Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01954/07.1BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO; PENA DE APOSENTAÇÃO; SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO;
SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL; ART. 2º Nº 2 DO DL Nº 57-B/84, DE 20/02 E 29º, N.ºS 1 E 8 DA LEI Nº 100/99, DE 31/03.
Sumário:1. A reconstrução da situação de facto de acordo com o julgado anulatório do acto que aplicou a pena de aposentação compulsiva não engloba o pagamento de subsídio de refeição.

2. Este subsidio destina-se a compensar os gastos com alimentação dos funcionários que têm de tomar as refeições fora de casa e, por isso, a sua atribuição só se justifica nos casos em que o funcionário exerça de facto as suas funções, como o demonstra o facto de essa atribuição se não fazer numa série de situações, entre elas se encontrando as férias, a doença, o casamento, o nojo, o cumprimento das penas disciplinares, etc. – vd. art. 2º nº 2 do DL nº 57-B/84, de 20/02 e 29º nº 8 da Lei nº 100/99, de 31/03, em vigor à data em que se poderiam vencer os subsídios de refeição.

3. Já é devido o ressarcimento pelos subsídios de férias e de Natal não pagos, porque em nenhuma das situações indicadas, férias, doença, casamento, nojo, etc. estes subsídios deixam de ser atribuídos apesar de, nessas situações, o funcionário não exercer de facto as suas funções, o que evidencia estarmos perante prestações cujo pagamento é obrigatório haja ou não haja exercício de facto das suas funções e sempre que o não exercício das funções seja justificado por lei – vide artigo 29º nº 1 da Lei nº 100/99, de 31/03, em vigor à data em que são devidos os subsídios de férias e de Natal. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL)
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de sentenças de anulação de actos administrativos - arts. 173.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 23.12.2015 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que julgou improcedente a execução no que respeita à cobrança do executado Município do Porto dos subsídios de férias, de Natal e de refeição.

Invocou para tanto que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, interpretado segundo a teoria do vencimento, segundo a qual ao ser anulado o acto, deve ser restabelecida a situação jurídica como se o acto não fosse praticado, o que implicaria que o representado do recorrente deveria ter prestado serviço e, nessa situação, deveria ter auferido os vencimentos mensais, bem como, os respectivos subsídios de férias e de Natal, e subsídio de refeição, sendo aliás esse o entendimento pacífico da jurisprudência.

O recorrido, Município do Porto, contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer concordante com o decidido em 1ª instância e com o sustentado nas contra-alegações.


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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª – Tratando-se da anulação contenciosa de um acto administrativo, deve ser restabelecida a situação jurídica como se o acto praticado nunca tivesse sido praticado.

2ª – A decisão recorrida erra de direito com violação do artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao decidir que o representado do autor não tem direito ao pagamento dos subsídios de férias, de Natal e de refeição, durante o período de tempo que medeia entre a prolação do acto e a data da execução da douta sentença que anulou o acto.

3ª – Se o autor tivesse prestado serviço teria auferido aqueles valores e não pode nessa medida ser prejudicado, dada a anulação contenciosa do acto.

4ª – Pois só não prestou serviço em virtude da produção de efeitos de um acto anulado.

5ª – Padece, pois, a decisão de erro de direito e violação do artigo 173.º Código de Processo nos Tribunais Administrativos ao assim não decidir.

6ª – O presente recurso cinge-se à parte em que o representado do autor decaiu, mais concretamente na parte relativa ao não pagamento dos subsídios de férias, de Natal e de refeição.


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II – Matéria de facto.

Deram-se como provados os seguintes factos na decisão recorrida, sem preparos nesta parte:

1. Ao representado do exequente foi aplicada a pena disciplinar de aposentação compulsiva por deliberação do executado de 05.06.2007 (acordo e documento n.º 5 junto à petição inicial).

2. A pena disciplinar foi notificada ao representado do exequente em 26.06.2007 (acordo e documento n.º 5 junto à petição inicial).

3. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15.04.2011 foi mantida a decisão da primeira instância que anulou aquela decisão punitiva (disponível em www.dgsi.pt).

4. O acórdão do Tribunal Central Administrativo referido no ponto anterior transitou em julgado em 18.05.2011.

5. O executado deduziu nova acusação disciplinar contra o representado do exequente e aplicou-lhe novamente a pena disciplinar de aposentação compulsiva por deliberação da Câmara Municipal do Porto, em 18.10.2011 (acordo e documento n.º 1 junto à petição inicial).

6. Esta decisão punitiva foi notificada ao trabalhador em 25.10.2011 (acordo e carimbo aposto no verso do respectivo envelope junto como documento n.º 2 da petição inicial).

7. O representado do exequente auferia mensalmente pelo trabalho prestado ao executado os seguintes montantes ilíquidos:

- a remuneração base de €744,99;

- acréscimo à remuneração devido por força do Decreto-Lei n.º 109/2006 de € 77,91;

- subsídio nocturno de €1,19, por cada hora nocturna dos dias úteis;

- subsídio de refeição de €4,03, por cada dia útil.

(cfr. declaração junta ao requerimento apresentado pelo executado em 19/07/2012).

8. No mês de Junho de 2007, o representado do exequente recebeu as remunerações decorrentes da relação laboral estabelecida com o executado, constantes do documento n.º 1 junto à contestação, que aqui se dá por reproduzido.

9. No processamento de retribuições do mês de Julho de 2007 foram descontados ao representado do exequente os montantes constantes do documento n.º 2 junto à contestação, que aqui se dá por reproduzido.

10. No processamento de retribuições do mês de Julho de 2007 foi paga ao representado do exequente a uma pensão provisória no valor de € 623,33 (cfr. documento n.º 2 junto à contestação).

11. De Agosto a Novembro de 2007 foi paga ao representado do exequente uma pensão provisória no valor de € 550,00 mensais (cfr. documentos n.ºs 3 a 6 juntos à contestação).

12. Ainda no mês de Novembro de 2007 foi pago ao representado do exequente o subsídio de Natal referente a esse ano, no valor de € 878,96 (cfr. documento n.º 6 junto à contestação).

13. De Dezembro de 2007 a Março de 2008 foi paga ao representado do exequente uma pensão provisória no valor de € 318,42 (cfr. documentos n.ºs 7 a 10 juntos à contestação).

14. A partir de 1 de Abril de 2008 o representado do exequente passou a auferir pensão da Caixa Geral de Aposentações (cfr. documento n.º11 junto à contestação).

15. Por comunicação da Caixa Geral de Aposentações, com a referência SAC324RM.701589/00, datada de 04.02.2009, esta entidade informou o executado de que e o valor da pensão do representado do exequente, com retroactivos, passou a ser fixado no valor mensal de € 553,15, para o ano de 2007 e de que a nova pensão e as correspondentes diferenças são da responsabilidade: “(…) Do Serviço até 2008-03-31 (…) Da CGA a partir de 2008-04-01(…)" (cfr. documento n.º 11 junto à contestação).

16. O executado pagou ao representado do exequente, em Junho de 2010, o montante global de € 955,09 com a referência de “Ret. Pensão Provisória” (cfr. documento n.º 12 junto à contestação).

17. O representado do exequente auferiu de uma entidade privada (J..., Unipessoal, Lda.), nos anos de 2008 e 2009, os montantes constantes das declarações de rendimentos juntas pelo exequente como documentos 1 a 4 anexos ao requerimento apresentado presencialmente, em 03.09.2012, que aqui se dão por reproduzidas.

18. O representado do exequente auferiu da Caixa Geral de Aposentações, nos anos de 2008, 2009 e 2010 os montantes constantes das declarações de rendimentos juntas pelo exequente como documentos 1 a 4 anexos ao requerimento apresentado presencialmente, em 03.09.2012, que aqui se dão por reproduzidas.

19. Até à data não foi realizado pelo executado mais nenhum pagamento ao exequente para efeitos de execução do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte referido nos pontos 3 e 4 do elenco dos factos provados.


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III - Enquadramento jurídico.

Determina o artigo 173º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.”

Já no domínio do anterior recurso contencioso de anulação, se entendia que o caso julgado é constituído pela decisão de anulação do acto recorrido e pelo vício que fundamenta a decisão pelo que a eficácia do caso julgado se circunscreve ao vício que determinou a sentença, estando a Administração Pública impedida de, em sede de execução, renovar o acto anulado com reiteração dos vícios que motivaram a decisão de anulação.

Consistindo a execução da decisão judicial anulatória na reconstituição da situação hipotética em que se encontraria o exequente não fora a prática do acto anulado, ou seja, na prática de novo acto, de sentido idêntico ou de sentido contrário, mas isento do vício que o inquinava.

Neste sentido vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12.12.2001, recurso 43741-A (Pleno), de 02.10.2001, recurso 34044-A e de 14.02.2002, recurso 48079.

No domínio da acção administrativa especial, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30.01.2007, no processo 040201-A, decidiu (sumário):

I - A sentença anulatória de um acto administrativo tem um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento. Tem, também, um outro efeito, próprio de toda e qualquer sentença de um tribunal, seja qual for a natureza deste, que advém da força do caso julgado, apelidado de efeito conformativo (também designado de preclusivo ou inibitório), que exclui, no mínimo, a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo. Ainda, um outro efeito, existe que é o da reconstituição da situação hipotética actual (também chamado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença). Segundo este princípio, a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade. Finalmente, por a Administração não querer, não saber ou não poder, proceder à reconstituição da situação que era definida pelo julgado anulatório, nada mais restando ao administrado, ao abrigo do quadro normativo definido (art°173° n°1 do CPTA), do que ir novamente ao tribunal solicitar a execução do julgado. São os designados efeitos ultraconstitutivos da sentença de anulação, que se manifestam hoje no processo de execução de julgados, pelo qual os interessados podem obter a especificação do conteúdo dos actos e operações a adoptar pela Administração e o prazo para a sua prática (art°179° n°1 do CPTA), a declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença e a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal.

(…)

X - A obrigatoriedade reconhecida ao caso julgado material reside essencialmente na necessidade de assegurar estabilidade às relações jurídicas, não permitindo que litígios, com o mesmo objecto e entre as mesmas partes, se repitam indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica imposta pelo interesse público. “

A este propósito ensina Freitas do Amaral, em “A execução das sentenças dos tribunais administrativos”, 2ª edição, Almedina, 1997, páginas 91 a 93:

“(…)

Uma vez que o acto ilegal foi anulado, parece que num ponto todos estarão de acordo quanto à definição do que deve ser o conteúdo da execução de sentença que o anulou: a Administração não pode ficar inactiva, sem nada fazer, deixando subsistir a situação produzida pelo acto ilegal (…).

Este acto é, decerto, um acto renovável e isso quer dizer que a autoridade que o praticou pode legalmente praticá-lo de novo, definindo a sua situação jurídica ou a do particular interessado nos mesmos termos em que ela foi definida no acto anterior, desde que não repita o vício que determinou a anulação.

Daqui não é legítimo extrair, porém, a ilação de que à autoridade administrativa seja permitido manter-se na inércia, a pretexto de a situação jurídica decorrente do acto ilegal poder permanecer tal e qual, idêntica a si própria, após a renovação do acto anulado.

A verdade é, antes, que enquanto o acto ilegal não for renovado, a sua anulação obriga a considerá-lo como nunca tendo existido.

A passividade da Administração constituiria aqui uma autêntica inexecução de sentença, pois a ordem jurídica violada não seria reintegrada: o funcionário demitido continuaria afastado do serviço por força de uma punição ilegal, o prédio demolido continuaria destruído por virtude de uma deliberação ilegal, a licença recusada continuaria por outorgar mercê de um despacho ilegal.

Ora é patente que isto não pode consentir-se: a fim de que seja reintegrada a ordem jurídica, a Administração tem de fazer alguma coisa de positivo – tem de praticar um novo acto administrativo, com efeitos retroactivos que substitua o acto ilegal.

(…)

O que se pretende sublinha é, tão-somente, que a Administração tem o dever de, em execução de sentença, definir de novo a situação jurídica ou a do particular interessado, mas agora de harmonia com a lei.”

E, na mesma linha, Vieira de Andrade, em “A Justiça Administrativa (Lições) ”, 7ª edição, Almedina, 2005, página 223 (com sublinhado nosso):

“As sentenças de provimento, para além dos seus efeitos directos – constitutivos, na anulação ou meramente declarativos (de apreciação), na declaração de nulidade ou de inexistência – geram, em regra, por força da retroactividade dos seus efeitos, a obrigação para a Administração de reconstruir a situação de facto de acordo com o julgado, além de ter de actuar no respeito pelo decidido (diz-se, por isso, que produzem “ efeitos ultra-constitutivos”. Efeitos que não deixam de produzir-se quando o pedido tenha sido de estrita anulação (…), embora, como vimos, seja admissível e provável que o restabelecimento da situação constitua objecto de pedido cumulado com o pedido anulatório.”.

A reconstrução da situação de facto de acordo com o julgado não engloba o pagamento de subsídio de refeição. Com efeito este destina-se a compensar os gastos com alimentação dos funcionários que têm de tomar as refeições fora de casa e, por isso, a sua atribuição só se justifica nos casos em que o funcionário exerça de facto as suas funções, como o demonstra o facto de essa atribuição se não fazer numa série de situações, entre elas se encontrando as férias, a doença, o casamento, o nojo, o cumprimento das penas disciplinares, etc. – vd. art. 2º nº 2 do DL nº 57-B/84, de 20/02 e 29º nº 8 da Lei nº 100/99, de 31/03, em vigor à data em que se poderiam vencer os subsídios de refeição.

Ora no período em que é reclamado o subsídio de alimentação o representado do autor não esteve ao serviço e, por isso, não foi forçado a fazer as suas refeições fora de casa.

Não pode o autor ser, por isso, compensado por despesas que não teve.

Neste sentido ver o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.05.2004, no processo nº 0222/04, de 19/05/2004.

Já discordamos de que o mesmo raciocínio possa justificar o não ressarcimento dos subsídios de férias e de Natal, porque em nenhuma das situações indicadas, férias, doença, casamento, nojo, etc. estes subsídios deixam de ser atribuídos apesar de, nessas situações, o funcionário não exercer de facto as suas funções, o que evidencia estarmos perante prestações cujo pagamento é obrigatório haja ou não haja exercício de facto das suas funções e sempre que o não exercício das funções seja justificado por lei – vide artigo 29º nº 1 da Lei nº 100/99, de 31/03, em vigor à data em que são devidos os subsídios de férias e de Natal.

Neste mesmo sentido se pronunciaram o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.02.2015, no processo 05834/10.

Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida no que respeita a estes subsídios e julgar procedente a execução também quanto a eles, com fundamento no disposto nos artigos 173º nº 1 e 179º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que:

A) Julgam procedente a execução na parte em que se pede a cobrança dos subsídios de férias e de Natal, revogando nessa parte a decisão recorrida e condenando o Município do Porto ao seu pagamento.

B) Mantêm no mais a decisão recorrida.

C)Para execução da presente condenação fixa-se o prazo de trinta dias.

Custas na proporção de 4/5 das devidas pelo Município recorrido, estando na parte restante de 1/5 isento delas o exequente.




Porto, 15 de Julho de 2016


Ass.: Rogério Martins

Ass.: Luís Garcia

Ass.: Esperança Mealha