Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01290/17.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
TAXA
PORTAGEM
NULIDADE INSUPRÍVEL
LIMITE MÍNIMO DO VALOR DA COIMA
Sumário:I – Nos termos da alínea d) do n.º 1, do art.º 63.º do RGIT constitui nulidade insuprível, no processo de contra-ordenação tributário, "a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas", sendo que estes são os descritos no n.º 1 do artigo 79.º do mesmo diploma entre os quais se encontra a "descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas" – sua alínea b) - e a indicação da "coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação" – sua alínea c).
II – Nesta conformidade, a não indicação das normas violadas e punitivas e dos elementos objectivos e subjectivos que contribuíram para a penalidade concretamente aplicada constitui nulidade.
III – Todavia, quando a decisão administrativa se traduz na aplicação na coima mínima não existe necessidade da sua fundamentação ser tão desenvolvida quanto a exigida quando a coima aplicada se situa para além daquele montante. E isto porque, julgando-se provados os factos de que o arguido vem acusado, a consequência daí decorrente é a sua condenação numa coima, pelo menos, de montante mínimo.
IV – Os limites mínimo e máximo das coimas, previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada – cfr. artigo 26.º, n.º 4 do RGIT.
V - No recurso de aplicação de coima o juiz só pode decidir por despacho depois de notificados o arguido e o Ministério Público, anunciando essa sua intenção, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 64.º do RGIMOS.
VI – Estando a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial, por simples despacho, absolutamente dependente da não oposição do arguido e do Ministério Público a essa forma de decidir, a omissão da audição do arguido e do Ministério Público para esse efeito, contra o que impõe o n.º 2 do artigo 64.º do RGIMOS, conforma a nulidade da alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT e artigo 41.º do RGIMOS.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:F..., S.A. e B..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Ministério Público interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 29/06/2017, que julgou procedente o presente Recurso de Contra-ordenação, interposto pela sociedade “F..., S.A.”, NIPC 5…, com sede na Rua…, 4300-428 Porto, contra a decisão de aplicação de coima proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 1, no processo de contra-ordenação n.º 31742016060000092110, que lhe aplicou uma coima única no montante de €6.603,00, pela falta de pagamento de taxas de portagem.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
- Nos presentes autos, o Tribunal “a quo” entende que a decisão de aplicação de coima é nula, por não indicação dos elementos que contribuíram para a fixação de cada uma das coimas concretas parcelares aplicadas (violação da al. c), do nº 1, do art.º 79 do RGIT) e por falta de indicação das normas violadas e punitivas (al. b, do nº 1 da norma atrás citada), o que constituiria nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário por falta dos requisitos legais da decisão de aplicação da coima impugnada (cf. art.º 63 – nº 1 – al. d) do RGIT).
2ª - O MP entende que a decisão de aplicação de coima não padece de nulidade insuprível e se tal acontecer, deverá a procedência da impugnação de coima implicar apenas a anulação da decisão de condenação em coima, devendo os autos baixar ao SF para eventual renovação do ato sancionatório – neste sentido, acórdãos do STA de 27/01/2010, proferido no P. 1182/09 e de 08/05/2013, proferido no P. 655/13, e do TCAN, da 12/02/2015, proferido no P. 147/14.6BEPNF e de 20/04/2017, proferido no P. 1325/13.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt.
- Parece-nos porém que a decisão de aplicação de coima observa os requisitos legais previstos no art.º 79 do RGIT, nomeadamente os previstos nas al. b) e c) do nº 1, pois as normas infringidas e punitivas nela vêm concretamente referidas, sendo que da mesma decisão também constam os elementos que contribuíram para a fixação concreta de cada uma das penas parcelares aplicada: é ponderado o elemento do ato de ocultação, do benefício económico obtido, da frequência da prática da infração, do grau de negligência, da obrigação de não cometer nova infração, da situação económica e financeira da arguida e do tempo decorrido desde a prática da infração até à data de aplicação da coima.
– É nosso entendimento que aqueles elementos são suficientes para se poder concluir que a decisão condenatória preenche os requisitos legais previstos no art.º 79 do RGIT e que por esse motivo, não padece o processo de contra-ordenação da nulidade insuprível prevista na al. d), do nº 1, do art.º 63 do RGIT, sendo questão diversa saber-se esta ponderação efetuada pela autoridade tributária se enquadra com a valoração constante da matéria de facto dada como provada, ou se a coima concreta aplicada é suscetível de ser alterada, porque ocorreu erro de facto na ponderação efetuada.
5ª - Mas isso, não constitui falta dos elementos que levaram a aplicação concreta da respetiva coima, mas erro de facto e de direito, que deverá ser matéria para apreciação do mérito da impugnação.
- A decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pela arguida, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada, o que nos permitiria concluir com maior facilidade que a decisão notificada foi cabalmente entendida – neste sentido, os conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4ª edição), na nota 1 ao art.º 79, o seguinte e acórdãos do STA de 12/12/2006, proferido no P. 1045/06, e de 25/06/2015, proferido no P. 382/15, disponíveis ambos em www.dgsi.pt.
7ª - SEM PRESCINDIR: A BAIXA DOS AUTOS AO SF, TENDO EM VISTA A POSSÍVEL RENOVAÇÃO DO ATO SANCIONATÓRIO: a sentença julgou o recurso procedente, mas não foi clara, no sentido da procedência implicar apenas a anulação da decisão de condenação em coima.
8ª - Neste contexto, para a hipótese académica de improceder o recurso, deverá declarar-se que os autos baixarão ao SF para eventual renovação do ato sancionatório – neste sentido, acórdãos do STA de 27/01/2010, proferido no P. 1182/09 e de 08/05/2013, proferido no P. 655/13, e do TCAN, da 12/02/2015, proferido no P. 147/14.6BEPNF e de 20/04/2017, proferido no P. 1325/13.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt.
– Foram violados os artigos 64 do RGCO aprovado pelo DL 433/82 de 27/10 e art.º 79 – nº 1 – al. b) e c) e 63 – nº 1 – al. d), ambos do RGIT.
Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida para que seja substituída pelo despacho de recebimento da impugnação a que se refere o art.º 64 do RGCO aprovado pelo DL 433/82 de 27/10, ou improcedendo o recurso, deverá ordenar-se a baixa dos autos ao SF tendo em vista a possível renovação do ato sancionatório.”
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A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
01. Ao invés da posição assumida pelo Ministério Público (MP), entende a Alegante que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” não merece qualquer censura, na medida em que se verifica a nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário, prevista n aliena d), do n.º1, do art.63.º nas al. b) e c), do n.º1, do art.º79.º do RGIT.
02. Para tanto, entende o Ministério Público que “(…) a decisão de aplicação de coima não padece de nulidade insuprível e se tal acontecer, deverá a procedência da impugnação de coima implicar apenas a anulação da decisão de condenação em coima, devendo os autos baixar ao SF para eventual renovação do ato sancionatório (…).”
03. No entanto, entende a Recorrida que a sentença objeto de recurso não merece qualquer censura, pelo que deverá se mantido qual tale.
04. Não havendo na fase decisória do processo contraordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos nos artigos 63.º e 79.º do RGIT para a decisão condenatória do processo contraordenacional.
05. Ou seja, devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
06. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
07. É a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr. artigo 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63, nº 1, al d), do R.G.I.T
08. Conforme conclui o Tribunal a quo, e como se constata da leitura da decisão de fixação da coima, incumpre o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do R.G.I.T. (falta de especificação dos elementos objetivos e subjetivos que contribuíram para as coimas concretamente fixadas) e também viola a alínea b) do mesmo normativo (falta de indicação de todas as normas punitivas que contribuíram para o apuramento das coimas), o que fere o processo de contra-ordenação de nulidade insuprível (cfr alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do R.G.I.T.).
09. Por outras palavras, tal omissão impede a arguida de apreender a globalidade das circunstâncias que levaram à coima aplicada, pois desconhece os limites máximos e mínimos da moldura aplicável.
10. A mera remissão para os factos que integram e sustentam infração imputada à Arguida por via da invocação da norma punitiva não é apta a garantir a verificação do elemento essencial consubstanciado na “descrição sumária dos factos”.
11. Por um lado, porque tal não se traduz numa efetiva descrição factual.
12. Por outro, onera o destinatário da decisão, impondo-lhe o acesso aos diplomas legais invocados para, por via indireta, se aperceber da factualidade que lhe é imputada, o que é, em abstrato, passível de constituir uma limitação à respetiva defesa.
13. Na decisão de aplicação da coima, é indicado que a Arguida atuou com negligência, sem que se saiba de que forma a entidade administrativa chegou a tal conclusão, ou seja, o que o levou a concluir que o agente agiu com negligência simples e não grosseira, porquê com negligência e não com dolo.
14. A terminar, importa recordar à Recorrente que em 2016 existiam mais de dois milhões de portugueses com apenas o 1.º ciclo, (in https://www.pordata.pt/Portugal/Popula%C3%A7%C3%A3o+residente+com +15+e+mais+anos+total+e+por+n%C3%ADvel+de+escolaridade+completo+m ais+elevado-2101-169766 ).
15. Portanto, qualquer decisão administrativa tem que ser devidamente fundamentada, para que seja inteligível a qualquer individuo, independentemente do seu grau de escolaridade.
16. Concluiu-se que, as decisões de aplicação de coima têm que estar devidamente fundamentadas, para que qualquer indivíduo, independentemente do seu grau de escolaridade, consiga perceber a infração que lhe é imputada, a que título é responsabilizado, quais os limites mínimos e máximos da coima, da “reformatio in pejus”, e ainda o porquê de a autoridade administrativa entender que a arguido atuou com negligência e não com dolo.
17. Assim, a decisão recorrida, deverá ser mantida na íntegra, julgando-se o recurso interposto improcedente, uma vez que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 79.º, n.º1, alíneas b) e c), e artigo 63.º, n.º1, alínea d) ambos do RGIT.
Nestes termos, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente devendo manter-se inalterada a decisão recorrida. Com o que farão V. Exas. a habitual e sã JUSTIÇA!
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
No entanto, tendo os presentes autos sido presentes a juízo pelo Ministério Público, valendo tal acto como acusação, não chegaram os mesmos a ser expressamente aceites pelo tribunal, dado que o tribunal recorrido apreciou e decidiu, desde logo, que o processo de contra-ordenação padecia de nulidade insuprível.
Nesta conformidade, como a arguida não chegou a ser notificada para se pronunciar sobre a sua eventual oposição a decisão do recurso de aplicação de coima por mero despacho, tal acaba por limitar a abrangência da apreciação a efectuar por este tribunal a quem.
Assim, este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que importa analisar se se verifica a nulidade insuprível detectada em primeira instância e, em caso afirmativo, se há lugar a renovação do acto sancionatório.


III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados
A) Em 22/09/2016, foi lavrado o “Auto de notícia” n.º 30000025523/2016, pela “falta de pagamento de taxas de portagem” em Setembro de 2014.
Fls 53 a 61.
B) Em 22/09/2016, foi autuado no Serviço de Finanças de Porto 1, o processo de contra-ordenação n.º 31742016060000092110.
Fls 52 e ss.
C) Em 11/01/2017, foi proferida decisão da fixação da coima, com o seguinte teor:
- imagens omissas -
Fls 81 a 87.
D) A Recorrente recepcionou um documento intitulado “Demonstração de Apuramento da Coima”, anexo à “Notificação para defesa ou pagamento antecipado da coima”, com o seguinte teor:
- imagens omissas -
Artigo 21.º da P.I. e fls 28 e 28 verso.
Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame dos documentos constantes dos autos, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.”
2. O Direito

Recebida a acusação do Ministério Público, o tribunal recorrido verificou, desde logo, que o presente processo de contra-ordenação padecia de nulidade insuprível, com os seguintes fundamentos:
“(…) Resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do R.G.I.T. que a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, nulidade que é de conhecimento oficioso (n.º 5 do mesmo normativo).
Ora, os requisitos legais da decisão de aplicação das coimas vêm taxativamente elencados no artigo 79.º do mesmo diploma, que, na alínea c) do seu n.º 1 refere que a decisão tem de conter “A coima,…com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.”. [sublinhado nosso], dispondo o artigo 27.º do R.G.I.T. que:
1. …a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.
2 - Se a contra-ordenação consistir na omissão da prática de um acto devido, a coima deverá ser graduada em função do tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado.”.
De facto, a imposição legal da indicação dos elementos que, em concreto, contribuíram para a fixação da coima visa dotar o arguido das informações indispensáveis à preparação da sua defesa, constituindo uma concretização do dever constitucional de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos e, sobretudo, a consagração da garantia constitucional do direito à defesa, visando habilitar o arguido a compreender e a poder contestar os elementos concretamente considerados pela A.T. e a sua concreta ponderação para o valor da coima fixado.
Essa exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos concretos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à A.T. uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, assegurando a transparência da actuação administrativa e permitindo o seu controlo judicial.
É, pois, a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível.
Face ao exposto, importa analisar se, no caso em apreço, a decisão de fixação da coima única no valor de € 6.603,00 cumpre o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do R.G.I.T..
Vejamos.
Decorre da decisão recorrida (transcrita na alínea C) dos factos provados) que foi aplicada uma coima única no montante de € 6.603,00, decorrente da soma de 24 coimas nos montantes referidos na decisão, por infracções (falta de pagamento de taxas de portagem) ocorridas no mês de Setembro de 2014.
Da decisão consta um quadro designado por “Medida da Coima”, no qual vêm expostos os elementos previstos no artigo 27.º do R.G.I.T. para cada uma das infracções praticadas.
Mais vindo referido que esse quadro foi considerado para a fixação da coima em concreto, seguindo-se de imediato a prolação de despacho do qual consta o seguinte: “Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art.º 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima única de € 6.603,00…”.
Verifica-se assim que, embora sejam expostos, no referido quadro, os elementos previstos no artigo 27.º do R.G.I.T., não vem apresentada qual foi a ponderação de cada um desses elementos para a graduação e fixação da coima, para cada infracção, nos montantes concretos fixados; ou seja, da decisão não consta qual o raciocínio que conduziu a A.T. à fixação concreta de cada uma das coimas.
Ora, para que se mostre cumprido o requisito vertido na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do R.G.I.T., não é suficiente a apresentação de um quadro com a indicação dos elementos previstos no artigo 27.º do R.G.I.T., acompanhado da mera afirmação de que esses elementos foram tidos em conta.
Da decisão tinha de constar o iter cognitivo e valorativo que a A.T. percorreu e que conduziu à fixação da coima naqueles concretos valores, de modo a que a arguida e o Tribunal consigam perceber quais razões por que se decidiu fixar as coimas naqueles valores e não noutros.
De facto, não se alcança qual a apreciação crítica e conjugada que foi efectuada aos elementos enunciados no referido quadro, que conduziram à fixação daquelas concretas coimas; sendo de realçar que, quando a decisão se traduz na aplicação de coima para além do montante mínimo legal (previsto no artigo 7.º da Lei n.º 25/2005 de 30/06), a A.T. tem de efectuar uma apreciação crítica, fundamentada e conjugada dos elementos previstos no artigo 27.º do R.G.I.T., ou seja, das razões da aplicação daquelas concretas medidas da pena.
Só assim estará satisfeito o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do R.G.I.T..
Diferente seria se tivesse sido aplicada, a cada infracção, uma coima pelo mínimo legal, uma vez que, nessa situação, ela não poderia ser inferior; permitindo-se, pois, que a fundamentação que lhe subjaz fosse menos desenvolvida.
Ora, no caso em apreço, e considerando o disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 25/2005 de 30/06 (única norma punitiva que vem referida na decisão) - 7,5 x taxa de portagem - o somatório dos limites mínimos das coimas ascenderia a € 3.301,50.
Pelo que se conclui que os valores fixados pela A.T. não correspondem aos limites mínimos, mas sim ao seu dobro, não vindo indicado na decisão nenhum elemento ou norma que permita justificar a razão pela qual decidiu a A.T. fixar as coimas no dobro dos limites mínimos.
Contudo, se considerarmos o teor do documento “Demonstração de Apuramento da Coima” (alínea D) do probatório), verifica-se que a A.T. considerou como limites mínimos valores que são precisamente o dobro dos valores que resultam da aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 25/2005 de 30/06, o que leva o Tribunal a equacionar se a A.T. terá decidido aplicar o disposto no n.º 4 do artigo 26.º do R.G.I.T., elevando para o dobro os limites mínimos das coimas por estar em causa uma pessoa colectiva.
Ora, se assim foi, a decisão recorrida omite a aplicação de uma norma punitiva (da decisão não consta em lado algum a aplicação do n.º 4 do artigo 26.º do R.G.I.T.), violando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do R.G.I.T., o que fere o processo de contra-ordenação de nulidade insuprível (cfr alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do R.G.I.T.).
Face a todo o exposto, conclui-se que a decisão recorrida incumpre o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do R.G.I.T. (falta de especificação dos elementos objectivos e subjectivos que contribuíram para as coimas concretamente fixadas) e também viola a alínea b) do mesmo normativo (falta de indicação de todas as normas punitivas que contribuíram para o apuramento das coimas), o que fere o processo de contra-ordenação de nulidade insuprível (cfr alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do R.G.I.T.). (…)”
Ora, se todo o enquadramento jurídico efectuado na sentença recorrida não merece qualquer reparo, analisando a reproduzida decisão de aplicação de coima, logo se vê que a referência ao artigo 26.º do RGIT consta da mesma. Não obstante a menção à cominação do artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06, de imediato se acrescenta: com respeito pelos limites do artigo 26.º do RGIT.
Assim, obviamente que não é por acaso que a Recorrida recepcionou um documento intitulado “Demonstração de Apuramento da Coima”, anexo à notificação para defesa ou pagamento antecipado da coima – cfr. alínea D) do probatório, que apesar de cortado/truncado na imagem reproduzida, a fls. 28 e 28 verso do processo físico podemos observar que na primeira coluna está indicada a taxa (que faltou pagar), na segunda coluna está referido o limite mínimo da coima, na terceira coluna está mencionado o limite máximo da coima e na quarta coluna está apurada a coima, rigorosamente em todas as situações, por correspondência ao valor do limite mínimo.
Realmente, o artigo 26.º do RGIT reporta-se (em grande parte) a limites máximos e mínimos das coimas aplicáveis a pessoas colectivas, estipulando-se, além do mais, que os limites mínimo e máximo das coimas, previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.
Nesta conformidade, não residindo qualquer dúvida quanto à natureza de pessoa colectiva da arguida, à referência ao artigo 26.º do RGIT e à indicação expressa dos limites mínimo e máximo da coima de acordo com o que resulta do artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 (elevados ao dobro por se tratar a Recorrida de pessoa colectiva), não podemos acolher a ilação retirada na sentença recorrida, dado a conclusão de verificação de nulidade insuprível assentar numa interpretação rigorosíssima das normas que não se compadece com o volume enorme de decisões que são praticadas em massa.
No que tange ao aspecto individualizado na sentença recorrida, entendemos que a decisão de aplicação de coima cumpre o mínimo exigível pelo artigo 79.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGIT. Isto porque, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, não se verifica a falta de indicação de todas as normas punitivas que contribuíram para o apuramento das coimas, e, por outro lado, mostra-se aplicado o valor correspondente à coima mínima para uma pessoa colectiva (não desconhecendo a arguida os limites mínimo e máximo previstos, na medida em que lhe foram comunicados para cada infracção).
Reconhecemos que a decisão em crise poderá não revelar a melhor técnica jurídica, mas a infracção imputada à arguida, nos termos do disposto nos artigos 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 e 26.º, n.º 4 do RGIT, era punida com uma coima que resultava do dobro do produto de 7,5 pelo valor da taxa de portagem - o somatório dos limites mínimos das coimas ascenderia a €6.603,00 (a coima aplicada foi precisamente no montante mínimo).
E, porque assim foi, não havia necessidade para indicar com desenvolvimento as razões da aplicação dessa medida da pena, porque ela não poderia ser menor.
Ou, dito de outro modo, ao agir dessa forma a Administração Fiscal não violou os direitos da arguida nem, tão pouco, diminuiu as suas garantias de defesa – cfr. Acórdão do STA, de 02/11/2006, proferido no âmbito do processo n.º 0435/06 e também o Acórdão do STA, de 02/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01057/13.
Logo, a sentença recorrida ao declarar nula a decisão administrativa com os fundamentos analisados incorreu em erro de julgamento.
Isto não significa que essa decisão não possa ser declarada nula com outra motivação, tanto mais que a aqui Recorrida invocou outros fundamentos impugnatórios da decisão que aplicou a coima.
Como já referimos, tendo os presentes autos sido presentes a juízo pelo Ministério Público, valendo tal acto como acusação, não chegaram os mesmos a ser expressamente aceites pelo tribunal, dado que o tribunal recorrido apreciou e decidiu, desde logo, que o processo de contra-ordenação padecia de nulidade insuprível.
Decisão esta que urge revogar e ordenar a baixa dos autos para que, se nada o impedir, os autos prossigam os seus regulares termos.
Nesta conformidade, como a arguida não chegou a ser notificada para se pronunciar sobre a sua eventual oposição a decisão do recurso de aplicação de coima por mero despacho, tal limita a nossa apreciação nesta sede.
Isto porque no recurso de aplicação de coima o juiz só pode decidir por despacho depois de notificados o arguido e o Ministério Público, anunciando essa sua intenção, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 64.º do RGIMOS.
Estando a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial, por simples despacho, absolutamente dependente da não oposição do arguido e do Ministério Público a essa forma de decidir, a omissão da audição da aqui arguida para esse efeito (já que o Ministério Público expressamente declarou não se opor a tal forma de decisão), contra o que impõe o n.º 2 do artigo 64.º do RGIMOS, conforma a nulidade da alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT e artigo 41.º do RGIMOS – cfr. Acórdãos do STA, de 29/10/2014, de 19/11/2014 e de 03/06/2015, proferidos no âmbito dos processos n.º 01024/14, n.º 01291/14 e n.º 0692/14, respectivamente.
Apresentando-se, por isso, inviável o desfecho dos autos nesta instância, impõe-se a remessa dos mesmos à primeira instância para que aí prossigam os seus regulares termos, se a tal nada mais obstar.
Conclusões/Sumário

I – Nos termos da alínea d) do n.º 1, do art.º 63.º do RGIT constitui nulidade insuprível, no processo de contra-ordenação tributário, "a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas", sendo que estes são os descritos no n.º 1 do artigo 79.º do mesmo diploma entre os quais se encontra a "descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas" – sua alínea b) - e a indicação da "coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação" – sua alínea c).
II – Nesta conformidade, a não indicação das normas violadas e punitivas e dos elementos objectivos e subjectivos que contribuíram para a penalidade concretamente aplicada constitui nulidade.
III – Todavia, quando a decisão administrativa se traduz na aplicação na coima mínima não existe necessidade da sua fundamentação ser tão desenvolvida quanto a exigida quando a coima aplicada se situa para além daquele montante. E isto porque, julgando-se provados os factos de que o arguido vem acusado, a consequência daí decorrente é a sua condenação numa coima, pelo menos, de montante mínimo.
IV – Os limites mínimo e máximo das coimas, previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada – cfr. artigo 26.º, n.º 4 do RGIT.
V - No recurso de aplicação de coima o juiz só pode decidir por despacho depois de notificados o arguido e o Ministério Público, anunciando essa sua intenção, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 64.º do RGIMOS.
VI – Estando a possibilidade de decidir o recurso de impugnação judicial, por simples despacho, absolutamente dependente da não oposição do arguido e do Ministério Público a essa forma de decidir, a omissão da audição do arguido e do Ministério Público para esse efeito, contra o que impõe o n.º 2 do artigo 64.º do RGIMOS, conforma a nulidade da alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT e artigo 41.º do RGIMOS.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, revogando-se a decisão recorrida, determinar a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância para que, se nada o impedir, os mesmos prossigam os seus regulares termos.
Sem custas.
D.N.
Porto, 22 de Março de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro