Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01161/14.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/06/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:MEDIDA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA; IMPROBABILIDADE DO ÊXITO DA ACÇÃO;
“AVISOS DE INCUMPRIMENTO” PARA PAGAMENTO DE TAXA DEVIDA PELO ESTACIONAMENTO NÃO PAGA, ALÍNEA C) DO N.º 1, DO ARTIGO 120º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:1. Em regra, o processo cautelar de intimação para abstenção de uma conduta por parte da Administração é acessório de processos pelos quais se pretende a condenação do réu na prestação de facto negativa e, embora cumpra uma função asseguradora (por ter por objectivo inibir a modificação e a destruição do “status quo” subjacente à causa principal), actua por via da técnica da antecipação (por o juiz cautelar decidir sobre o objecto da causa principal, realizando uma composição provisória da lide), devendo, por isso, tal providência ser considerada antecipatória.

2. Pretendendo o município requerente que a empresa requerida, concessionária de lugares de estacionamento para automóveis, se abstenha de colocar “avisos de incumprimento”, com a interpelação aos utentes que não pagaram a taxa devida para o estacionamento para pagar o valor correspondente à taxa diária, estamos perante um pedido cautelar antecipatório, dado ser esse o efeito pretendido, a título definitivo, no processo principal.

3. Como o fundamento fundamental para apoiar este pedido, é o de que o requerido está a exercer, ilegalmente, o poder público do município, de fiscalização, é improvável o êxito da acção principal, dado traduzir, claramente, pelo contrário, mera interpelação para pagamento de uma dívida, pelo que é de indeferir o pedido cautelar, logo pela falta de boa aparência do direito, face ao disposto na alínea c) do n.º1, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Vila Verde.
Recorrido 1:S...–Gestão de Parques de Estacionamento, S.A..
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Município de Vila Verde veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 22.12.2015, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a providência cautelar de intimação para abstenção de uma conduta que deduziu contra a S... – Gestão de Parques de Estacionamento, S.A., a título preliminar à instauração de acção administrativa comum de condenação.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea b), e nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao não considerar verificados, face à factualidade apurada e às regras de experiência comum, os requisitos para a providência requerida, em particular, o de perigo criação de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem como o que ficou prejudicado na sua apreciação, a existência de fumus non malus iuris e prevalência dos interesses públicos que requerente visa defender.

A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido; requereu ainda a ampliação do objecto do recurso defendendo que, ao contrário do decidido, estamos perante uma providência antecipatório e não meramente conservatória pelo que o requerente deveria ter feito prova da aparência do seu direito de uma forma mais exigente, ou seja, o fumus boni iuris, na forma positiva.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
I - São estas as conclusões das alegações e que definem o objecto do presente recurso:
A - A questão vital de discordância e que determina este recurso, prende-se com a circunstância de o Recorrente não se conformar com a douta sentença recorrida, ao haver esta considerado que "O Requerente não carreou para os autos factualidade concreta, de onde se possa concluir que existe um fundado receio [...] da produção de prejuízos de difícil reparação, alegando, de forma genérica, que a manutenção da conduta da Requerida lhe lesa a sua imagem de autoridade." (fls. 22 da sentença).

B - Por sua vez, não está aqui em causa a apreciação concretizada pela Juíz a quo no que tange à matéria de facto dada como provada, mas, apenas, a sua subsunção desses factos ao Direito.

C - Assim, é pacífico que no caso presente são três os requisitos de que dependerá a concessão da presente providência, mais concretamente:

. O fumus boni iuris, na sua formulação negativa (fumus non malus iuris).

. O periculum in mora;

. A ponderação de interesses.

D - Pacífico é, também, que quer o requisito do denominado fumus boni iuris, quer o da ponderação de interesses não foram, intencionalmente, alvo de apreciação no âmbito da sentença recorrida em termos de eventual preenchimento na situação em apreço, o que decorreu da circunstância de não se ter por verificado aquele outro requisito respeitante ao "periculum in mora" (avaliado em primeiro lugar) pelo que, atenta a natureza cumulativa destes três requisitos, ficou prejudicada a verificação de existência dos demais.

E - Todavia, na tese do recorrente, existe matéria provada suficiente no douto aresto para ter-se por verificada a existência daquele periculum in mora, e, nessa conformidade, deveria (e deverá) apreciar-se de seguida a existência dos dois outros requisitos, considerando-se também estes como verificados, concluindo-se, consequentemente, pela procedência da pretensão do recorrente.

F - Assim, no seio do seu requerimento inicial, o recorrente alegou factos consubstanciadores da existência do risco de prejuízos de difícil reparação, alguns com valia instrumental, outros com relevância indirecta, e os demais directamente concretizadores desses prejuízos. Esses factos ficaram, todos eles, provados, passando-se a concretizá-los: Assim e nomeadamente,

G - Em termos instrumentais, ficou provado que a situação de "Fiscalização" em apreço, verifica-se desde 11 de Dezembro de 2013, momento a partir do qual funcionários da requerida passaram a afixar em viaturas estacionadas na via pública, nas zonas abrangidas pela referida exploração, papéis com o título de "aviso de incumprimento" - Provado no ponto 7 dos "factos provados".

H - Ainda instrumentalmente, ficou provado que os funcionários da ora recorrida realizam as ditas operações de sindicância/vigilância/fiscalização, envergando o mesmo modelo de uniforme dos funcionários que exercem funções de fiscalização por parte do município recorrente, em cujas costas se lê a palavra "FISCALIZAÇÃO" - Provado no ponto 10 dos "Factos provados".

I - Provado ficou (ponto 14 dos "Factos provados" da douta sentença) que a Procuradoria da República entretanto questionou o aqui recorrente acerca das acções de "fiscalização" que estavam (e estão) a ser levadas a cabo pela aqui recorrida.

J - Ficou provado (ponto 17 da matéria de facto provada), que na origem da interpelação da Procuradoria da República estiveram quer uma exposição subscrita por dois vereadores da Câmara Municipal de Vila Verde, quere uma exposição subscrita por um cidadão anónimo, em ambas as situações imputando-se ilegalidades ao procedimento adoptado pela requerida.

K - Ficou - directamente - provado (ponto 17 da matéria provada, por referência ao documento nº 7 aí mencionado) que o dito cidadão anónimo denunciou na sua exposição que: "[...] Muitos cidadãos lamentam-se, demonstram o seu descontentamento, mas não formalizam a sua queixa [...], esta situação está a abalar por completo a confiança que os cidadãos depositam no estado, nos funcionários que os representa." E, bem assim, que: "Os funcionários da Empresa S... estão uniformizados tal e qual os funcionários da autarquia, só com muito interesse se consegue distingui-los (é um abuso propositado) [...] já é do conhecimento de alguns cidadãos, pela comunicação social, a existência de funcionários de uma Empresa a fiscalizarem, sem terem competência para tal, por impossibilidade de os distinguir, os funcionários da câmara têm sido alvo de conflitos graves por responsabilização de actuações de que não são responsáveis."

L - Provado também, no ponto 20 dos "Factos provados", que também a Polícia Judiciária interpelou o aqui recorrente a propósito de variadas circunstâncias atinentes ao comportamento da requerida no exercício da sua "Fiscalização".

M - Ainda em termos directos, ficou assente (ponto 21. dos "fatos provados") que "A conduta da Requerida destinada à cobrança dos valores não pagos pelos utentes do estacionamento concessionados foi alvo de ampla discussão pública e divulgação nos meios de comunicação social [...]”.

N - Posto isto, vêm a ser diversos os factos carreados para o processo, e que foram, inclusivamente, dados como provados, que se objectivam como incontroversos no sentido de revelar um fundado receio da ocorrência de um prejuízo de difícil reparação até que seja proferida uma decisão numa acção principal.

O - Face a esse conjunto de factos dados como provados, e tendo presente que os mesmos hão-de ser - também - sopesados e avaliados com o recurso a raciocínios e regras atinentes à experiência comum, objectiva-se que uma decisão correta passaria por ter-se por verificado o requisito do periculum in mora.

P - Isto porque perpetuar os factos e situações acima evidenciados, até ao momento em que venha a ser proferida uma decisão final no processo principal, é de molde a, por sua vez, fazer perdurar no tempo a situação conflitualidade, atentatória da paz social e de afronta à imagem de autoridade do município vilaverdense, representando uma intolerável intromissão nas competências que lhe estão afectas, sendo um ataque ao seu “ius imperi", e constituindo uma usurpação das funções que estão legal e regularmente investidas no recorrente.

Q - A este propósito, faça-se aqui um parêntese para referir que a acção principal apenas não foi interposta até à actualidade, uma vez que o "normal" é que tal apenas suceda após ser proferida decisão no procedimento cautelar. Contudo, face às sucessivas dilações que vieram a ter lugar nos autos, com o inesperado e inusitado arrastar dos mesmos, acaba por reconhecer o ora recorrente que já o deveria ter feito logo na primeira oportunidade, ademais porque a sua aparente inércia é de alguma forma de molde a prejudicá-lo quando reivindica a existência de um periculum in mora.

R - Devidamente verificada a existência do requisito do periculum in mora, e dando-o como presente, deverá o douto aresto recorrido aquilatar, de seguida, da existência dos dois outros requisitos em causa (fumus boni iuris e ponderação de interesses) dando-os por verificados e, a final, decretar-se a medida cautelar requerida.

S - Por sua vez, em obediência ao disposto no nº 2, do artigo 639º do Código de Processo Civil, no modesto entendimento do recorrente, afigura-se que estaremos perante um erro de julgamento por parte da Juíz a quo, em virtude da sua decisão violar o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

T - Efectivamente, os preceitos vindos de enunciar, face à súmula dos factos provados e - também - por forças das regras da experiência comum, deveriam ter inculcado a convicção da Julgadora, de se verificar em concreto uma situação que, no seu conjunto, representa um receio de se estar a causar ao Município de Vila Verde prejuízos de difícil reparação, tendo por referência os interesses que este visa acautelar no processo principal.

U - Mais deveria ter representado que tais interesses são, no seu essencial, de índole imaterial, que os mesmos não se compadecem com mais delongas, em virtude de perpetuarem uma situação em que é colocada em crise a imagem de autoridade do Município, o seu ius imperii, fragilizando e abalando por completo a confiança que os cidadãos depositam no Estado, nos Municípios e nos funcionários que os representam, promovendo, assim, um clima de conflitualidade social.

I - São estas as conclusões das contra-alegações e que definem o objecto do pedido de ampliação do recurso:

1ª - As providências cautelares requeridas nos presentes autos pretendem alterar o status quo pré-existente, pretendendo-se na presente instância, obter, antecipada e provisoriamente, os efeitos e resultados que apenas a acção principal pode conceder.

2ª - Não pode a recorrida conformar-se com a afixação/qualificação jurídica quanto à natureza das providências cautelares cujo decretamento na presente acção se requerem, pois afigura-se que as mesmas assumem a natureza de providências cautelares antecipatórias, e não conservatórias.

3ª - Estando em causa a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o Tribunal ad quem não se encontra vinculado às alegações das partes, nem assim quanto à qualificação jurídica operada pela Sentença recorrida, estando aberta a possibilidade legal de apreciar tal questão, em sintonia com o n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil.

4ª - A sentença recorrida entendeu, e no que aqui se acompanha, que nos presentes autos foi requerida a seguinte providência: intimação para a abstenção de uma conduta por parte da Requerida (cfr. al. f), do n.º 2, do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), não se podendo, contudo, subscrever, a sua qualificação jurídica como providência conservatória.

5ª - Não se trata, ao contrário do decidido, de uma providência conservatória, mas antes de uma providência antecipatória, na qual o requerente/recorrente pretende que a requerida/recorrida seja condena a abster-se da prática de um conjunto de condutas, melhor descriminadas no seu requerimento inicial, sendo evidente a instrumentalidade deste processo cautelar em relação à acção principal, coincidindo os pedidos, quais sejam a condenação, na sentença (a título definitivo), e na presente acção cautelar (a título provisória) da entidade requerida a abster-se de um conjunto de condutas/comportamentos que identifica.

6ª - É jurisprudência pacífica que a providência cautelar de intimação para abstenção de uma conduta atua por via da técnica da antecipação, devendo, por isso, ser considerada antecipatória – cfr. neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 03165/07, de 14.02.2008; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do proc. nº. 1129/05, em 17/11/2005; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 03312/07, em 19.06.2008.

7ª - Tendo presente a pretensão formulada pela requerente, traduzida nos pedidos (coincidentes) formulados nos presentes autos e aqueles a formular na acção principal, a presente providência cautelar deve ser classificada como uma providência antecipatória, dado esta pretender antecipar, a título provisório, o resultado favorável a peticionar no processo principal, mediante a imposição à requerida da abstenção de um conjunto de comportamentos cuja condenação, em definitivo, se peticiona no processo principal.

8ª - A sentença recorrida, ao considerar como conservatória a providência cautelar requerida, merece censura e incorre em erro de julgamento, violando os artigos 112.º e 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

9ª - Tendo sido invocado o erro de julgamento quanto à qualificação da natureza jurídica das providências, e, portanto, tendo-se tornado legalmente exigível a aferição do preenchimento do requisito do periculum in mora na sua modalidade mais exigente, por uma questão de economia processual, dá-se aqui por integralmente reproduzido o alegado em sede de oposição quanto ao (des) mérito da pretensão formulada, designadamente nos artigos 15.º a 182.º.

10ª - Sendo, no mínimo, como bem concluiu a sentença recorrida, discutível que a pretensão do requerente venha a proceder em sede de processo principal, não se pode dar como verificado o requisito de fumus boni iuris, a aparência do direito na sua mais exigente formulação, ou seja, não fica demonstrado nos presentes autos que é provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.

11ª - Na hipótese, que não se admite, de ser dada procedência ao recurso interposto, e entendendo-se que se encontra preenchido o requisito do periculum in mora, atenta a natureza cumulativa dos pressupostos cautelares, e estando em presença uma providência antecipatória, impõe-se a conclusão de que não se mostra preenchido o requisito do fumus boni iuris, sendo insusceptível de ser concedida, também por esta via, a providência cautelar requerida.


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II – Matéria de facto.

O recorrente no ponto 26 das suas alegações vem referir que houve matéria relevante omitida na decisão recorrida, em concreto, os pontos 25.º, 26.º, 37.º e 38.º do requerimento inicial.

Não leva contudo tal pretensão às conclusões, o que poderia levar ao convite ao aperfeiçoamento, face ao disposto no n.º3 do artigo 639º do Código de Processo Civil (de 2013), aplicável por força do disposto nos artigos 1º e 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Simplesmente não se justificaria, em todo o caso, o convite ao aperfeiçoamento por não ser admissível a ampliação da matéria de facto.

Desde logo porque o recorrente não cumpriu o ónus decorrente do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, ou seja, especificar os concretos meios probatórios que impunham darem-se como provados os factos que considera relevantes e provados, sob pena de rejeição do recurso nessa parte.

Depois porque os pontos do requerimento inicial a que o recorrente alude ou são conclusões e matéria de Direito ou matéria de facto apenas susceptível de prova testemunhal que não foi produzida, sem reacção do requerente.

Deveremos assim dar como indiciariamente provada a seguinte matéria de facto, alinhada na decisão recorrida, com relevo:
1. O requerente adjudicou à sociedade “AC & Filhos, S.A.” um contrato de constituição do direito de superfície tendo por objecto a conceição/construção e exploração de 02 (dois) parques públicos de estacionamento e a concessão da exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, através de parcómetros colectivos, em Vila Verde – conforme documento n.º 1 e 2 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

2. No dia 18 de Setembro de 2007, foi celebrado contrato entre o requerente e a sociedade “AC & Filhos, S.A.”, com a designação “Constituição do Direito de Superfície para Concepção, Construção e Exploração de Dois Parques Públicos de Estacionamento Subterrâneo para Viaturas, e Atribuição da Concessão de Exploração de Lugares de Estacionamento Pago na Via Pública, em Vila Verde”, onde ficou definido, na sua cláusula segunda que: “[...] o prazo da concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em Vila Verde, prevista no Programa de Concurso e Caderno de Encargos respectivos de vinte anos” – conforme documento n.º 3 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3. A 28 de Abril de 2008, foi dado início à exploração dos lugares de estacionamento na via pública.

4. No dia 12 de maio de 2008, a sociedade “AC & Filhos, S.A.” cedeu a sua posição contratual à Requerida “S... – Gestão de Parques de Estacionamento, S.A.” – conforme documento n.º 4 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

5. Em 2010, a ora requerida intentou acção administrativa comum, que corre termos neste Tribunal sob o n.º 319/10.2BEBRG, pretendendo a condenação do aqui requerente, a título de revisão normal de preços e de revisão excepcional de preços constantes do contrato de concessão referido no ponto 2., e ainda a título de responsabilidade civil extracontratual – cfr. consulta ao SITAF.

6. Na pendência da acção referida no ponto anterior, a ora requerida intentou providência cautelar, peticionando a condenação do aqui requerente a implementar de imediato meios de fiscalização, tendo este Tribunal determinado que: “[...] dado se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a adopção de providências cautelares, defere-se parcialmente a presente providência intimando-se o município requerido a afectar, de forma permanente e sem interrupções motivadas por períodos de férias e ausências justificadas e injustificadas, dois fiscais à fiscalização do estacionamento de superfície na área concessionada pelo Município, devendo ainda tal fiscalização ser exercida, pelo referido número de fiscais, durante todo o período em que o estacionamento é pago na área do município de Vila Verde, com excepção dos períodos compreendidos entre as 8h30 e as 9h e as 18h30 e as 19h, bem como na pausa diária dos referidos fiscais – que deverá ser gozada pelos mesmos de forma não simultânea, períodos nos quais tal fiscalização poderá ser exercida por apenas um fiscal para tal afecto pelo município requerido” – cfr. consulta ao SITAF.

7. Desde o dia 11 de Dezembro de 2013, os funcionários da requerida passaram a afixar em viaturas estacionadas na via pública, nas zonas abrangidas pela exploração referida, papéis com o título “aviso de incumprimento”, de onde constava a menção de ser devido o pagamento de uma quantia pecuniária no montante de € 6,80 (seis euros e oitenta cêntimos) – conforme documento n.º 5 e 6 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

8. Em 18 de Dezembro de 2013, o requerente dirigiu à requerida uma notificação, por via fax e por via postal, pela qual instou a mesma a suspender de imediato o referido procedimento e a utilização daquele aviso – conforme fls. 1 a 3 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

9. Por missiva datada de 23 de Dezembro de 2013, a requerida respondeu à notificação referida no ponto anterior, sustentando, na parte que ora importa, que: “[...] o comportamento adoptado não corresponde a nenhuma acção de fiscalização, strictu sensu, a qual se encontra legalmente reservada a entidades dotadas de poderes de autoridade - de resto deverá distinguir-se o âmbito material e jurídico das duas acções, porquanto a acção de fiscalização conduz à identificação de uma infracção para efeitos de aplicação de sanção contra-ordenacional (coima aplicável no montante entre € 30,00 a € 150,00), ao passo que a presente acção de interpelação visa apenas a cobrança de um direito de credito” – conforme fls. 4 a 6 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

10. Nas acções efectuadas pelos funcionários da requerida, os mesmos envergam o mesmo modelo de uniforme, em cujas costas está escrita a palavra “FISCALIZAÇÃO” – conforme documento n.º 8 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

11. No ano de 2013, os serviços do requerente levantaram 1152 (mil cento e cinquenta e dois) autos de contra-ordenação por infracções devidas à ausência de pagamento de lugares de estacionamento pago na via pública, em Vila Verde – conforme documento n.º 5 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

12. Em informação de 15 de Janeiro de 2014, prestada pela Divisão Jurídica do Município de Vila Verde, conclui-se que o procedimento adoptado pela requerida não encontra suporte no Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Vila Verde e propõe-se a notificação da requerida para que suspendesse aquele procedimento até que a situação fosse devidamente acolhida por aquele instrumento legal – conforme fls. 8 a 10 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

13. Sobre a informação referida no ponto anterior, recaiu, no dia 10 de Fevereiro de 2014, despacho de concordância do Vereador de Ambiente, Desporto e Actividades Económicas da Câmara Municipal de Vila Verde – conforme fls. 8 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

14. Por ofício n.º S/2199/2014, foi a requerida notificada, no dia 12 de Março de 2014, da informação referida no ponto 12 e do despacho de concordância referido no ponto anterior – conforme fls. 11 e 12 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. No dia 14 de Março de 2014, a requerida apresentou resposta, pela qual reitera a sua argumentação anterior, concluindo que: “A S..., S.A. está ciente de se encontrar no exercício de um direito legítimo e que lhe assiste enquanto Empresa Concessionária dos lugares à superfície, razão pela qual não procederá à suspensão do procedimento de «avisos de incumprimento» em vigor” – conforme fls. 13 e 14 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

16. Por ofício n.º 105/14/MP da Procuradoria da República (junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga) por referência ao Processo Administrativo n.º 30/2014, recebido nos serviços do requerente no dia 02 de Abril de 2014, foi o Presidente da Câmara de Vila Verde notificado nos seguintes termos: “Solicito a V.ª Exa. se digne pronunciar sobre a factualidade participada da qual de envia cópia, bem como remeter a estes serviços do Ministério Público do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga os elementos que entenda convenientes para esclarecimento da matéria em questão” – conforme fls. 16 e 14 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

17. Com o ofício referido no ponto anterior foi junta uma exposição subscrita por dois vereadores da Câmara Municipal de Vila Verde e uma exposição subscrita por um cidadão anónimo, que imputam ilegalidades ao procedimento adoptado pela requerida – conforme fls. 17 a 28 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

18. Por ofício n.º S/3845/2014, datado de 24 de Abril de 2014, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Verde pronunciou-se sobre a factualidade participada à Procuradoria da República – conforme fls. 30 a 35 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

19. Por despacho do Ministério Público, de 06 de Maio de 2014, foi determinado o arquivamento do Processo Administrativo n.º 30/2014 – conforme fls. 36 a 39 do documento n.º 7 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

20. Por ofício n.º 3305 datado de 19 de Maio de 2014, tendo por referência o NUIPC 464/13.2TAVVD, a Polícia Judiciária solicitou ao requerente que remetesse àquele órgão de polícia criminal listagem dos autos de notícia instaurados pelo Município de Vila Verde no âmbito de aplicação do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Vila Verde no período compreendido entre 01 de Janeiro de 2013 e 30 de Abril de 2014; cópia do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Vila Verde; listagem de todas as transferências efectuadas pelo requerente para a requerida, no âmbito do cumprimento das comparticipações previstas no contrato de concessão; e a identificação completa dos fiscais municipais afectos à fiscalização e a sua autuação em caso de incumprimento, das áreas de estacionamento abrangidas pelo Regulamento – conforme documento n.º 10 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

21. A conduta da requerida destinada à cobrança dos valores não pagos pelos utentes dos lugares de estacionamento concessionados foi alvo de ampla discussão pública e divulgação nos meios de comunicação social – conforme documento n.º 3 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

22. Em 05 de Agosto de 2008, a requerida constituiu hipoteca voluntária a favor do “Banco Comercial Português, S.A.” sobre o direito de superfície que incide sobre a parcela de terreno destinada a construção urbana, sita na Praça do Município, freguesia e concelho de Vila Verde, inscrita na respectiva matriz sob o art. 2297 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1446 – conforme documento n.º 11 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

23. No dia 12 de Setembro de 2008, os accionistas da requerida deliberaram no sentido de realizarem prestações acessórias de capital, a título gratuito, no montante de € 570.000,000 (quinhentos e setenta mil euros), divididos em duas prestações, a primeira, no montante de € 400.000,000 (quatrocentos mil euros), a ser paga até 22 de Setembro de 2008 e a segunda, no montante de € 170.000,000 (cento e setenta mil euros), a ser paga até ao dia 15 de Outubro de 2008 – conforme documento n.º 6 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

24. No período de 2010, a requerida obteve financiamento no montante de € 218.283,68 (duzentos e dezoito mil, duzentos e oitenta e três euros e sessenta e oito cêntimos) – conforme fls. 5 do documento n.º 7 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

25. No exercício de 2008, a requerida teve uma receita efectiva de € 147.219,03 (cento e quarenta e sete mil, duzentos e dezanove euros e três cêntimos) adveniente da taxa de ocupação de lugares de estacionamento pago na via pública, em Vila Verde – conforme documento n.º 8 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

26. No exercício de 2009, a requerida teve uma receita efectiva de € 197.582,40 (cento e noventa e sete mil, quinhentos e oitenta e dois euros e quarenta cêntimos) adveniente da taxa de ocupação de lugares de estacionamento pago na via pública, em Vila Verde – conforme documento n.º 8 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

27. No exercício de 2010, a requerida teve uma receita efectiva de € 194.016,54 (cento e noventa e quatro mil, dezasseis euros e cinquenta e quatro cêntimos) adveniente da taxa de ocupação de lugares de estacionamento pago na via pública, em Vila Verde – conforme documento n.º 8 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

28. Em 2008, a requerida alcançou um resultado líquido do exercício negativo no montante de € 3.842,75 (três mil, oitocentos e quarenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos) – conforme documento n.º 9 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

29. Em 2009, a requerida alcançou um resultado líquido do exercício negativo no montante de € 9.573,49 (nove mil, quinhentos e setenta e três euros e quarenta e nove cêntimos) – conforme documento n.º 10 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

30. Em 2012, a requerida alcançou um resultado líquido do exercício negativo no montante de € 82.632,69 (oitenta e dois mil, seiscentos e trinta e dois euros e sessenta e nove cêntimos) – conforme fls. 3 do documento n.º 12 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

31. Em 2013, a requerida alcançou um resultado líquido do exercício negativo no montante de € 76.445,01 (setenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros e um cêntimo) – conforme fls. 7 do documento n.º 12 junto com a oposição cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

32. O requerimento inicial que originou o presente processo cautelar deu entrada neste Tribunal no dia 02 de Junho de 2014 – cfr. fls. 2 dos autos.

33.Por certidão n.º I/8539/2014/MVV, datada de 24 de Julho de 2014, ficou consignado pela Chefe de Divisão Jurídica do Município de Vila Verde, na parte que ora importa, que:

“[...] se certifica que, no uso da competência atribuída legalmente aos Municípios, em conformidade com o referido contrato de concessão, a fiscalização correspondente é feita pelo pessoal dos serviços da Divisão da Fiscalização deste Município designado para o efeito, de acordo com a lei aplicável «ex vi» alínea a), do n.º 3, do artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, na redação atual.

Certifica-se, igualmente, que na sequência da mencionada fiscalização municipal o montante relativo às coimas recebidas da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, entidade competente para instrução dos competentes processos contraordenacionais, corresponde ao valor de vinte e cinco mil cento e noventa e dois euros e oitenta e dois cêntimos, sendo certo que desse montante não teria que reverter qualquer quantia para a Sociedade concessionária, «S...-Gestão de Parques de Estacionamento, S.A.», nem desde a execução do contrato de concessão, nem a título do valor de ocupação em dívida, ao abrigo do n.º 2, do artigo 17.º, do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Vila Verde.

Mais se certifica que o Município de Vila Verde nunca foi interpelado pelo Ministério Público, nem pela Polícia Judiciária para pôr termo a qualquer comportamento da S....

[...]” – cfr. fls. 426 e 427 dos autos.

34. A requerida apresentou no dia 04 de Novembro de 2014 requerimento ao requerente a solicitar que fosse deliberado, pelos seus órgãos próprios, a atribuição da função de fiscalização do estacionamento à “S... – Gestão de Estacionamentos, S.A.”, com a introdução das necessárias adaptações e alterações ao Regulamento Geral de Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Vila Verde – cfr. fls. 502 a 508 dos autos.

35. Por deliberação da Câmara Municipal de Vila Verde, datada de 06 de Julho de 2015, aprovada por unanimidade, foi indeferido o solicitado pela Requerida e descrito no ponto 34. – cfr. fls. 559 a 561 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.


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III - Enquadramento jurídico.
1. Qualificação da providência requerida: medida conservatória ou antecipatória.

A questão que a recorrida coloca como “ampliação do objecto do recurso” impõe-se conhecer logicamente primeiro e sendo certo que, tratando-se apenas da qualificação jurídica da providência, como antecipatória ou conservatória, este Tribunal de recurso teria sempre a liberdade de o fazer, independentemente de ser questão expressamente invocada pelas partes.

No caso concreto, a recorrida tem razão, ao qualificar a providência como antecipatória.

De acordo com a jurisprudência citada pela recorrida.

Desde logo o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17.11.2005, no processo n.º 1129/05, onde se referiu o seguinte:

“Em regra, o processo cautelar de intimação para abstenção de uma conduta por parte da Administração é acessório de processos pelos quais se pretende a condenação do réu na prestação de facto negativa e, embora cumpra uma função asseguradora (por ter por objectivo inibir a modificação e a destruição do “status quo” subjacente à causa principal), actua por via da técnica da antecipação (por o juiz cautelar decidir sobre o objecto da causa principal, realizando uma composição provisória da lide), devendo, por isso, tal providência ser considerada antecipatória”.

Entendimento que foi reforçado nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.02.2008, processo 03165/07, e de 19.06.2008, no processo n.º 03312/07.

No caso concreto o requerente, formulou os seguintes pedidos contra a requerida:

“a) Abster-se de colocar quaisquer «avisos de incumprimento», ou notificações de idêntico teor, nos veículos potencialmente infractores do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração limitada de Vila Verde;

b) Abster-se de proceder à colocação de qualquer outro tipo de aviso nos mesmos veículos ou em quaisquer outros respeitantes aos ditos incumprimentos;

c) Abster-se de qualquer tipo de actividades de fiscalização;

d) Não mais fazer envergar fardas ou uniformes aos seus funcionários que de alguma forma os identifique como elementos de uma qualquer «Fiscalização»;

e) Pagar uma sanção pecuniária compulsória, no montante de 250,00 € diários, por cada dia de atraso no cumprimento das providências a decretar no âmbito dos presentes autos.”

Embora com estes pedidos o requerente vise manter a situação existente antes da conduta da requerida que aquele entende ser ilícita, a verdade é que se pretende antecipar na providência cautelar, a título provisório e cautelar, os efeitos que se obterão na acção principal em caso de procedência.

Trata-se, pois, de uma providência antecipatória.

2. A alínea c) do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O procedimento cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio do caso através de um procedimento simplificado e rápido (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, paginas 228 a 231).

Como estamos aqui, como vimos, perante uma providência cautelar antecipatória, e sendo certo que não se vislumbra no caso concreto uma situação de evidente procedência – ou improcedência – da pretensão a deduzir no processo principal, importa transcrever aqui o enunciado da alínea c), do n.º 1, do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sobre os requisitos desta providência:

“Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

Face ao teor deste alínea, mais exigente do que a alínea b), para a providência conservatória, é necessário, além do mais, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009, processo n.º 0826/09, reiterando entendimento jurisprudencial que ali invoca (com sublinhado nosso) face “… ao art.º 120.º … do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência … e cuja verificação é cumulativa: - o fumus boni iuris …. ; - o periculum in mora; - a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.

Feitas estas considerações genéricas, debrucemo-nos sobre o caso concreto.

Discorre-se na decisão recorrida, a dado passo:

“Sustenta o Requerente que os comportamentos da Requerida violaram o disposto no artigo 64.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (recentemente revogado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro), que previa as competências da câmara municipal no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços; o disposto no art. 5.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo o qual a fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada incumbe às câmaras municipais nas vias públicas sob a sua jurisdição através do pessoal com funções de fiscalização das empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa e que, como tal, seja considerado ou equiparado a autoridade ou seu agente; os princípios gerais de direito administrativo, como seja o princípio da boa-fé, constante no art. 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, em vigor à data dos factos); e o disposto no art. 15.º, n.º 2 “a contrario” do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Vila Verde e no art. 17.º, n.º 2 do mesmo diploma.

Apesar de alegar os referidos vícios de violação de lei, o Requerente não argui argumentos ou fundamentos decisivos sobre a evidência das invalidades que imputa á conduta da Requerida.

A Requerida rejeita que a sua actuação viole as normas legais invocadas pela Requerente, apresentando diferente interpretação das mesmas e ainda motivando a razão de ser da sua actuação.

É pois discutível que a pretensão do Requerente venha a proceder em sede de processo principal e, como tal, não é subsumível à previsão normativa da alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.”.

Entendemos que não só é discutível como é pouco provável que o requerente tenha êxito no processo principal.

Toda a sua argumentação jurídica parte do pressuposto de que a requerida exerce uma acção de fiscalização e punitiva sobre os condutores que não pagam a taxa devida pelo estacionamento nas zonas concessionadas à requerida, ou seja, que a requerida se apropriou ilicitamente do poder público que cabe ao requerente exercer.

Sucede que dos factos provados resulta, tão-só, que a requerida, ao invés de exercer o poder sancionatório que cabe ao requerente exercer, se limita a interpelar os condutores faltosos para pagarem os valores devidos pelo estacionamento.

A recorrida não aplicou, designadamente, a sanção prevista nas disposições combinadas do n.º2 do artigo 70º e no n.º 1, alínea d), do artigo 71.º, ambos do Código da Estrada, uma coima que varia entre 30 a 150 euros, diploma para o qual remete o artigo 17º, n.º1, do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Vila Verde, por estacionamento ilegal.

Limitou-se a, mediante “aviso de incumprimento”, mencionar a dívida de 6,80 euros pela ocupação de lugar de estacionamento sem o devido pagamento, correspondente ao valor de ocupação máxima diária dos utentes dos lugares de estacionamento, valor previsto pagar no n.º 2 do artigo 17º do mesmo Regulamento.

O que impõe a conclusão de que claudica a providência logo por aqui, por falta da aparência do bom direito, na sua formulação positiva.

3. Restantes questões suscitadas; a ponderação de interesses. O n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Dado não se verificar o requisito fumus boni iuris na sua formulação positiva, e tendo em conta que os enunciados requisitos para o decretamento da providência são cumulativos, impõe-se indeferir a providência, com prejuízo do conhecimento de todas as demais questões suscitadas.

Tal como como decidido pela sentença recorrida, embora partindo do pressuposto, incorrecto, de estarmos perante uma providência conservatória e não se verificar, sequer, a aparência do bom direito na sua formulação menos exigente, a negativa.

Termos em que se impõe negar provimento ao recurso.


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IV- Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pelo recorrente.
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Porto, 6 de Maio de 2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha