultado perverso”.
O n.° 1 do artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS teve em vista possibilitar o aumento de tempo da carreira contributiva, a fim de os beneficiários poderem usufruir de uma reforma mais vantajosa, nomeadamente, em termos de requisitos temporais e/ou de montante superior.
Tal faculdade não pode, no entanto, alhear-se de princípios basilares sustentadores de qualquer regime de Segurança Social, designadamente, o princípio da igualdade (cfr. artigo 7.° da Lei n.° 4/2007, de 16 de janeiro), nem perder de vista a ratio legis subjacente ao regime próprio e de gestão privativa da CPAS, sendo importante o recurso a uma interpretação sistemática que permita uma visão global deste regime de Segurança Social (“unidade do sistema jurídico” -cfr. artigo 9.° do Código Civil).
Atentas as referidas coordenadas interpretativas, a expressão “tempo de estágio” utilizada no mencionado artigo 5.°-A terá que corresponder ao período, geral e abstrato, igual para todos os candidatos à advocacia, que a lei prevê para a aprendizagem do exercício da função de advogar, e que permite a inscrição como advogado no respetivo organismo de representação profissional, porquanto, como se demonstrará, só esta interpretação permite evitar soluções perversas e acautelar o espírito do legislador.
Note-se, desde logo, que o normativo em análise não utiliza a expressão “duração efetiva de estágio”, esta sim coincidente com o tempo, em concreto, que cada candidato ao exercício da advocacia utilizou para conseguir alcançar a inscrição como advogado no respetivo organismo de representação profissional.
Acresce que, se a ratio deste artigo 5.°-A tivesse subjacente a “duração efetiva de estágio”, tal traduzir-se-ia num tratamento desigual entre beneficiários. Na verdade, os candidatos que concluíssem o estágio em 18 meses apenas veriam possibilitado o aumento de tempo da carreira contributiva em 18 meses. Já os candidatos que, pelos mais diversos motivos, imputáveis a si ou à Ordem, tivessem visto protelado a sua inscrição como advogado, poderiam mais tarde tirar partido de tal situação aumentando o tempo de carreira contributiva.
Por outro lado, a interpretação defendida pela Autora, que permite o pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio efetivo pelo valor de um salário mínimo, encontra-se em desconformidade com o disposto no artigo 72.° do anterior Regulamento da CPAS, nos termos do qual:
“1 - Os beneficiários pagarão até ao último dia de cada mês contribuições calculadas pela aplicação da taxa de 17% a uma remuneração convencional, escolhida pelo beneficiário de entre os seguintes escalões indexados à remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei:
(…)
2 - Os beneficiários devem declarar, nos meses de outubro e novembro de cada ano, ou no prazo de 30 dias a contar da reinscrição ou mudança de situação, o escalão de remunerações convencional escolhido para base de incidência das contribuições que, fora os casos previstos expressamente na lei, deve ser igual ou superior ao 2º escalão.
3 - Quando o beneficiário não indique o escalão da remuneração convencional escolhido como base de incidência é fixado:
a)O 1º escalão, para os beneficiários extraordinários;
b) O 1º escalão, para os beneficiários reformados que continuem a trabalhar;
c) O 1º escalão, até ao fim do terceiro ano civil dos primeiros três anos civis de exercício da atividade após a primeira inscrição ou do decurso do prazo de suspensão provisória dos efeitos da inscrição inicial;
d) O 3º escalão, nos restantes casos, salvo se já tiver vigorado escalão superior no ano anterior, caso em que continuará a ser este.
4 - Os beneficiários, na declaração referida no nº. 2, podem alterar o escalão da remuneração convencional escolhido ou fixado oficiosamente, produzindo o novo valor efeitos a partir de 1 de janeiro do ano seguinte.
5 - Respeitando o limite mínimo referido no n.0 2, a alteração do escalão que vinha vigorando:
a) É sempre permitida se for para escalão inferior;
b) Só é permitida para até dois escalões imediatamente superiores, em cada ano, mas apenas até ao ano, inclusive, em que o beneficiário perfaça 57 anos de idade.
6 - A alteração resultante da declaração a que se refere o n.0 4 não prejudica a atualização determinada pelo aumento anual da remuneração mínima mensal garantida por lei, que produzirá efeitos a partir de 1 de janeiro do respectivo ano”.
Ora, a interpretação da Autora permitiria que os beneficiários pudessem alcançar a reforma contribuindo por mais tempo do que o legalmente previsto pelo primeiro escalão (sobre um salário mínimo nacional).
Isto é, seria possível o pagamento da contribuição fixada no primeiro escalão por um período indeterminado, dependendo da duração efetiva do tempo de estágio de cada candidato em concreto, o que seria muito variável e, como tal, incerto e desigual. Para além do mais, constituiria uma violação da disciplina consignada no citado artigo 72.°, n.° 3, nos termos do qual a base de incidência da contribuição fixada no primeiro escalão apenas está prevista para as situações excecionais expressamente previstas.
Concluímos, portanto, que a expressão utilizada no artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS - “tempo de estágio” - é o período, geral e abstrato, igual para todos os candidatos à advocacia, que a lei estabelece e prevê para a aprendizagem do exercício da função de advogar, que permite a inscrição como advogado no respetivo organismo de representação profissional.
Só esta interpretação se compadece com os princípios basilares sustentadores de qualquer regime de Segurança Social, designadamente, com o princípio da igualdade, impondo que pressupostos básicos na quantificação das pensões estejam subordinados aos “princípios matemáticos da previsibilidade que privilegiem a certeza assente na definição exata dos conceitos”. Além de que, só esta interpretação se coaduna com o “pensamento legislativo, tendo em conta a «ratio» subjacente e a unidade do sistema jurídico”.
Ante o exposto, não se verifica, in casu, qualquer violação do disposto no art.° 5.° - A do anterior Regulamento da CPAS, e bem assim, não se verifica qualquer ofensa de qualquer preceito constitucional, concretamente do disposto no art.° 63.°, n.° 1 e 4 da CRP.
Não assiste, deste modo, razão à aqui Autora julgando-se improcedentes os pedidos de condenação à prática do ato de deferimento do pedido de pagamento das contribuições correspondentes ao tempo de estágio efetivo da Autora, e de condenação da Ré a emitir as guias de pagamento relativas aos meses que não foram reconhecidos nas deliberações de 18.08.2015 e 17.06.2016, ou seja, novembro e dezembro de 1986, e janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 1987.
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A Autora entende ainda, que as deliberações de 18.08.2015 e de 17.06.2016 não se encontram fundamentadas.
Não tem razão.
Ambos os atos explicitam, de forma suficiente e clara, a razão pela qual a pretensão da A. não foi integralmente deferida: o facto do estágio ter a duração de 18 meses, de acordo com o art.° 162° do EOA e de só esse período ser relevante para efeitos de aplicação do art.° 5°-A, n.° 1 do RCPAS.
Pelo que foi facultado à A. o conhecimento e a compreensão dos fundamentos da decisão, nos termos exigidos pelos art.°s 268°, n.° 3 da CRP e 152° e 153° do CPA não padecendo, as deliberações em causa de falta de fundamentação (…)”.

Vem agora a Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada.

Realmente, patenteiam as conclusões alegatórias que a Autora, aqui Recorrente, insurge-se quanto ao assim fundamentado e decidido, imputando-lhe erro de julgamento de direito, o que estriba, no mais essencial, na crença de que:
(i) a interpretação da expressão “tempo de estágio” constante do nº.1 do artigo 5.º-A do anterior Regulamento da CPAS [aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias n.ºs 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º 22665/2007, de 28 de setembro] veiculada pelo Tribunal a quo é juridicamente inaceitável e desconforme com o disposto no artigo 63.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, já que aquela expressão reporta-se, não ao tempo programático de estágio, mas antes ao tempo efetivo de estágio ou seja, todo o período de tempo em que o beneficiário foi efetivamente estagiário, no âmbito de um mesmo e único curso de estágio, sem suspensões nem prorrogações, sendo este contabilizável para efeitos do apuramento da carreira contributiva.
(ii) as deliberações de 18.08.2015 e 17.06.2016 padecem dos vícios de falta de fundamentação.

De acordo com a substanciação que se vem de expor, e com reporte à primeira questão supra elencada, importaria agora determinar se a expressão “tempo de estágio” contida no nº.1 do artigo 5.º-A do anterior Regulamento da CPAS reporta-se à duração efetiva do estágio de advocacia [tese defendida pela Recorrente] ou, ao invés, à duração programática do estágio de advocacia [tese assumida na decisão judicial recorrida].

Julgamos, porém, que tal tarefa se nos apresenta como inútil por destituída de relevância, considerando o tecido fáctico apurado nos autos e o quadro normativo que se nos impõe e deriva do artigo 162º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de março, em vigor à data dos factos.

De facto, estabelece o citado artigo 162º que o estágio de advocacia tem a duração de 18 meses, correspondente este período temporal à “duração programática do estágio de advocacia”.

Não tendo sido impugnada a matéria de facto em sede de recurso, não pode este Tribunal Superior alhear-se dos concretos factos provados.

Ressuma do probatório coligido nos autos que a Recorrente fez o seu estágio de advocacia no período compreendido entre 10.04.1985 e 10.10.1986 [cfr. ponto 2) do probatório coligido], ou seja, em 18 meses.
A “duração efetiva de estágio” da Recorrente é, portanto, idêntica à “duração programática do estágio de advocacia”.
No quadro que se vem de evidenciar, é de manifesta evidência que a resolução pretendida integra um exercício inócuo e estéril, por desprovido de qualquer utilidade.
De facto, tendo a Autora realizou um estágio com duração temporal idêntica ao previsto de forma geral e abstrata para todos os candidatos à advocacia, ou seja, 18 meses, é a determinação da expressão “tempo de estágio” contida no nº. 1 do artigo 5.º-A do anterior Regulamento da CPAS como sendo [ou não] reportável à “duração efetiva de estágio” da Recorrente absolutamente inócua e insuficiente para alterar o quadro decisório assumido na decisão judicial recorrida.

E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa, o que por si só determina a inverificação do erro de julgamento de direito em análise.

Em todo o caso, subscrevemos, dada a bondade da solução adotada, a tese vertida no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.10.2015, no âmbito do processo nº. 00807/10.0BELSB, em que se assume o seguinte pensamento:
” (…)
I. Está em causa a interpretação da expressão “tempo de estágio” utilizada no n.º1 do artigo 5º da Portaria n.º 884/94, de 1/10, defrontando-se duas alternativas quanto ao sentido de tal expressão:
a) A duração programática do estágio de 18 meses prevista de forma geral e abstrata para todos os candidatos à advocacia no artigo 551º do Estatuto Judiciário vigente à data dos factos relevantes com a designação de “tirocínio” - tese sufragada na sentença.
b) A duração efetiva do estágio, ou seja o tempo (eventualmente superior àqueles 18 meses) que cada candidato gastou para o concluir com êxito.
2. O tempo e os montantes contributivos são os fundamentos básicos da atribuição e cálculo das pensões de reforma, tanto no sistema da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores como em qualquer sistema congénere.
Ora, os pressupostos básicos na quantificação das pensões, devem subordinar-se o mais possível aos princípios matemáticos da previsibilidade que privilegiam a certeza assente na definição exata dos conceitos.
Neste enquadramento racional surgiria como aberrante a norma que permitisse alongar indefinidamente uma situação excecionalmente favorecida em termos de carga contributiva, como é o tempo de estágio. Não é de supor que o legislador pretendesse consagrar o sentido normativo conducente a esse resultado perverso.
3. Portanto, a norma refere-se à “duração programática” do estágio (…)”

Não poderemos deixar de convocar tal labor jurisprudencial, tanto mais que foi Relator deste aresto um dos Juízes Desembargadores que integra o presente Tribunal Coletivo, sob pena de ser posta em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o próprio princípio da igualdade [artigos 13º da CRP e 8º, nº3, do CC].

o assim decidido nada bule com o disposto no artigo 63º, n.º 4, da CRP.
De facto, sendo a “duração efetiva de estágio” da Recorrente idêntica à “duração programática do estágio de advocacia”, resulta absolutamente apodítica a inexistência de qualquer afetação do direito à Recorrente à contabilização no cálculo da sua pensão de reforma de todo o seu tempo de trabalho, já que as contribuições da Recorrente, numa realidade ou noutra, terão sempre subjacente a prestação de 18 meses de estágio.

O que serve para concluir que, in casu, o núcleo essencial desta normação constitucional em nada é abalado com a interpretação do disposto nº.1 do artigo 5-A do C.P.A.S. no sentido preconizado secundado por este T.C.A.N.

Assim deriva, naturalmente, que, por umas ou outras razões, se não antolha a existência de qualquer erro de julgamento na questão tratada.
E idêntica conclusão é atingível no que tange à invocada falta de fundamentação das deliberações de 18.08.2015 e 17.06.2016.

Com efeito, como é jurisprudência pacífica, um ato estará suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente do sentido da decisão nele prolatada e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.

Fazendo apelo a esta orientação jurisprudencial, é para nós absolutamente apodítico que as deliberações impugnadas satisfazem a enunciada exigência.

Na verdade, em ambas as deliberações mostram-se claramente expressas as razões as razões pelas quais a entidade decidente indeferir a pretensão da Autora de reconhecimento do direito ao pagamento das contribuições correspondentes a todo o tempo de estágio, aqui incluindo-se os anos de 1986 e 1987.

Com efeito, tal indeferimento mostra-se motivado no entendimento da entidade decidente de que o estágio de advocacia tem a duração de 18 meses de acordo com o artigo 162º do EOA, só relevando esse período para efeito de aplicação do artigo 5º-A, nº.1 do RCPAS.
Perante este quadro, é de manifesta evidência que um destinatário médio compreende razoavelmente o iter cognoscitivo-valorativo da R. da sua conduta.

Acresce que é de considerar suficiente a fundamentação do ato quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar.
Ora, que a Autora ficou bem ciente de todos os elementos demonstra-o a eficácia da sua defesa, bem patente nos artigos 13º e seguintes do libelo inicial.

Por conseguinte, não vinga também a argumentação avançada pela Recorrente no que concerne à falta de fundamentação das deliberações impugnadas.

E assim improcedem todas as conclusões do recurso.

Mercê do exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida, ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, e manter a decisão judicial recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 15 de julho de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro