Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00163/13.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:ACIDENTE DE SERVIÇO COM AGENTE PSP, SUPLEMENTO DE TURNO E DE PIQUETE, DL 503/99 DE 20/11 E DL 299/09 DE 14/10.
Sumário:Não tem direito ao suplemento de turno de caráter permanente por si auferido à data do acidente qualificado como de serviço, o comandante de esquadra da PSP que no decurso da baixa médica vê o mesmo suplemento ser caraterizado como de piquete e de natureza temporária nos termos do DL 299/09 de 14/10, isto é, nos termos da nova legislação o referido suplemento não subsista para a relação jurídica então em causa (prestação de serviço de Oficial/Chefe de Serviço na PSP), por ter sido substituído por outro de natureza excepcional e consequentemente não permanente (o suplemento de piquete).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:CAPD...
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna - Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:CAPD..., com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF DE AVEIRO, em 31.12.2013, que julgou improcedente a acção administrativa urgente por si interposta contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública, em que peticionava a condenação deste a

“– Pagar ao Autor o suplemento de turno desde Março de 2010, inclusive, até à data da alta clínica, isto é, 25.10.2010, período em que esteve de baixa médica decorrente das lesões sofridas em acidente em serviço num total de 1.135,20 €;

– Pagar ao Autor o suplemento de turno desde 26.10.2010 até à presente data (da entrada da nova PI) num total de 3.973,20€;
– Retomar o pagamento mensal do suplemento de turno no valor em vigor em cada momento.”.

Para tanto alega em conclusão:

1 - À data do acidente em serviço o recorrente exercia as funções de comandante da esquadra de S. JM... e integrava a escala de Oficial de Serviço, recebendo, para além da remuneração base, os competentes suplementos com caráter permanente sobre os quais incidiam descontos para a Segurança Social (CGA), onde se incluía o de turno, este último desde 01.08.2004.
2 - De acordo com o disposto no art.º 15.º e no art.º 19.º, n.º1 do DL 503/99, de 20 de Novembro, o recorrente tinha direito a continuar a receber o suplemento de turno até 25.10.2010, data em que cessaram as faltas ao serviço resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente em serviço.
3 - Ao negar ao recorrente tal direito, a sentença de que se recorre viola o disposto nos artigos 15º e 19º do DL 503/99.
4 - Por força da entrada em vigor do DL 299/09, de 14 de Outubro – 01.01.2010 - o suplemento de turno abonado aos oficiais que exercessem funções de Oficial de Serviço passou a ser abonado a título de suplemento de piquete. No entanto, nas novas funções em que foi investido, em consequência das lesões de que ficou a padecer decorrentes do acidente em serviço, o recorrente não pode integrar a escala de Oficial de Serviço, pelo que não recebe o suplemento de piquete.
5 - Não fora o acidente, e em situação normal, o recorrente continuaria a exercer as suas funções como comandante e as de Oficial de Serviço, recebendo o suplemento de turno; com a entrada em vigor do DL 299/09, receberia o suplemento de piquete.
6 - Estamos perante uma situação de um acidente qualificado como ocorrido em serviço, pelo que, face à letra e ao espírito consubstanciados no art.º 23.º, n.ºs 3, 4 e 5 do DL 503/99, de 20 de Novembro, o recorrente tem, efetivamente, direito a receber o suplemento de turno que lhe era processado e pago à data do acidente em serviço.
7 - Aliás, a recorrida sempre subscreveu este entendimento: Parecer emitido pelo Técnico Superior da Direção Nacional, JAPC..., em 05.03.2010, número 1985/DAARH/2010 - Doc. 2 - “A continuidade na percepção dos suplementos afere-se no momento em que ocorre o acidente. Assim, se o trabalhador auferia o suplemento de turno, deverá manter esse abono, ainda que, nos termos da nova legislação não subsistam os pressupostos para a sua atribuição ou mude de local de trabalho.” – sublinhado nosso – vide alínea M) dos factos assentes – e que foi notificado ao ora recorrente com a proposta de indeferimento do requerimento do suplemento de piquete.
8 - Acresce que no processo que correu termos sob o nº 513/11.9 BELRA, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a recorrida foi condenada a pagar o subsídio de turno muito para além da entrada em vigor do DL 299/09, de 14 de Outubro, a pessoa que, antes do acidente em serviço, exercia as mesmas funções que o ora recorrente, por ser esse o suplemento que auferia à data do acidente, tendo-se conformado com tal decisão, cfr. cópia da sentença junta aos presentes autos em 19.09.2013.

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O recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA (e com relevância para os autos):
A) O Autor é Subcomissário da PSP com a matrícula M/..., a comandar a Esquadra de Trânsito da Divisão Policial de E....
B) Em 28.07.2008, o Autor foi vítima de acidente, qualificado como ocorrido em serviço por despacho do Director Nacional da PSP de 05.02.2010.
C) Por via do acidente em serviço resultou uma incapacidade permanente para o Autor, com desvalorização de 72,8% e consequente redução na sua capacidade de ganho.
D) Por despacho de 16 de Dezembro de 2011, da Caixa Geral de Aposentações, nos termos do n.º 3, do artigo 5.º e n.ºs 1 e 4, do artigo 34.º, do DECRETO-LEI n.º 503/99, de 20 de Novembro, veio a ser fixada ao Autor, uma pensão anual vitalícia de € 13.786,80, a que corresponde uma pensão mensal de € 984,77 (€ 13.786,80/14), bem como, atendendo à elevada incapacidade permanente, subsídio no valor de € 3.559,13 – cfr. doc. n.º 2 junto com a Contestação.
E) Por via do acidente o Autor entrou na situação de baixa médica até 25.10.2010, data em que a Junta Superior de Saúde da PSP lhe concedeu 365 dias de serviços moderados internos.
F) Em virtude da alta com serviços moderados internos, o Autor passou a exercer as actuais funções referidas na alínea A) supra.
G) À data do acidente em serviço (28.07.2008) o Autor exercia as funções de comandante da esquadra de S. JM... e integrava a escala de Oficial de Serviço.
H) Recebendo, para além da remuneração base, os inerentes suplementos com carácter permanente sobre os quais incidiam descontos para a Segurança Social (CGA), onde se incluía o de turno, este último desde 01.08.2004.
I) Até Fevereiro de 2010, o Autor recebeu o suplemento de turno.
J) Desde Março de 2010 até à alta clínica (25.10.2010) o Autor não recebeu o suplemento de turno – Cfr. Doc. 1 anexo à PI.
K) Quando o Autor retomou o serviço, em 26.10.2010, com novas funções, continuou a não lhe ser abonado o dito suplemento.
L) Em 01.01.2010 encontrava-se em vigor o DECRETO-LEI 299/09, de 14 de Outubro (que aprovou o novo Estatuto do Pessoal da PSP) instituindo, entre o demais, o pagamento do suplemento de piquete para os Oficiais que exercessem as funções de Oficial de serviço.
M) Através de ofício de 04.02.2010, o Comandante da Unidade Especial de Polícia solicitou pedido de esclarecimento sobre a atribuição do suplemento de turno e de piquete à luz do Decreto-Lei 503/99, de 20 de Novembro tendo sido emitido Parecer n.º 1985/DAARH/2010 por Técnico Superior da Direcção Nacional, que, no seu n.º 4, conclui o seguinte:
“A continuidade na percepção dos suplementos afere-se no momento em que ocorre o acidente. Assim, se o trabalhador auferia suplemento de turno, deverá manter esse abono ainda que, nos termos da nova legislação não subsistam os pressupostos para a sua atribuição ou mude de local de trabalho.”.
N) O Parecer dos Assuntos Jurídicos n.º 171/07-PJ, de 27 de Fevereiro já se havia pronunciado em sentido semelhante – cfr. fls. 38 e ss do PA.
O) No Parecer n.º 1985/DAARH/2010 foi exarado despacho no sentido de que o suplemento de piquete tinha carácter excepcional e por exercício efectivo de serviço, e no mais no sentido de “Concordo” – cfr. Doc. 2 anexo à PI.
P) Em 21.01.2011, o Autor requereu o suplemento de piquete – cfr. fls. 33 e ss do PA.
Q) Na sequência, foi elaborada Informação/Proposta de indeferimento, com o argumento expresso no ponto 2) de que “… a utilidade da norma do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 Novembro, é claramente a de assegurar o prolongamento do direito à remuneração dos suplementos de carácter permanente, designadamente do suplemento de turno, no período de faltas ao serviço em resultado de acidente em serviço, não contemplando o suplemento de piquete que tem carácter excepcional.” – cfr. fls. 33 e ss do PA.
R) Na referida informação foi exarado despacho de “Concordo”, mais se determinando o cumprimento dos artigos 100.º a 101.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) – cfr. fls. 33 e ss do PA.
S) O Autor exerceu audiência prévia sobre o referido projecto de indeferimento, tendo em 29.11.2011 o Autor sido notificado da Decisão de indeferimento do requerido suplemento de piquete – cfr. fls. 33 e ss do PA.
T) Em 28.02.2013, o Autor solicitou o pagamento do suplemento de turno durante o período de baixa médica (de 28.07.2008 a 25.10.2010), nele referindo expressamente conformar-se com o indeferimento do requerido suplemento de piquete, pelo argumento da sua excepcionalidade – cfr. fls. 18 e ss do PA.
U) Na sequência, foi elaborada Informação/Proposta de indeferimento, n.º 9642/DARH/2012 com o fundamento de que o Autor tinha direito ao suplemento de turno apenas até 31.12.2009, por em 01.01.2010 ter entrado em vigor o Decreto-Lei n.º 299/09, de 14 de Outubro que instituiu o suplemento de piquete para as funções exercidas pelo Autor antes do acidente em serviço (as de Oficial/Chefe de Serviço), sendo este último suplemento de carácter excepcional – cfr. fls. 14 e ss do PA.
V) Na referida informação foi exarado despacho de “Concordo”, mais se determinando o cumprimento dos artigos 100.º a 101.º do CPA – cfr. fls. 14 e ss do PA.
W) O Autor exerceu audiência prévia sobre o referido projecto de indeferimento, tendo em 29.11.2011 o Autor sido notificado da Decisão de indeferimento do requerido suplemento de piquete – cfr. fls. 9 e ss do PA.
X) Por despacho do Director Nacional-Adjunto de 08.11.2012, exarada na informação n.º 13716/DARH/2012 foi negado ao Autor o requerido suplemento de turno com o argumento já informado de que o Autor tinha direito ao referido suplemento de turno apenas até 31.12.2009, por em 01.01.2010 ter entrado em vigor o Decreto-Lei n.º 299/09, de 14 de Outubro que instituiu o suplemento de piquete para a relação jurídica (integração da escala de oficial de serviço) por força dos artigos 34.º a 105.º do citado diploma, e do artigo 4.º do Despacho n.º 24/GDN/2010, de 5 de Agosto, sendo este último suplemento de carácter excepcional – cfr. fls. 5 e ss do PA.
Y) O Despacho n.º 24/GDN12010, de 05 de Agosto considerando o disposto nos artigos 34.º e 105.º do novo Estatuto do Pessoal da PSP (Decreto-Lei n.º 299/09, de 14 de Outubro) veio disciplinar o exercício de funções de Oficial/Chefe de Serviço na PSP, revogando as normas internas que contrariem o presente Despacho e que versavam sobre o suplemento de turno, nomeadamente o Despacho n.º 18/GDN12010 de 2 de Junho – cfr. Doc. 1 junto com a Contestação.
Z) Por força do disposto nos artigos 34.º e 105.º do Estatuto do Pessoal da PSP, e do Despacho n.º 24/GDN12010, de 05 de Agosto, o pessoal enquadrado na escala de serviço de Oficial/Chefe de serviço na PSP, passou a ter direito, em termos de compensação remuneratória ao suplemento de piquete, e não ao de turno.
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º, n.º 3 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
A questão que aqui importa conhecer é a de saber se o recorrente tem direito a continuar a receber o suplemento de turno desde que começaram as faltas ao serviço resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente em serviço e se ao assim não entender a decisão recorrida violou os art.º 15.º e no art.º 19.º, n.º1 do DL 503/99, de 20 de Novembro.
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O DIREITO
Entende o recorrente que resulta daqueles preceitos que tem direito ao referido suplemento e que a tal não obsta a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de Outubro, que aprovou o Estatuto do Pessoal da PSP, por tal se impor ao abrigo do Decreto-Lei n.º 503/99 que aprovou o regime jurídico dos acidentes em serviço e doenças profissionais da Administração Pública.

Alega para o efeito que não pode ser prejudicado com a alteração promovida pelo Decreto-Lei n.º 299/2009 que aprovou o Estatuto do Pessoal da PSP que veio a atribuir outro tipo de suplemento à relação jurídica em causa (prestação de serviço de Oficial/Chefe de Serviço na PSP).
Então vejamos.
Entendeu-se na decisão recorrida que:
“(...) Em síntese, com a entrada em vigor do novo regime jurídico conferido ao serviço de Oficial/Chefe de Serviço na PSP, extinguiu-se o direito ao abono de suplemento, a este título.
Revogado o regime anterior, e atribuindo-se para o mesmo tipo de relação jurídica (serviço de Oficial/Chefe de Serviço na PSP) um suplemento de natureza excepcional, desprovido, por conseguinte, dos pressupostos constantes do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, inexiste base legal que fundamente a pretendida manutenção do direito ao abono de qualquer compensação remuneratória a título da relação jurídica ora em discussão, no período de baixa médica do Autor (sem prejuízo de o Réu ainda ter processado ao Autor o suplemento de turno no mês de Janeiro e Fevereiro de 2010, período no qual ainda que se encontrava na situação de baixa médica motivada pelo acidente em serviço).
Em conclusão, atendendo ao actual enquadramento jurídico para efeitos remuneratórios do tipo de relação jurídica que é preenchido pela prestação de serviço de Oficial/Chefe de Serviço na PSP, com a revogação operada do suplemento de turno e a integração do suplemento de piquete, a lei (mormente os invocados artigos 15.º e 19.º do Decreto-Lei 503/99), não concede ao Autor o direito à pretendida compensação remuneratória a este título, no período correspondente à sua situação de baixa médica que se prolongou até Outubro de 2010.
Tem pois de improceder o pedido de condenação do Réu a pagar ao Autor o suplemento de turno desde Março de 2010, inclusive, até à data da alta clínica, isto é, 25.10.2010, período em que esteve de baixa médica decorrente das lesões sofridas em acidente em serviço num total de 1.135,20 €.

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(...)

Pedido e causa de pedir que considera resultar do disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 23º do Decreto-Lei 503/99.

Vejamos.

Prescrevem os n.ºs 3, 4 e 5 do art. 23º do Decreto-Lei 503/99 sob a epígrafe “Reintegração Profissional”:

3 – Quando se verifique incapacidade permanente que impossibilite o trabalhador de exercer plenamente as suas anteriores funções ou quando destas possa resultar o agravamento do seu estado de saúde, este tem direito a ocupação em funções compatíveis com o respectivo estado, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, a reclassificação ou reconversão profissional e a trabalho a tempo parcial.

4 – As situações referidas nos números anteriores não implicam redução de remuneração nem perda de quaisquer regalias, sem prejuízo do disposto no regime da reclassificação e da reconversão profissional.

5 – A reclassificação e a reconversão profissional não podem, porém, em qualquer caso, implicar diminuição de remuneração” – itálico nosso.

Destes normativos legais retira o Autor que, estando-se nos autos perante uma situação de um acidente qualificado como ocorrido em serviço, face aos respectivos teor e espírito, tem, efectivamente, direito a receber o suplemento de turno que lhe era processado e pago à data do acidente em serviço, sob pena de violação daqueles dispositivos legais.

Sublinhando que o Réu sempre subscreveu este entendimento conforme Pareceres n.º 1985/DAARH/2010 e n.º 171/07-PJ, no sentido de “A continuidade na percepção dos suplementos afere-se no momento em que ocorre o acidente. Assim, se o trabalhador auferia o suplemento de turno, deverá manter esse abono, ainda que, nos termos da nova legislação não subsistam os pressupostos para a sua atribuição ou mude de local de trabalho.”.

Ora, como já se referiu, no actual enquadramento jurídico para efeitos remuneratórios do tipo de relação jurídica que é preenchido pela prestação de serviço de Oficial/Chefe de Serviço na PSP, o suplemento de turno foi substituído pelo suplemento de piquete, de natureza distinta do primeiro, atendendo ao seu carácter excepcional e não permanente.

Sendo que o facto de o Réu não ter continuado a prestar ao Autor o suplemento de turno que auferia antes do acidente de serviço de que o Autor foi vítima – e sem prejuízo de não ser controverso que do mesmo resultaram lesões permanentes que lhe trazem necessariamente uma redução na sua capacidade de ganho – não viola o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do art. 23º do Decreto-Lei 503/99, sob a epígrafe “Reintegração Profissional”:

Na verdade, o normativo em questão (artigo 23.º do Decreto-lei 503/99) veda expressamente a diminuição de retribuição e de regalias, bem como a ocupação do trabalhador incapacitado em funções não compatíveis com o respectivo estado, o impedimento de formação profissional, da adaptação do posto de trabalho, da reclassificação ou reconversão profissional e do trabalho a tempo parcial.

O que os autos não demonstram ter ocorrido.

De tais normativos se não retirando a pretensão do Autor, pois, como se sabe e decorre da lei, os suplementos remuneratórios são acréscimos à retribuição ou remuneração base que estão na dependência do exercício efectivo das inerentes funções pelo pessoal, com a consequência de a respectiva percepção cessar automaticamente com o não exercício das respectivas funções. E assim sendo, cessando os pressupostos que permitam atribuir um suplemento remuneratório, ou seja, o desempenho efectivo de funções, a sua percepção cessa automaticamente, perdendo, desse modo, o visado, o direito à sua atribuição, a não ser que a lei expressamente, e em certas situações, o ressalve.

O que não acontece in casu em relação ao pedido do Autor de manutenção do direito a receber o suplemento de turno desde a alta clínica até à sua aposentação, porquanto, para além do já referido supra quanto à extinção do suplemento de turno (ou sua substituição pelo suplemento de piquete), mesmo a ter-se mantido o mesmo (o suplemento de turno), seria necessário o exercício efectivo das funções que a ele estavam ligadas, pressuposto igualmente necessário para a eventual percepção do suplemento de piquete.

Com efeito quanto aos pedidos agora em causa, a lei (os preceitos referenciados pelo Autor) não ressalva a situação de manutenção de suplementos permanentes ficcionando o exercício efectivo das inerentes funções, como o faz no caso da baixa médica nos termos atrás expostos, antes visa garantir que nos casos de incapacidade permanente se impossibilite o trabalhador de exercer plenamente as suas anteriores funções ou quando destas possa resultar o agravamento do seu estado de saúde tenha o mesmo direito a ser objecto de reclassificação e/ou reconversão profissional em funções compatíveis com o respectivo estado, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, a reclassificação ou reconversão profissional e a trabalho a tempo parcial, sem redução de remuneração nem perda de quaisquer regalias.

O que os autos não demonstram ter sucedido.

Termos em que tem de improceder o pedido de condenação do Réu a pagar ao Autor o suplemento de turno desde 26.10.2010 até à presente data e do dever de retomar o pagamento mensal do mesmo até à aposentação do Autor, não tendo o Réu violado a lei, mormente o artigo 23.º do Decreto-Lei 503/99.”
Então vejamos.
Tal como resulta do art. 15.º do DL n.º 503/99 de 20/11, entendimento subscrito no Ac. do STA de 18.11.2010 - Proc. n.º 0837/09 no “… período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de caráter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição …” .
E, do art. 19º do mesmo diploma resulta também que:
“1-…as faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito ...”.
Impõe-se, por isso, aferir se estamos ou não perante um suplemento de caráter permanente.
Nos termos do DL 181/01 de 19/6 :
“Suplemento de turno
Artigo 4.º
Conceito
Considera-se suplemento de turno a compensação remuneratória mensal atribuída ao pessoal referido no artigo 2.º pelas restrições decorrentes do desempenho de funções operacionais ou de apoio directo às funções operacionais em regime de rotatividade de horário, de acordo com as respectivas escalas de serviço.
Artigo 5.º
Regime do suplemento de turno
1 - O suplemento de turno corresponde a uma percentagem do índice 100 da escala salarial das forças de segurança, é atribuído mensalmente e o respectivo montante varia em função das carreiras e dos períodos do dia e da semana que os turnos abranjam.
2 - Os montantes devidos a título de suplemento de turno são de:
a) 10%, quando os turnos abranjam o período compreendido entre as 20 e as 7 horas da manhã e o fim-de-semana;
b) 9%, quando os turnos abranjam o período compreendido entre as 20 e as 7 horas da manhã mas não o fim-de-semana;
c) 8%, quando os turnos abranjam o fim-de-semana mas não o período compreendido entre as 20 e as 7 horas da manhã;
d) 5%, quando os turnos não abranjam o período compreendido entre as 20 e as 7 horas da manhã nem o fim-de-semana.
3 - Às quantias previstas no número anterior acrescem 2% se os turnos efectuados forem de vinte e quatro horas.
4 - Aos montantes disciplinados no número anterior acrescem 1% para os chefes e 2% para os oficiais.
CAPÍTULO III
Suplemento de piquete
Artigo 6.º
Conceito
Considera-se suplemento de piquete a compensação remuneratória mensal atribuída ao pessoal referido no artigo 2.º em função das limitações e especial responsabilidade do serviço prestado com permanência obrigatória nas unidades e subunidades policiais, em situações determinadas por ameaça à segurança ou outras circunstâncias especiais, para assegurar o normal funcionamento do serviço.
Artigo 7.º
Regime do suplemento de piquete
1 - O suplemento de piquete é atribuído mensalmente, corresponde a uma percentagem do índice 100 da escala salarial das forças de segurança e o respectivo montante varia em função das carreiras e do período em que são desempenhadas funções nas condições em referência.
2 - Os montantes devidos a título de suplemento de piquete são de: (...)”
CAPÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 8.º
Acumulações
1 - A percepção dos suplementos de turno e de piquete é acumulável, mas não pode exceder 12% do índice 100 da escala salarial das forças de segurança.
2 - Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 5.º e no n.º 3 do artigo 7.º, o cúmulo dos suplementos de turno e de piquete não poderá exceder 14% do índice 100 da escala salarial das forças de segurança.
3 - A atribuição dos suplementos previstos no presente diploma é acumulável com a de outros suplementos que revistam natureza diferenciada, designadamente o suplemento por serviço nas forças de segurança.”
Por sua vez os artigos 2º e 3º do mesmo diploma dispõem:
“Âmbito
O presente diploma aplica-se ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública que, nos termos das respectivas escalas de serviço, exerça as suas funções em regime de rotatividade de horário ou sob a forma de piquete.
Artigo 3.º
Regime geral
1 - Os suplementos referidos no artigo 1.º só são devidos quando se verifique prestação efectiva de serviço, nos termos definidos no presente diploma....”
Contudo, o DL n.º 299/09, de 14.10 veio definir e regulamentar a estrutura e regime da carreira especial de pessoal com funções policiais da PSP .
E, nos termos da alínea i) do n.º 1 do seu art. 121.º foi extinto o suplemento de turno e piquete, previsto no Decreto--Lei n.º 181/2001, de 19 de Junho.
E, como se extrai dos nºs 34 e 105 deste diploma é criado o subsídio de turno e piquete nos seguintes termos:
Artigo 34.º
Regime de turnos e piquete
1 - Considera-se trabalho por turnos qualquer modo de organização do trabalho em equipa em que o pessoal policial ocupe sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, que pode ser do tipo contínuo ou descontínuo, o que implica a execução do trabalho a horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas.
2 - O regime de turnos caracteriza-se pela sujeição a uma escala de serviço, com rotatividade de horários.
3 - O regime de turnos é permanente quando o trabalho é prestado nos sete dias da semana, semanal prolongado quando é prestado em todos os cinco dias úteis e no sábado ou no domingo e semanal quando é prestado apenas de segunda-feira a sexta-feira.
4 - O regime de turnos é total quando é prestado em, pelo menos, três períodos de trabalho diário e parcial quando é prestado apenas em dois períodos.
5 - A duração de trabalho de cada turno não pode ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho, salvo nos casos excepcionais autorizados por despacho do director nacional.
6 - O direito ao suplemento de turno previsto no artigo 105.º só tem lugar desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Estar o elemento policial integrado em escala de serviço aprovada;
b) Um dos turnos ser total ou parcialmente coincidente com o período nocturno.
7 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, considera-se:
a) «Período nocturno» o período que decorre entre as 22 e as 7 horas do dia seguinte;
b) «Turno parcialmente coincidente com o período nocturno» aquele em que pelo menos duas horas do turno se realizam no período referido na alínea anterior.
8 - Os serviços de piquete são previamente autorizados pela entidade competente.
Artigo 105.º
“Suplemento de turno e piquete
1 - O suplemento de turno devido pela prestação de trabalho em regime de turnos nos termos previstos no artigo 34.º é um acréscimo remuneratório mensal atribuído ao pessoal policial pelas restrições decorrentes do exercício de funções operacionais, ou de apoio operacional, em regime de turnos, com vista a assegurar necessidades permanentes do serviço policial.
2 - O suplemento de turno é fixado por carreira do pessoal policial nos seguintes valores:
(...)
3 - O suplemento de piquete é um acréscimo remuneratório de natureza excepcional, atribuído ao pessoal policial que seja obrigado a comparecer ou a permanecer no local de trabalho, visando salvaguardar o funcionamento dos serviços, ou sempre que o estado de segurança ou circunstâncias especiais o exijam.
4 - O suplemento de piquete é calculado em função do número de horas prestadas em regime de piquete, sendo o valor hora resultante da aplicação da fórmula (Rm x 12)/(52 x n), em que Rm é o montante correspondente ao nível remuneratório 6, 7 e 8 respectivamente, para pessoal policial das carreiras de agente, de chefe e de oficial de polícia e no período normal do trabalho semanal.
5 - Para efeito do número anterior o valor hora a considerar é o seguinte:
a) Em período nocturno e ao fim-de-semana e dias feriados, o valor determinado pela aplicação da fórmula multiplicado pelo factor 2;
b) Em fim-de-semana ou dia feriado mas não em período nocturno, o valor determinado pela aplicação da fórmula multiplicado pelo factor 1,5;
c) Em período nocturno mas não ao fim-de-semana ou dias feriados, o valor determinado pela aplicação da fórmula multiplicado pelo factor 1,25;
d) Nos restantes casos, o valor determinado pela aplicação da fórmula.
6- O suplemento de piquete tem como limite mensal o montante mais elevado do suplemento de turno, para a respectiva carreira.”
Chegamos ao cerne da questão.
Á data do acidente em serviço (28.07.2008) o autor exercia as funções de comandante da esquadra de S. JM... e integrava a escala de Oficial de Serviço.
E, por essas funções recebia para além da remuneração base, os inerentes suplementos com carácter permanente sobre os quais incidiam descontos para a Segurança Social (CGA), onde se incluía o de turno, este último desde 01.08.2004.
Em 01.01.2010 encontrava-se em vigor o Decreto-Lei 299/09, de 14 de Outubro (que aprovou o novo Estatuto do Pessoal da PSP) instituindo, entre o demais, o pagamento do suplemento de piquete para os Oficiais que exercessem as funções de Oficial de serviço.
1ª Questão
A primeira questão que se coloca é se, quer no âmbito do anterior diploma quer no âmbito da nova regulamentação dos subsídios de turno e piquete estamos ou não perante uma gratificação mensal com caráter permanente.
Ora, o que resulta do supra transcrito é que os pressupostos que no âmbito do DL 181/2001 conduziam a que o aqui recorrente recebesse um subsídio de turno, suplemento com caráter permanente, no âmbito do novo diploma apenas seria suscetível de conduzir a um suplemento de piquete que não tem essa natureza.
No âmbito do DL 181/2001 «Considera-se suplemento de turno a compensação remuneratória mensal atribuída ao pessoal referido no artigo 2.º pelas restrições decorrentes do desempenho de funções operacionais ou de apoio directo às funções operacionais em regime de rotatividade de horário...”
E, o mesmo reveste o referido caráter permanente já que “...corresponde a uma percentagem do índice 100 da escala salarial das forças de segurança, é atribuído mensalmente e o respectivo montante varia em função das carreiras...”.
Quanto ao suplemento de piquete no âmbito do novo diploma DL 299/09 “3 - O suplemento de piquete é um acréscimo remuneratório de natureza excepcional, atribuído ao pessoal policial que seja obrigado a comparecer ou a permanecer no local de trabalho, visando salvaguardar o funcionamento dos serviços, ou sempre que o estado de segurança ou circunstâncias especiais o exijam.
4 - O suplemento de piquete é calculado em função do número de horas prestadas em regime de piquete “.
Pelo que resulta a sua natureza casual, episódica, não repetitiva por sistema e com regularidade, que são requisitos implícitos na noção de um “suplemento permanente”.
E é a regularidade e periodicidade que nesse âmbito tiver assumido a prestação de serviço que implica o seu caráter de permanência.
Em suma, o aqui recorrente pelo exercício de umas determinadas funções recebia um suplemento permanente e no decurso da baixa por junta médica as mesmas funções passaram a merecer um suplemento de natureza precária apenas aquando da prestação de um serviço.
2ª questão
Concluir se mantém o direito ou não a receber o referido subsídio de turno que deixou de existir durante o seu período de baixa médica decorrente de acidente em serviço e dado que o novo subsídio que o substitui deixou de ter caráter permanente.
Então vejamos.
Nos termos do art. 121º do citado DL 299/09 de 14/10:
“Artigo 121.º
Extinção de suplementos
1 - São extintos os seguintes suplementos:
a) O suplemento de comando e patrulha, previsto no Decreto-Lei n.º 212/98, de 16 de Julho, na parte aplicável à PSP;
b) O suplemento do Corpo de Intervenção e Grupo de Operações Especiais, previsto no Decreto-Lei n.º 248/87, de 19 de Junho;
c) O suplemento de risco agravado, previsto no Decreto-Lei n.º 248/87, de 19 de Junho;
d) O suplemento de inactivação de engenhos explosivos e pesquisa em subsolo, previsto no Decreto-Lei n.º 196/79, de 29 de Junho;
e) A gratificação do Corpo de Segurança Pessoal, prevista no Decreto-Lei n.º 126/95, de 1 de Junho;
f) O subsídio de fardamento, previsto no Decreto-Lei n.º 453/83, de 28 de Dezembro, na parte aplicável à PSP;
g) A gratificação de trânsito e tratadores de canídeos, prevista no Decreto-Lei n.º 455/83, de 28 de Dezembro, na parte aplicável à PSP;
h) A gratificação de instrutor e monitor, prevista no Decreto-Lei n.º 248/87, de 19 de Junho;
i) O suplemento de turno e piquete, previsto no Decreto-Lei n.º 181/2001, de 19 de Junho;
j) O suplemento a que se refere o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/78, de 8 de Novembro, tornado extensivo ao pessoal não policial pelo Decreto-Lei n.º 172-F/86, de 30 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 248/87, de 19 de Junho.
2 - O pessoal policial que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exerça funções de apoio operacional no Corpo de Intervenção, Grupo de Operações Especiais e Corpo de Segurança Pessoal, mantém, enquanto permanecer no exercício dessas funções, os suplementos referidos nas alíneas b) e e) do número anterior sem qualquer alteração, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 112.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
3 - O disposto no número anterior aplica-se aos titulares dos suplementos previstos nas alíneas g), h) e j) do n.º 1.”
Desde logo em nenhum dos acórdãos do TCAN que o aqui recorrente e o MP chamam à colação está em causa a situação destes autos.
Desde logo no Ac. do TCAN 3677/11.8PRT de 17/5/013 está em causa uma gratificação de serviço, de caráter permanente que foi extinta pelo novo diploma mas em que ficaram salvaguardadas as situações já existentes.
Como se extrai do mesmo:
“Temos, ainda, de ter presente que pese embora a “gratificação de trânsito” [prevista no DL n.º 455/83, de 28.12] haja sido eliminada/extinta pelo citado DL n.º 299/09 [cfr. al. g) do n.º 1 do seu art. 121.º] a mesma, contudo, permanece ou mantem-se para o pessoal policial que, em 01.01.2010, a aufira e enquanto permanecer no exercício dessas funções nos termos do disposto no n.ºs 2 e 3 do art. 112.º da Lei n.º 12-A/08, sendo que tal gratificação constituía uma gratificação mensal com caráter permanente, quer era abonada a todo o pessoal da PSP com desempenho efetivo da função inerente à especialidade de trânsito, e cujo abono não sofria interrupções no caso de ausências de serviço por motivo de acidente ocorrido no exercício da função, bem como era parcela remuneratória a considerar no cálculo da pensão de reforma e aposentação [cfr. arts. 01.º e 02.º do DL n.º 455/83].”
O que não é o caso sub judice em que continuaram a existir os mesmos suplementos mas com pressupostos diferentes e em que um suplemento de natureza permanente passou a ter natureza temporária, sem que tenha sido prevista a manutenção do referido subsídio com os mesmos pressupostos para quem já dele beneficiava.
Relativamente ao acórdão 1985/12.0PRT de 31/5/2013 deste TCAN o mesmo reporta-se a uma situação de reclassificação de serviço resultando do art. 23º do citado DL 503/99 que mesmo que tal aconteça o acidentado não pode ser prejudicado e passar a auferir menos do que o que auferia pelo facto de ter de exercer funções diferentes das que vinha fazendo.
O que também não é o que se passa no caso sub judice.
A propósito da interpretação da lei, diz o artigo 9º nº1 do CC que esta não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
E, continua o nº2 que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, terminando o nº3 que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Na interpretação da lei há, assim, que atender:
- Ao elemento literal [sentido dos termos e sua correlação];
- Lógico [a lei que permite o mais, permite o menos; a que proíbe o menos proíbe o mais; a que permite o fim permite os meios que necessariamente a ele conduzem; a que proíbe os meios, proíbe o fim a que eles necessariamente conduzem];
- Sistemático [as leis interpretam-se umas às outras];
- Histórico [trabalhos preparatórios].
Interpretemos, pois, os artigos 15º e 19º do DL 503/99, alegadamente violados, tendo presente o supra referido.
Tendo em conta o elemento literal temos de considerar que o art. 121º do DL 299/09 não previu a manutenção do referido subsídio de turno nos precisos termos em que ele era concedido para quem já dele beneficiasse antes da sua entrada em vigor.
O que fez para uma série de subsídios que extinguiu.
E, não o fez porque criou um novo subsídio com pressupostos diferentes mas de caráter não permanente.
Tendo em conta o elemento lógico temos de considerar que relativamente a qualquer dos subsídios que foram extintos mas mantidos em vigor para quem já deles beneficiava, se o acidente ocorresse após a entrada do DL 299/09 , o acidentado claramente que deles continuaria a beneficiar face ao art. 15º do DL 503/99 desde que se tratasse de um subsídio de caráter permanente.
Por outro lado se o acidente ocorresse com o aqui recorrente depois da entrada em vigor do DL 299/09, o mesmo não teria direito a manter o subsídio aqui em causa que agora integra o chamado subsídio de piquete, por o mesmo não ter caráter permanente.
Pelo que, não podemos dizer que o elemento lógico conduz à identidade de razões para que se deva manter o direito ao subsídio aqui em causa se o mesmo existia na altura do acidente e por isso que os motivos que conduziram às decisões deste TCAN sejam os mesmas aqui em causa.
Quanto ao elemento sistemático de unidade do sistema jurídico chamemos aqui à colação os n.ºs 3, 4 e 5 do artº 23º do DL 503/99, de 20 de novembro, sob a epígrafe “Reintegração Profissional”:
“3 – Quando se verifique incapacidade permanente que impossibilite o trabalhador de exercer plenamente as suas anteriores funções ou quando destas possa resultar o agravamento do seu estado de saúde, este tem direito a ocupação em funções compatíveis com o respectivo estado, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, a reclassificação ou reconversão profissional e a trabalho a tempo parcial.
4 – As situações referidas nos números anteriores não implicam redução de remuneração nem perda de quaisquer regalias, sem prejuízo do disposto no regime da reclassificação e da reconversão profissional.
5 – A reclassificação e a reconversão profissional não podem, porém, em qualquer caso, implicar diminuição de remuneração” .
Ora, também relativamente à inserção da questão que aqui importa na unidade jurídica do sistema a interpretação de que se não mantém o seu direito ao subsídio de turno.
Na verdade, se o aqui recorrente não estivesse incapacitado por acidente de serviço e se se mantivesse no exercício de funções que tinha antes do mesmo, nos termos do novo diploma, DL 299/09 de 14/10 teria passado a beneficiar do direito a um subsídio de piquete variável mensalmente por dependente do número de horas passado em efetividade.
Poderá dizer-se que formalmente o recorrente continua a exercer as mesmas funções que tinha mas passa a receber uma retribuição inferior porque deixa de poder exercer um cargo que lhe permitiria receber um suplemento que era permanente e passou a estar dependente de uma prestação concreta.
Ora, não há dúvida que a intenção do legislador no DL 503/99 foi a de salvaguardar a situação do agente que é acidentado em serviço.
E a sua preocupação foi o exercício de funções que o mesmo vinha exercendo assim como os suplementos que recebesse a título permanente.
O legislador não se preocupou com os subsídios não permanentes.
E a sua preocupação não é a data do acidente, mas antes que se não fosse o acidente e o acidentado continuasse a trabalhar receberia o vencimento que estaria a receber.
Ora, parece-nos antes que a unidade do sistema jurídico ficaria antes abalada se um agente nas mesmas circunstâncias apenas porque o acidente ocorreu quinze dias antes da entrada em vigor do DL 299/99 ou quinze dias depois, um tivesse direito a um subsídio de turno que este diploma eliminou sem ter protegido quem dele já beneficiava, e o outro acidentado não.
Pelo que, e atendendo também ao espírito e interpretação sistemática das disposições legais parece-nos defensável que o aqui recorrente não deve continuar a perceber o suplemento de turno por si auferido à data do acidente, já que, nos termos da nova legislação o mesmo não subsista para a relação jurídica então em causa (prestação de serviço de Oficial/Chefe de Serviço na PSP), por ter sido substituído por outro de natureza excepcional e consequentemente não permanente (o suplemento de piquete).
E, não nos parece que a data do acidente seja elemento determinante na análise da situação aqui em causa.
Não podemos esquecer que por força da entrada em vigor do DL 299/09, de 14 de outubro – 01.01.2010 - o suplemento de turno abonado aos oficiais que exercessem funções de Oficial de Serviço passou a ser abonado a título de suplemento de piquete.
E que não é pelo facto de o recorrente estar de baixa médica em consequência das lesões de que ficou a padecer decorrentes do acidente em serviço, e de não poder integrar a escala de Oficial de Serviço que o referido diploma deixa de lhe ser aplicável.
É que, como já referimos se não fosse o acidente, e em situação normal, o requerente continuaria a exercer as suas funções como comandante e as de Oficial de Serviço, recebendo o suplemento de turno e com a entrada em vigor do DL 299/09, receberia o suplemento de piquete mas se tivesse um acidente deixaria também de perceber aquele subsídio de piquete por ser de natureza transitória.
Pelo que a questão que se coloca é apenas a da relevância da alteração legislativa decorrente em período de baixa médica.
E, a nosso ver, não existe qualquer motivo para não considerar a referida alteração legislativa em período de baixa médica.
É certo que se entendeu no Ac. do STA 1337/13 de11/27/2013 como resulta do seu sumário que “Nos termos do art. 15º do DL n.º 503/99, de 20/11, o agente da PSP que se incapacitou num acidente de serviço tem direito a receber, até à data da sua aposentação, os subsídios de refeição e os suplementos de patrulha e de turno.”
Contudo, a questão aqui em causa não foi tratada na fundamentação deste acórdão nomeadamente a entrada em vigor do DL 299/09 face à ausência de divergência neste ponto entre as partes conforme aqui se transcreve do mesmo:
“...Ora, está factualmente assente que a PSP só pagou ao associado da autora o subsídio de refeição até Agosto de 2010; o suplemento de patrulha até Julho de 2010; e o suplemento de turno até Fevereiro de 2010. Consequentemente, esses abonos estão em dívida desde os seus últimos pagamentos até 1/10/2011, data em que o agente acidentado se aposentou. Assinale-se, aliás, que este ponto não foi alvo de controvérsia, pois o MAI admitiu, no art. 27º da sua contestação, a exigibilidade de tais importâncias. Portanto, a presente revista merece inteiro provimento, devendo condenar-se o MAI a pagar – através da PSP – esses abonos em falta ao associado da autora...”
Pelo que, é de manter a decisão recorrida.

*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
R. e N.
Porto, 15/5/013
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Hélder Vieira