Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00214/14.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL; NULIDADAE POR EXCESSO DE PRONUNCIA, DESPACHO DE REVERSÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:
1 - Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia. Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
2 - Em relação à fundamentação do despacho de reversão é inquestionável que a Administração Fiscal tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados, em conformidade com o princípio plasmado no artigo 268.º da CRP e densificado nos artigos 124.º do CPA e 77.º da LGT.
3 - No que concerne ao acto de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23. ° da LGT, que: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.” as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:JT
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Anular parcialmente a decisão e revogá-la quanto ao mais
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 06/03/2017, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por JT, revertido no processo de execução fiscal n.º 2496201001041061 e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “EI, Lda.”, para cobrança coerciva de dívidas de IMI do ano de 2009 a 2011, IRS de 2010 a 2012, no montante global de €13.252,60.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
C. CONCLUSÕES
I. A douta sentença sob recurso, entendendo verificar-se a não demonstração ou prova, por parte do OEF, da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da ORIGINÁRIA DEVEDORA e de que, no termo final do prazo legal de pagamento dos tributos subjacentes às dívidas revertidas, o OPONENTE exercia, efectivamente ou de facto, as funções de gerente das ORIGINÁRIA DEVEDORA e, dai, a falta de fundamentação do despacho de reversão, bem como a não demonstração ou prova da culpa do OPONENTE quanto às dividas referentes a coimas e a inadmissibilidade da reversão de dividas relativas a custas administrativas, julgou a presente oposição procedente e, quanto ao OPONENTE, extinguiu a execução fiscal.
II. Contudo, quanto à matéria de facto que, com interesse para a decisão, julgou provada, o douto aresto em presença ficou manifestamente aquém de todo o circunstancialismo fáctico apurado nos autos e, quanto aos factos que, ainda assim, julgou provados, foi impreciso. Ademais. cometeu excesso de pronúncia e, quanto às questões efectivamente suscitadas pelas partes, incorreu em clamoroso erro de julgamento, com influência. na decisão que, no final proferiu, em claro prejuízo da FAZENDA PÚBLICA e que, de resto, não constitui a conclusão lógica e necessária do percurso cognoscitivo e valorativo que prosseguiu.
III. Assim, quanto ao facto "2." do probatório e em nosso entender, deveria ser efectuado, in fine, o seguinte aditamento: "( ... ) Conforme Informação e Despacho do Chefe de Finanças Adjunto, desta. data, em Anexo ( … )". Ademais, deveriam ser ainda aditados os seguintes factos: 5. Os imóveis de que a ORIGINÁRIA DEVEDORA é titular, segundo os arquivos matriciais e os registos prediais, são objecto de litígios, quando ao direito de propriedade, de reclamações de créditos fundadas em direitos reais de garantia e estão onerados por hipotecas e penhoras; 6. A ORIGINÁRIA DEVEDORA não tem bens penhoráveis; 7. A todo o tempo, o OPONENTE exerceu, efectivamente ou de facto, as funções de gerente da ORIGINÁRIA DEVEDORA.
IV Quanto à motivação de Direito, designadamente quanto às questões da gerência efectiva ou de facto da ORIGINÁRIA DEVEDORA e da reversão das dividas relativas a coimas e custas administrativas fixadas em processos de contra-ordenação, deveria o MERITÍSSIMO JUIZ A QUO ter-se abstido de emitir pronúncia, já que, no primeiro caso, a questão nunca foi suscitada pelas partes, que sempre concordaram que a gerência efectiva ou de facto foi sempre, a todo o tempo, exercida pelo OPONENTE, e, no segundo caso, muito embora suscitada pelo OPONENTE, a questão era inexistente, pois, no despacho de reversão, o OEF determinou a não prossecução da reversão quanto às dividas em causa.
V. Ou seja, uma e outra das sobreditas questões nunca foram materialmente controvertidas, pela que, neste particular, para mais com a influência que, se bem percebemos, teve na decisão proferida, em claro prejuízo da FAZENDA PÚBLICA, a sentença padece de nulidade, decorrente de excesso de pronúncia.
VI. De harmonia com o que resulta das normas conjugadas dos artigos 153.°, n.º 2, do CPPT e 23.°, n.ºs 2, 3 e 7, e 24.°, n.º 1, alínea b], da LGT, a declaração de insolvência da ORIGINÁRIA DEVEDORA é o indicio probatório necessário e suficiente da fundada insuficiência dos bens penhoráveis da ORIGINÁRIA DEVEDORA e dos responsáveis solidários, permitindo a imediata reversão dos processos de execução fiscais pendentes contra responsáveis tributários subsidiários, mas sem prejuízo do beneficio da excussão prévia do património societário, para o que concluído o procedimento de reversão, o OEF, quanto aos revertidos, procede à suspensão das execuções fiscais, desde o termo do prazo para a interposição de oposição até à. completa excussão do património da ORIGINÁRIA DEVEDORA.
VlI. O direito do responsável tributário subsidiário ao beneficio da excussão prévia do património da ORIGINÁRIA DEVEDORA é uma garantia, pelo que o facto de esta, nas matriz e no registo predial ser titular de bens imóveis, mas o OEF entender que inexistem bens penhoráveis, porque tais imóveis são objecto de litígios quanto ao direito de propriedade, reclamações de crédito fundadas em direitos reais de garantia, hipotecas e penhoras, não afecta a garantia do OPONENTE de que, ainda assim, só poderão ser praticados actos de execução em bens do seu património depois da excussão daquele património da ORIGINÁRIA DEVEDORA
VIII. O despacho de reversão foi correcta e suficientemente fundamentado, na medida em que, na esteira da jurisprudência pacífica e consolidada que vimos de citar, tal fundamentação é expressa e acessível, no sentido sem recurso a terminologia demasiadamente técnica ou exposição excessivamente longa. ou densa, seja, ainda assim, inequívoca, permitindo a qualquer homem médio de normal diligência, segundo o padrão do bonus pater familiae, perceber qual o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido pelo OEF, para chegar à conclusão a que chegou e decidir como decidiu.
IX. Ademais, contêm todos os elementos que tal jurisprudência demanda, para reputar um despacho de reversão de bem fundamentado, designadamente a menção das normas legais aplicáveis (artigos 153º, nº 2, alínea a), do CPPT e 23º, nºs 2, 3 e 7, e 24º, nº 1, alínea b), da LGT), enumera os respectivos pressupostos e declara a extensão temporal da responsabilidade tributária subsidiária do OPONENTE, enquanto gerente.
X. Ainda que assim não fosse, o que apenas por hipótese académica se sugere, isto é, ainda que o despacho de reversão padecesse do vicio de forma de falta de fundamentação, deveria o MERITÍSSIMO JUIZ A QUO ter-se limitado a anular tal acto e, em consequência, declarar a falta de legitimidade processual activa do Oponente, absolvendo-o da instância executiva,
XI. Pois, neste caso, em que apenas estava em causa a anulação de um acto administrativo, com fundamento num vício de forma, o TRIBUNAL A QUO permitiria ao OEF a renovação do acto, isto é, ao executar o julgado, anulando o despacho de reversão reputado de não fundamentado, o OEF poderia praticar um novo acto e em idêntico sentido, mas sem o vício de forma que antes o atingira ou ferira de nulidade.
XII. Contudo, ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida vedou ao OEF a possibilidade de renovação do acto, com sanação do vício determinante da sua nulidade, e fê-lo indevidamente, em clara violação das normas contidas nos artigos 77.º da. LGT, 101.º e 124.º do CPPT e 125.º do CPA e em claro prejuízo da. AT, erro que sempre reclamaria reparação.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE HÃO-DE SER POR V. EX.AS, COM CERTEZA DOUTAMENTE SUPRIDOS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, DEPOIS DE ADMITIDO, OBTER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, JULGANDO VERIFICADOS OS REQUISITOS DE QUE A LEI FAZIA DEPENDER, A REVERSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O OPONENTE E NÃO VERIFICADO O VÍCIO DE FORMA, POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, DO DESPACHO DE REVERSÃO, ORDENE A BAIXA DOS AUTOS À 1ª INSTÂNCIA, PARA CONHECIMENTO DOS DEMAIS VÍCIOS.
CASO ESSE NÃO VENHA A SER O ENTENDIMENTO DE V. EX.AS, DEVERÁ A DECISÃO SOB RECURSO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA, QUE ABSOLVA O OPONENTE DA INSTÂNCIA EXECUTIVA.
PORQUE, ASSIM DECIDINDO, FARÃO V. EX.AS, DE FORMA SÃ, SERENA E OBJECTIVA, COMO A ISSO JÁ NOS ACOSTUMARAM, A ALMEJADA JUSTIÇA.
*
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 125/127 dos autos, no sentido de o recurso merecer provimento.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar: (i) se a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia no que concerne ao exercício efectivo da gerência e à reversão contra a coimas e custas administrativas; (ii) se incorreu em erro de julgamento ao considerar que o despacho de reversão não se encontrava fundamentado, no que concerne ao pressuposto da reversão relativo à inexistência ou fundada insuficiência de bens da primitiva devedora para satisfazer as dívidas exequendas e acrescido.
*
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Provaram-se os seguintes factos:
1. A AT instaurou o processo de execução fiscal n.º 2496201001041061 e apensos, contra a sociedade "EI, Lda, NIPC 50xxx83, com sede social na Av. P…, 5000-148 Vila Real, para cobrança das dívidas referentes a IMI de 2009, 2010 e 2011, IRS 2010/12 (retenções na fonte) e coimas, no valor de 13.252,60 €- Cfr. fls. 43 do PA;
2. Por ofício datado de 19/2/2014 o Oponente citado por reversão para proceder ao pagamento da quantia de 13.171,24 €, conforme fls 72, 72/v e 73, que aqui se dão por reproduzidas, com o seguinte destaque "( .. .) Pelo presente fica cítado(a)de que é executada por reversão, nos termos do art. º 160.º ( ... ) (CPPT) na qualidade de responsável subsidiário, para no prazo de 30 (trinta) dias ( .. .) pagar a quantia exequenda de ( .. .), de que era devedor(a) o (a) executado (a) infra indicadora) [. .. )//FUNDAMENTOS DA REVERSÃO// Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão [art.º 23.º/n. º2 da LGT) ( .. )";
3. A sociedade "EI" constituiu-se em 21/6/2007, figurando o Oponente e RMDMT como sócios gerentes, tendo este renunciado em 22/2/2010;
4. Por sentença de 14/3/2013 a sociedade "EI" foi declarada insolvente Cfr. Fls. 39 a 42 do PA.
ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO
Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, adita-se à factualidade apurada os seguintes pontos:
5 – O oponente foi, de facto e de direito, administrador da primitiva devedora nos exercícios económicos a que as dívidas exequendas respeitam (cfr. artigo 1º da petição inicial).
6 – As dívidas relativas a coimas e encargos de processo de contra-ordenação a que se reporta o processo executivo nº 2496201101037501 não foram revertidas contra o oponente (cfr. fls. 71v do processo administrativo apenso aos autos).
7 – Consta da “citação (Reversão) ” enviada ao oponente e datada de 19/02/2014, na parte relativa aos “Fundamentos da reversão”, além do mencionado no ponto 2 supra referido o seguinte: “Conforme informação e Despacho do Chefe do Serviço de Finanças Adjunto, desta data, em anexo” (cfr. fls. 72 dos autos).
Estabilizada a factualidade, avancemos para o conhecimento do recurso.
*
IV. O DIREITO
Em causa está a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a oposição deduzida pelo Recorrido, no pressuposto de que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação, no que concerne à gerência de facto e à insuficiência patrimonial da devedora originária para solver a dívida exequenda.
Inconformada com o decisório, a Recorrente nas conclusões do recurso pugna pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia e pelo erro de julgamento.
Efectivamente, a Recorrente além de considerar que o Mmº Juíz a quo deveria ter fixado mais factos à matéria que deu como assente, entende ainda que, no que tange à motivação de direito, designadamente “quanto às questões da gerência de facto da primitiva devedora e da reversão das dívidas relativas a coimas e custas administrativas fixadas em processo de contra-ordenação ocorre manifesto excesso de pronúncia, já que relativamente à gerência de facto a questão nunca foi suscitada pelas partes, que sempre concordaram que a gerência efectiva ou de facto foi sempre, a todo tempo, exercida pelo oponente, e, no segundo caso, muito embora suscitada pelo oponente, questão era inexistente, pois, no despacho de reversão, o OEF determinou a não prossecução da reversão quanto às dívidas em causa” (conclusão III e IV).
Vejamos.
Em relação à factualidade dada como assente, o Juiz do Tribunal a quo fixou aquela que considerou necessária para a solução jurídica que deu ao caso, pelo que nesse pressuposto, e sem prejuízo do aditamento entretanto feito pelo Tribunal ad quem tendo em vista a melhor concretização do que já resultava fixado, não se vislumbra que tenha havido qualquer omissão.
Depois, e em relação ao primeiro vício que a Recorrente suscita, segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.
Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Em relação à gerência de facto consta da sentença recorrida a seguinte menção “O ofício de citação do oponente não contém qualquer elemento que permita verificar que a Administração tributária se tenha pronunciado expressamente sobre a efectiva gerência daquele, porque se limita a transcrever genericamente o normativo legal dos artigos 23º, nº 2 e 24º, nº 1, al. b) da LGT”.
Ora, analisando a petição inicial não se vislumbra que o oponente tenha questionado o exercício da gerência de facto, muito pelo contrário, logo no ponto 1 da petição refere que “O ora oponente foi, de facto e de direito, administrador da devedora principal, EI, LDA,, nos exercícios económicos a que as dívidas executadas respeitam” (cfr. ponto 5 da factualidade aditada).
Por outra banda, e no que concerne às dívidas relativas a coimas e encargos de processos de contra-ordenação, atenta a factualidade aditada e vertida no ponto 6, sempre se conclui que as mesmas não foram incluídas no despacho de reversão e porque dele estavam afastadas não tinha o Mmº Juiz do Tribunal a quo que emitir qualquer pronúncia, pese embora a Recorrente a elas tenha aludido na petição inicial.
Destarte, e nesta parte, a sentença é nula por excesso de pronúncia, pois a gerência de facto do revertido, ora Recorrido, nunca foi posta em causa e o despacho de reversão não incluiu as coimas e as custas administrativas.
Prosseguindo.
A Recorrente discorda, ainda, do entendimento perfilhado na sentença recorrida de que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação no que tange à insuficiência do património da primitiva devedora para solver as dívidas exequendas, uma vez que considera que o despacho de reversão não enferma de qualquer deficit de fundamentação sustentando que “o despacho de reversão foi correcta e suficientemente fundamentado, na medida em que, na esteira da jurisprudência pacifica e consolidada (…) tal fundamentação é expressa e acessível, (…) permitindo a qualquer homem médio de normal diligência, segundo o padrão do bonus pater familiae, perceber qual o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido pelo OEF, para chegar à conclusão a que chegou e decidir como decidiu.
Ademais, contém todos os elementos que tal jurisprudência demanda, para reputar em despacho de reversão de bem fundamentado, designadamente a menção das normas legais aplicáveis (artigos 153º, nº 2, alínea a) do CPPT e 23º, nº 2, 3 e 7, e 24º”, nº 1, alínea b) da LGT), enumera os respectivos pressupostos e declara a extensão temporal da responsabilidade tributária subsidiária do OPONENTE, enquanto gerente”.
Atentemos.
Nos termos do disposto no art. 153º, nº 1 e 2 do CPPT, o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) “Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.
Por se revelar imprescindível para a boa compreensão da questão sub judice, impõem-se alguns considerandos sobre a responsabilidade subsidiária dos gestores das sociedades pelas dívidas tributárias destas, tal como se mostra prevista no art. 24º, nº 1 da LGT, que preceitua nos seguintes termos:
1. Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação estas e solidariamente entre si:
a) pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Da leitura do preceito vindo de citar resulta que enquanto na al. a) não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando, por isso, a cargo da Fazenda Pública o ónus de provar que foi por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias, já na al. b) se onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
Tal diferença no regime do ónus da prova encontra justificação no facto de, no caso da alínea a), a dívida não ter sido posta a pagamento enquanto o gerente exerceu o cargo, pelo que este só pode ser responsabilizado pela falta de pagamento se a exequente provar que ele teve culpa na insuficiência do património societário; já no caso da alínea b) da mesma norma legal, porque o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, em virtude de o prazo legal de pagamento ou entrega ter terminado no período de exercício do seu cargo, tem de ser aquele a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas, designadamente pela demonstração de que não tem culpa pela insuficiência do património da originária devedora para pagamento dessas dívidas. – cfr. acórdão do STA de 08.04.2015, proferido no processo n.º 345/14, disponível em www.dgsi.pt.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11.04.2014, proferido no Processo n.º 00819/10.4BEPNF, disponível em www.dgsi.ptna alínea b) do referido artigo 24º, ao responsabilizar-se o gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.”
Importa referir que prazo legal de pagamento ou entrega a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) é a data a partir da qual são devidos juros de mora a que alude o artigo 163.º do CPPT, mencionada na certidão de dívida.
Destarte, demonstrada que seja a falta de pagamento ou entrega da dívida tributária por parte da sociedade devedora originária “ (…) E tal demonstração, em sede executiva, está feita através do próprio título, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou ente fiscalmente equiparados, o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas” (cf. art. 32º da LGT).
Em suma, “o legislador, por certo ponderando, por um lado, razões de justiça e, por outro lado, as necessidades de eficácia do próprio instituto, entendeu proceder a uma distribuição do ónus da prova consoante o prazo de pagamento das dívidas tenha ou não terminado durante o exercício do cargo do gestor, limitando o ónus da prova a cargo deste aos casos em que o fundamento da responsabilidade foi a violação pela sociedade do dever fundamental de pagar os impostos vencidos no período de administração ou gerência; nos restantes casos, de violação de outro tipo de obrigações acessórias ou dever de zelo de administração do património societário, entendeu o legislador colocar esse ónus a cargo da AT”.
Do citado normativo, extrai-se, ainda, que é a gerência efectiva que releva para responsabilizar subsidiariamente quem exerceu tais funções.
Ora, em relação à fundamentação do despacho de reversão é inquestionável que a Administração Fiscal tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados, em conformidade com o princípio plasmado no artigo 268.º da CRP e densificado nos artigos 124.º do CPA e 77.º da LGT.
No que concerne ao acto de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23. ° da LGT, que: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.” (destacado nosso).
É também indiscutível que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. (Acórdão do STA n.º 0624/12 de 14.02.2013).
Sobre a questão da fundamentação do despacho de reversão, a jurisprudência do STA é pacífica, sendo dela revelador o acórdão de 29.10.2014, proferido no processo 0925/13 que, por isso, aqui parcialmente se transcreve:
“….não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. nº 580/12 e de 23/1/2013, proc. nº 953/12).”.
Vejamos, agora, o que diz a sentença recorrida acerca da fundamentação do despacho de reversão.
A decisão recorrida começou por afirmar que “pela análise do respectivo despacho que determinou a reversão os pressupostos da responsabilidade subsidiária não estão explicitados - o que, também por esta via, o despacho carece de fundamentação legalmente exigida”, referindo, ainda, que “a Administração Tributária invocando genericamente os artigos da LGT sobre a responsabilidade subsidiária, aplicável ao Oponente e a todos os Oponentes em iguais circunstâncias, não fez qualquer exposição, concreta e individual dos fundamentos de facto e de direito que o dever de fundamentação requer, designadamente quanto à fundada insuficiência (ou inexistência) dos bens penhoráveis do devedor principal. Ora, não se pode considerar que a expressão “inexistência ou insuficiência” redunde no fundamento que o art. 153º, nº 2, al. b) do CPPT exige” prossegue o seu discurso fundamentador referindo que Como tal, previamente à reversão ordenada contra o Oponente, teria a administração Fiscal de demonstrar que os bens da sociedade eram insuficientes para assegurar a dívida exequenda, aplicando aqui o regime previsto para a penhora dos bens móveis. cfr. Arts. 234.º do CPPT e 848.º (862-A) do CPC. (…) Ora, não se pode considerar que a conclusão a que se chega, sirva, ao mesmo tempo, da sua própria justificação. (…) Portanto, estamos perante falta de fundamentação porque a AT adoptou fundamentos insuficientes que não esclarecem concretamente a motivação do acto”.
Se bem interpretamos a decisão recorrida, a sentença centra-se, agora, na falta de fundamentação relativamente ao pressuposto da insuficiência do património da devedora originária para satisfazer as dívidas tributárias, por considerar que do despacho de reversão deveriam constar elencadas as diligências feitas pelo órgão de execução fiscal no sentido de verificar o preenchimento de tal pressuposto, nomeadamente indicando onde e como procedeu a tal averiguação e que resultados obtivera (ou não).
A Recorrente discorda do assim decidido invocando que resulta dos autos a fundamentação do despacho de reversão, mormente no que tange à insuficiência dos bens da primitiva devedora para solver as dívidas fiscais.
Regressando ao caso em análise, e tendo presente a doutrina acolhida pela jurisprudência citada, o despacho de reversão que acompanhou a “citação (reversão)” enviada ao oponente - como se extrai da transcrição parcial do facto constante no ponto 2 da matéria de facto - refere os períodos da dívida, o tipo de tributo (IMI e IRS), a insuficiência de bens e a de falta de prova no que tange à ausência culpa do oponente, ora Recorrido, na situação da primitiva devedora para saldar as dívidas exequendas.
E como lapidarmente concluiu o acórdão do STA n.º 0925/13 a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art.º 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a Administração Tributária fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido e aos demais pressupostos legais.
Todavia, e para que não fiquem dúvidas, o despacho de reversão alude concretamente à questão da insuficiência dos bens da primitiva devedora, fazendo-o em resposta ao que foi dito pelo oponente no exercício do direito de audição prévia à reversão, dizendo claramente que “Embora consultando os arquivos matriciais e os registos prediais se verifique que a sociedade devedora é proprietária de alguns imóveis, consta dos autos do processo judicial de insolvência e referido pelo gerente no exercício do direito de audição de reversão que os mesmos são objeto de reclamação de créditos e direitos de garantia por parte de terceiros, além de se encontrarem onerados por hipotecas voluntárias e registos de penhoras a favor de outros credores além da Autoridade Tributária. Razão por que se verificam as condições previstas no nº 2 do art. 153º do CPPT”.
In casu, a fundamentação do acto revela que o seu autor só o emitiu porque, bem ou mal, chegou à conclusão que o património da devedora originária não era suficiente para pagar as dívidas em execução. Ora, este elemento é apto a justificar a decisão tomada, e por isso mesmo, suficiente para dar a conhecer a razão de ser da reversão.
Destarte, o despacho de reversão não padece de falta de fundamentação quanto ao juízo de insuficiência dos bens da devedora originária para pagar a dívida exequenda.
Resuma do exposto, que discordando nós do decidido pelo Tribunal a quo quanto ao invocado vício de forma por falta de fundamentação do despacho que ordenou a reversão contra o Recorrido, vício que como vimos não se verifica, a sentença não pode manter-se na ordem jurídica, motivo pelo qual, a final, decidiremos no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida (neste sentido cfr. Acd. do STA de 15/02/2012, processo nº 0872/11).
Resta, agora, apurar da possibilidade de conhecer em substituição dos restantes fundamentos invocados na oposição, cujo conhecimento foi considerado explicitamente prejudicado na sentença recorrida em face da solução que foi dada à questão da falta de fundamentação. Assim o estipula o art. 715º, nº 2 do CPC, na redacção então em vigor, o qual determina que “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litigio, a relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, dela conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Sucede, porém, que não se encontra fixada nos autos a matéria de facto pertinente para conhecer as demais questões suscitadas pelo oponente, nem o Tribunal a quo se pronunciou sobre as diligências de prova requeridas pelo oponente no seu articulado inicial com vista a demonstrar a sua falta de culpa na insuficiência do património da devedora originária para pagar as dívidas exequendas, o que se compreende em face da conclusão a que se chegou na sentença recorrida. Por este motivo, impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo para concretização da prova requerida e apuramento da factualidade alegada.
Assim, na procedência das conclusões do recurso apreciadas, impõe-se expurgar a sentença recorrida da ordem jurídica, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos.
***
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Norte em conceder provimento ao recurso, anular parcialmente a sentença, na parte em que conheceu da gerência de facto, no restante revogar a sentença recorrida e determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que seja proferida nova decisão, após ampliação factual necessária para a aplicação do direito, tudo conforme supra apontado.
Sem custas.
Porto, 2019-07-04
Ass. Maria Celeste Oliveira
Ass. Maria Cardoso
Ass. Nuno Bastos