Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01833/07.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:PROFESSOR COORDENADOR
PROVAS PÚBLICAS
AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
DIVULGAÇÃO SISTEMA CLASSIFICATIVO
Sumário:1 - A formalidade de “audiência dos interessados” prevista nos artigos 100º a 103º do CPA e no artigo 38º do DL n.º 402/98, de 11 de Julho, não é aplicável aos concursos de provas públicas para recrutamento de professores-coordenadores do Ensino Superior Politécnico, objecto do procedimento especial regulado no DL n.º 185/81, de 1 de Julho.
2 - As particularidades do concurso de provas públicas previsto no ECDESP aprovado pelo DL 185/81, de 1.7, que o diferenciam do concurso documental, exigem uma aplicação dos princípios e garantias previstas no artigo 5º do DL 204/98, de 11.7, de forma adaptada ao contexto substantivo dele decorrente.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JMAM, SMCA e Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP)
Recorrido 1:MECSPF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
JMAM, SMCA e INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DO PORTO (ISEP) vieram interpor recursos do acórdão proferido pelo TAF do Porto que, julgando procedente a presente acção administrativa especial instaurada por MECSPF, anulou a deliberação do júri do concurso de provimento de duas vagas de professor coordenador do quadro do Instituto Superior de Engenharia do Instituto Politécnico do P…, por esta enfermar de vício de forma, por preterição de audiência prévia, e, bem assim, de vício de violação de lei, por ofensa do disposto no artigo 5º do D.L. 204/98, de 11 de Julho.
*
Nos respectivos recursos os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:
JMAM
CONCLUSÕES
Quanto à decisão sobre o vício de forma de preterição de audiência de interessados
A) O CPA (cf. art. 2º, n.º 7), não proíbe a existência de procedimentos administrativos especiais, designadamente, outras modalidades especiais de audiência dos interessados, no caso, as prova públicas previstas e reguladas no DL n.º 185/81;
B) No n.º 3 do art. 27º do DL n.º 185/81 (sob epígrafe Regime de prestação de provas), quando nele se determina que aos candidatos deverá ser proporcionado tempo necessário para que possam responder às críticas produzidas, e tendo ficado provado que os candidatos não tivessem podido exercer esse direito, introduz-se um mecanismo correspondente e adequado a uma verdadeira audiência oral (art.102º do CPA), neste caso, não por opção do órgão instrutor, mas por manifesta opção/imposição do legislador, cumprindo-se assim o direito dos interessados (os candidatos), puderem pronunciar-se sobre as questões com interesse para a decisão, aqui, as críticas produzidas pelos membros do júri às provas realizadas;
C) O “princípio da economia dos actos públicos” exige que não sejam tomadas decisões sem alcance efectivo e que, para mais, obriguem à adopção de medidas de outro modo desnecessárias; daí que, se o tribunal adquirir a convicção de que anulado o acto viciado viria a ser praticado outro acto de conteúdo necessariamente idêntico, seja admissível o aproveitamento do acto viciado”
D) Bastaria ler comparativamente os relatórios e pareceres emitidos pelos membros do júri sobre as provas e c.v. da autora e dos contra-interessados, não ignorando que a autora/recorrida, em mérito relativo, ficou classificada no último lugar com abundante diferença pontual para os dois candidatos providos;
E) A anulação do acto pelo vício de forma por preterição de audiência prévia dado como procedente na decisão recorrida, levará a um mesmo resultado, desrespeitando-se o supra referenciado princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
F) Não padecendo o acto impugnado do vício de forma de preterição de audiência prévia, errou o douto acórdão recorrido ao considerar procedente a alegação do referido vício de forma e anulando a decisão impugnada com tal fundamento.
Quanto à decisão sobre vício de violação de lei por desrespeito do art. 5º do DL n.º 204/98
G) Ao recrutamento para determinado corpo especial – no caso para professor-coordenador, categoria do ensino superior politécnico – deverão ser aplicadas as regras específicas decorrentes da respectiva lei especial, devendo, além disso, ser adaptados os princípios e garantias previstas na lei geral ao contexto sistemático dessa legislação substantiva especial – ver, além do artigo 2º do CPA, o artigo 3º do DL nº 204/98 de 11 de Julho.
H) A exigência feita pelo regime geral de divulgação atempada de métodos de selecção e sistema de classificação (artigo 5º nº 2 alínea b) do DL nº 204/98) é dispensada pelo regime especial do concurso (artigo 16º nº 3 do DL n.º 185/81); essa falta de exigência encontra justificação bastante na natureza de avaliação global do currículo científico e pedagógico do candidato, bem como da lição e dissertação científica por ele apresentadas, avaliação essa, feita pelo júri, que resiste a ser espartilhada em critérios rígidos de apreciação e ponderação previamente fixados e numa fórmula classificativa.
I) Sendo a votação/deliberação do júri por escrutínio secreto (bolas brancas/bolas pretas), a operacionalidade e a causalidade sindicável entre a existência de critérios no edital e a votação secreta só através da fundamentação que suporte a deliberação final se poderá aferir sobre a imparcialidade, a transparência e a isenção da deliberação. E quanto à fundamentação, rectius, actividade valorativa do júri, sobre as provas dos candidatos, não encontrou o Tribunal recorrido nenhuma falha.
J) Pelo exposto o vício de violação de lei (art. 5º do DL n.º 204/98), não deveria ter sido dado como procedente, configurando-se neste concreto ponto um erróneo julgamento do direito aplicável.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.as deverá o acórdão recorrido ser revogado, por erro de julgamento e substituído por decisão que considere improcedente o pedido de anulação do acto impugnado.
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ISEP
CONCLUSÕES:
O acórdão proferido pelo Tribunal a quo, de que aqui se recorre, incorre em erro quanto à aplicação do direito aos factos na medida em que não poderia ter dado como procedentes os alegados vícios de violação de forma e de lei:
a) Não poderá proceder o vício de violação de forma por preterição da formalidade da audiência prévia, na exacta medida em que o concurso de provas públicas garante, pela sua própria especificidade (a que resulta da possibilidade dos concorrentes, de forma oral e contraditória, amplamente se pronunciarem e argumentarem) a audiência dos interessados, não tendo sido posto em causa este princípio e garantia.
b) Não resulta do CPA que a audiência dos interessados tenha de ser obrigatoriamente na forma escrita. Pelo contrário, a audiência pode ser oral - o relevante é que os interessados tenham oportunidade de intervir no procedimento administrativo em momento anterior à decisão final contribuindo desse modo para que seja tomada a melhor decisão pela Administração. O concurso de provas públicas garante pela sua especificidade essa audiência oral.
c) Não poderá proceder o vício de violação de lei por preterição da divulgação no Edital dos critérios de selecção e ordenação na exacta mediada em que o Edital cumpriu com rigor o disposto no nº 3 do artigo 16º do ECPDESP – isto é divulgou, como se impunha, o disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do referido artigo 16º (e, portanto, expressamente excluído o disposto na alínea d) ou seja, os critérios de selecção e ordenação).
d) Acresce que estando em causa uma deliberação que resulta de escrutínio secreto (bolas pretas/bolas brancas) não poderia o júri estar vinculado a critérios previamente definidos (e ainda que estivesse não haveria forma de os verificar).
Nestes termos, deve o presente recurso ser tido como totalmente procedente mediante decisão que revogue a douta sentença ora posta em crise e considere improcedente o pedido de anulação do acto impugnado.
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SMCA
CONCLUSÕES
Cabe tirar agora, em jeito de síntese, as seguintes conclusões:
1ª Nos concursos de provas públicas para o provimento de lugares de professor coordenador, os concorrentes admitidos podem assistir à provas prestadas pelos outros candidatos e participam activamente na formação da deliberação final do júri, uma vez que, nos termos dos artigos 26º e 27º do ECDPDESP, podem, «num ambiente de objectividade e transparência», apresentar e discutir amplamente a sua lição, a sua dissertação e o seu curriculum científico e pedagógico, respondendo às críticas e apreciações do júri;
2ª Nestes concursos, e tal como consta do douto acórdão do TCAN que foi tirado por unanimidade no Recurso Jurisdicional nº339/02-Porto (Acórdão da 1ª Secção do Contencioso Administrativo nº00062/04, de 10 de Março de 2005, disponível em www.dgsi.pt ), não é aplicável «a formalidade de “audiência dos interessados” prevista nos artigos 100º a 103º do CPA»;
3ª O douto acórdão do TCAN invocado na sentença de que agora se recorre não afronta a questão que está em causa no presente caso, uma vez que se refere a uma situação em que a concorrentes foi excluída do procedimento concursal, sem ter qualquer possibilidade de participar na formação dessa decisão de exclusão;
4ª A douta sentença do TAFP, ao considerar que houve vício de forma por preterição de audiência prévia da interessada, incorreu, pois, em erro de julgamento;
5ª Ao contrário do que acontece nos concursos documentais da carreira universitária, nos concursos de provas públicas para o provimento de lugares de professor coordenador não é exigível nem aconselhável que seja previamente divulgado qualquer sistema de classificação final, mais concretamente, qualquer fórmula abstracta de classificação final;
6ª A douta sentença «sub judicio», ao considerar que houve vício de violação de lei por inobservância do nº2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº204/98, incorreu, pois, em erro de julgamento.
Nestes termos e nos demais que serão superiormente supridos, a douta sentença objecto do presente recurso jurisdicional deve, salvo o devido respeito, ser revogada, por erro de julgamento, de modo a ser confirmada a validade da deliberação impugnada.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
i) Por Edital nº. 124/2006, do Instituto Superior de Engenharia do P…, publicado no Diário da República, II Série, nº. 56, de 20 de Março de 2006, foi aberto concurso de provas públicas para preenchimento de duas vagas de professor-coordenador área cientifica de matemática do quadro do Instituto Superior de Engenharia do Instituto Politécnico do P…, grupo de disciplinas de matemática aplicada, conforme emerge de fls. não numeradas do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
ii) Reproduz-se na integra o teor do edital referido em a):” LJSS, professor catedrático e presidente do Instituto Politécnico do P…, faz saber, nos termos dos artigos 7.º, 15.º, 16.º, 19.º, 20.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, que está aberto, pelo prazo de 30 dias consecutivos, concurso de provas públicas para provimento de duas vagas de professor coordenador do quadro do Instituto Superior de Engenharia do Instituto Politécnico do P…, na área científica de Matemática, no grupo de disciplinas de Matemática Aplicada.
2 - Ao referido concurso são admitidos os candidatos que se encontrem nas condições referidas no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho.
3 - Do requerimento de admissão a concurso, dirigido ao presidente do Instituto Politécnico do P…, deverão constar os seguintes elementos: nome completo, filiação, naturalidade, data e local de nascimento, residência actual, número de telefone, estado civil, número e data do bilhete de identidade e serviço de identificação que o emitiu, grau académico e respectiva classificação final, categoria profissional e cargo que actualmente ocupa.
4 - O requerimento deverá ser acompanhado de:
Cópia do diploma ou da certidão de atribuição do grau académico;
Fotocópia do bilhete de identidade;
Documento que comprove estar o candidato nas condições legais a que se refere o n.º 2 deste edital;
Seis exemplares do resumo da lição a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho;
Seis exemplares da dissertação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho;
Seis exemplares do curriculum vitae detalhado;
Seis exemplares de cada um dos trabalhos referidos no curriculum vitae;
Lista completa da documentação apresentada.
4.1 - O curriculum vitae deverá pôr em evidência o equilíbrio entre as competências pedagógica e científica dos candidatos e a sua adequação à docência numa escola de engenharia do ensino politécnico, traduzida na prévia experiência docente, particularmente em escolas de engenharia do ensino superior politécnico, na área científica e grupo de disciplinas para o qual é aberto o concurso.
4.2 - A dissertação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, deve obedecer ao determinado pela resolução do conselho geral do Instituto CG-8/97, de 11 de Julho (a cópia da referida resolução pode ser obtida na Secção de Pessoal do Instituto ou enviada pelo correio aos candidatos que o solicitarem).
4.3 - Os candidatos que estejam nas condições do n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, deverão apresentar documento comprovativo dessa situação.
4.4 - As cópias dos trabalhos recebidos ficarão a pertencer à Biblioteca do Instituto Superior de Engenharia do P…, uma vez encerrado o concurso.
5 - O júri que apreciará as candidaturas será designado após o encerramento do prazo de apresentação das candidaturas ao concurso a que se refere o presente edital e a sua constituição será tornada pública no Diário da República. 6 - O texto completo da lição a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho, deverá ser entregue pelos candidatos no prazo de 30 dias consecutivos a contar da notificação da sua admissão a concurso efectuada pelo presidente do júri.
7 - O não cumprimento do estipulado no presente edital implica a eliminação liminar dos candidatos.
8 - A este concurso é atribuído carácter de urgência, com todas as legais consequências.
9 - Das decisões finais proferidas pelo júri não cabe recurso, excepto quando arguidas de vício de forma.
10 - A apresentação das candidaturas deverá ser feita directamente no Instituto Politécnico do Porto ou enviada, por correio registado, para o seguinte endereço: Instituto Politécnico do P…, concurso/ISEP/D/06/2006, Rua … Porto. 7 de Marco de 2006. - O Presidente, LJSS.”
iii) A Autora e, bem assim, os contra-interessados JMAM, SMCA, CMAP, EMCFG apresentaram-se a concurso, tendo sido admitidos ao mesmo, conforme emerge da analise de fls. 26 a 31 dos autos [acta nº.1], cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
iv) Dá-se por reproduzida para todos os efeitos legais o teor da acta nº1, cuja cópia faz fls. 26 a 31 dos autos, da qual resulta que, no dia 10 de Janeiro de 2007, o júri do concurso deliberou sobre i) a admissão dos candidatos a concurso, sobre ii) a metodologia a seguir nas votações e, bem assim, sobre iii) a calendarização das provas a realizar.
v) Dá-se por reproduzida para todos os efeitos legais o teor da acta nº2, cuja cópia faz fls. 31 a 33 dos autos, da qual resulta que, no dia 15 de Maio de 2007, o júri do concurso, concluídas as provas públicas para provimento de duas vagas para professor coordenador do quadro do ISEP, procedeu à classificação e graduação final dos candidatos, tendo sido apurados os seguintes resultados:
1-JMAM
2- SMCA
3- CMAP
4- EMCFG
5- MECSPF
vi) Dá-se por reproduzido o teor dos pareceres produzidos sobre as lições apresentados pelos membros do júri do concurso sobre as lições apresentadas pelos candidatos opositores que fazem fls. não numeradas do PA apenso.
vii) Dá-se por reproduzido o teor de fls. 26 a 42 e 78 dos autos e, bem assim, todo o teor constante do P.A. apenso.
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DE DIREITO
Questões a resolver

A deliberação do júri do concurso que, concluídas as provas públicas para provimento de duas vagas de para professor coordenador do ISEP, procedeu em 15-05-2007 à classificação e graduação final dos candidatos – foi anulado em virtude da procedência em 1ª instância da presente acção administrativa especial instaurada pela candidata graduada em 5º e último lugar naquele concurso.

E foi anulada com fundamento em dois vícios, um de forma e outro de violação de lei, respectivamente preterição de audiência prévia e ofensa ao disposto no artigo 5º do DL 204/98.

Os Recorrentes impugnam o acerto do julgamento feito pelo TAF nestas questões, entendendo que nenhum daqueles vícios inquina o acto impugnado.

O TAF decidiu as duas questões (vícios do acto) praticamente por remissão, pari passu, para dois acórdãos de tribunais superiores, correspondendo cada vício ao seu acórdão.

E em ambos os casos os Recorrentes (em sintonia) contrapuseram teses “emprestadas” por outros acórdãos de tribunais superiores.

Felizmente todos esses acórdãos se encontram publicados (www.dgsi.pt), não existindo melhor forma de introdução ao debate que a transcrição dos respectivos sumários.

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DECISÃO RECORRIDA
Quanto à preterição da audiência prévia:
Proc. 00195/02, 1ª Secção TCAN, Acórdão de 31-01-2008, Sumário:
«I. (…)
II. O princípio da audiência prescrito nos arts. 100.º e segs. do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 08.º do mesmo código e surge em cumprimento da directriz constitucional inserta no art. 267.º, n.ºs. 1 e 5 da CRP.
III. O direito a ser ouvido e que se opera mediante a audiência prevista no citado normativo deve consistir na efectiva possibilidade de ser conferida ao interessado no procedimento uma participação útil no seu âmbito, não devendo reconduzir-se num mero acto de rotina.
IV. Tal direito de audiência dos interessados é aplicável ao procedimento de concurso em causa por se assumir como a concretização do modelo de administração participada expresso no texto constitucional, sem que do regime especial decorrente do DL n.º 185/81 resulte conclusão inversa.
V. Não tendo sido assegurado o direito de audiência no âmbito do procedimento administrativo por não se haver permitido à recorrente tomar posição sobre a decisão de exclusão do concurso que veio a ser tomada padece o acto de ilegalidade.
VI. O princípio do aproveitamento do acto só assume relevância se, perante os elementos constantes do acto, o tribunal possa antever, com inteira segurança, que o acto a praticar pela Administração, uma vez expurgado o vício que o inquinava, teria conteúdo decisório idêntico ao do acto impugnado anulado.»
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Quanto à violação de lei:
Proc. 01140/06, Acórdão de 13-11-2007, PLENO DA SECÇÃO CA STA, Sumário:

«A divulgação atempada do sistema de classificação final exigida pelo art. 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, é aplicável aos concursos regulados pelo Estatuto da Carreira Docente Universitária.»

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TESES DOS RECORRIDOS
Quanto à preterição da audiência prévia:

Proc. 00062/04, 1ª Secção TCAN, Acórdão de 10-03-2005, Sumário:

«A formalidade de “audiência dos interessados” prevista nos artigos 100º a 103º do CPA e no artigo 38º do DL n.º 402/98, de 11 de Julho, não é aplicável aos concursos de provas públicas para recrutamento de professores-coordenadores do Ensino Superior Politécnico, objecto do procedimento especial regulado no DL n.º 185/81, de 1 de Julho.»

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Quanto à violação de lei:
Proc. 00339/02-PORTO e 00340/02- PORTO, 1ª Secção TCAN, Acórdão de 19-04-2007, Sumário:

«I. Perante a carência de um regime específico de substituição do presidente do júri nomeado para concurso de provas públicas de professor-coordenador do ensino superior politécnico, dever-se-á recorrer ao regime geral de substituição previsto no artigo 41º do CPA e à aplicação analógica do artigo 23º nº3 do ECPDESP [aprovado pelo DL nº185/81 de 1 de Julho];

II. Ao referido concurso de provas públicas deve ser aplicado o ordenamento próprio do ECPDESP, e ainda os princípios e garantias previstas no artigo 5º do DL nº204/98, de 11 de Julho, adaptados ao contexto substantivo decorrente daquele ordenamento;

III. Desta contextualização, resulta que o cumprimento estrito do preceituado no ECDPDESP, relativamente ao concurso em causa, não viola as alíneas b) e c) do nº2 do artigo 5º do DL nº 204/98, de 11 de Julho.»


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PONDERAÇÃO DAS QUESTÕES EM LITÍGIO

O debate está facilitado pela disponibilidade da jurisprudência em que o TAF baseou a sua decisão em ambas as questões controvertidas, e também da jurisprudência “contraposta” pelos Recorrentes.

Escreveu-se “contraposta” entre aspas, não por acaso, mas para realçar que o termo pode ser ambíguo no contexto dado. Na realidade, tal jurisprudência é “contraposta” apenas em sentido subjectivo, na medida em que nos diversos acórdãos citados radica o essencial da argumentação adoptada (em sentidos contrários) pelo TAF e pelos Recorrentes, mas não se trata, como se verá, de decisões judiciais intrinsecamente inconciliáveis, não sendo portanto a dita jurisprudência, hoc sensu, em sentido objectivo, qualificável como “contraposta”.

Por coincidência o relator no presente acórdão participou activamente na formação da jurisprudência invocada relativamente às duas questões controvertidas. Quanto à questão do vício de forma, uma participação directa, visto ser relator do acórdão do TCAN, de 10-03-2005, Proc. 00062/04, e quanto ao vício de violação de lei numa participação indirecta, como relator do acórdão do TCAS recorrido e confirmado pelo acórdão de 13-11-2007, PLENO DA SECÇÃO CA STA, Proc. 01140/06.

Acórdão este do 1º Juízo Liquidatário TCAS, de 01-06-2006, Proc. 12690/03, cujo sumário se transcreve:

«I - As garantias de igualdade de oportunidades e imparcialidade aplicam-se aos concursos para recrutamento e selecção das carreiras de regime especial, como a carreira docente universitária, por imposição do artigo 3º/2 do DL 204/98, de 11/7.

II - Incorre em violação do artigo 5º/2, c) e d) do DL 204/98, a decisão do concurso para provimento de professores catedráticos em que não foram divulgados atempadamente o sistema de classificação final e os critérios de avaliação, antes de serem conhecidos pelo Júri os currículos dos candidatos.

(…)»

*
Quais são as características diferenciadoras destes casos?
Foque-se em 1º lugar o vício de forma.

O acórdão do TCAN de 31-01-2008, Proc. 0195/02, refere-se a um caso em que o interessado foi excluído do concurso e, portanto, liminar e radicalmente impedido de participar na formação da decisão impugnada.

Diversamente, no caso destes autos a Autora participou em toda a tramitação do procedimento e, como se refere na alegação da recorrente S…, “assistiu ou pôde assistir às provas que foram prestadas pelos outros concorrentes e foi avaliada pelas provas que prestou, provas essas durante as quais pôde intervir e responder directamente às críticas e apreciações do júri”.

É sabido que os Juízes, sobretudo os dos tribunais superiores cujas decisões são publicadas e invocadas como paradigma em inúmeros litígios, são extremamente sensíveis à necessidade de não incorrerem em contradição sem justificação plausível e, em caso de mudança de opinião, disso darem devida nota nas posições que subscrevem.

E, portanto, o facto de o então desembargado Dr. Carlos Luís Medeiros de Carvalho, hoje ilustre conselheiro do STA, ter subscrito sem qualquer reparo tanto o acórdão do TCAN de 31-01-2008, Proc. 0195/02 (na qualidade de relator) como o Proc. 00062/04, 1ª Secção TCAN, acórdão de 10-03-2005 (na qualidade de adjunto) é seguramente um indício forte da existência de alguma diferença juridicamente relevante entre as situações tratadas.

Foque-se seguidamente o vício de violação de lei.

Neste campo, sublinha-se que o citado acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA, de 13-11-2007, Proc. 01140/06, foi tirado no contexto de um “concurso documental” enquanto no caso vertente se trata de concurso de tipo substancialmente diferente, de “provas públicas” (previsto no ECPDESP aprovado pelo DL 185/81) o que, como se verá oportunamente, tem uma relevância decisiva.

E, como demonstração cabal dessa relevância anota-se o facto de o TCAN, em acórdão de 06-05-2011, ter enfrentado expressamente a questão, em caso idêntico ao destes autos e considerando o citado acórdão do Pleno, vindo a revogar a decisão recorrida que invocando este acórdão do STA havia “julgado procedente o pedido feito pela autora da acção administrativa especial [4ª classificada], com fundamento na falta de divulgação atempada dos critérios de selecção e ordenação dos candidatos ao concurso e por falta de fundamentação”, seguindo o entendimento de que “os princípios e garantias previstas no artigo 5º do DL nº204/98, de 11.07, são aplicáveis a este tipo de concurso por força do artigo 3º nº2 do mesmo diploma, e que não foram cumpridos no presente caso, pois não foram publicitados antes do conhecimento dos candidatos, nem no edital nem após ele, os respectivos critérios de selecção e ordenação”.

Cfr. Acórdão de 06-05-2011, TCAN, 1ª Secção, Proc. 00631/09.3BECBR, Sumário:

I. As particularidades do concurso de provas públicas previsto no ECDESP aprovado pelo DL 185/81, de 1.7, que o diferenciam do concurso documental, exigem uma aplicação dos princípios e garantias previstas no artigo 5º do DL 204/98, de 11.7, de forma adaptada ao contexto substantivo dele decorrente;

II. Nos concursos documentais está expressamente prevista a obrigatoriedade de constar do edital os critérios de selecção e de ordenação dos candidatos, a regra da decisão do júri ser tomada por maioria simples dos votos, ficando essa decisão consignada em acta, com indicação do sentido dos votos individualmente expressos e respectivos fundamentos [artigos 16º nº1 alínea d) e 21º do ECDESP, e 52º do ECDU], enquanto nos concursos de provas públicas se omite o dever de constarem do edital os critérios de selecção e ordenação dos candidatos, se exige a classificação dos mesmos através de votação em escrutínio secreto, e se limita, expressamente, o recurso das decisões finais do júri aos vícios de forma;

III. O princípio da igualdade de condições e de oportunidades, e o seu corolário da imparcialidade [artigo 5º nº1 do DL 204/98], encontra consagração bastante, no âmbito desse concurso de prestação de provas públicas, na forma aberta, exposta e contraditória, com que é efectuada a prestação das respectivas provas.»


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Ainda uma nota de carácter geral relativamente às duas questões em apreciação.
Estamos perante a necessidade de harmonizar princípios gerais, axiológicos, tendencialmente universais, vocacionados para inspirar a generalidade dos diplomas legais existentes e futuros, com as regras jurídicas meramente sectoriais e conjunturais, que constituem os tijolos, por assim dizer, com que são erigidos os diversos institutos e figuras jurídicas que dão resposta às necessidades de regulação que a vida quotidiana em sociedade vai exigindo.

Obviamente os princípios situam-se em patamares de abstração e generalidade muitos superiores aos das normas.

Por ser assim, também se entende que as normas, ao nível da sua previsão e estatuição, têm um conteúdo muito mais denso e rígido do que os princípios.

Numa metáfora, os princípios serão estrelas e as normas são itinerários.

Segue-se um princípio como uma estrela, caminhando numa direcção que se reputa como sendo a da Justiça e do Direito, mas sabendo que estes objectivos em absoluto estarão sempre mais além.

Nesse percurso, que numa visão ingénua seria uma recta, surgem porém no terreno muitos acidentes e dificuldades que é necessário tornear e, para tanto, servem os itinerários, os sinais de sentido proibido, de circulação obrigatória, de prioridade, enfim, as normas.

Quando seguimos caminhando e olhando uma estrela esta parece caminhar connosco, atenta a insignificância da distância que percorremos na dimensão cósmica.

Do mesmo modo quando ocasionalmente a norma obriga a um desvio, não há normalmente uma verdadeira divergência com o princípio, apenas uma diferença de perspectiva.

É que, na realidade, o conteúdo do princípio não consiste rigorosamente numa previsão e numa estatuição, mas sim uma orientação no sentido de um valor.

É certo que por vezes o legislador densifica um pouco mais os princípios, como o faz no artigo 5º do DL 204/98, mas isso resulta sobretudo de tentar expor o seu conteúdo típico e não o desenho de uma regra precisa que possa ser, ou deva ser, inflexivelmente aplicada.

O problema e o conflito surgem quando se pretende aplicar “à letra” determinados princípios exemplificativamente densificados (rebaixando assim os valores a mera previsão normativa) mesmo com o risco de descaracterização total de institutos jurídicos dignos, por vezes figuras jurídica clássicas de longa tradição, desprezando a possibilidade de estas figuras, por vias específicas, já integrarem o conteúdo essencial dos valores em causa.

É o que se passa com a figura dos concursos de provas públicas, prevista no DL 185/81, de 1/7.

Ou se segue dogmaticamente a “letra” com que o legislador, por assim dizer, ilustra na legislação ordinária os valores constitucionais de participação dos interessados e de imparcialidade da Administração no procedimento do concurso, com a certeza de assim descaracterizar totalmente o procedimento especial de concurso de provas públicas, ou se ascende ao patamar constitucional e ao núcleo valioso, permitindo a essa luz mais alta salvaguardar a especificidade do procedimento que, como se verá, interiorizava já “avant la lettre” tais valores na sua estrutura normativa.

Uma coisa é certa, nunca por via legislativa, sem contributo do senso e experiência comuns, se conseguirá erradicar este tipo de dúvidas, porque a intensificação dos valores sempre projectará desvalores como a intensificação da luz projectará mais sombras.

Tudo ponderado, entende-se que a fundamentação do acórdão recorrido, ao basear-se em decisões judiciais que tiveram como objecto situações substancialmente diferentes das que estão em causa nestes autos, não permite alcançar o verdadeiro espírito dos princípios aplicados e que a decisão correcta, no espírito dos ditos princípios e sempre com todo o respeito por opinião contrária é a que decorre dos acórdãos do TCAN que, no pertinente, se irão reproduzir.

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Questão da preterição da audiência prévia
Reitera-se aquilo que já se sustentou no Proc. 00062/04, 1ª Secção TCAN, Acórdão de 10-03-2005:

«É que, na realidade, foi regularmente cumprida pelo Júri a audiência dos interessados prevista, com a designação de “provas públicas”, no procedimento especial do concurso para professor-coordenador, regulado pelo DL 185/81 de 1 de Julho.

Como é consabido e se conclui claramente do disposto no nº7 do artigo 2º do CPA, este Código não procedeu à revogação dos procedimentos administrativos especiais existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. neste sentido a nota 20 ao artigo 2º do CPA Anotado e Comentado, da autoria dos conselheiros S. Botelho, P. Esteves e C. Pinho, 5ª edição, Almedina). Sendo assim, no caso vertente deviam naturalmente prevalecer as regras do procedimento especial regulado nos artigos 15º e seguintes do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino superior Politécnico (ECPDESP) aprovado pelo DL 185/81, de 1 de Julho, uma vez que foram especificamente desenhadas para servir - na justa medida - o escopo de selecção dos candidatos com maior “capacidade científica, técnica e pedagógica para o desempenho das funções compreendidas na categoria de professor-coordenador”.

Perante este princípio de aplicabilidade e até de vocacional auto-suficiência dos procedimentos especiais, sob pena de contradição lógica insanável devem ser cuidadosa e restritivamente interpretados os números 5 e 6 do artigo 2º do CPA. Na verdade, a entender-se as disposições do CPA como irrestritamente aplicáveis a “todas as actuações da Administração Pública” no domínio da gestão pública, deixaria de ser compreensível a regra do nº7, que salvaguarda a aplicabilidade em primeira linha dos procedimentos especiais extravagantes, isto é, os regulados em legislação avulsa.

A interpretação dos juízes signatários é que aplicabilidade das disposições do CPA assume uma função supletiva (para suprimento de lacunas quando os procedimentos especiais não regulem determinada matéria que devesse ser regulada) e, por outro lado, uma função correctiva (de acordo com o citado nº5), quando os mesmos não respeitem os princípios gerais da actividade administrativa constantes do CPA ou não contenham eles próprios normas que concretizem os preceitos constitucionais aplicáveis a tal actividade. Na verdade, se um procedimento especial concretiza adequadamente o preceito constitucional de forma especificamente adequada ao fim prosseguido, com respeito das garantias dos particulares, não se vê razão para afastar essa concretização e adoptar em seu lugar a norma do procedimento comum ínsita no CPA.

Dir-se-á ainda, quanto ao nº6 do citado artigo 2º do CPA, que as “disposições relativas à organização e à actividade administrativa” – aplicáveis no domínio da gestão pública a “todas as actuações da Administração Pública” – devem considerar-se confinadas, numa interpretação racional e sistemática rigorosa, à temática do Capítulo I da Parte II, que tem por epígrafe “Dos órgãos administrativos”, e à Parte IV (“Da actividade administrativa”), visto que as questões de composição, funcionamento, competência e processo de decisão no seio da Administração Pública são comuns e até “anteriores”, pelo menos em termos lógicos, a todos os procedimentos administrativos, na medida em que, ao contrário destes (cfr. artigo 54º da LPTA), se jogam no seio da Administração sem pressupor necessariamente a intervenção dos administrados, ou “interessados” (na terminologia legal).

Em suma, recaímos na conclusão já antes formulada da prevalência dos procedimentos especiais, temperada pela possibilidade de aplicação subsidiária ou correctiva do “Procedimento Administrativo” comum, regulado na Parte III do CPA (artigos 54º a 113º).

No caso vertente, somos confrontados com a hipótese de ser necessária a aplicação supletiva ou correctiva da formalidade da “audiência dos interessados” constante dos artigos 100º a 103º do CPA e do artigo 38º do DL 204/98, em face de eventual défice do procedimento especial do concurso para professor-coordenador regulado no ECPDESP, quer no que concerne à boa prossecução do interesse público (a selecção do melhor candidato) quer à garantia constitucional da “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (artigo 267º/5 da Constituição).

Ora, a exigência constitucional da “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” pode ser concretizada de várias formas, não existindo imposição lógica ou racional de que o deva ser apenas através da forma designada “audiência dos interessados” plasmada nos artigos 100º a 103º do CPA, em termos universais e absolutos (para o desmentir, bastaria falar nas situações de “inexistência e dispensa de audiência dos interessados” aí previstas mas que, como se verá, não relevam na solução do caso).

Passando para o procedimento concursal em análise, em que está em causa a demonstração pelos interessados da sua “capacidade científica, técnica e pedagógica para o desempenho das funções compreendidas na categoria de professor-coordenador”, não se vê melhor garantia para os interessados do que as “provas públicas”, em que cada um dos candidatos, num ambiente de objectividade e transparência, pode apresentar e discutir amplamente sua “lição”, a sua dissertação científica e o seu “curriculum vitae”, bem como responder às críticas produzidas pelos membros do júri arguentes (artigos 26º e 27º do DL 185/81).

Afigura-se que dificilmente se poderia conceber uma forma mais directa e profunda de garantir a participação desses cidadãos na formação da decisão que nesse procedimento lhes diz respeito, ou seja, a decisão sobre a sua classificação.

Poderia criticar-se a falta a informação sobre o “sentido provável da decisão final” contemplado no artigo 100º/1 do CPA. Todavia, esta antecipação do projecto de decisão final seria supérflua, senão mesmo nociva para o prestígio dos candidatos, dos membros do Júri e da própria instituição académica, ao forçar a expressão da convicção íntima de cada membro do júri numa inusitada dupla votação em escrutínio secreto (cfr. artigo 28º do DL 185/81) e ao transpor para o plano multilateral uma discussão que a lei pretendia ver estritamente realizada entre cada candidato e os membros do Júri, no ambiente solene e presumivelmente sereno das provas públicas.

(…)

Para concluir, a formalidade de “audiência dos interessados” prevista nos artigos 100º a 103º do CPA e no artigo 38º do DL 402/98, de 11 de Julho, não é aplicável aos concursos de provas públicas para recrutamento de professores-coordenadores do Ensino Superior Politécnico, objecto do procedimento especial regulado no DL 185/81, de 1 de Julho, pelo que não se verifica o vício de forma que determinou em 1ª instância a anulação do acto.»

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Questão da violação de lei
«Neste âmbito transpõe-se para o caso vertente a solução que foi delineada no acórdão deste TCAN, 1ª Secção, de 06-05-2011, Proc. 00631/09.3BECBR, ressalvando detalhes próprios do caso concreto, facilmente detectáveis e que não retiram força persuasiva à fundamentação:

«III. A sentença recorrida julgou procedente o pedido feito pela autora da acção administrativa especial [4ª classificada], com fundamento na falta de divulgação atempada dos critérios de selecção e ordenação dos candidatos ao concurso em causa, e por falta de fundamentação.

Para assim decidir, o TAF entendeu que os princípios e garantias previstas no artigo 5º do DL nº204/98, de 11.07, são aplicáveis a este tipo de concurso por força do artigo 3º nº2 do mesmo diploma, e que não foram cumpridos no presente caso, pois não foram publicitados antes do conhecimento dos candidatos, nem no edital nem após ele, os respectivos critérios de selecção e ordenação.

Arrazoou a sua tese valendo-se da jurisprudência do Pleno do STA [AC STA/Pleno de 13.11.2007, Rº01140/06] e do TCAS [AC TCAS de 04.03.2010, Rº05463/09], que pura e simplesmente aplicou ao caso concreto.

Naquele aresto do STA entendeu-se que a divulgação atempada do sistema de classificação final exigida pelo artigo 5º nº2 do DL nº204/98, de 11.07, é aplicável aos concursos regulados pelo Estatuto da Carreira Docente Universitária, e, no do TCAS, que essa mesma doutrina será de aplicar aos concursos de provas públicas para recrutamento de professores coordenadores previstos no Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico [ECDESP - aprovado pelo DL nº185/1981, de 01.07].

(….)

A questão que se nos coloca neste recurso não será tanto, pois, a do debate teórico sobre a aplicabilidade, ou não, das garantias do artigo 5º nº2 do DL nº204/98 aos concursos em causa, que, tal como decorre da doutrina do dito acórdão do STA, deve obter uma resposta positiva, mas antes, tendo em conta este litígio concreto, a de saber se essas garantias foram cumpridas, embora de acordo com o contexto do concurso de provas públicas para professor coordenador previsto no ECDESP.

Vejamos.

O artigo 5º do DL nº204/98 diz que o concurso obedece aos princípios de liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos [nº1], e refere no seu nº2 que para respeito desses princípios, são garantidos: […] b) A divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final; c) A aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação […].

O artigo 26º do ECDESP diz que as provas de concurso para professor coordenador compreendem: a) Apresentação de uma lição sobre tema escolhido pelo candidato no âmbito da disciplina ou área científica para que for aberto o concurso; b) Apresentação e discussão de uma dissertação, de concepção pessoal, sobre um tema da área científica para que for aberto o concurso, reveladora de capacidade para a investigação e que patenteie perspectivas de progresso naquela área; c) Apreciação e discussão do currículo científico e pedagógico do candidato [nº1], e que essas provas públicas deverão revelar capacidade científica, técnica e pedagógica para o desempenho das funções compreendidas na categoria de professor coordenador [nº2] […].

O artigo 27º do mesmo diploma estipula que as provas públicas serão separadas por intervalos mínimos de vinte e quatro horas, contados entre os respectivos inícios [nº1], que cada uma das provas terá a duração máxima de duas horas e a sua discussão ficará a cargo de um ou dois membros do júri [nº2], que aos candidatos deverá ser proporcionado o tempo necessário para que possam responder às críticas produzidas [nº3], e que a lição referida na alínea a) do nº1 do artigo 26º deverá ter a duração de sessenta minutos [nº4].

O artigo 28º do ECDESP diz que concluídas as provas, o júri reunirá para decisão final, devendo a classificação de cada candidato ser feita por votação em escrutínio secreto [nº1], que só poderão participar na votação os membros do júri que tiverem assistido integralmente a todas as provas [nº2], que da reunião do júri será elaborada acta, donde constarão, obrigatoriamente, um resumo das provas realizadas, os pareceres fundamentados dos respectivos arguentes e o resultado da votação efectuada [nº3], que o presidente do júri só vota em caso de empate, excepto se for professor da área a que correspondam as provas [nº4], que o resultado final será expresso pelas fórmulas de Aprovado e Recusado [nº5], e que no caso de haver mais do que um candidato para a mesma vaga, o júri votará primeiramente o mérito absoluto de cada candidato, e, em seguida, classificá-los-á em mérito relativo [nº6].

O artigo 29º do ECDESP diz que das decisões finais proferidas pelos júris não cabe recurso, excepto quando arguidas de vício de forma.

Como se constata, estamos perante um sistema de classificação dos candidatos que destoa muito quer do concurso documental para recrutamento de assistentes e de professores adjuntos previsto também na mesma versão do ECDESP [artigos 4º e 5º, se bem que, no caso previsto no artigo 7º nº2, também se contempla a possibilidade de concurso de provas públicas para professores adjuntos], quer dos concursos documentais para o recrutamento de professores catedráticos e professores associados previsto no Estatuto da Carreira Docente Universitária [artigos 37º a 52º do ECDU. Note-se que o AC STA/Pleno de 13.11.07 em que se baseou a sentença recorrida tratou directamente deste último concurso documental, vindo a sua doutrina, relativamente aos concursos do ECDU, a ser secundada por este TCAN, nomeadamente nos seus arestos de 11.03.2010, Rº228/08, de 01.04.2011, Rº461/08, e de 15.04.2011, 338/06. Sendo que esta jurisprudência foi já aplicada, também, ao concurso documental para professor adjunto do ECDESP pelo AC TCAN de 10.12.2010, Rº01530/06.6BEPRT].

Basta notar, a respeito, que nos concursos documentais referidos está expressamente prevista a obrigatoriedade de constar do edital os critérios de selecção e de ordenação dos candidatos, bem como a regra de que a decisão do júri é tomada por maioria simples dos votos dos seus membros, e ficará consignada em acta, com indicação do sentido dos votos individualmente expressos e dos respectivos fundamentos [artigos 16º nº1 alínea d) e 21º do ECDESP, e 52º do ECDU], enquanto no concurso de provas públicas em causa se omite directamente o dever de constar do edital os critérios de selecção e ordenação dos candidatos, como se exige a classificação dos mesmos através de votação em escrutínio secreto. E mais, diz-se, expressamente, que das decisões finais do júri só cabe recurso quanto a vícios de forma [artigos 16º nº2 e nº3, 28º e 29º do ECDESP].

A exigência de cumprimento dos princípios e garantias impostas pelo artigo 5º do DL nº204/98 não poderá sobrevoar esta realidade, e, simplesmente, impor esse cumprimento de forma cega aos concursos de prestação de provas públicas, do mesmo modo que o impõe no âmbito dos concursos documentais, nomeadamente.

Temos para nós, que o princípio da igualdade de condições e de oportunidades, bem como seu corolário da imparcialidade [artigo 5º nº1 do DL nº204/98], encontra consagração bastante, no âmbito deste concurso de prestação de provas públicas, através da forma aberta, exposta e contraditória, com que é efectuada a prestação das provas. Trata-se da exposição de temas escolhidos pelo próprio candidato, realizada de forma pública, sendo a respectiva prestação discutida entre ele e os respectivos arguentes. Tudo de forma aberta e exposta. Garantindo a votação final, por escrutínio secreto, quer quanto ao mérito absoluto quer quanto ao relativo, um determinado ambiente de liberdade dos membros do júri [que a tudo assistiram] frente aos diversos candidatos [artigos 16º, 27º e 28º do ECDESP].

Por sua vez, a garantia de divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar e do programa das provas de conhecimentos, basta-se, atentas as especificidades do concurso, com a divulgação atempada das provas públicas referidas nas duas alíneas do artigo 26º do ECDESP, e com a divulgação atempada do calendário dessas provas, o qual só terá sentido divulgar depois de admitidos os candidatos ao concurso, pois só então se tornará viável distribuir as suas provas públicas por dias e por horas. Sendo certo que essa calendarização é, por princípio, inócua para os princípios da igualdade e da imparcialidade.

E o sistema de classificação final cifra-se, apenas, na divulgação de que ao júri compete assistir, integralmente, às provas prestadas pelos diversos candidatos, discutidas com os respectivos arguentes e por eles resumidas e avaliadas, e, por fim, mediante escrutínio secreto, aprovar, recusar, e ordenar os mesmos, tendo por base os pareceres elaborados pelos arguentes [caso seja apenas um fica-se pela sua aprovação ou recusa].

Ora, ponderado o conteúdo do edital nº600/2008 [ponto 1 do provado], cremos que essa divulgação, assim adaptada, foi realizada de forma suficiente no seu ponto nove [refere este ponto nove: A selecção dos candidatos será feita através de provas públicas, de acordo com os nºs 1, 2 e 3, do artigo 26º do DL nº185/81, de 1 de Julho, que deverão revelar a capacidade científica, técnica e pedagógica para o desempenho na categoria de Professor Coordenador, sendo o resultado final expresso pelas fórmulas de Aprovado e Recusado, de acordo com o artigo 28º do citado diploma].

Exigir mais do que isto é, cremos, entrar em ruptura com o que é dito no ECDESP quanto à regulação deste concurso. O que levaria a suscitar a questão da sua própria constitucionalidade. Coisa que não foi feita nestes autos, sendo certo que também este tribunal ad quem, face a quanto ficou dito, entende não ser de negar a aplicação, com esse fundamento, das pertinentes normas do ECDESP na versão aqui em causa.

Dizemos na versão aqui em causa porque, efectivamente, com a entrada em vigor do DL nº207/2009, de 31.08, que, tal como referimos acima, alterou e aditou o ECDESP republicado pelo DL 69/88, de 03.03, grande parte dos problemas ora ventilados desapareceram, porque os professores coordenadores passaram a ser recrutados exclusivamente por concurso documental em que o júri delibera através de votação nominal fundamentada nos critérios de selecção adoptados e divulgados [artigos 6º e 23º nº1 alínea b) do ECDESP na versão de 2009].

Naturalmente que a apreciação, acabada de fazer, sobre o erro de julgamento relativo à procedência do vício substantivo invocado na petição inicial da acção, repercute-se e revê-se no erro de julgamento invocado sobre a procedência do vício formal de falta de fundamentação [artigos 124º e 125º do CPA].

Na verdade, atentos os contornos da regulação deste concurso, resulta que a fundamentação da classificação final dos candidatos ter-se-á de circunscrever aos pareceres fundamentados dos respectivos arguentes [artigo 28º nº3 do ECDESP]. Não faz sentido, de facto, impor a fundamentação do voto secreto de cada um dos membros do júri do concurso, pois o mesmo deixaria, então, de ser secreto.»

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Atentas as razões apontadas, entende-se que, no essencial, são procedentes as conclusões dos Recorrentes e que, assim, deve ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a acção administrativa especial.
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DECISÃO
Pelo exposto acordam em:
- Conceder provimento ao recurso;
- Revogar o acórdão recorrido;
- Julgar improcedente a acção administrativa especial.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
Porto, 6 de Novembro de 2011
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Hélder Vieira