Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00084/13.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL ACTO LÍCITO, IMPUGNABILIDADE/MODIFICAÇÃO MATÉRIA FACTO 2.ª INSTÂNCIA,
DANOS NÃO PATRIMONIAIS ANORMAIS E ESPECIAIS
Sumário:1. Resultando da reapreciação da matéria fáctica provada, em 2.ª instância, que “a implantação do viaduto de (...), o imóvel do autor fica exposto ao factor de perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respectiva sinistralidade, uma vez que fica em zona susceptível de, ainda que em grau diminuto, poder eventualmente ser atingido por veículos, destroços, materiais e outros elementos resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto” e ainda que, “ … em virtude da diminuição de exposição solar, o prédio do A. ficou mais frio e sombrio e também prejudicado o normal crescimento, desenvolvimento e frutificação de árvores de fruto, hortícolas e flores de jardim”, mostram-se verificados os requisitos de especial e anormal danosidade, previstos no art.º 16.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, devendo assim ser objecto de indemnização, por serem considerados, além de revestirem carácter especial e anormal, de gravidade suficiente (que merecem a tutela do direito), a fixar em razões de equidade - n.º3 do art.º 496.º do Cód. Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . (i) MM..., com domicílio em (…);
- (ii) INFRAESTRUTURAS de PORTUGAL, S.A., com sede na Praça da Portagem, Almada; e,
- (iii) CC---, ACE, com sede na (…), vieram - cada um por si - interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Mirandela, de 16 de Setembro de 2021, que, julgando parcialmente procedente a acção administrativa, instaurada pelo A/recorrente, MM..., contra as identificadas sob os ns (ii) e (iii) e ainda contra "AUTO ESTRADAS (...), SA", com sede na Rua (…), - condenou as 3 co-Rés no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais causados, no valor de 33.000,00€, quantia esta acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os no demais do pedido e que consistia, na sua globalidade, no seguinte:
"... devem as RR. ser condenadas, solidariamente, a pagar ao A.:
"a) A título de danos patrimoniais a quantia total de 131 500,00 €, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
b) A título de danos não patrimoniais a quantia de 15 000,00 €, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
c) Em alternativa, devem as RR. ser condenadas a liquidar ao A. a quantia de 225 000,00 € para o indemnizar dos danos sofridos com a construção do aludido viaduto, conforme supra explanado, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento e com o pagamento desta indemnização, está o A. na disponibilidade de transmitir para as RR. o direito de propriedade sobre o seu urbano melhor identificado em 1º desta p.i. pela forma legal aplicável. (…)”.
*
2 . No final das suas alegações, o A./Recorrente MM... formulou as seguintes conclusões:
" O recorrente não se conforma com a Sentença proferida, porquanto se considera que o Tribunal recorrido realizou uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
O tribunal recorrido errou notoriamente quanto ao julgamento da matéria de facto, pois, de facto, atentos os circunstancialismos do caso, e a prova Testemunhal, por declarações, e documental que foi feita, é de concluir que foi reproduzida prova suficiente, congruente e com razão de ciência no sentido de:
i) Dar como provados os pontos de facto referenciados na matéria de facto dada como não provada na Sentença recorrida a letras C., D., E., F., G., H., I., J., K. e L.;
ii) Dar como provados os pontos de facto supratranscritos e alegados nos artigos 52°, 53°, 61°, 62°, 71° e 78°, da petição inicial;
iii) Dar como provado o ponto 16. da matéria de facto referenciada como provada na Sentença recorrida, com a inserção da avaliação de "225.000,00 €";
Os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são: i) a prova por declarações; ii) a prova por Testemunhas; iii) a prova documental; e que infra se especifica.
Assim, os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são precisamente:
- As declarações do A. MM..., referenciado para dar como provado o facto 16. da matéria de facto provada, e com a formulação sugerida e que altere o valor da avaliação do imóvel, e para dar como provados os factos constantes das letras C., D., E., F., G., H., I., J., K., L., referenciados na Sentença como não provados, e os factos dos artigos 52°, 53°, 61°, 62°, 71° e 78° da p.i., referidos e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a numeração e formulação que supra se sugeriu. (as declarações da parte encontram-se registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [00:08:29 a 01:08:59]).
- O depoimento de FL.... referenciado para dar como provado os factos constantes das letras J., K., L., referenciados na Sentença como não provados, e os factos dos artigos 52°, 53°, 61°, 62°, 71° e 78° da p.i., referidos e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a numeração que supra se sugeriu. (o depoimento encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [01:09:00 a 01:55:59]).
- O depoimento de JB..., referenciado para dar como provado os factos constantes das letras C., D., E., F., G., H., I., J., K., L., referenciados na Sentença como não provados, e os factos dos artigos 52°, 53°, 61°, 62°, 71° e 78° da p.i., referidos e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a numeração que supra se sugeriu. (o depoimento encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [01:56:00 a 02:36:09]:
- O depoimento de JE..., referenciado para dar como provado os factos constantes das letras C., D., E., F., G., H., I., J., K., L., referenciados na Sentença como não provados, e os factos dos artigos 52°, 53°, 61°, 62°, 71° e 78° da p.i., referidos e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a numeração que supra se sugeriu. (o depoimento encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [02:36:10 a 03:18:42]).
- O depoimento de MF.... referenciado para dar como provado os factos constantes das Letras G., J., K., L., referenciados na Sentença como não provados, e os factos dos artigos 52°, 53°, 61°, 62°, 71° e 78° da p.i., referidos e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a numeração que supra se sugeriu. (o depoimento encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [03:19:45 a 04:08:35]).
- O depoimento de JJ..., referenciado para dar como provado os factos constantes das letras C., F., H., referenciados na Sentença como não provados, e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a numeração que supra se sugeriu. (o depoimento encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [05:16:36 a 05:57:29].
- O depoimento de PM..., referenciado para dar como provado o facto constante da letra K., referenciado na Sentença como não provado, e os factos dos artigos 52° e 53° da p.i., referidos e a inserir nos Pontos de Facto referenciados como provados, e com a numeração que supra se sugeriu. (o depoimento encontra-se registado na gravação da audiência, anexa ao SITAF, minutos [00:11:30 a 00:44:50]).
Para justificar a alteração da matéria de facto nos termos requeridos, o recorrente invoca ainda o meio de prova documental, e por referência aos seguintes documentos:
- Do documento de fls. 505-511, junto aos autos, referenciado para dar como provado o Facto acima referenciado com a Letra K., este facto referenciado na Sentença como não provado, e para dar como provados os factos dos artigos 52°, 53° e 62°, da p.i..
- Da perícia junta em CD com a avaliação do imóvel, referenciada para dar como provado o Ponto de facto número 16 da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, o qual, em conjunto com as provas por declarações e Testemunhais, implicam que o valor da avaliação do imóvel se fixe nos 225.000,00 €, o que, inelutavelmente, alteraria também, e para valores superiores, o valor de depreciação aposto no ponto 17. da matéria de facto dada como provada.
E se dúvidas existissem, o Tribunal a quo deveria então ter lançado mão ao disposto nos artigos 389° do CC, e 5°, n.° 2, alínea a) do CPC, ex vi art.° 35°, n.° 1 do CPTA, e formular os pontos de facto de acordo com a prova produzida, e nos termos supra melhor aludidos no corpo das alegações.
Dados como provados os factos acima indicados, com a respetivas reformulações que se sugeriram no corpo das alegações, invoca o recorrente a sua discórdia do entendimento propugnado pelo Tribunal a quo em sede de apreciação jurídica, e designadamente naquilo em que ficou vencido.
O recorrente invoca que a sua pretensão deveria ter sido escutada ao abrigo da responsabilidade por factos ilícitos, também por violação do direito de propriedade privada do A., para alem dos demais direitos.
Ora, o direito à propriedade privada é reconhecido a nível internacional como um dos direitos fundamentais do indivíduo e que deve ser salvaguardado. Nos ordenamentos jurídicos dos diversos países da União Europeia existem regras para salvaguardar o direito de propriedade de intromissões abusivas e ilegais. E até existe regulamentação da União Europeia e que os estados devem respeitar...
10ª No nosso País, aquele direito é um dos princípios estruturantes da Constituição da República Portuguesa consagrado no artigo 62°, "A todos é garantido o direito à propriedade privada e sua transmissão em vida ou morte, nos termos da constituição.".
11ª A Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, com as modificações das disposições dos protocolos n° 11 e 14, entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa em 9 de Novembro de 1978, e nos termos do Protocolo adicional, com as modificações do protocolo n° 11 e entrada em vigor em 1998, refere no seu art.° n° 1, sobre a protecção da propriedade que: " ...Qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito pelos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é a sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas na lei e pelos princípios gerais do direito internacional. As convicções precedentes estendem-se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso de bens de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multa."
12ª Por conseguinte, apesar de ser um direito constitucionalmente protegido, o direito de propriedade não é um direito absoluto.
13ª No nosso país, o proprietário tem o direito de usar, usufruir e dispor do seu direito nos termos da lei.
14ª O direito de propriedade vem regulado no Código Civil art.° 1302 e seguintes. No referido artigo, vem definido o seu objeto, e no art.° 1304 do CC sublinha-se a sua extensão e os seus limites "...o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".
15ª Ora, no caso dos autos, está em causa a emissão de barulho/ruídos, de partículas, de sais, de tapagem do sol, de projeção de águas para o imóvel do A., e de outros danos, muitos dos quais já dados como provados, e que foram causados pela atividade de construção do viaduto.
16ª Como tal, embora a doutrina invocada para a convolação do direito invocado na p.i. de responsabilidade delitual em responsabilidade pelo risco, ou indemnização pelo sacrifício, seja insofismável e tenha já completo respaldo nos nossos tribunais superiores, a verdade é que o recorrente continua a considerar que se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual e pela pratica de facto ilícito.
17ª O recorrente entende que existiu uma violação ilícita dos seus direitos, com prejuízo substancial para o uso do seu imóvel.
18ª Ora, no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, o princípio encontra-se consagrado no art.° 483° do Cód. Civil, o qual consagra que: "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação", (n° 1), acrescentando-se que "só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei" (n° 2).
19ª Em correlativo com os referidos aspetos, a ilicitude pode revestir duas modalidades:
a) a violação de um direito de outrem, ou seja, na infração de um direito subjetivo, nomeadamente os direitos reais e os direitos de personalidade;
b) violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, e que poderíamos designar por normas de proteção. Esta categoria de ilicitude exige os seguintes pressupostos:
i) A não adoção de um comportamento, definido em termos previstos pela norma;
ii) Que o fim dessa imposição seja dirigido a tutela de interesses particulares;
iii) A verificação de um dano no âmbito do círculo de interesses tutelados por esta via.
20ª Por sequela, dispõe o art.° 1346° do CC com a epigrafe "Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes", que "O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam".
21ª Um proprietário goza, plenamente e exclusivamente dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa, de acordo com o art.° 1305° do CC, sendo certo que da interpretação do citado artigo 1346° do CC resulta a proibição de todas as emissões que:
- Importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel;
- Não resultem de utilização normal no prédio de que emanam.
22ª O prejuízo substancial para o uso do imóvel constitui um conceito indeterminado de preenchimento valorativo segundo as circunstâncias do caso concreto. De todo o modo, ele pressupõe a análise do fim a que o imóvel se encontra afeto e a constatação que a sua prossecução fica comprometida com as emissões do "prédio vizinho", causando danos ao titular ou titulares de direitos reais sobre o prédio atingido. Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela "para que seja fundada a oposição, exige o art.º 1346° que se verifique um de dois casos: que as emissões importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel vizinho, ou que não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. Não se exige a verificação conjunta dos dois requisitos. Basta que ocorra um deles, pois que funcionam em alternativa. Se houver um prejuízo substancial para o prédio vizinho, pouco importa que as emissões resultem da utilização normal do prédio donde emanam. E se não corresponderem a utilização normal deste, pouco adianta também que o prejuízo causado pelas emissões não seja substancial".
23ª "As emissões desnecessárias, seja qual for o prejuízo que causem aos prédios vizinhos, devem considerar-se sempre ilícitas, quer porque traduzem uso anormal do prédio de que emanam, quer porque envolvem, na maior parte dos casos, um abuso de direito" (vide Vaz Serra, na R.L.J., 103°, pág. 378).
24ª Logo, porém, que do uso anormal do prédio resultem emissões que causem danos, ainda que estes não representem um "prejuízo substancial" no sentido do art.° 1346°, essas emissões são ilícitas, podendo ser impedidas pelos titulares de direitos reais de gozo sobre o prédio afetado, havendo ainda lugar a imputação dos danos, a título de responsabilidade civil extracontratual. Por outro lado, ainda que decorram de uso normal do prédio, são ilícitas as emissões que causam um prejuízo substancial ao prédio vizinho. A teleologia do preceito é a de salvaguardar o gozo da coisa pelos titulares dos direitos reais, pelo que, ainda que o uso que desencadeia as emissões seja um uso normal da coisa, as emissões que causam um prejuízo substancial são ilícitas.
25ª No caso em apreço, as RR. edificaram o viaduto de (...) a cerca de 8,80 metros da casa do A.. Após a edificação, a casa do recorrente, para além do impacto visual extremamente negativo, ficou exposta a ruído. A casa do recorrente ficou sem sol e luminosidade naturais, especialmente no Inverno. E a casa do recorrente, para além da desvalorização patrimonial gravosa, ficou com um risco acrescido de perigosidade, sendo possível ocorrer projeção de veículos ou destroços em caso de acidente de viação, tal como atestou a própria Delegada de Saúde. Acresce que a casa do A. também sofreu, como ainda hoje sofre, com a proveniência de águas e terras, e detritos vários, as quais invadiram, como invadem, o seu imóvel, com destruição de culturas... Para além da evidente poluição, considerando a redução de carga de sol por dia, nada pode ser cultivado no terreno do A.
26ª Entendemos assim, que todos estes factos causados pela edificação do viaduto, indiciam que a ilicitude que esta aqui em causa não é a licitude ou ilicitude de natureza administrativa, da violação ou não de normas de conteúdo administrativo, que regulem o exercício da atividade da construção civil, mas sim a ilicitude pela violação dos direitos de outrem, no caso o direito de propriedade do recorrente.
27ª E isto porque a emissão do barulho, das poeiras, da poluição, a destruição das culturas, a limitação do sol e a destruição da "fertilidade" do solo resultou das obras do viaduto, as quais importaram um prejuízo substancial para o uso do prédio do A., prédio este que tem como fim a sua habitação familiar...
28ª A doutrina e a jurisprudência estão em consonância quanto ao sentido normativo de "prejuízo substancial", o qual terá de ser analisado objetivamente, de acordo com a sua natureza e finalidade, dentro do contexto social, económico e cultural em que se localiza, sendo indiferente a sensibilidade do seu proprietário.
29ª No caso dos autos, para efeito de análise referente ao critério das emissões que causem danos essenciais, invoca o recorrente a seu favor os factos referenciados em 9., 13., 14., 15., 16., 17., e 26., da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, e do acervo dos factos cuja alteração de julgamento se pede, os quais devem ser considerados como provados, retiram-se, com utilidade, e para efeitos de justificar os danos essenciais que atingem o use do prédio, os seguintes:
C. Em Junho de 2011, as águas provenientes do decurso das obras invadiram o quintal do prédio do autor e penetraram no rés-do-chão, deixando no quintal mais de 20 centímetros de terra;
D. Para aí tendo sido encaminhadas pelos serviços da construção do viaduto da autoestrada;
E. Só mais tarde, tais águas foram encaminhadas e escoadas por manilhas de cimento e retiradas do urbano do autor por um canal de água em direção à via pública;
F. Nesse período o quintal do prédio do autor ficou todo cheio de lama;
G. Todas as culturas que ali existiam ficaram desfeitas e destruídas, e nem a erva conseguia nascer;
H. O logradouro do prédio urbano do autor foi invadido com terras e detritos provenientes do estaleiro da construção do viaduto;
I. O autor que trabalha no estrangeiro, teve que reparar e retirar as terras aludidas do seu prédio, durante o seu período de ferias de Verão, no que gastou cerca de 5.000,00 €.
J. A construção do viaduto, com a movimentação das máquinas, terras e aplicação de materiais e até com a detonação de explosivos provocou o aparecimento no prédio do autor de fissuras nas paredes e estragou a pintura;
K. Com a implantação do viaduto de (...), o imóvel do autor fica exposto a um fator acrescido de perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respetiva sinistralidade, uma vez que fica em zona suscetível de ser atingida por veículos, destroços, materiais e outros elementos resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto;
L. O Autor com a construção da obra citada não consegue encontrar comprador para o seu prédio urbano por mais de 100.000,00 €:
M. Uma vez que a casa do A. fica, como está, exposta a emissão de fumos, produção de ruídos, poluição e outros factos semelhantes.
N. A qualquer hora do dia e da noite.
O. Mais impedindo a plantação, crescimento e frutificação de árvores de fruto, hortícolas e vegetação, flores e culturas de jardim no logradouro.
P. O urbano do A. ficou, como está, mais frio e sombrio.
Q. O A. ficou também impedido de vender o prédio pelo justo preço comercial e de mercado que o imóvel tinha antes das obras do viaduto estarem concluídas.
R. Tanto mais por verem o investimento de uma vida de trabalho ficar completamente inutilizado por via da atuação das RR.
30ª Ante os factos supra enunciados, decorre dos mesmos que a perturbação para o direito do A. se configura como excessiva e intolerável, traduzindo um prejuízo substancial para o uso do prédio, afetando de forma grave o uso deste como local de habitação familiar. Daí que haja violação dos direitos de propriedade do recorrente, para alem da violação dos direitos de personalidade. - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05-12-2019, Processo 895/17.9T8PTM.E1.
31º Mais, pode também afirmar-se, com toda a legitimidade, que o facto de o viaduto em causa ter sido licenciado ou alegadamente construído nos termos legais e para beneficio da população em geral, tal facto não é absolutamente oponível aos particulares que sejam afetados na sua esfera de interesses, designadamente quando estejam reunidas as condições previstas no art. 1346° do CC ou quando exista violação de direitos de personalidade.
32ª É que a emissão de fumos, ruídos, a limitação do sol, etc., ou seja, todos os danos que advieram para o A., mantém-se e manter-se-ão indefinidamente, para todo o sempre... Tal situação enquadra-se, desde logo, no art. 1346° do CC, norma que visa impedir ou limitar o exercício de determinadas atividades na medida em que delas resulte um prejuízo substancial para o uso de um imóvel.
33ª Com efeito, não pode ser encarado com normalidade o facto de o uso do prédio do A. para habitação da sua família ser prejudicado por um viaduto construído praticamente por cima da sua casa, construção esta que colocou em causa o direito de propriedade do A., e ainda o direito à saúde ou o direito à qualidade de vida ambiental das pessoas que naquela casa habitam. O uso normal do prédio habitacional do A. está substancialmente afetado! São os barulhos aberrantes, são as águas, são os fumos, são os cheiros, são os perigos, que invadem a habitação do recorrente, e são as limitações do sol e a destruição das culturas, os efeitos que se mostram mais salientes em face das circunstâncias subjetivas do recorrente.
34ª Ora, não é exigível que os proprietários de um prédio com uso habitacional tenham de suportar, com forte influência no uso normal desse prédio, emissões, como as dos autos, de barulhos, gases e de águas, e que tenham de suportar a limitação do sol, a destruição das suas culturas e o impedimento de continuar a cultivar no seu terreno (terreno antes com capacidade agrícola). Pode, por isso, essas emissões e essas limitações não serem classificáveis como dano ao ambiente, mas sim como violação das relações de vizinhança ou como violação dos direitos de propriedade. - Ac. do STJ de 21-10-03, CJ, t. III, p. 106.
35ª A habitação é o espaço, com as condições de higiene e conforto, destinado a preservar a intimidade pessoal e a privacidade familiar, bem como o local privilegiado para o repouso, sossego e tranquilidade necessários à preservação da saúde e, assim, da integridade material e espiritual. E a integração na norma do artigo 1346° do CC não obsta à aplicabilidade de outros preceitos em que se valorizam direitos de natureza pessoal, como o direito à saúde ou o direito à qualidade de vida ou a um ambiente sadio, como já foi também decidido pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-00, CJ, t. III, p. 70, e de 21- 10-03, CJ, t. III, p. 106.
36ª Mais: para além da violação do direito de propriedade, falamos também dos direitos integridade física e moral das pessoas, do direito a um ambiente de vida humana sadio e equilibrado. Direitos que estão escritos na CEDH, na nossa CRP, e no nosso C.C.. São direitos violados pelas RR., as quais ofenderam, ilicitamente, não só o direito de propriedade do recorrente, mas também os seus direitos à integridade física e moral.
37ª Pelo que, no entendimento do recorrente, as RR. deviam ter sido condenadas por via da responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos. E nesse caso, o A. também teria direito à indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais, e porque foram dados como provados os pontos de facto números 18. e 19., ficando provado que o recorrente ficou triste, amargurado, envergonhado, sentido com a construção do viaduto, e que sentiu arrelias, abatimento moral e psicológico, noites sem dormir e incómodos vários, perdendo a alegria de viver e sentindo-se injustiçado.
38ª Ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 1302°, 1305°, 1344°, 1346°, 483°, 494°, e 496°, todos do C.C. e 9°, n.° 1 e 2, da Lei 11/87, de 7 de Abril, artigo 62° da Constituição da República Portuguesa, art.° 1° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, artigos 1° e sgs. das Bases da Política do Ambiente.

SEM PRESCIND1R, caso assim não se entenda, mais se alega o seguinte:
39ª No entendimento jurídico do recorrente, mesmo que se entenda que a matéria de direito aplicável é aquela que consta da Sentença (a qual - diga-se - se aceitará como convolação da responsabilidade delitual em responsabilidade por facto lícito), a verdade é que, mesmo assim, nada na lei impedirá que o recorrente seja também indemnizado a titulo de danos não patrimoniais.
40ª De facto, para Alves Correia, a indemnização pelo sacrifício abrange, os danos especiais e anormais de natureza pessoal e patrimonial, estes últimos, desde que não resultem de qualquer intencionalidade ablativa da Administração, dado que o ressarcimento de outros actos ablativos intencionais está subordinado, a princípios constitucionais específicos e a um regime jurídico próprio. - Cfr. Correia, Fernando Alves, ob. cit., 134.152.
41ª O artigo 16.° do RRCEE acrescenta um dado relevantíssimo em matéria de cálculo da indemnização, referindo que, no mesmo, deverá atender-se "designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado". Esta expressão confere ampla liberdade ao julgador na determinação da indemnização, no quadro de um julgamento de equidade, recomendando-se-lhe uma atenção particular à dignidade jurídica da posição do lesado, e a todos os danos sofridos pelo lesado, incluindo os não patrimoniais!
42ª Segundo Carlos Cadilha, in Regime da Responsabilidade Civil., anotação 4 ao artigo 16.°, pág. 364, este preceito impõe também a análise da intensidade da lesão sobre o conteúdo da posição jurídica afetada, atendendo-se à deterioração do seu conteúdo, que terá de ser traduzida em termos económicos, de modo a que possa ser ressarcida, quer a posição sela patrimonial, quer seja não patrimonial.
43ª No mesmo sentido apregoa Carla Amado Gomes, "A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência", in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. IV, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, págs. 155-156, considerando que as prestações de ressarcimento por intervenções lícitas obedecem a uma lógica de equidade, sendo o conteúdo substancial do direito ou interesse afetado, um critério entre muitos no cálculo da indemnização que tem em conta a totalidade das circunstancias da lesão, nomeadamente danos não patrimoniais.
44ª Ou seja, no caso o tribunal a quo deveria ter determinado a indemnização por todos os danos emergentes especiais e anormais, patrimoniais e não patrimoniais, permitindo uma adequação da indemnização à situação concreta. E veja-se, a título de exemplo, que essa adequação indemnizatória até poderá ser mais favorável do que a indemnização por expropriação, como demonstra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17 de Marco de 2012. que atribuiu uma indemnização de responsabilidade por factos lícitos muito superior ao valor dos bens atingidos.
45ª A aplicação do artigo 16.° do RRCEE confere assim uma margem de apreciação ao julgador e liberdade ao legislador na conformação dos direitos, podendo/devendo atribuir uma indemnização também pelos danos não patrimoniais sofridos!
46ª Nestes termos, o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais. Temos assim como necessários para que se preencha o caso de responsabilidade por atos lícitos, o facto, o dano especial e anormal, e o nexo de causalidade entre aquele e este [Cfr Art° 483° e 563° do CC].
47ª No caso concreto, em face do que precede, para além do que já ficou explicito em sede de Sentença quanto aos danos patrimoniais, também relativamente aos danos não patrimoniais se mostram claramente preenchidos os referidos pressupostos relativamente à situação do A., aqui Recorrente pois que não é suposto que edifiquem um viaduto a cerca de 8 metros de uma habitação, e que essa construção implique para a habitação do A.:
- Emissão de ruídos, detritos, águas, sais, poluição;
- Limitação do sol e luminosidade;
- Desvalorização patrimonial;
- Riscos para a saúde e qualidade de vida;
- Violação de direitos fundamentais;
48ª E também não é suposto que um cidadão fique triste. amargurado, envergonhado, sentido com a construção do viaduto, sinta arrelias, abatimento moral e psicológico, noites sem dormir e incómodos vários, e até que perca a alegria de viver e se sinta injustiçado, cfr. pontos de factos números 18. e 19. da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, se não existissem razões especiais e anormais que o justificassem, pois que a realização daquelas obras de edificação do viaduto, adjacente ao seu prédio, mostram-se absolutamente impeditivas de uma vivência quotidiana com um mínimo de qualidade.
49ª Não é suposto que um qualquer agregado familiar esteja obrigado a residir praticamente debaixo de um viaduto, que sofra as consequências dessa vivência, e todo este sofrimento não seja indemnizado... De facto, independentemente da necessidade de realizar as obras levadas a cabo na autoestrada em causa, os particulares não estão sujeitos ao dever de em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum. O Estado já satisfez as atribuições que julgou adequadas ao construir a autoestrada e o viaduto em causa a 8 metros da casa do A., mas para isso é ao A., que também é um cidadão, que lhe retiraram a alegria de viver. Foi ao A. que de um momento para o outro lhe destruíram os sonhos, que lhe destruíram uma vida inteira de trabalho...
50ª O direito ao repouso e à tranquilidade, constituindo uma imanação dos direitos fundamentais de personalidade, constitucionalmente tutelados, é até superior ao direito das Recorridas que sempre deveriam ter cuidado de mitigar os danos sofridos pelo A. e pelo seu agregado familiar (o que nunca fizeram), e de modo a que os níveis de conforto habitacional pudessem ser assegurados.
51ª Em concreto, é patente que as obras efetuadas junto à casa do recorrente, com a edificação do viaduto mesmo próximo da sua casa, perturbam a sua vivência quotidiana, e também da do seu agregado familiar. É patente que a tristeza, a injustiça, e perda da alegria de viver, e o risco para a saúde atestado pela própria delegada de saúde, colocam em causa os próprios direitos do A. à sua integridade pessoal, cfr. artigo 25°, n.° 1 da CRP. Estes direitos, de propriedade, de personalidade, de viver condignamente e com alegria de viver, são assim protegidos contra qualquer ofensa, seja ela licita ou ilícita, não sendo precisa a culpa para se verificar uma ofensa, nem sendo necessária a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si.
52ª Ante o exposto, considerando a doutrina e a jurisprudência citadas, o recorrente deve ser também indemnizado pelos danos não patrimoniais/morais sofridos, pois que os mesmos também se acham como danos especiais e anormais.
53ª Estes danos não patrimoniais são bastante graves e merecem a tutela do direito. São danos como a perda da alegria de viver, o sofrimento constante e o sentimento de enorme injustiça sofrida pelo aqui recorrente, em resultado da destruição do seu sonho de vida, em resultado da destruição da sua casa tal e qual ela era, são os danos provocados pelos inc6modos provocados pela própria perda de qualidade de vida, de saúde, e com o medo de habitar onde habita...
54ª E tendo em linha de conta a responsabilidade das RR. pelo ocorrido, justifica-se que o quantum indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais atente na equidade, à luz dos critérios legalmente definidos no artigo 16° do RRCEE, como seja o critério do grau de afetação dos direitos e interesses violados e sacrificados, entendendo-se como adequado e suficiente a atribuição dos peticionados 15.000€.
55ª Destarte, a Sentença do TAF de Mirandela e violadora dos textos jurisprudenciais assim como dos normativos legais aplicáveis ao caso sub judice, na medida em que padece de erro na apreciação da matéria de facto e de erro na aplicação do direito ao caso em análise. Ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 483° e 563° do CC, e o art. 16° do RRCEE.”.
*
3 . A RÉ/Recorrente Infraestruturas de Portugal, SA, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo:
1. A 1.ª Ré apresenta as presentes alegações de recurso por manifesto desacordo com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
2. Aquele Tribunal, impedido de enquadrar o pedido na responsabilidade civil do estado pela prática de atos ilícitos veio convolar o pedido do autor e condenou a ré, solidariamente com as restantes no pagamento de uma indemnização, suportada supostamente pela prática de atos lícitos.
3. No entanto, para que tal condenação fosse possível teria de se verificar cumulativamente os requisitos expostos no artigo 16.º do RRCEE.
4. Tem assim de se verificar uma atuação licita, para a prossecução do interesse público e que esta atuação provoque ao particular um dano especial e anormal, havendo entre a atuação e o dano indiscutível nexo de causalidade.
5. O que no caso concreto não se verificou, uma vez que o dano supostamente provocado não foi especial, nem anormal.
6. Nem tão pouco se verificou existir nexo de causalidade entre o dano supostamente causado e a construção da infraestrutura rodoviária aqui em causa.
7. Os danos já existiam antes da construção do viaduto.
8. Acresce que a aqui 1.ª ré, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, é parte ilegítima na presente ação.
9. Uma vez que nos termos da cláusula 26 do Contrato de Subconcessão, é da responsabilidade da subconcessionária responder, perante o Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da Lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na conceção, no projeto, na execução das obras de construção e na conservação da Via, (…) tal estabelece a cláusula 42.2, do mencionado contrato.
*
4 . A RÉ/Recorrente CC---, ACE formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
"1. O âmbito de aplicação do artigo 16.º do RRCEE encontra-se circunscrito ao Estado e demais pessoas coletivas públicas, decorrendo dos autos, em particular do Contrato de Projeto e Construção, que não foi atribuída qualquer responsabilidade ao ora Recorrente na definição da localização da auto-estrada, já que este simplesmente executou uma obra que lhe foi adjudicada por parte da 2.ª Ré.
2. Decorre igualmente dos autos que não foi por vontade ou por decisão do ora Recorrente que o Viaduto de (...) foi construído nas imediações do imóvel do Autor, pelo que também por esse motivo nunca poderia ter sido imputada ao Recorrente a responsabilidade nos termos e para os efeitos do artigo 16.º do RRCEE.
3. O Recorrente entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento (erro na aplicação do direito) por ter considerado, conclusivamente, que a ora Recorrente se trataria de uma “entidade pública” ou que exerceria “funções públicas”, no âmbito da “função administrativa”.
4. Esta conclusão não tem qualquer fundamento e arrimo na lei e nos instrumentos contratuais aplicáveis, nem, igualmente, na jurisprudência transcrita na sentença recorrida (cf. Páginas 37/43 a 39/43), pois em todos os casos prolatados a responsabilidade foi somente atribuída ao concedente ou, ainda, à concessionária.
5. A sentença recorrida imputa ao ora Recorrente responsabilidades e atribuições que este não tem, pois não se trata da concessionária nem da subconcessionária da Auto-Estrada Transmontana.
6. A sentença recorrida deva ser revogada e substituída por outra que reconheça que ao aqui Recorrente não possa ser imputada responsabilidade por factos lícitos ao abrigo do artigo 16.º do RRCEE.
E termina:
"TERMOS EM QUE DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE ABSOLVA A 3.ª RÉ DE TODOS OS PEDIDOS FORMULADOS, EM RAZÃO DA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE SOLIDARIEDADE COM A 1.ª E 2.ª RÉS NO PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS PATRIMONIAIS CAUSADOS COM A ALEGADA DESVALORIZAÇÃO DO IMÓVEL DA TITULARIDADE DO AUTOR, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS".
*
No seguimento das alegações do A., veio a co-Ré "Auto-estradas (...), SA" apresentar contra alegações que concluiu do seguinte modo:
"I. Alega o Recorrente que o Tribunal a quo julgou erradamente ao ter dado como provado a matéria de facto constante do ponto 16 da matéria de facto provada e ter dado como não provados a matéria ínsita nos pontos constantes das alíneas C; D; E; F; G; H, I; J; K e L da matéria considerada como não provada.
II. Considera ainda o Recorrente que a matéria constante nos artigos 53.º, 53.º, 61.º, 62.º, 71.º e 78.º da petição inicial deveria ter sido considerados na matéria de facto dada como provada.
III. No que respeita ao Ponto 16 da matéria de facto dada como provada, a mesma foi considerada pelo Tribunal a quo considerando a perícia judicial efetuada nos autos.
IV. Tendo esta avaliação dos peritos sido determinante para a fixação da indemnização pelo tribunal, pelos conhecimentos técnicos que nela são expressos por pessoas habilitadas.
V. Daquela perícia resultou a posição unânime dos Srs. Peritos quanto ao valor do Imóvel, nomeadamente a posição do perito indicado pelo Autor, tendo apenas havido discordância quanto ao valor da depreciação.
VI. Pelo que o Tribunal a quo socorreu-se, do valor atribuído pelos Srs. Peritos cuja imparcialidade e conhecimentos técnicos o Recorrente não tem.
VII. De resto, quanto ao ponto 16 dos factos provados não foi produzida qualquer outra prova que pudesse demonstrar conclusão contrária à do Tribunal a quo.
VIII. No que respeita às alíneas C; D; E; F; G; H I; J; K e L dos factos dados por não provados, igualmente não assiste qualquer razão ao Autor.
IX. Quanto aos factos não provados das alíneas C; D; E; F; G; H I, cumpre esclarecer que atenta a prova produzida em audiência de julgamento os mesmos não poderiam ter sido considerados provados pelo Tribunal a quo, como pretende fazer crer o Autor/Recorrente.
X. Relativamente a estes factos, efetivamente não foi produzida qualquer prova, nomeadamente que as águas provenientes do decurso das obras invadiram o quintal e o rés-do-chão do imóvel do Autor.
XI. Tendo ficado antes demonstrado que diversas culturas, de uma forma geral, nomeadamente dos campos que se situam naquela zona ficaram afetadas pelas chuvas.
XII. Sendo certo que, ficou demonstrado que a execução da obra em si mesmo não produz água.
XIII. Tendo sido referido por algumas testemunhas que o problema das águas se verificara no Inverno, e que decorria das chuvas.
XIV. Os factos alegados pelo Autor reportam-se a Junho de 2011 referindo-se a águas provenientes das obras em curso.
XV. As testemunhas referiram-se a águas das chuvas, não tendo ficado demonstrado a existência de qualquer desvio das águas para o terreno do Autor.
XVI. Sobre estes factos veja-se o que resulta das declarações de parte do Recorrente MM... em audiência de 20.10.2020 (gravações 00:08:28 a 01 :08:00).
XVII. Ainda sobre estes factos veja-se, nomeadamente o que resultou do depoimento da TESTEMUNHA JB... ouvido na audiência do dia 20-10-2020 (Gravação - 00:00:00 a 06:03:20).
XVIII. Ainda sobre esta matéria a testemunha BR..., inquirido na audiência do dia 20.10.2020 (Duração - 04:14), referiu que a obra não produzia água e que não se recorda de terem apresentado qualquer reclamação sobre qual quer inundação ou depósito de detritos no logradouro do autor.
XIX. Do depoimento, claro e conciso da testemunha JJ... ouvido em audiência do dia 20.102.202 (registo 05: 16:36 a 05:57:29], resulta que não ouve qualquer inundação no terreno do Autor em Junho de 2011.
XX. Assim, como não foi produzida qualquer prova quanto ao facto não provado constante da alínea I) dos factos não provados.
XXI. Não existe qualquer documento nem resultou das declarações de parte do Autor ou do seu irmão, a Testemunha JE... que não conseguiram concretizar o alegado valor despendido, nomeadamente o Autor não conseguiu confirmar o valor que reclamou nos presentes autos.
XXII. O mesmo se diga quanto à alínea J) dos factos dados como não provados pelo Tribunal a quo.
XXIII. Na verdade não foi feita qualquer prova em audiência quanto à existência de detonações e que as mesmas alegadamente possam ter provocado fissuras no Imóvel do Autor.
XXIV. Do relatório pericial junto aos autos assim como da Inspeção técnica de 6 de Agosto de 2010, anterior ao início das obras, junta na contestação apresentada pela Ré CC--- sob documento n.º 2, resulta já a existência de fissuras.
XXV. Não existindo qualquer outro documento, nomeadamente perícia que tivesse atestado a existência de outras fissuras provocadas pelo decurso da obra.
XXVI. No que se refere às alegadas detonações referiu o Autor (gravações supra identificadas) que as ouvia durante o dia e durante a noite, todavia do depoimento da testemunha JC... o mesmo referiu que na altura das detonações o irmão (autor) estava emigrado.
XXVII. Acresce ainda que, a Testemunha NL..., gravação supra referida afirmou não terem existido quaisquer recursos a demolição por detonação.
XXVIII. Explicando a execução, como recurso a métodos simples de construção do viaduto com recurso a estruturas pré-fabricadas e colocadas no local.
XXIX. Pelo que não assiste qualquer razão ao Autor quanto à matéria de facto dada como provada e não provada que o mesmo reclama mal julgada pelo Tribunal a quo.
XXX. Atenta a matéria de facto dada como provada entendeu o Tribunal a quo considerar como dano indemnizável apenas a depreciação do valor do Imóvel do Autor por considerar ser o único dano por este sofrido especial e anormal.
XXXI. Nos termos do disposto no artigo 16.º do Regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas (doravante RRCEE):
“O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.”
XXXII. Os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil do Estado por actos lícitos são os seguintes:(i) a prática de um acto lícito;(ii) para satisfação de um interesse público;(iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal";(iv) existência de nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo.
XXXIII. O prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica;
XXXIV. O prejuízo anormal é aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.
XXXV. A jurisprudência unânime dos nossos Tribunais tem entendido que o prejuízo especial e anormal, consubstanciam um prejuízo indemnizável.
XXXVI. Sobre esta matéria referiu o AC. Do TCAN, de 10/12/2010, proferido no proc. nº 00152/04.0BEBRG, onde se refere que:
A especialidade e a anormalidade são traços distintivos do prejuízo ressarcível, relativamente ao ónus natural do risco e da vida em sociedade, e actuam como verdadeiros travões ao princípio de que o Estado, e demais entes públicos, deverão reparar os danos causados pela sua actividade, sendo verdadeiros conceitos indeterminados, carecidos de preenchimento valorativo na aplicação ao caso concreto”.
XXXVII. Tendo sido este o entendimento do Tribunal a quo, ao decidir que o dano suportado pelo Autor e indemnizável de acordo com a prova produzida em audiência corresponde ao valor da depreciação do Imóvel.
XXXVIII. Veja-se ainda o Ac. in DGSI o Ac. do TCAN, de 08/04/2016, processo nº 01095/04.3BEBRG; onde se refere que:
- “I) – A responsabilidade extracontratual por facto lícito implica a existência de prejuízo especial e anormal. II) – É o caso da construção de viaduto de auto-estrada a poucos metros confinante com habitação dos autores, de que resultou desvalorização de 20% do valor do imóvel (com um valor de € 90.000,00 -noventa mil euros), em função da perda de qualidade ambiental, por aumento de ruído e diminuição de exposição solar (ruído a que antes não estavam sujeitos, e, num juízo empírico e de inferência, de considerável incomodidade; exposição solar drasticamente diminuída)”.
XXXIX. Assim como o Ac do TCAN, in DGSI, de 15.03.2012, proferido no proc.º n.º 01290/06.0BEBRG, refere que:
“A doutrina e a jurisprudência vêm construindo, desde há muito, a noção de prejuízo especial e anormal, tendo-se destacado, a respeito da noção da especialidade, a teoria da intervenção individual, e quanto à noção de anormalidade, a chamada teoria do gozo standard. A primeira, põe o seu enfoque na especialidade do resultado da intervenção, ou seja, na incidência do acto sobre uma só pessoa ou grupo de pessoas, de forma que será especial aquele prejuízo que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa ou a grupo de pessoas certo e determinado, em função de uma específica posição relativa dessa pessoa ou desse grupo. A segunda, parte da garantia do gozo médio ou standard dos bens que pertencem aos particulares, de tal forma que será anormal o prejuízo que se traduz na ablação total ou parcial desse gozo standard.
O prejuízo indemnizável deve, pela sua gravidade, pela sua importância, pelo seu peso, ultrapassar o carácter de um ónus natural decorrente da vida em sociedade.
Os prejuízos serão qualificados de especiais e anormais quando ultrapassem os pequenos transtornos que são inerentes à actividade administrativa, que decorrem da natureza da própria actividade, e se configuram como um custo a suportar pela própria integração social, ou seja, são danos que vão onerar, pesada e especialmente, apenas algum ou alguns cidadãos, sobrecarregando-os de forma desigual em relação a todos os demais.
O que caracteriza a especialidade e anormalidade do prejuízo é, pois, o facto deste, pelo seu carácter e volume, exceder aquilo que é razoável fazer suportar ao cidadão normal socialmente integrado.
Assim, a especialidade e a anormalidade são traços distintivos do prejuízo ressarcível, relativamente ao ónus natural do risco e da vida em sociedade. Actuam como verdadeiros travões ao princípio de que o Estado, e demais entes públicos, deverão reparar os danos causados pela sua crescente actividade. E surgem como verdadeiros conceitos indeterminados, carecidos de preenchimento valorativo na aplicação ao caso concreto.
[...]
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração.
O princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refracção do princípio geral da igualdade em igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos".
XL. Perante o exposto considerando que da perícia efetuada nos autos apenas decorreu da construção da obra uma depreciação do valor de mercado do imóvel do Autor, só esta será merecedora de indemnização, pelo que se deverá manter-se a sentença recorrida.
XLI. Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, se dignem julgar o presente recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida, assim fazendo o que é de inteira.
JUSTIÇA!"
*
Também o A. apresentou contra alegações na sequência da notificação dos recursos das RR. e que assim concluiu:
"1.ª Ficou provada a materialidade fáctica essencial a improcedência dos recursos das recorrentes.
2.ª A R. Infraestruturas de Portugal invoca nas suas alegações os depoimentos testemunhais de Bruno Lopes e Paulo Sousa, e impugna matérias como sejam a distância da habitação para o viaduto, o ruído, a poluição atmosférica, o impacto visual, a luminosidade e luz solar. Por sua vez, a R. CC---, ainda que de forma distinta, invoca nas suas alegações o depoimento da testemunha BR....
3.ª Contudo, porque as recorrentes não impugnaram a matéria de facto dada como provada, ou como não provada, não realizaram as transcrições, nem fizeram tal indicação por forma a colocar o tribunal ante as passagens dos depoimentos que entendessem relevantes, facultando ao Tribunal a reapreciação do decidido a luz das suas alegações, e porque as recorrentes não indicaram a concreta matéria de facto que pretendiam ver respondida de forma diferente, devem ser sujeitas a sanção de imediata rejeição dos recursos no que concerne a eventual impugnação da matéria de facto, e bem assim no que concerne a matéria de direito impugnada com base nos depoimentos das testemunhas.
4.ª Devem os recursos de apelação ser rejeitados, nas partes respeitantes a impugnação da decisão da matéria de facto e de direito, com fundamento na falta de indicação exata das passagens da gravação de testemunha em que se fundam para a modificação da decisão, por nem as RR. terem procedido à sua transcrição nem sequer desenvolvido uma análise crítica dessa prova por forma a demonstrar os alegados erros decisórios.
Sem prescindir.
i) Do Recurso da R. Infraestruturas de Portugal, SA..
5.ª A recorrente Infraestruturas de Portugal SA., coloca em causa o julgamento da matéria de direito feito pelo tribunal a quo, e porque considera que o tribunal a quo, ao dizer mal o facto, inelutavelmente também diz mal o direito.
6.ª Sucede, porém, que, como o A. demonstrou em sede do seu recurso, o tribunal a quo se julgou mal os factos, foi em seu prejuízo. Desta feita, as alegações de direito da recorrente Infraestruturas de Portugal SA têm de improceder. Pelo que se considera que, nas matérias de facto e de direito impugnadas pela Recorrente, a sentença recorrida fez correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
7.ª A distância entre o viaduto e o imóvel, e que foi dada como provada em sede de sentença, resultou das medições efetuadas pelos Exmos. Peritos e Engenheiros Civis: Eng. ES…, Eng. JC…, Eng.° ML…. Segundo consta do Relatório Pericial junto aos autos, fls. 632-648 dos autos, "Da medição realizada aquando da inspeção pericial foi possível verificar que o ponto da casa do Autor mais próximo do viaduto dista cerca de 8,80 metros da projeção vertical do respetivo tabuleiro".
8.ª Quanto ao ruído, no Relatório Pericial junto aos autos a fls. 632-648, os Exmos. Peritos indicados pelo Tribunal e pelo A. concluíram que "...a construção do viaduto em causa depreciou o valor de mercado da habitação do A., decorrente do consequente sombreamento, impacto visual negativo e ruído introduzido pela passagem das viaturas em geral e em especial pela transposição das juntas de dilatação."
9.ª É verdade que os Exmos. Senhores peritos não se muniram de utensílios técnicos para medir o ruído, para apurar os decibéis. No entanto, debalde a recorrente invocar esta questão da falta de medição dos níveis de ruído e de um nexo de causalidade, a verdade é que tais questões se entrecruzam nos juízos de facto tirados pelo tribunal "a quo", que deu como provado nos pontos 13. e 15. da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida, que "após a construção do viaduto de (...), a casa do autor fica exposta a ruído introduzido pela passagem das viaturas e pela transposição das juntas de dilatação que se encontram instaladas no dito viaduto" e que "...a implantação do viaduto de (...) prejudica a obtenção de luz e luminosidade naturais para o prédio do autor, especialmente no Inverno".
10.ª Ora, atenta a matéria de facto aludida, a qual não foi impugnada pela recorrente, é de todo claro que se trata de ruído a que antes o A. e o seu imóvel não estavam sujeitos, e, num juízo empírico e de inferência, de considerável incomodidade; resultando também que a exposição solar do imóvel foi drasticamente diminuída, o que, como se sabe, e no geral, importa negativos reflexos de qualidade habitacional, daí estabelecendo o nexo para com a desvalorização do imóvel, o que o julgador deu em resposta ao que constava de base instrutória e no uso da liberdade de julgamento sobre a matéria.
11.ª Tudo isto está de acordo com o que ditam as regras da experiência, sem qualquer necessidade de medição de níveis de ruído, e com o que é de causalidade adequada, de incólume impugnação fáctica. Como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-02-2013, processo n.° 420/06.7GAPVZ.P1.S2, "As regras da experiencia não exigem certezas científicas, não são perícias, nem exames donde resultem aquelas certezas, mas informações reais que a vida ensina na verificação empírica de resultados produzidos."
12.ª Nem o tribunal, nem os peritos, nem o A., e nem todas as testemunhas com conhecimento direto dos factos ouvidas pelo tribunal a quo, necessitaram de mediações acústicas especializadas para saber que o nível de ruído é insustentável.
13.ª Sem prescindir, ultrapassadas as questões suscitadas pela recorrente, no que concerne ao ruído, poluição, e ao impacto visual, não pode o recorrido deixar de impugnar a alegação da recorrente quanto a inexistência de um dano especial ou anormal para o A. e para o imóvel do A. decorrente da diminuição de luminosidade.
14.ª Com efeito, e lançando mão ao reporte fotográfico, em fotografias de satélite, junto ao relatório pericial de fls. 632-648, verificamos que, na imagem 1 junto a esse relatório, toda aquela zona negra junto ao lado esquerdo do viaduto, corresponde ao sombreamento provocado pelo viaduto, e a hora da foto em causa ate é favorável, pois aquela hora o sol não incidia muito lateralmente sobre o viaduto...
15.ª Posto isto, ao contrário do alegado pela R., os danos provocados são especiais e anormais, tanto que todos os factos dados como provados em sede de sentença justificam os danos essenciais que atingem o uso do prédio do A., e que atingem o próprio A.. Daqueles factos decorre que a perturbação para o direito do A. se configura como excessiva e intolerável, traduzindo um prejuízo substancial para o uso do prédio, afetando de forma grave o uso deste como local de habitação familiar.
16.ª Os danos em causa são indemnizáveis ao abrigo do artigo 16° da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, porque são danos especiais e anormais.
17.ª O artigo 16.° do RRCEE acrescenta até um dado relevantíssimo em matéria de calculo da indemnização, referindo que, no mesmo, devera atender-se "designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado". Esta expressão confere ampla liberdade ao julgador na determinação da indemnização, no quadro de um julgamento de equidade, recomendando-se-lhe uma atenção particular a dignidade jurídica da posição do lesado, e a todos os danos sofridos pelo lesado.
18.ª O Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
19.ª No caso concreto, em face do que precede, para além do que já ficou explícito em sede de sentença, relativamente aos danos sofridos pelo recorrido mostram-se claramente preenchidos os referidos pressupostos relativamente à situação do A., aqui Recorrido, pois que não é suposto que edifiquem um viaduto a cerca de 8 metros de uma habitação, e que essa construção implique para a habitação do A.: - Emissão de ruídos, detritos, águas, sais, poluição; - Limitação do sol e luminosidade; - Desvalorização patrimonial; - Riscos para a saúde e qualidade de vida; - Violação de direitos fundamentais;
20.ª Não é suposto que a esfera jurídica de um cidadão sofra um tal impacto negativo, se não existissem razões especiais e anormais que o justificassem, pois que a realização daquelas obras de edificação do viaduto, adjacente ao seu prédio, para além da desvalorização do imóvel, mostram-se absolutamente impeditivas de uma vivência quotidiana com um mínimo de qualidade. Não é suposto que um qualquer agregado familiar esteja obrigado a residir praticamente debaixo de um viaduto, que sofra as consequências dessa vivência, e todo este sofrimento não seja indemnizado...
21.ª O Estado já satisfez as atribuições que julgou adequadas ao construir a autoestrada e o viaduto em causa a 8 metros da casa do A., mas para isso é ao A., que também é um cidadão, que lhe agrediram a esfera jurídica.
22.ª Assim, tal prejuízo reveste as características de especialidade e anormalidade, tal como aliás bem justificado na Sentença recorrida. A título de exemplo cite-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/12/2012, e o Acórdão do TCAN, de 22/10/2015, processo 01098/04.8BEBRG.
23.ª A análise feita nos Acórdãos citados é integralmente transponível para a situação em causa nos autos, e assim não pode deixar de se concluir que o prejuízo invocado pelo A. - a desvalorização ao imóvel - é especial, porque atinge especialmente o autor, que viu a sua habitação perder valor em consequência da construção e funcionamento do viaduto de (...). Desvalorização de todo inesperada, que atinge especialmente o autor e o seu agregado familiar, não extensível à população em geral.
24.ª O dano invocado é também anormal, pois o imóvel sofreu, de acordo com a opinião técnica da maioria dos peritos nomeados no caso dos autos, uma depreciação do seu valor de mercado, decorrente da construção do referido viaduto, configurando este um sacrifício que não só não resulta imposto generalidade dos cidadãos, como não pode ser considerado como consequência dos riscos resultantes da vida em sociedade, o que determina a sua relevância indemnizatória.
Finalmente,
25ª Do quadro legal constante da Sentença recorrida, e constante das presentes alegações de recurso, é possível inferir-se que a responsabilidade extracontratual por que a 1ª R. foi demandada se desenvolve num âmbito de ambiência pública, tendo em conta as suas atribuições legais. Deste modo, a sua eventual responsabilização por actos ou omissões dessa sua actividade insere-se no quadro da aplicação da norma do artigo 1°, n.° 5, do RRCEE (Cfr. neste sentido, Acórdão do TC de 29/01/2015, processo n.° 050/2014...).
26.ª Ora, a aplicação do artigo 1°, n.° 5, do RRCEE não é abalada pela celebração do contrato de subconcessão entre as lª e 2ª RR., nem pela posterior celebração de contrato de empreitada de obras públicas, denominado Contrato de Projeto e Construção, entre as 2ª e 3ª RR., já que tais contratos se caracterizam pela sua sujeição a um regime substantivo de direito público, de onde relevam fatores objetivos de administratividade.
27.ª A legitimidade da Recorrente IP, SA, já havia inclusive sido fundamentada em sede de despacho saneador, e do qual a R. não interpôs recurso, fundamentação melhor concretizada na sentença recorrida e que não é abalada pelas alegações da recorrente.
28.ª O tribunal fez correta interpretação e aplicação dos artigos 10°, n.° 1, 10°, n.° 2, al. h), 8°, n.° 1, do DL 374/2007, DL 380/2007, de 13/11, RCM 177/2007, de 22/11, e artigo 1° e seguintes do RRCEE.
Sem prescindir,
ii) Do recurso da R. CC--- A.C.E.:
29.ª O recurso da R. CC--- deve, também ele, improceder, pois como consta da p.i., e como ficou provado em sede de sentença, foram as RR. quem financiaram, planearam, conceberam, projetaram, construíram o lanço da Auto-Estrada Transmontana, denominado A4/IP4 - Vila Real (Parada de Cunhos)/Quintanilha, na parte integrante do Lote 1, sito na Freguesia de (...), Vila Real, na qual construíram o viaduto de (...). Foram as RR. que implantaram lateralmente o viaduto a menos de 1,5 metros do prédio urbano do A.
30.ª A 1.ª R. responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto da concessão pela culpa ou pelo risco, e responde, nos termos gerais da relação comitente - comissário, pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das atividades compreendidas na concessão.
31.ª A l.ª R. encarregou a 2.ª R. de proceder a construção do viaduto, e a 2ª R. construiu o viaduto no exercício da função que lhe foi confiada pela lª R., ao abrigo do respetivo contrato de subconcessão.
Por sua vez, a 2ª R. contratou os serviços da 3ª R. para a execução dos trabalhos de construção do viaduto de (...).
32.ª Pelo que as RR. são solidariamente responsáveis perante o A. pelas ações que cometeram na execução das obras do viaduto, sejam elas ilícitas ou licitas, pois que a construção foi projetada e construída tendo em conta interesses de ordem pública, o que, não obstante, acarretou danos e prejuízos para o imóvel em causa e para o A.
33.ª Aliás, durante a execução dos contratos, designadamente do contrato de subconcessão e do contrato de projeto e construção, nunca surgiu qualquer litigio entre as RR., e que, por recurso à arbitragem ou outro meio, pudesse afastar a sua responsabilidade de alguma das RR. quanto a danos invocados pelo A..
34.ª Outrossim, a aplicação da lei parece-nos clara. Com efeito, como salientou o tribunal a quo, a aplicação do artigo 1°, n.° 5, do RRCEE não é abalada pela celebração do contrato de subconcessão entre as lª e 2ª RR., nem pela posterior celebração de contrato de empreitada de obras publicas, denominado Contrato de Projeto e Construção, entre as 2ª e 3.ª RR., já que tais contratos se caracterizam pela sua sujeição a um regime substantivo de direito público, de onde relevam fatores objetivos de administratividade.
35.ª A natureza administrativa do contrato de empreitada de obras públicas não se cinge a aspetos de índole procedimental próprias da fase de formação da vontade de contratar, nem resulta apenas do facto do contrato visar formalmente uma finalidade de interesse público, mas também se manifesta na execução do próprio contrato.
36.ª Nesta conformidade, a atuação do empreiteiro é indissociável das considerações de interesse público subjacentes ao contrato, encontrando-se, de igual forma, sujeito a interferência das 1ª e 2ª RR., que, no exercício dos seus poderes de autoridade, podem vigiar e fiscalizar a sua atuação.
37.ª No caso dos autos, está-se também perante atividades materialmente administrativas, apesar de praticadas por pessoas coletivas de direito privado. Assim sendo, dispõe o artigo 1°, n.° 5, do RRCEE que "As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis a responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo".
38.ª A lei não inibe a aplicação do artigo 16° às entidades de direito privado. Como explicado em sede de sentença, "as disposições do RRCEE aplicáveis, por extensão, a pessoas coletivas de direito privado, são as que regulam a responsabilidade civil por danos decorrentes da função administrativa e, assim, as que constam do seu Capitulo I (artigos 1° a 6°), do Capitulo II (artigos 7° a 11°) do Capitulo V (artigo 16°), este último apenas na parte em que se refere a danos provocados no exercício de um poder administrativo (Cfr. neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Regime da RRCEE e demais entidades públicas, anotado, 2ª edição, Coimbra, Editora, 2011, pagina 56)".
39.ª A responsabilização da R. CC--- insere-se assim no âmbito de aplicação do art.° 1°, n° 5, da Lei 67/2007, de 31/12, tanto que, como decorre da configuração que o A. efetuou na petição inicial, e como decorre da configuração que o tribunal a quo realizou, a responsabilização da R. surge no âmbito das ações ou omissões atinentes ao exercício de prerrogativas de poder público, e que também lhe foram concedidas no âmbito do quadro legal e contratual jurídico-administrativo.
40.ª Aliás, só o facto de estar em causa a construção de uma obra pública que é integrada no domínio público faz com que a pretensão deduzida pelo A. consubstancie uma questão de natureza jurídico-administrativa, a ser dirimida na respectiva jurisdição. E, bem assim, todos os demais factos (e danos), na configuração dada a ação pelo tribunal a quo, foram praticados por todas as RR. no exercício de prerrogativas de direito público, o que, como decorre do exposto, permite tornar aplicável a entidades privadas como a R. CC--- o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado (cfr. art. 1°, n° 5 da Lei 67/2007, de 31/12)
41.ª Assim, em suma, o tribunal recorrido realizou correta interpretação e aplicação dos artigos 1°, n.° 5, e 16°, ambos do RRCEE, e realizou correta interpretação e aplicação do Contrato de Subconcessão entre as lª e 2º RR., e do contrato de empreitada de obras públicas, denominado Contrato de Projeto e Construção, entre as 2ª e 3ª RR.
42.ª Face ao exposto, os recursos devem improceder com as devidas e legais consequências.
43.ª E, por conseguinte, caso não seja julgado procedente o recurso do A., deve a Sentença mantém-se inalterada tal como foi proferida, com a procedência parcial da ação. Tanto que o tribunal a quo deu como provados todos os factos necessários e essenciais para que se faca justiça, e designadamente ao abrigo do regime da responsabilidade dos factos ilícitos, ou ao abrigo do regime da responsabilidade por factos lícitos, não estando qualquer tribunal limitado ao direito invocado pelas partes, vigorando, além do mais, entre nos, na legislação administrativa, um principio anti formalista que consagra a concretização de uma tutela efectiva e eficaz constitucionalmente consagrada (cfr. artigos 20°, n.° 5 e 268°, n.° 4 da Constituição da Republica Portuguesa, e arts.° 7°, 12, n.° 3 CPTA).
44.ª Deste modo, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas, a opção deve ser sempre no sentido daquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo autor (Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do S.T.A. de 6/02/03, in rec. n.° 128/03)".
*
4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, nada disse.
*
5 . Sem vistos, mas com envio prévio de projectos aos Ex.mos Senhores Juízes Desembargadores adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA, bem como, a título subsidiário, da ampliação do âmbito do recurso, peticionada pela recorrida Infraestruturas de Portugal, SA., deduzida nas contra alegações.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida:
1. Por escritura pública outorgada, em 12/08/1983, no Cartório Notarial de Vila Real, o autor, MM..., no estado de casado com IC…, sob o regime da comunhão geral de bens, declarou comprar: “um prédio rústico que consta de uma terra de cultivo sito no Vale, (…), inscrito na respectiva matriz predial rústica nos artigos (…) (…) não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho.(…)” (cfr. documento a fls. 958-966);
2. O prédio sito em Val, composto de “casa em alvenaria de blocos e betão, coberta a telha, com logradouro, composto de r/chão amplo para garagem e arrumos; andar com 3 assoalhadas, 1 cozinha, 1 despensa, 1 sanitário e 3 varandas; águas furtadas co 2 assoalhadas, 1 casa de banho e 1 arrumos”, com a área total de 191,20 m2, está inscrito, em nome do autor, na qualidade de proprietário, na matriz predial urbana da freguesia de (…) (cfr. certidão de teor de prédio urbano, a fls. 959);
3. O prédio referido no ponto antecedente foi construído entre os anos de 1983 e 1985 (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
4. O prédio de cultura sito em Vale, a confrontar do norte com (…), com a área de 450 m2, está inscrito, em nome do autor, na qualidade de proprietário, na matriz predial rústica da freguesia de (…) (cfr. certidão de teor de prédio urbano, a fls. 960);
5. Em 23/11/2007, entre o Estado Português e a EP - Estradas de Portugal, S. A. foi celebrado contrato de concessão, tendo por objecto o financiamento, a conservação, a exploração, a requalificação e o alargamento das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional, bem como, a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional Futura (cfr. contrato de concessão aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 174-A/2007, de 23 de Novembro, publicado no Diário da República, 1ª série);
6. Em 09/12/2008, entre a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. e a AUTO-ESTRADAS (…), S.A. foi celebrado “CONTRATO DE SUBCONCESSÃO”, do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. documento nº 2 junto com a contestação da 2ª ré):
“(…) E CONSIDERANDO QUE:
(A) O Concedente lançou um concurso público internacional para a atribuição da subconcessão da concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação, do lanço de auto-estrada c conjuntos viários associados, designada por Subconcessão Auto-Estrada Transmontana;
(B) A Subconcessionária é a sociedade anónima constituída pelo Agrupamento vencedor do concurso a que alude o Considerando anterior;
(C) A Proposta apresentada pelo Agrupamento foi aceite pelo Concedente, tal como resulta da fase de negociações, que decorreu nos termos e no âmbito das regras do referido concurso público;
(…)
6.1. A Subconcessão tem por objecto a concepção, projecto, construção, duplicação de vias, financiamento, conservação e exploração, dos seguintes Lanços de Via:
(a) Para concepção, construção, aumento do número de vias, financiamento, exploração e conservação, com cobrança de portagem aos utentes, os seguintes lanços de auto-estrada:
1 - A4/IP4 - Vila Real (Parada de Cunhos) / Nó com a A24/ IP3, com a extensão aproximada de 7 quilómetros;
(…)”;
7. Em 10/12/2008, entre a AUTO-ESTRADAS (...), S.A. e a CC--- , ACE, foi celebrado acordo denominado Contrato de Projecto e Construção, do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. documento nº 3 junto com a contestação da 2ª ré):
“(…)
CLÁUSULA 4ª (Objecto)
1. Constitui objecto do Contrato;
(a) a execução de todos os trabalhos de concepção, construção e aumento do número de vias relativos aos seguintes lanços de auto-estrada;
i. A4/IP4 – Vila Real (Parada de Cunhos) / Nó com a A24/IP3, com a extensão aproximada de 7 quilómetros; (…)”;
8. A 3ª ré construiu o lanço da Auto-Estrada Transmontana, denominado A4/IP4 - Vila Real (Parada de Cunhos)/Quintanilha, designadamente, o viaduto de (...) (facto não controvertido – cfr. artigo 67º da contestação da 3ª ré);
9. A casa do autor, no ponto mais próximo do viaduto de (...), dista cerca de 8,80 metros da projecção vertical do respectivo tabuleiro (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
10. O viaduto de (...) passa, aproximadamente na perpendicular, por cima da EN 322 e a uma altura superior ao prédio urbano do autor (cfr. relatório pericial a fls. 632-648, designadamente, imagens 3 a 5);
11. O prédio urbano do autor confina com a EN 322, é servido por redes de abastecimento de água, energia eléctrica, saneamento e telefone (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
12. O prédio do autor situa-se a poucos metros do aglomerado urbano da freguesia de (...), próximo da Zona Industrial de (...) e existem nas suas imediações habitações unifamiliares e vários estabelecimentos comerciais;
13. Após a construção do viaduto de (...), a casa do autor ficou exposta a ruído introduzido pela passagem das viaturas e pela transposição das juntas de dilatação que se encontram instaladas no dito viaduto (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
14. Aquela construção tem um impacto visual negativo no prédio urbano do autor (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
15. A implantação do viaduto de (...) prejudica a obtenção de luz e luminosidade naturais para o prédio do autor, especialmente no Inverno (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
16. O prédio do autor, antes da construção do viaduto de (...), tinha o valor de mercado de 145.000,00 € (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
17. O valor da depreciação do imóvel do autor, após a construção do viaduto de (...), é de 33.000,00 € (cfr. relatório pericial a fls. 632-648);
18. O autor ficou triste, amargurado, envergonhado, sentido com a construção do viaduto nos termos relatados;
19. O autor sentiu arrelias, abatimento moral e psicológico, noites sem dormir e incómodos vários, perdeu a alegria de viver e sente-se injustiçado;
20. O autor endereçou à 2ª ré documento datado de 17/10/2009, do seguinte teor: “Ao ter conhecimento de que o viaduto da Auto-estrada A4, que atravessa a estrada Nacional N° 322, em (...), cumpre-me informar V. Exª que o referido viaduto passa a cerca de 2m da minha residência, ao nível das portas e janelas. Anteriormente, este havia sido demarcado a uma distância superior à actual. Entre a parcela 189 e a parcela 805 onde passa o viaduto, há um espaço superior a 70 m. Neste sentido venho apelar a V Exª que o mesmo passe a meio deste espaço, pois caso contrário será impossível viver em minha casa com o mínimo de dignidade.” (cfr. documento nº 3 junto com a petição inicial);
21. O autor remeteu à 2ª ré escrito datado de 14/05/2010, do qual consta, entre o mais, o seguinte (cfr. documento nº 4 junto com a petição inicial):
“(…) 7º Sucede que com a construção da Auto-Estrada Transmontana irá ser construído um viaduto que atravessa a Estrada Nacional 322.
8º Inicialmente, o meu cliente foi informado que o dito viaduto da auto-estrada tinha sido demarcado e iria ser construído a grande distância da casa do meu cliente.
9º Tanto assim que entre a parcela 189 e a parcela 805 onde foi demarcada a passagem do viaduto existe um espaço de mais de 70 metros.
10º Porém, o meu cliente apurou agora que afinal o mencionado viaduto da auto-estrada vai ser construído a cerca de 2 metros da sua habitação e ao nível das portas e janelas.
10º Esta situação, para além de comportar uma alteração do comportamento manifestado por V. Excºs. ao meu cliente com violação do princípio da boa-fé, configura ainda a violação do direito de propriedade do meu cliente sobre o seu imóvel supra identificado, em transgressão entre outros dos artigos 1305º, 1344º e 1346º do C.C..
12º Com efeito, a construção do viaduto da auto-estrada a cerca de 2 metros da residência do meu cliente vai causar-lhe incómodos, transtornos e encargos.
13º Dado que com tamanha construção ao nível das janelas e das portas torna-se impossível ali residir com o mínimo de dignidade.
14º Uma vez que a casa do meu cliente vai ficar exposta à emissão de fumos, produção de ruídos e outros factos semelhantes, a qualquer hora do dia e da noite, tudo aliado ao factor de grande perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respectiva sinistralidade.
15º Por outro lado, a casa do meu cliente foi construída numa harmoniosa envolvente de paz e sossego ambiental, a qual resulta prejudicada com a construção do viaduto tão perto da habitação, com óbvias perdas de qualidade de vida e estética arquitectónica.
16º Acresce que o imóvel do meu cliente com tamanha construção ao seu lado perde todo o valor de mercado, que se situa actualmente em cerca de 200 000,00 €, visto que o meu cliente fica impedido de vender o prédio se assim o entender pelo justo preço comercial.
17º Por todo o exposto, o meu cliente com a construção do aludido viaduto da auto-estrada sofre danos patrimoniais e não patrimoniais que no seu total ascendem a cerca de 250 000,00 €, de que V. Excªs. são responsáveis e devem liquidar.
Termos em que se requer a V. Excªs que atentem à situação supra exposta e se dignem indemnizar o meu cliente pelos danos patrimoniais e não patrimoniais relativos à construção do viaduto da auto-estrada em (...), Vila Real, no valor global de 250 000,00 €, sob pena de recurso aos competentes meios legais e processuais para defesa dos legítimos direitos e interesses do meu cliente neste assunto.”;
22. Por carta datada de 27/01/2012, remetida pela 2ª ré ao autor, esta informou o seguinte (cfr. documento nº 5 junto com a petição inicial):
“(…) Analisadas as referidas cartas, cumpre-nos esclarecer que, conforme foi oportunamente transmitido, o Imóvel de que V. Ex.a é proprietário não é afectado, a qualquer título, pelo estabelecimento da denominada Auto-Estrada Transmontana, designadamente pela construção do viaduto a que V. Ex.a faz referência.
Neste sentido, entendemos que a construção referida não acarreta quaisquer danos ou prejuízos para o Imóvel em causa, pelo que se mostra impossível satisfazer a pretensão de V. Ex.a,”;
23. Em 06/08/2010, a 3ª ré promoveu a realização de uma vistoria ao imóvel através da SS---, Lda., a qual deu origem a um relatório de inspecção técnica em que se discriminou um vasto conjunto de patologias, que ficaram registadas no “Termo de Vistoria” subscrito pelo autor e no respectivo vídeo (cfr. documento nº 2, junto com a contestação da 3ª ré e vídeo em suporte informático apenso aos autos);
24. Do “Termo de Vistoria”, mencionado no ponto antecedente, consta, entre o mais, o seguinte:
“(…) EXTERIOR
MURO INTERIOR DIREITO: TRÊS FENDAS NO PLANO DIREITO
ALÇADO FRONTAL: FISSURA NA UNIÃO DA GRADE COM O ALÇADO.
MURETO DE ACESSO À GARAGEM: COM FENDA OBLIQUA JUNTO AO CONTADOR DA ÁGUA.
MURO POSTERIOR COM DUAS FISSURAS VERTICAIS.
RESTANTES ALÇADOS: SEM PATOLOGIAS.
INTERIOR
RÉS-DO-CHÃO
GARAGEM
PAREDE ESQUERDA, TRÊS FISSURAS VERTICAIS;
PAREDE DIREITA, MICROFISSURAÇÃO GENERALIZADA.
ARRECADAÇÃO: PAREDE POSTERIOR: FISSURA OBLÍQUA; FISSURA NO TECTO AO CENTRO. COZINHA: DIVERSAS MICROFISSURAS NO SACO DA CHAMINÉ DA LAREIRA.
WC: DUAS PEÇAS CERÂMICAS FISSURADAS NO CANTO SUPERIOR DIREITO DA PORTA.
1º ANDAR: QUARTO VIRADO PARA OS ALÇADOS POSTERIOR E ESQUERDO: FISSURA VERTICAL DO LADO DIREITO DA PORTA/JANELA.
QUARTO VIRADO P/ O ALÇADO POSTERIOR: FISSURA VERTICAL DO LADO DIREITO DA PORTA/JANELA.
2º ANDAR:
WC: AZULEJOS FISSURADOS NA PAREDE ESQUERDA.
QUARTO: FISSURA NO TECTO JUNTO DA PAREDE ESQUERDA.
RESTANTES DIVISÕES: NADA A ASSINALAR.
CONFORME GRAVAÇÃO EM VÍDEO. (…)”;
25. O viaduto de (...) possui barreiras acústicas e guardas de segurança;
26. Após exposição encaminhada pelo IGAS (Inspecção Geral das Actividades em Saúde) com referência nº 1043 de 26 de Abril 2016, relacionada com “consequências na qualidade vida devido à construção do viaduto dc (...), do lanço da Auto-Estrada A4/IP4 - Vila Real (Parada de Cunhos/Quintanilha)”, sito na Freguesia de (...), Concelho de Vila Real, foi elaborada pela Delegada de Saúde Coordenadora ACES Marão Douro Norte, exposição da qual consta, entre o mais, o seguinte (cfr. documento de fls. 505-511):
“(…) A situação foi alvo de análise por parte dos Serviços da Unidade de Saúde Pública ACES Douro I, no dia 3 de Junho de 2016, da qual se verificou o seguinte:
O viaduto encontra-se construído a uma reduzida distância da habitação do requerente, tal como se observa na exposição fotográfica em anexo.
Verificou-se ainda que, sendo o viaduto de uma altura superior á habitação, existe também risco de ocorrer projecção de veículos ou destroços em caso de acidente de viação, colocando em causa a segurança dos residentes.
Considera-se que, dada a proximidade do viaduto, a emissão de ruído proveniente dos veículos em circulação, pode tomar a situação susceptível de afectar a saúde física e mental dos moradores, comprometendo assim a sua qualidade de vida.
A situação de incomodidade verificada é de carácter individual e não populacional, pelo que cai fora do âmbito do previsto na alínea a) no nº 3 do artigo 5º da Lei nº 82/2009 - republicada pelo Decreto-lei nº 135/2013 de 04 de Outubro, pelo que a participação não foi alvo de qualquer outra intervenção por parte dos Serviços da Autoridade de Saúde. (…)”.
*
Por terem interesse para a decisão dos presentes autos maxime, acerca da matéria de facto, pelo TAF de Mirandela foram, ainda, considerados não provados os seguintes factos:
A. O autor foi informado pelas rés que o viaduto de (...) tinha sido demarcado e iria ser construído a grande distância da sua casa;
B. Entre a parcela 189 e a parcela 805 onde foi demarcada a passagem do viaduto existe um espaço de mais de 70 metros;
C. Em Junho de 2011, as águas provenientes do decurso das obras invadiram o quintal do prédio do autor e penetraram no rés-do-chão, deixando no quintal mais de 20 centímetros de terra;
D. Para aí tendo sido encaminhadas pelos serviços da construção do viaduto da auto-estrada;
E. Só mais tarde, tais águas foram encaminhadas e escoadas por manilhas de cimento e retiradas do urbano do autor por um canal de água em direcção a via pública;
F. Nesse período, o quintal do prédio do autor ficou todo cheio de lama;
G. Todas as culturas que ali existiam ficaram desfeitas e destruídas; e nem a erva conseguia nascer;
H. O logradouro do prédio urbano do autor foi invadido com terras e detritos provenientes do estaleiro da construção do viaduto;
I. O autor que trabalha no estrangeiro, teve que reparar e retirar as terras aludidas do seu prédio, durante o seu período de ferias de Verão, no que gastou cerca de 5.000,00 €;
J. A construção do viaduto, com a movimentação das máquinas, terras e aplicação de materiais e ate com a detonação de explosivos provocou o aparecimento no prédio do autor de fissuras nas paredes e estragou a pintura;
K. Com a implantação do viaduto de (...), o imóvel do autor fica exposto ao factor de grande perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respectiva sinistralidade, uma vez que fica em zona susceptível de ser atingida por veículos, destroços, materiais e outros elementos resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto;
L. O autor com a construção da obra citada não consegue encontrar comprador para o seu prédio urbano por mais de 100.000,00 €.
*
Para justificar os factos provados e assim os não provados, a decisão recorrida sustentou-se na seguinte argumentação/MOTIVAÇÃO que importa ter igualmente presente para aferir da bondade (ou não) da factualidade apurada, na medida em que o A. pretende, por via do recurso, além do mais, alterar alguns dos factos provados e aditar outros considerados não provados:
"MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa livre apreciação das provas (cfr. artigos 396º do Código Civil (CC) e 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1º do CPTA), designadamente, as declarações de parte do autor e a prova testemunhal produzida em sede de audiência final, atendendo para tal efeito, à razão de ciência apresentada e às qualidades de isenção e convicção denotadas, conjugada com o acordo das partes quanto aos factos não impugnados, bem como a prova documental oferecida pelas partes, não impugnada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
Assentou ainda o Tribunal a sua convicção na livre apreciação da prova pericial produzida nos autos, tudo em conjugação com as presunções judiciais ou inerentes ao princípio da normalidade e com as regras da experiência comum, sem prejuízo das regras legais sobre o ónus da prova.
A decisão dos pontos 1, 2, 4 a 7, 20 a 24 e 26 da matéria de facto dada como provada, efectuou-se com base nos documentos insertos nos autos, conforme o especificado naqueles pontos da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.
Relativamente ao ponto 8 do probatório, o Tribunal formou a sua convicção com base na posição assumida pelas partes, designadamente, a ré CC--- aceita que foi responsável pela execução dos trabalhos de construção do viaduto de (...), divergindo, porém, da afirmação que daquela execução resultaram danos e prejuízos para o imóvel do autor.
Os factos provados identificados sob os pontos 3, 9 a 19 e 25 encontram o seu suporte nas declarações de parte prestadas pelo autor e na prova testemunhal produzida, conjugada com a perícia realizada.
Assim, as declarações de parte do autor foram livremente apreciadas pelo Tribunal, exclusivamente quanto aos factos em que o mesmo teve intervenção pessoal ou de que tem conhecimento directo, salvo os de natureza confessória, nos termos previstos nos artigos 466º do CPC e 352º do CC.
O autor afirmou que a construção da sua casa de habitação ocorreu nos anos de 1983 a 1985, e que, sendo emigrante em França, essa casa se destinava, inicialmente, ao gozo de férias, nomeadamente, no Verão e, após a reforma, à sua habitação, após regresso a Portugal.
Que, até à construção do viaduto, usufruiu com tranquilidade da sua habitação, desfrutando da tranquilidade e sossego de uma zona quase rural, ainda que a curta distância da Zona Industrial de (...) e da EN 322, onde se situa aquela casa.
O autor declarou que após a construção do viaduto se verificou uma grande alteração na paisagem onde se insere a sua casa, zona de cariz residencial, designadamente, pela própria presença física do viaduto, que passa a sul da sua casa, a cerca de 8,20 metros, bem como, do facto de aquela construção impedir a passagem do sol, pelo menos, até às 13 horas, o que também impede o cultivo de quaisquer plantas.
Mais esclareceu que, na sequência da construção do viaduto, aumentou o ruído ouvido na sua habitação, de dia e de noite, resultante da passagem dos veículos motorizados no viaduto, sobretudo nas juntas de dilatação aí instaladas. Tais declarações são ainda sustentadas pelo teor do relatório pericial e do documento elaborado pela Delegada de Saúde Coordenadora ACES Marão Douro Norte (transcrito no ponto 26 do probatório), juntos aos autos.
O autor descreveu, ainda, que, em consequência da construção do viaduto, ele e a sua esposa, vêm sentindo dificuldade em dormir na casa, atento o nível de ruído, mais sentido à noite, por inexistirem outros ruídos que dissimulem aquele som, bem como nas dificuldades sentidas no descanso e repouso, também prejudicado pelo constante receio de que exista um acidente naquele viaduto.
As testemunhas, FL... e JB... prestaram depoimentos claros e isentos, manifestando conhecimento directo da factualidade em apreciação, desde logo, porque residem na mesma freguesia que o autor, a quem conhecem há largos anos. Confirmaram que a casa do autor ficou ensombrada e deixou de receber sol da parte de manhã, mesmo no Verão, bem como, o aumento do ruído proveniente da passagem dos veículos motorizados no viaduto e, em particular, nas juntas de dilatação. Confirmaram, ainda, o desânimo e a tristeza sentidos pelo autor após a construção do viaduto de (...), face ao relatado ensombramento da casa e ao ruído que se passou a ouvir.
A testemunha JE..., irmão do autor, apresentou-se em audiência de forma clara e sem hesitações, tendo conhecimento directo e pessoal da factualidade em discussão na presente lide, uma vez que foi ele que negociou a aquisição do terreno onde mais tarde foi implantada a casa do autor, tendo acompanhado a sua construção.
Confirmou que a casa do autor viu diminuída a exposição solar, sobretudo no Inverno, e o aumento do ruído proveniente da passagem dos veículos motorizados no viaduto e, em particular, nas juntas de dilatação. Que, apesar de existirem barreiras acústicas no viaduto, não têm o efeito de impedir a propagação do som.
Quanto à testemunha MF..., prestou depoimento isento e credível, demonstrando ser bom conhecedor do local, já que foi ele que construiu a casa do autor. Declarou que com a construção do viaduto a casa do autor deixou de receber sol e passou a ouvir-se muito ruído da passagem dos veículos motorizados.
No que se refere, em concreto, aos factos provados elencados sob os pontos 9 a 11 e 13 a 16, contribuiu para a convicção do Tribunal o relatório pericial constante dos autos, prova livremente valorada, nos termos previstos nos artigos 388º e 389º do CC, de acordo com a resposta aos quesitos indicada no final de cada facto, e que obteve resposta unânime dos peritos.
Todos os peritos que integraram o colégio são engenheiros civis, pelo que foi aceite sem reservas a prova dos factos elencados nos pontos 9 e 10, que se prende essencialmente, com medições técnicas, concretamente da distância entre o viaduto e o imóvel do autor.
No que se refere ao facto elencado no ponto 16, que se relaciona com a avaliação do prédio do autor, antes da construção do viaduto, foi aceite pelo Tribunal a forma de cálculo adoptada pelos peritos, que utilizaram o método comparativo de vendas, o qual se baseia na informação sobre transacções a preços correntes de mercado para imóveis similares e comparáveis, obtendo avaliação unânime dos peritos.
No que se refere ao facto provado nº 17, referente ao valor de depreciação do imóvel do autor, após a construção do viaduto, atendendo a que a maioria dos peritos nomeados acordou num valor de depreciação de 33.000,00 €, foi este aceite pelo Tribunal por espelhar, de modo mais aproximado e com razoável grau de exactidão técnica, o valor de depreciação do imóvel do autor.
Foram ainda ouvidas as testemunhas indicadas pelas 2ª e 3ª rés, FJ..., JJ..., BR... e PM..., as quais prestaram depoimentos isentos, objectivos e credíveis, que mereceram acolhimento do Tribunal, no que se refere à factualidade de cariz técnico sobre que versou os seus depoimentos, aliada ao facto de todas terem conhecimento directo das obras de construção do viaduto de (...).
A testemunha FJ..., engenheiro civil, funcionário da 2ª ré à data dos factos, exercia funções de gestor de contrato da obra. Esclareceu que o piso da auto-estrada, e do viaduto em causa nos autos, é impermeável e que a água é conduzida para as valetas. Que no viaduto existem guardas de segurança, destinadas à protecção de veículos pesados. Afirmou que se tratou de uma obra relativamente simples, sem recurso a explosivos ou grandes movimentações de terra.
A testemunha JJ..., engenheiro zootécnico, fazia parte da equipa de expropriações sub-contratada pela ré AEXXI e confirmou que não existiu qualquer expropriação de terrenos para a construção do viaduto, nomeadamente, terrenos do autor.
No que se refere ao depoimento de BR..., engenheiro civil, foi director da obra, em (...), quando trabalhava para a empresa RR---, a qual faz parte do agrupamento complementar de empresas da 3ª ré, CC---. Referiu que a escolha do local de implantação do viaduto e o traçado da auto-estrada não foi da autoria da CC---, que apenas executou o projecto. Afirmou desconhecer a utilização de explosivos na construção do viaduto. Que a obra teve início em 2010 e terminou em Junho de 2013, e o viaduto foi aberto ao trânsito em Setembro de 2013. Confirmou que o viaduto tem barreiras acústicas e um sistema de alta contenção, ou guardas de segurança, destinadas a prevenir os despistes dos veículos.
A testemunha PM..., engenheiro civil, trabalhava na CC--- à data dos factos, exerceu funções de director do lote 1, onde foi construído o viaduto de (...). Confirmou a existência de guardas de seguranças e a colocação de barreiras acústicas no viaduto.
*
No que concerne aos factos não provados, a decisão probatória ficou a dever-se à circunstância de sobre os mesmos não se ter produzido prova bastante a convencer o Tribunal, sendo certo que as testemunhas ou não tinham conhecimento de tais factos ou, quando tinham, tal não foi suficiente a persuadir o Tribunal da sua veracidade e ainda porque foi produzida prova em sentido contrário.
De facto, quanto aos factos julgados não provados, nem os depoimentos ouvidos habilitaram este Tribunal a concluir, com a segurança e a certeza exigíveis, pela demonstração da realidade não provada, nem a mesma foi alcançada por recurso à prova pericial.
Assim, no que se refere aos factos não provados elencados sob as alíneas A) e B), não resultou da prova testemunhal, ou mesmo documental, qualquer indicação de que o autor tenha sido informado da solução construtiva encontrada para evitar a proximidade do viaduto da sua casa de habitação, apesar de troca de correspondência com a 2ª ré, parcialmente transcrita sob os pontos 20 a 21 do probatória, mas na qual aquela recusa que o viaduto vá ser construído em terrenos do autor, concretamente a dois metros da casa do autor, como este alega.
Relativamente aos pontos C) a I) da matéria de facto não provada, o Tribunal considerou que, não obstante o autor e a testemunha JE..., seu irmão, afirmarem que ocorreram inundações e danos no logradouro do autor, que se encontraria cultivado, provenientes do arrastamento de águas e detritos na sequência das obras de construção do viaduto, tais afirmações não foram acompanhadas por qualquer das testemunhas arroladas pelo autor, que ou afirmaram desconhecer tais factos, ou afirmaram até que nunca viram aquele terreno ser cultivado (FL...).
De igual modo, sequer o autor foi capaz de quantificar os alegados danos sofridos.
No que se refere ao facto não provado elencado sob a alínea J), não foi produzida prova da sua verificação, afirmando as testemunhas desconhecer o aparecimento de fissuras nas paredes e estragos na tinta, os quais, apesar de verificados pelos peritos, não permitiram estabelecer a relação de causalidade do seu surgimento com a realização das obras de construção do viaduto. O julgamento de tal facto foi ainda sustentado pelo teor do termo de vistoria anterior ao início das obras (06/08/2010), subscrito também pelo autor, e que dá conta da existência de diversas fissuras antes da construção (cfr. ainda factos provados nº 23 e 24).
Igualmente, não foi produzida qualquer prova quanto ao ponto L) da matéria de facto dada como não provada, nomeadamente, o autor declarou que nunca colocou a sua casa à venda, o que, desde logo, afasta a possibilidade de demonstração do facto de não conseguir encontrar comprador para o seu imóvel, menos ainda quanto ao preço.
Por último, quanto ao facto não provado da alínea K) não foi possível demonstrar a invocada perigosidade, contrariada aliás pelo depoimento das testemunhas das rés que afirmaram que a colocação de guardas de segurança no viaduto se destina, precisamente, a obviar a esse perigo. As declarações do autor e das testemunhas por ele arroladas quanto ao receio de ver o seu prédio atingido por veículos, destroços e outros materiais resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto não foram alvo de demonstração técnica, limitando-se à manifestação de receios, suposições, medos, sem qualquer sustentação técnica ou científica.

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração, a sentença recorrida e as alegações apresentadas pelos recorrentes, maxime, as suas conclusões, supra transcritas, importa saber se aquela fez correcta aplicação das normas legais aplicáveis atenta a factualidade provada e não provada, também supra descritas, ou melhor, aprioristicamente, no essencial, importa analisar os vários pontos da matéria de facto provada e não provada que se mostram questionados, passando-se depois para a reanálise das questões jurídicas.
*
Antes, porém, de entrarmos na análise específica e crítica das provas levadas em consideração para se obterem os factos provados e não provados, importa que -similarmente ao propendido em casos semelhantes - clarifiquemos alguns conceitos inerentes a esta matéria, de molde a balizarmos, tanto quanto possível, a sindicância possível e adequada, no que concerne à modificação da matéria de facto, dada como provada, pela 1.ª instância, ainda que com base na jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa, quer do STA, quer deste TCA, os quais já lapidaram, com rigor, esta matéria e com os quais concordamos e já temos incluído noutras decisões por nós relatadas.
*
Assim, refere, a este propósito o Ac. do STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto”.
*
No mesmo sentido, vai o Ac. do mesmo Tribunal, de 14/3/2006, in Rec. 01015/06, que refere que “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P.Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 do C.P.Civil).
Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.
Tudo a aconselhar um especial cuidado por parte do tribunal superior no uso dos seus poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2003.06.18 – rec- nº 1188/02 e de 2004.06.22 – rec. nº 1624/03).
Sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e /ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância”.
*
Salientamos, ainda, (face às normas do CPTA) acerca desta matéria, o que se escreveu no Ac. deste TCA Norte, de 8/3/2007, in Proc. 00110/06, a saber :
Decorre do regime legal vertido nos arts. 140.º e 149.º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objecto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede.

Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no art. 149.º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do art. 712.º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 01.º e 140.º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objecto ou fundamento de recurso jurisdicional.

É que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que, na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa, não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação áudio. Tal como já era apontado pelo Juiz Cons. Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, o juiz, perante o qual foram prestados os depoimentos, sempre estará numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos do Prof. Enrico Altavilla "(…) o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., pág. 12).
Como já defendia o Prof. J. Alberto dos Reis “… É já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento ...” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 137).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este, pese embora, livre, no seu exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos do Prof. M. Teixeira de Sousa ”(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente (…)” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, pág. 348).
…Mercê do que vimos expondo ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão”.
*
Feitas estas considerações dogmáticas acerca da matéria, revertamos ao caso concreto dos autos.
Porém, para situar visualmente a casa do A. em correlação com o viaduto questionado, assim melhor se entendendo toda a problemática, na posição controvertida das partes, atentemos na foto que se segue e retirada da Peritagem colegial realizada.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

*
Regressemos, agora, ao caso concreto dos autos, começando por dar resposta à factualidade provada e não provada, questionada pelo A. que, para tanto, fez juntar aos autos, transcrição certificada da prova testemunhal produzida - cfr. fls. 830 a 973 do processo físico.
Analisada toda a prova produzida, incluindo a testemunhal - como vimos, transcrita por jurista e transcritor jurídico cuja fidelidade, aliás, as partes não questionaram - vejamos, então, caso a caso, a alegação do A., onde pretende a alteração da factualidade provada e não provada, com vista a obter os seus desideratos indemnizatórios acrescidos.
Quanto ao ponto 16 do probatório, onde se deu como provado que "O prédio do autor, antes da construção do viaduto de (...), tinha o valor de mercado de 145.000,00€".
Neste ponto, entende o A. que o valor correcto deverá antes ser de 225.000,00€, com consequências para o valor de depreciação do imóvel, após a construção do viaduto.
Carece de total razão o A.
Na verdade, excluída a sua posição subjectiva, pessoal, apresentada em sede de audiência de julgamento, nenhuma outra prova digna de crédito se mostra suficiente para abalar o que foi dado como provado no ponto 16 em causa, sendo certo que esse valor - 145.000,00€ - foi o valor unânime, suficiente e objectivamente justificado pelos três peritos que realizaram a perícia colegial, incluindo o indicado pelo A, com base em critérios técnicos que não evidenciam qualquer falta de rigor, mais justificado ainda no Relatório de fls. 609 a 611 - esclarecimentos - não se podendo olvidar que se tratava de um prédio/construção com muitos anos de idade - construído em 1983/1985 - estado de conservação e sem as actuais exigências de conforto do mercado imobiliário.
Deste modo, concordando-se com a justificação efectivada pela Sr.ª Juíza de direito que presidiu ao julgamento e elaborou a sentença questionada, com base na perícia realizada, entendemos manter o valor do imóvel, antes da construção do viaduto - 145.00,00€ - e bem assim a desvalorização justificada em 33.000,00€, apenas discordante em relação ao perito das RR., mas ainda assim com justificação técnica suficiente para se dar maior crédito ao veredicto dos demais peritos, do A. e do Tribunal, como se evidencia justificadamente do Relatório de Peritagem colegial.
Quanto aos factos constantes das als. C) a L), dados como não provados, a saber:
"C. Em Junho de 2011, as águas provenientes do decurso das obras invadiram o quintal do prédio do autor e penetraram no rés-do-chão, deixando no quintal mais de 20 centímetros de terra;
D. Para aí tendo sido encaminhadas pelos serviços da construção do viaduto da auto-estrada;
E. Só mais tarde, tais águas foram encaminhadas e escoadas por manilhas de cimento e retiradas do urbano do autor por um canal de água em direcção a via pública;
F. Nesse período o quintal do prédio do autor ficou todo cheio de lama;
G. Todas as culturas que ali existiam ficaram desfeitas e destruídas; e nem a erva conseguia nascer;
H. O logradouro do prédio urbano do autor foi invadido com terras e detritos provenientes do estaleiro da construção do viaduto;
I. O autor que trabalha no estrangeiro, teve que reparar e retirar as terras aludidas do seu prédio, durante o seu período de ferias de Verão, no que gastou cerca de 5.000,00 €;
J. A construção do viaduto, com a movimentação das máquinas, terras e aplicação de materiais e ate com a detonação de explosivos provocou o aparecimento no prédio do autor de fissuras nas paredes e estragou a pintura;
K. Com a implantação do viaduto de (...), o imóvel do autor fica exposto ao factor de grande perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respectiva sinistralidade, uma vez que fica em zona susceptível de ser atingida por veículos, destroços, materiais e outros elementos resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto;
L. O autor com a construção da obra citada não consegue encontrar comprador para o seu prédio urbano por mais de 100.000,00 €".
Vejamos!
Quanto às als. C) a I), atinentes a danos causados pela água e lamas provindas e derivadas da construção do viaduto.
Efectivada uma leitura atenta dos diversos depoimentos, com especial destaque para o da testemunha JE..., irmão do A. e que, porque este estava emigrado em França, além de tomar conta da casa, melhor acompanhou as obras de construção do viaduto, verificamos que também não assiste razão ao A.
Efectivamente, nenhuma das testemunhas ouvidas foi categórica em afirmar que viu, no quintal/logradouro do A., águas e lamas provindas da construção do viaduto, antes, se ali existiram águas, as mesmas verificaram-se no tempo normal das chuvas derivadas da pluviosidade habitual.
Igualmente, ninguém, em especial o irmão do A. JE..., foi peremptório em afirmar a impossibilidade de cultivo do quintal, apenas referindo, sem a necessária consistência, de que o mesmo foi lavrado por tractor, sendo, relevante ainda que nem ele, nem o A., emigrante em França, sequer referiram ter pago qualquer quantia para tratamento, retirada da eventual terra/lama existente no quintal, como foi alegadamente a quantia de cerca de 5.000,00€, valor referido como dispendido para o efeito, conforme al. I) dos factos dados como não provados.
Quanto à al. J), concretamente de que "A construção do viaduto, com a movimentação das máquinas, terras e aplicação de materiais e ate com a detonação de explosivos provocou o aparecimento no prédio do autor de fissuras nas paredes e estragou a pintura ", igualmente não resultou da prova produzida que as fissuras existentes na casa do A., como as objectivadas no Relatório pericial, tivessem derivado da construção do viaduto, na medida em que a sua construção específica foi efectivada com o recurso à técnica de estacas para a fundação dos pilares, logo sem grandes movimentações de máquinas e terras e igualmente não se demonstrou que, na proximidade da casa do A., tenham sido efectivados rebentamentos/explosões para eliminação de elementos rochosos, sendo mesmo que as testemunhas que os referiram não foram coincidentes nos períodos em que terão sido realizados --- se durante a tarde ou mesmo durante a noite -- além de que, a terem existido, o foram a cerca de 600 metros de distância o que, em termos de razoabilidade, à míngua de outras demonstrações técnicas, não permite justificar as fissuras existentes na casa do A.
Acresce que, relevantemente --- como se refere na motivação propendida a este respeito pelo TAF de Mirandela - supra transcrita --- as fissuras já existiam antes do início das obras, como se evidencia na vistoria realizada antes do início das mesmas, cujo Termo também se mostra subscrito pelo A.
Concluímos, deste modo, pela improcedência igualmente desta vertente alegatória.
Quanto à al. K) --- Com a implantação do viaduto de (...), o imóvel do autor fica exposto ao factor de grande perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respectiva sinistralidade, uma vez que fica em zona susceptível de ser atingida por veículos, destroços, materiais e outros elementos resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto --- pese embora se possa entender que inexiste perigosidade acrescida - como o afirmaram as testemunhas arroladas pelas Rés - pelo facto de terem sido colocadas guardas de segurança ao longo da via, com o fim de evitarem essas ocorrências, não podemos deixar de concluir que, com a existência de uma auto estrada, em viaduto, a cerca de 8,80 metros da casa do A e em plano superior - como a foto acima inserida evidencia - não se potencia um eventual dano que, apesar de improvável, ninguém pode assegurar que não se verificará, sendo certo que é do conhecimento comum que a dinâmica dos acidentes rodoviários, em especial num contexto de grande velocidade - 120 km/h -, pode ocasionar o lançamento de destroços a grande distância e ultrapassarem mesmo, em altura, as guardas de segurança e sistema de alta contenção utilizado, nas palavras das testemunhas. v.g., Eng.º BL….
Naturalmente, que este dano ainda que improvável, mas sempre possível, ainda que possa sopesar na desvalorização do imóvel --- supra referido e que se confirmou - 33.000,00€ --- não deixaremos assim de o reflectir também como dano não patrimonial, como infra melhor se desenvolverá/justificará.
Finalmente, quanto à al. L) Al. L) onde consta: "O autor com a construção da obra citada não consegue encontrar comprador para o seu prédio urbano por mais de 100.000,00 €."
, reafirmando o que se disse a este propósito na sentença recorrida, tal alegação não se mostra demonstrada, não passando de uma afirmação inconsequente, pois que o A. - como ele afirmou em julgamento - nem sequer tentou vender o seu prédio, pô-lo à venda, sendo certo que o valor, depois da construção do viaduto e consequente desvalorização (33.000,00€) se situará, em termos comerciais, de acordo com a peritagem em cerca de 112.000,00€ (145.000,00-33.000,00).
Relembra-se apenas que se trata de um prédio/habitação com cerca de 40 anos, sem as técnicas de construção e conforto como as agora existentes, como foi afirmado no Relatório de peritagem e depoimentos testemunhais, em sede de audiência de julgamento.
*
Deste modo, apenas com a excepção referente à al. K) - referente à acrescida perigosidade da existência da auto estrada, em viaduto, por cima e ao lado da casa do A. -, entendemos não alterar a factualidade provada, como peticionado pelo A.
**
Quanto aos arts. 52.º, 53.º, 61.º, 62.º, 71.º e 78.º da petição inicial e que o A. pretende igualmente que sejam dados como provados.
Vejamos!
Quanto aos arts. 52.º e 53.º, onde se refere que, no seguimento do art.º 51.º ("Dado que com tamanha construção ao nível das janelas e das portas torna-se impossível ali residir com o mínimo de dignidade") que - art.º 52.º - "Uma vez que a casa do A. fica. como está, exposta è amissão de fumos, produção de ruídos, poluição e outros factores semelhantes " e - art.º 53.º- "A qualquer hora do dia e da noite", além do facto de já se ter dados como provados que - ponto 13 - "Após a construção do viaduto de (...), a casa do autor ficou exposta a ruído introduzido pela passagem das viaturas e pela transposição das juntas de dilatação que se encontram instaladas no dito viaduto" - ponto 14 - "Aquela construção tem um impacto visual negativo no prédio urbano do autor", nenhuma prova foi produzida, sequer testemunhal convincente, de que a casa ficou exposta à emissão de fumos, etc., sendo de relevar que nenhuma abertura (janela ou porta) se encontra aberta no alçado que confina com o viaduto, sendo antes uma parede "cega".
Quanto aos arts. 61.º e 62.º, onde se alega que - art.º 61.º - "Mais impedindo a plantação, crescimento e frutificação de árvores de fruto, hortícolas e vegetação, flores e culturas de jardim no logradouro" - art.º 62.º - "O urbano do A. ficou, como está, mais frio e sombrio", pese embora se possa inferir que do ponto 15 da factualidade dada como provada - "A implantação do viaduto de (...) prejudica a obtenção de luz e luminosidade naturais para o prédio do autor, especialmente no Inverno" -, já resultam esses danos, nada impede que, em abono do rigor, se acrescente que, efectivamente, com a implantação do viaduto, o prédio do A, ficou mais frio e sombrio e também prejudicado o normal crescimento e frutificação de árvores de fruto, hortícolas, flores de jardim, pois, a diminuição da exposição do prédio ao sol - como é do conhecimento comum - essa falta, redução de luminosidade, sol, não potencia o crescimento das plantas e frutos.
Quanto ao art.º. 71.º, - este na sequência do anteriormente alegado de que o prédio antes da construção do viaduto tinha um valor de 225.000,00€ - "Isto porque, além do que se alegou, o A. ficou também impedido de vender o prédio pelo justo preço comercial e de mercado que o imóvel tinha antes das obras do viaduto estarem concluídas", nada se provou neste sentido, sendo mesmo que, como se disse supra, quanto à al. L) dos factos dados como não provados, o A. nunca colocou o prédio à venda, pelo que se mostra insubsistente esta alegação.
Quanto ao art.º 78.º onde se diz, na sequência da alegação de que "O A. perdeu a alegria de viver e sente-se injustiçado" - art.º 77.º - o que foi dado como provado - convenhamos - ponto 19 da factualidade dada como provada - que "Tanto mais por verem o investimento de uma vida de trabalho ficar completamente inutilizado por via da actuação das RR.", importa apenas salientar que, pese embora a objectiva desvalorização do prédio, no que será ressarcido, o mesmo continua a ter um valor, ainda que menor, pelo que improcede igualmente esta alegação.
***
Deste modo e concluindo, em deferimento parcial, nesta parte da alegação do A., importa dar ainda como provados os seguintes factos, numerados na sequência dos demais dados como provados:
"27 . Com a implantação do viaduto de (...), o imóvel do autor fica exposto ao factor de perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respectiva sinistralidade, uma vez que fica em zona susceptível de, ainda que em grau diminuto, poder eventualmente ser atingido por veículos, destroços, materiais e outros elementos resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto.
28 . Com a implantação do viaduto, em virtude da diminuição de exposição solar, o prédio do A. ficou mais frio e sombrio e também prejudicado o normal crescimento, desenvolvimento e frutificação de árvores de fruto, hortícolas e flores de jardim".
***
Decidida a matéria de facto, revertamos, agora, à reanálise jurídica, matéria questionada pelas partes, ainda que em graus diversos, conforme o "interesse" de cada um dos recorrentes.
A sentença do TAF de Mirandela estribou a sua argumentação nos seguintes termos - que se reproduz com vista, por um lado, a melhor se apreender o sentido decisório e, por outro, dispensarmo-nos, data venia, de repetições jurídico dogmáticas desnecessárias -:
"Na presente acção o autor demanda as rés peticionando a sua condenação ao pagamento da quantia de 146.500,00 €, sendo 131.500,00 €, a título de danos patrimoniais decorrentes da desvalorização do imóvel, e 15.000,00 €, a título de danos morais, acrescida dos correspondentes juros de mora, com vista a efectivar a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas tem consagração constitucional no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa e encontra, no âmbito infraconstitucional, regulamentação legislativa no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
Determina o artigo 22º da CRP sob a epígrafe Responsabilidade das entidades públicas”, que: “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
Consagra-se, assim, um princípio geral de responsabilidade do Estado, reunindo todas as funções do Estado (a administrativa, a político-legislativa e a jurisdicional), englobando tanto os danos patrimoniais como os não patrimoniais que advenham do exercício dessas funções.
Trata-se de um princípio estruturante do Estado de Direito, que conjugado com o disposto no artigo 202º, nº 2 da CRP, que estatui que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (...)”, funda a responsabilidade do Estado pelos danos causados por factos ilícitos perpetrados no âmbito do exercício de todos os poderes públicos.
Tal responsabilidade tem por escopo uma função reparadora, na medida em que, caso os poderes públicos no exercício das suas actividades, e na prossecução das suas atribuições, lesem um direito fundamental, existe um dever de reparação.
Nos presentes autos, o autor formula um pedido indemnizatório contra as rés, com fundamento na violação ilícita do seu direito de propriedade, por considerar que as rés, a fim de executarem o viaduto de (...), executaram obras que provocaram danos nos terrenos e na casa do autor, dos quais resultaram, alegadamente, prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial que devem ser ressarcidos.
*
Antes de mais, cumpre dizer que, na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 91/2015, de 29 de Maio, a EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. foi incorporada, por fusão, na REDE FERROVIÁRIA NACIONAL – REFER, E.P.E. (REFER, E.P.E.), e transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. (IP, S.A.) (cfr. artigo 1º daquele diploma legal).
À data dos factos em apreciação nos presentes autos, regia o Decreto-lei nº 374/2007, de 7 de Novembro, que transformou a E. P. - ESTRADAS DE PORTUGAL, E. P. E., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a designar-se por EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S. A., à qual, apesar de ser uma sociedade anónima, a lei atribuiu poderes, prerrogativas e deveres de autoridade típicos dos atribuídos ao Estado.
Efectivamente, o seu Estatuto (aprovado pelo indicado DL 374/2007) prevê no artigo 10º, nº 1 que: “Compete à EP - Estradas de Portugal, S.A., relativamente às infra-estruturas rodoviárias nacionais que integrem o objecto da concessão a que se refere o artigo 4º, zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre circulação.”
Por seu turno, o nº 2, alínea h) do citado preceito estabelece que: “Para o desenvolvimento da sua actividade, a EP – Estradas de Portugal, S.A., detém os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita: à responsabilidade civil extracontratual, nos domínios dos actos de gestão pública.”
E, o artigo 8º, nº 1 dos indicados Estatutos dispõe que: “As infra-estruturas rodoviárias nacionais que integram o domínio público e que estejam em regime de afectação ao trânsito público ficam nesse regime sob administração da EP – Estradas de Portugal, S.A.”.
Resulta do regime acabado de expor que pertence à 1ª ré a representação do Estado no domínio das infra-estruturas rodoviárias. Assim, as funções que lhe são atribuídas pelo Decreto-Lei nº 374/2007, no que respeita às infra-estruturas rodoviárias nacionais que integram o objecto da sua concessão, concedem-lhe poderes de autoridade próprios do Estado.
Pelo Decreto-lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, foram aprovadas as bases da concessão atribuída à EP e pela Resolução do Conselho de Ministros nº 174-A/2007, de 14 de Novembro, foi aprovada a minuta do contrato de concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional a celebrar entre o Estado Português e a EP - Estradas de Portugal, S. A.
De seguida, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 177/2007, de 22 de Novembro, de 10 de Dezembro de 2007, foi determinado que a EP lançasse, até ao final de 2007, concurso público internacional para a Concessão Auto-estrada Transmontana, integrando, designadamente, o Itinerário Principal (IP) 4, entre Vila Real e Bragança (Quintanilha), na sequência do qual foi outorgado o contrato de subconcessão entre as 1ª e 2ª rés.
Do referido quadro legal é possível inferir-se que a responsabilidade extracontratual por que a 1ª ré é demandada se desenvolve num âmbito de ambiência pública, tendo em conta as suas atribuições legais. Deste modo, a sua eventual responsabilização por actos ou omissões dessa sua actividade insere-se no quadro de aplicação da norma do artigo 1º, nº 5 do RRCEE (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal de Conflitos de 29/01/2015, processo nº 050/2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt, tal como todos adiante indicados sem outra referência, e toda a jurisprudência lá citada).
Ora, a aplicação do artigo 1º, nº 5 do RRCEE não é abalada pela celebração do contrato de subconcessão entre as 1ª e 2ª rés, nem pela posterior celebração de contrato de empreitada de obras públicas, denominado contrato de Projecto e Construção, entre as 2ª e 3ª rés, já que tais contratos se caracterizam pela sua sujeição a um regime substantivo de direito público, de onde relevam factores objectivos de administratividade.
Com efeito, a natureza administrativa do contrato de empreitada de obras públicas não se cinge a aspectos de índole procedimental próprias da fase de formação da vontade de contratar, nem resulta apenas do facto do contrato visar formalmente uma finalidade de interesse público, mas também se manifesta na execução do próprio contrato. Nesta conformidade, a actuação do empreiteiro é indissociável das considerações de interesse público subjacentes ao contrato, encontrando-se, de igual forma, sujeito à interferência das 1ª e 2ª rés, que, no exercício dos seus poderes de autoridade, podem vigiar e fiscalizar a sua actuação.
De uma forma geral, no caso dos autos está-se perante actividades materialmente administrativas, apesar de praticadas por pessoas colectivas de direito privado.
Assim sendo, dispõe o artigo 1º, nº 5 do RRCEE que: “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”
As disposições do RRCEE aplicáveis, por extensão, a pessoas colectivas de direito privado, são as que regulam a responsabilidade civil por danos decorrentes da função administrativa e, assim, as que constam do seu Capítulo I (artigos 1º a 6º), do Capítulo II (artigos 7º a 11º) e do Capítulo V (artigo 16º), este último apenas na parte em que se refere a danos provocados no exercício de um poder administrativo (cfr. neste sentido, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, 2011, página 56).
*
Ora, estabelece o artigo 7º, nº 1 do RRCEE que “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.
Os pressupostos de verificação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas por factos ilícitos correspondem, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, com consagração legal no artigo 483º do Código Civil (CC), segundo o qual a obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados impende sobre todo aquele que “com dolo ou mera culpa” violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios, revestindo, porém, algumas especificidades quanto aos requisitos da ilicitude e da culpa tal como previstos nos artigos 9º e 10º do RRCEE.
Assim, a apreciação da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito das rés pela ocorrência dos danos ora reclamados pelo autor, implica a análise e verificação cumulativa dos pressupostos a seguir elencados, incumbindo ao autor, de acordo com as regras do ónus da prova, invocar e provar os factos constitutivos dos mesmos:
*
Importa agora, face às considerações supra descritas, efectuar a subsunção dos factos às normas.
Como vimos, no caso dos autos, a conduta ilícita que o autor imputa à ré prende-se com a violação do seu direito de propriedade “em transgressão entre outros dos artigos 1302º, 1305º, 1344º e 1346º do C.C., 9º, nº 1, 2, 4, a) da Lei 11/87 de 7 de Abril”.
Compulsado o teor das normas invocadas pelo autor constata-se, de imediato, serem inaplicáveis ao presente caso, as normas do Código Civil invocadas, desde logo, porque o viaduto de (...) não foi construído sob ou sobre o imóvel do autor, não violando, portanto, os seus limites materiais, nem se demonstrou a emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como a produção de trepidações ou outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho.
No que se refere às invocadas normas da Lei de Bases do Ambiente (actualmente revogada pela Lei nº 19/2014, de 14 de Abril), determinam as mesmas que:
“Artigo 9º - Luz e níveis de luminosidade
1 - Todos têm o direito a um nível de luminosidade conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto na habitação, no local de trabalho e nos espaços livres públicos de recreio, lazer e circulação.
2 - O nível de luminosidade para qualquer lugar deve ser o mais consentâneo com vista ao equilíbrio dos ecossistemas transformados de que depende a qualidade de vida das populações.
3 - Os anúncios luminosos, fixos ou intermitentes, não devem perturbar o sossego, a saúde e o bem-estar dos cidadãos.
4 - Nos termos do número anterior, ficam condicionados:
a) O volume dos edifícios a construir que prejudiquem a qualidade de vida dos cidadãos e a vegetação, pelo ensombramento, dos espaços livres públicos e privados; (…)”.
Da leitura da norma acabada de transcrever resulta, desde logo, a inaplicabilidade do nº 4 à situação dos autos, por se referir a anúncios luminosos.
Compulsados os autos, verifica-se que, pela presente acção, o autor visa ver ressarcidos os prejuízos alegadamente sofridos em resultado da construção do viaduto de (...) junto à sua habitação.
Sucede que, analisada a alegação do autor e a prova produzida nos presentes autos, desde logo, se conclui que inexiste, in casu, para começar, qualquer facto ilícito, praticado pelas rés ou pelos profissionais ao seu serviço.
De facto, não se nos afigura que exista aqui um qualquer facto ilícito, uma vez que a ilicitude, implica, em si, um juízo de censura que antecede a própria culpa do agente. Neste caso, implicaria um juízo de desconformidade com as práticas de construção civil correntes, o que, claramente, não terá sucedido.
Consabidamente, a construção de uma auto-estrada, e do viaduto que integra o seu traçado, envolve a prática de actos materiais lícitos que poderão causar aos particulares da população envolvente (e, neste caso, em particular, ao autor) particulares prejuízos.
Para além deste tipo de actos materiais (que são, iminentemente, lícitos e passíveis de responsabilização do Estado sob essa égide) não se descortina a existência de qualquer acto ilícito, mormente praticado com violação do direito de propriedade do autor, sendo que o autor também não procura esclarecer/densificar em que medida a factualidade que aduz possa traduzir-se numa actuação ilícita, concluindo, pura e simplesmente, que teve lugar uma violação do direito de propriedade do seu imóvel.
Pelo exposto, e à luz da factualidade provada nos autos, não resulta demonstrado que, pelas rés, tenha sido praticada qualquer acção ou omissão violadora de disposições legais ou regulamentares ou infringidas regras de ordem técnica, do que resulta não se verificar ilicitude na conduta das rés.
*
Atento, porém, o principio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão, “jura novit curia”, consagrado no artigo 5º, nº 3 do CPC, que determina que: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”, cumpre, agora, analisar a possibilidade de convolação do pedido do autor com fundamento em facto lícito.
Neste sentido, cfr. CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, 2011, páginas 234 e seguintes, ao defender, a propósito da possibilidade de convolação da responsabilidade delitual em responsabilidade pelo risco que tal: “implica apenas uma nova subsunção jurídica dos factos tal como foram alegados pelo autor na petição, a que o juiz poderá proceder ao abrigo do disposto no artigo 664º do CPC (actual 5º, nº 3), pelo qual o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, e não está assim vinculado à qualificação jurídica adoptada na petição, podendo livremente alterá-la mediante a subsunção dos factos numa figura jurídica diversa daquela que foi inicialmente considerada. Assim, nada obsta a que o tribunal, perante a inconcludência probatória relativamente a algum dos requisitos essenciais da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade delitual (v.g. por se não provar a existência de facto ilícito ou a conduta culposa), possa averiguar se se verificam, com base nos factos apurados, os pressupostos da responsabilidade pelo risco e, em caso afirmativo, condenar no pedido (…)
Não estamos aqui perante uma questão nova, mas perante uma diferente qualificação jurídica que é suportada pelos factos que foram alegados na acção ou resultam da instrução da causa.
Sublinhe-se ainda que a convolação (…) nos termos anteriormente expostos, em nada afronta o principio da estabilidade da instância. Na verdade, a convolação não implica uma qualquer alteração ou ampliação da causa de pedir, mas antes a possibilidade de integrar os factos alegados na petição inicial, e que tenham sido dados como provados, num regime jurídico diverso daquele que o autor invocou nesse articulado ou que a decisão judicial veio a adoptar.”.
Aderindo à posição acabada de transcrever, com cuja fundamentação concordamos, cumpre agora apreciar e decidir o peticionado pelo autor, ao abrigo do regime da responsabilidade civil extracontratual por facto lícito.
A responsabilidade dos entes públicos por factos lícitos, cujos efeitos danosos são toleráveis por referência ao interesse público e sendo os seus custos repartidos pela colectividade, cujos interesses fundamentaram tais intervenções, visa indemnizar apenas os danos que excedam os custos normais da vida em sociedade.
Caracteriza-se como uma prestação de ressarcimento extracontratual, por actos de gestão pública caracterizados enquanto intervenções lícitas, ou seja, decorrentes da prossecução do interesse público que, por vezes, impõe consequências negativas (sacrifícios) na esfera jurídica dos particulares.
A indemnização pelo sacrifício, porque assente numa actividade pública lícita, tem o seu fundamento no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, o qual configura uma expressão do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º, nº 1 da CRP e consagração legislativa no artigo 16º do RRCEE, que prescreve que: “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.”. A letra da lei é clara, por exigir a especialidade e anormalidade do dano, e por mandar atender, no cálculo da indemnização ao grau de afectação substancial do direito ou interesse sacrificado, o que nos remete para um intuito de conversão equitativa de um direito ou interesse num valor económico, que poderá não corresponder à totalidade do seu valor, visando-se apenas compensar os prejuízos desproporcionais decorrentes das intervenções lícitas dos entes públicos.
Portanto, de qualquer intervenção lícita dos entes públicos resultam necessariamente dois tipos de danos: i) os danos que correspondem aos encargos gerais da vida em sociedade, e ii) os danos especiais e anormais, que colocam o lesado numa situação de desigualdade em relação aos demais membros da colectividade.
Reclamando uma indemnização, o lesado saberá que apenas serão atendidos os danos especiais e anormais, dado que, ainda antes do cálculo da indemnização, os danos passam pelo crivo dessa dupla exigência de dignidade jurídica acrescida dos danos indemnizáveis. Claro que se o particular provar que todos os danos são especiais e anormais, todos os danos serão atendidos na indemnização, mas continua a valer a limitação do cálculo da mesma.
A atribuição de uma indemnização pelo sacrifício está dependente da verificação de determinados pressupostos. Assim, e tendo presente o teor do artigo 16º do RRCEE, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
i) Actuação lícita de uma entidade pública ou que exerça funções públicas, no exercício de uma das funções estaduais – legislativa, política (stricto sensu), jurisdicional ou administrativa – acção ou omissão;
ii) Prossecução do interesse público;
iii) Dano especial e anormal provocado aos particulares;
Consideram-se especiais os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas, e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito (cfr. artigo 2º do RRCEE).
iv) Nexo de causalidade entre a actuação e o prejuízo
A causalidade adequada, nos termos do artigo 563º do CC, circunscreve os danos indemnizáveis aos resultantes de uma actuação que, em condições de normalidade social, e num juízo virtual de prognose póstuma, se mostre apta à sua produção.
Verificados estes pressupostos, que são de verificação cumulativa, deverão os particulares ser indemnizados pelo sacrifício suportado.
*
Importa, então, analisar se se verificam, in casu, os pressupostos de que depende a obrigação de indemnização pelo sacrifício.
i) Actuação lícita do Estado ou outra pessoa colectiva pública
Compulsados os autos, resulta provado que em causa está a concessão e subconcessão da concepção, projecto, construção, duplicação de vias, financiamento, conservação e exploração, do lanço de auto-estrada onde se inclui o trecho da A4/IP4 - Vila Real (Parada de Cunhos) / Quintanilha (cfr. factos provados nº 5 a 8).
Demonstrado, supra, que não estamos perante qualquer actuação ilícita das rés, conclui-se que está em causa nos autos a actuação lícita de entidades públicas ou que exercem funções públicas, no exercício da função administrativa, pelo que se dá como verificado o primeiro pressuposto.
*
ii) Prossecução do interesse público
Conforme supra referido, a concessão da auto-estrada em causa destina-se, entre o mais, à requalificação, alargamento e duplicação das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional (cfr. factos provados nº 5 e 6), pelo que, a construção de auto-estradas, e em especial o lanço em causa nos presentes autos (A4), é um empreendimento nacional indispensável ao desenvolvimento do País.
Face ao exposto, verifica-se preenchido o pressuposto da prossecução de um interesse público.
*
iii) Danos ou encargos anormais e especiais
O autor alega que, com a construção do viaduto de (...), sofreu danos não patrimoniais, que computa em 15.000,00 €, e danos patrimoniais, consubstanciados no valor a que chegou pela diferença do valor estimado do imóvel antes da construção e o valor que o mesmo passou a ter no mercado em virtude da construção do viaduto de (...) (desvalorização do imóvel), que avalia em 125.000,00 €, bem como, pelos danos causados pela construção do imóvel, inundações e danos na pintura e logradouro, no valor global de 6.500,00 €.
Ora, conforme referido acima, a indemnização pelo sacrifício prevista no artigo 16º do RRCEE, apenas contempla encargos impostos aos particulares ou danos especiais e anormais causados aos mesmos.
Compulsados os autos, resulta provado que:
- A casa do autor, no ponto mais próximo do viaduto de (...), dista cerca de 8,80 metros da projecção vertical do respectivo tabuleiro (cfr. facto provado nº 10);
- O viaduto de (...) passa, aproximadamente na perpendicular, por cima da EN 322 e a uma altura superior ao prédio urbano do autor (cfr. facto provado nº 11);
- Após a construção do viaduto de (...), a casa do autor ficou exposta a ruído introduzido pela passagem das viaturas e pela transposição das juntas de dilatação que se encontram instaladas no dito viaduto (cfr. facto provado nº 13);
- O viaduto de (...) tem um impacto visual negativo no prédio urbano do autor (cfr. facto provado nº 14);
- A implantação do viaduto de (...) prejudica a obtenção de luz e luminosidade naturais para o prédio do autor, especialmente no Inverno (cfr. facto provado nº 15);
- O prédio do autor, antes da construção do viaduto de (...), tinha o valor de mercado de 145.000,00 € (cfr. facto provado nº 16);
- O valor da depreciação do imóvel do autor, após a construção do viaduto de (...), é de 33.000,00 € (cfr. facto provado nº 17);
Ou seja, no caso dos autos, e como resulta da matéria de facto assente, é possível afirmar que da construção do viaduto referenciado nos autos resultou uma redução de exposição solar, sobretudo no Inverno, resultando também provado que a circulação de veículos no viaduto de (...) tem também impacto na esfera jurídica do autor, por daí resultar um aumento do ruído.
Todos estes condicionalismos derivam directamente da construção e utilização do viaduto em causa nos presentes autos (actuação lícita), o qual acaba assim por ter um impacto negativo que incide especialmente sobre a esfera jurídica do autor, quanto ao valor do imóvel sua propriedade, por daí resultar uma desvalorização do imóvel, cuja perda de valor se fixou em, pelo menos, 33.000,00 €, sendo possível concluir pela existência de uma relação de causalidade directa entre a construção do viaduto de (...) e a desvalorização do imóvel pertença do autor.
Tal prejuízo reveste também as características da especialidade e anormalidade, como se verá. A este propósito, segue-se a jurisprudência unânime dos Tribunais superiores, em situações idênticas às dos autos, nos moldes que se passam a transcrever (destaques meus):
- “II - Prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; prejuízo anormal o que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração. III - É especial e anormal, nos termos referidos, o prejuízo decorrente da construção de um viaduto por cima e ao lado de um prédio dos autores, com casa de habitação onde vivem, se o seu valor desceu para cerca de metade e viu diminuído o tempo de incidência dos raios solares e aumentado o ruído e poluição.” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/12/2012, processo nº 01101/12;
- “II — Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a certa pessoa determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal, aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração. III — Se a fatia de encargo público suportada pelos Requeridos se mostra agravada na medida dos prejuízos especiais e anormais sofridos — no caso, correspondente ao valor de 24.000,00€ —, tal facto desequilibra os pratos da balança, cuja simetria assenta no princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, com a gravidade suficiente à injunção do dever de reposição da igualdade. IV - O seu reequilíbrio, enquanto repositório dessa igualdade e justiça na repartição dos encargos públicos, é susceptível de ser reposto por via indemnizatória, na medida dos danos especiais e anormais e no preenchimento dos demais pressupostos.” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22/10/2015, processo nº 01098/04.8BEBRG;
- “I) – A responsabilidade extracontratual por facto lícito implica a existência de prejuízo especial e anormal. II) – É o caso da construção de viaduto de auto-estrada a poucos metros confinante com habitação dos autores, de que resultou desvalorização de 20% do valor do imóvel (com um valor de € 90.000,00 -noventa mil euros), em função da perda de qualidade ambiental, por aumento de ruído e diminuição de exposição solar (ruído a que antes não estavam sujeitos, e, num juízo empírico e de inferência, de considerável incomodidade; exposição solar drasticamente diminuída)” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08/04/2016, processo nº 01095/04.3BEBRG;
- “Todos estes condicionalismos derivam directamente da construção e utilização da via rodoviária referenciada nos presentes autos (actuação lícita), que acaba assim por ter um impacto negativo que incide especialmente sobre a esfera jurídica dos Autores, quanto ao valor do imóvel pertença dos Autores, por daí resulta uma desvalorização do imóvel, cuja perda de valor se fixou em, pelo menos, € 15.000,00, sendo possível concluir pela existência de uma relação de causalidade directa entre a construção e abertura ao trânsito do lanço de auto-estrada em causa, e a desvalorização do imóvel pertença dos Autores. Tal prejuízo reveste também as características da especialidade e anormalidade, como se verá. Efectivamente, é jurisprudencialmente aceite, nomeadamente quando estão em causa situações muito semelhantes com a dos presentes autos que “é especial e anormal, nos termos referidos, o prejuízo decorrente da construção de um viaduto por cima e ao lado de um prédio dos autores, com casa de habitação onde vivem, se o seu valor desceu para cerca de metade e viu diminuído o tempo de incidência dos raios solares e aumentado o ruído e poluição ” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 19-12-2012, rec. nº 01101/12, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt).” - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30/10/2020, processo nº 01276/06.5BEBRG;
- “1. É de considerar um sacrifício anormal e especial a desvalorização do prédio do Autor em 86.059€38 (oitenta e seis mil e cinquenta e nove euros e trinta e oito cêntimos), para efeitos do disposto no artigo 6º da Lei nº 67/2007, de 31.12, sobre a responsabilidade extracontratual por facto lícito. 2. Desvalorização que resultou da passagem de uma auto-estrada a 2 metros da zona de estrada ao logradouro e 10 metros da zona de estrada ao edifício de habitação do prédio do autor. (…)” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 02/07/2021, processo nº 00103/13.1BEAVR.
A análise feita nos Acórdãos acabados de transcrever é integralmente transponível para a situação em causa nos autos, e, assim, não poderá deixar de se concluir que o prejuízo invocado pelo autor – a desvalorização do imóvel – é especial, porque atinge especialmente o autor, que viu a sua habitação perder valor em consequência da construção e funcionamento do viaduto de (...), que visou servir a comunidade. Desvalorização de todo inesperada, que atinge especialmente o autor e o seu agregado familiar, não extensível à população em geral.
Mas mais, o dano invocado é, também, anormal, porquanto o imóvel do autor sofreu, de acordo com a opinião técnica da maioria dos peritos nomeados no caso dos autos, uma depreciação do seu valor de mercado, decorrente da construção do referido viaduto, configurando este um sacrifício que não só não resulta imposto à generalidade dos cidadãos, como não pode ser considerado como consequência dos riscos resultantes da vida em sociedade, o que determina a sua relevância indemnizatória.
Nestes termos, os danos patrimoniais invocados pelo autor, relativos à desvalorização do seu imóvel, revelam-se especiais e anormais, o que determina a sua relevância indemnizatória.
No que se refere aos invocados danos patrimoniais decorrentes de inundações, fissuras e estragos na pintura e logradouro do autor, por não provados, não são indemnizáveis [cfr. factos não provados elencados sob as alíneas C), F), H), I) e J)].
Já no que se refere aos danos não patrimoniais, desde já, adiantamos que os mesmos não podem ser considerados um dano anormal, porquanto leves e parciais (uma vez que não é totalmente afectado o gozo standard do imóvel).
Com efeito, os danos morais sofridos pelo autor, atenta a licitude da conduta das rés, atentos os factos provados e os contornos da situação concreta, não assumem a necessária característica da anormalidade exigida pelo artigo 16º do RRCEE, pelo que, não são passíveis de ser indemnizados ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos.
*
iv) Nexo de causalidade
O autor invoca que tem um prejuízo patrimonial de cerca de 125.000,00 € que corresponde à diferença entre o valor estimado do seu prédio antes da construção do viaduto (225.000,00 €) e o valor que o mesmo passou a ter no mercado (100.000,00 €), após a construção do viaduto.
Como vimos, a obrigação de indemnizar apenas existe relativamente aos danos que o autor (enquanto lesado) provavelmente não teria sofrido se não fosse a construção do viaduto (lesão), nos termos da teoria da causalidade adequada prevista no artigo 563º do CC.
Ora, não há dúvidas quanto à proveniência do dano e, por isso, quanto à verificação do quarto requisito da responsabilidade civil por facto lícito, respeitante à existência de nexo de causalidade entre a actuação lícita – a construção do viaduto de (...) – e o prejuízo invocado – a desvalorização da habitação do autor.
Face ao exposto, verifica-se preenchido o pressuposto do nexo de causalidade, quanto aos danos patrimoniais.
*
Precisada a obrigação de indemnizar, importa agora determinar o quantum desta obrigação de indemnizar.
Em causa nos presentes autos está a desvalorização que a construção do viaduto de (...) acarretou para o imóvel do autor.
Assim, em termos de quantificação do dano, deve atender-se ao valor que o imóvel tinha antes construção e o seu valor após a construção do mesmo.
Compulsados os autos, resulta provado que o valor do prédio do autor, antes da construção do viaduto, era de 145.000,00 €, na opinião técnica de todos os peritos nomeados (cfr. facto provado nº 16) e o valor da depreciação do imóvel do autor, após a construção do viaduto de (...), é de 33.000,00 €, na opinião técnica dos peritos nomeados pelo Tribunal e pelo autor e de 9.000,00 €, na opinião do perito nomeado pela ré (cfr. facto provado nº 17 e relatório pericial de fls. 632-648 dos autos).
Conforme consta do próprio Relatório de Perícia junto aos autos, não foi possível obter respostas unânimes pelo colégio de peritos, entre outros, quanto ao valor de depreciação.
Ora, atendendo a que a maioria (dois dos três) dos peritos nomeados atribuiu à depreciação do prédio do autor o valor de 33.000,00 €, será este o valor a considerar por espelhar, de modo mais aproximado e com razoável grau de exactidão técnica, o valor de desvalorização do imóvel do autor.
Face ao exposto, fixa-se o montante da indemnização pelo sacrifício do autor em 33.000,00€.
*
Ao abrigo do estatuído nos artigos 804º, 805º, nº 1 e 3, e 806º, todos do CC, são devidos também juros de mora legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento, contados à taxa anual de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento (cfr. artigo 559º do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril)".
***
Quanto ao recurso do A.
Continua o A. a questionar a violação do seu direito de propriedade, mas sem qualquer razão, ignorando-se, no essencial, a argumentação propendida pela sentença recorrida.
Na verdade, apesar de o seu prédio ter sofrido uma desvalorização, não se pode falar em qualquer ablação susceptível de enquadramento na violação do direito de propriedade - que não é um valor absoluto - nem mesmo se verifica qualquer actuação --- atentos os factos provados, definitivamente fixados, em prejuízo da alegação do A. quanto a danos real e objectivamente verificados com a construção/implantação do viaduto ---, seja por acção ou omissão, enquadrável na responsabilidade por acto ilícito.
Antes - como se decidiu na sentença recorrida - a situação dos autos apenas se mostra enquadrável em termos de responsabilidade civil por actos lícitos, sendo ainda que se mostram verificados todos os requisitos pertinentes, conforme justificado devida e suficientemente na decisão do TAF de Mirandela, aludindo a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores da jurisdição administrativa que versaram situações objectivamente similares, pelo que nos dispensamos de repetir/reafirmar essa abordagem e conclusão.
Na verdade, o caso dos autos tem sido unanimemente entendido pela jurisprudência como preenchendo os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos.
Verificados todos os requisitos, importa agora apenas - no que concerne ao recurso do A. - avaliar, por um lado, do valor dos danos, em função do aditamento dos factos supra - pontos 27 e 28 - e, por outro, se devem ser reavaliados os danos não patrimoniais, uma vez que a sentença recorrida não os considerou, por não revestirem o carácter de especial e anormalidade legalmente exigidos.
Quanto aos danos, dados como provados nesta sede recursiva, concretamente, os resultantes do ponto 27 e 28, ou seja, 27 "Com a implantação do viaduto de (...), o imóvel do autor fica exposto ao factor de perigosidade ligada ao trânsito rodoviário e respectiva sinistralidade, uma vez que fica em zona susceptível de, ainda que em grau diminuto, poder eventualmente ser atingido por veículos, destroços, materiais e outros elementos resultantes de acidentes de viação que ocorram no viaduto" e 28 "Com a implantação do viaduto, em virtude da diminuição de exposição solar, o prédio do A. ficou mais frio e sombrio e também prejudicado o normal crescimento, desenvolvimento e frutificação de árvores de fruto, hortícolas e flores de jardim", entendemos que - como se disse - embora enquadráveis como danos patrimoniais, indutores de desvalorização do prédio do A., já fixada no valor de 33.000,00€, se não devem relevar no sentido de aumentar, potenciar esta valor indemnizatório, devem, porém, ser assumidos como danos não patrimoniais, morais, em consonância, conjugação, completude com os demais já dados como provados e assim, fazendo uma reavaliação dos mesmos, além de enquadrá-los nos requisitos de anormalidade e especialidade, entender que, revestindo suficiente grau de gravidade, se mostram indemnizáveis.
Na verdade, os danos não patrimoniais apurados, nos pontos 18 e 19 da factualidade provada --- "O autor ficou triste, amargurado, envergonhado, sentido com a construção do viaduto nos termos relatados " e "O autor sentiu arrelias, abatimento moral e psicológico, noites sem dormir e incómodos vários, perdeu a alegria de viver e sente-se injustiçado", respectivamente ---, aliado ao sofrimento derivado do constante dos arts. 27 e 28 supra descritos e aditados, no sentido de, com a diminuição de exposição solar, não ver, vivenciar o normal desenvolvimento das culturas, frutos e flores do seu quintal e logradouro e ainda ter, ainda que, porventura, inconsciente e subjectivamente, a ideia de que pode o prédio ou o A., familiar ou amigo ser um dia atingido por um qualquer destroço proveniente de um acidente na auto estrada que o viaduto suporta, sempre podem ser atendidos e considerados como revestindo o carácter especial, anormal e de gravidade suficientes (que merecem a tutela do direito) para importarem a fixação de uma indemnização - arts. 16.º do RRCEE e 496.º, n.º1 do Cód. Civil.
E entendemos, que, em razões de equidade - n.º3 do art.º 496.º do Cód. Civil -, o valor desses danos deve ser fixado em 10.000,00€, em contraponto com o valor de 15.000,00€ peticionados pelo A., nesta sede recursiva.
Este valor - ora fixado - será apenas devido apenas desde a data desta decisão, que não desde a citação, porque o valor ora fixado se mostra actualizado à data actual e não com os valores de 2013 - data das citações.
***
Quanto ao recurso da co-Ré Infraestruturas de Portugal, SA:

Analisado cuidadosamente o recurso, verificamos que apenas apela da sentença proferida pelo TAF de Mirandela, de 16/9/2021, não porque convolou a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, em responsabilidade por acto lícito, mas apenas porque, por um lado, considera que não se verificam os requisitos cumulativamente previstos no art.º 16.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro - dano especial e anormal - e, por outro, o necessário nexo de causalidade entre o dano a construção da infra-estrutura questionada, já que esses danos existiam antes da construção do viaduto, concretamente decorrentes da proximidade da estrada nacional pré existente - cfr. conclusões 3.ª a 7.ª das alegações recursivas.
Questiona, ainda, a sua legitimidade passiva, atenta a cláusula 26.ª do Contrato de Concessão - cfr. conclusões 8.ª e 9.ª.
Vejamos, quanto à 1.ª parte!
No que se refere à verificação dos requisitos de especial e anormal danosidade, previstos no art.º 16.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, remetemos para a sentença recorrida - já supra transcrita -, na medida em que - como se disse - com a mesma concordamos, quer na parte dogmática acerca da caracterização destes requisitos específicos da responsabilidade civil por acto lícitos --- dispensando-nos mesmo de outras citações, transcrições, na medida em que a transposição para o caso dos autos é manifestamente evidente e sobejamente já tratado pela jurisprudência que - cremos - uniforme dos tribunais superiores da jurisdição administrativa --- , quer, em concreto, do seu preenchimento no caso dos autos.

Quanto à sua legitimidade passiva, na medida em que, nos termos da cláusula 26.ª do Contrato de Subconcessão, é da responsabilidade da subconcessionária responder, perante o Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da Lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na concepção, no projecto, na execução das obras de construção e na conservação da Via, (…) tal estabelece a cláusula 42.2, do mencionado contrato - cfr. conclusões 8.ª e 9.ª.
Embora a questão da legitimidade já tenha sido decidida em sede de despacho saneador - que, em bom rigor formal, a recorrente não questiona, mas apenas - como vimos - a sentença, na medida em que essa apreciação foi apenas analisada e decidida face ao disposto no art.º 10.º, n.º1 do CPTA - posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como o A. a configurou na pi - entendemos que, pese embora a referida cláusula contratual, a concedente - Infra-estruturas de Portugal, SA - não deixa de ser co-responsável pela concepção e boa execução da obra concessionada, pois que, nos termos do Capítulo VIII do Contrato de Subconcessão Junto aos autos a fls. 81 e ss. do processo físico. - pág. 21 - se refere que a subconcessionária, na parte, além do mais, de concepção, projecto, construção e conservação deverá respeitar os estudos e projectos já aprovados, bem como, o traçado da via deverá ser objecto de pormenorizada justificação - cláusula 30.4 - ou seja, a concepção e construção de toda a via, incluindo as obras de arte correntes e especiais, deverá ser objecto prévio de aprovação pela concedente.
Improcede, deste modo, também este argumento de recurso.
***
Quanto ao recurso da co-Ré "CC---, ACE":
Insurge-se a co-recorrente quanto à sua condenação, na medida em que não teve qualquer interferência na localização do viaduto em causa, antes apenas e só procedeu à sua execução/construção.
Vejamos!
Efectivamente, de acordo com o Contrato de Projecto e Construção, celebrado entre a "AUTO ESTRADAS (...), SA" e "CC---, ACE", junto aos autos - fls. 164 e ss. - o trabalho desenvolvido por este Agrupamento Complementar de Empresas ter-se-á limitado a dar execução ao que se encontrava contratado, em termos de subconcessão, entre a "Infra-estruturas, SA" e a "AUTO ESTRADAS (...), SA" - como, aliás, refere o A. nas suas contra alegações - , pelo que não estando em causa qualquer erro de projecção ou execução do viaduto em causa, antes a projecção do mesmo para aquele concreto lugar não derivou da sua actuação em concreto, não vemos que lhe possam ser imputada responsabilidade, em termos de danos, por responsabilidade civil decorrente de actos lícitos - como é a concepção/construção/implementação/execução de uma auto estrada e concretamente de um viaduto num concreto local.
Nada se evidencia que a execução do Viaduto (...) naquele concreto local - junto à cada do A - tivesse sida decidida pela CC---, ACE, pelo que, não se tratando da concessionária ou sub-concessionária, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada.
Deste modo, assiste razão à recorrente, sendo certo que a condenação efectivada nos autos, sem distinção das diferentes co-rés, foi efectivada acriticamente, na medida em que, na sentença recorrida, nada se discorreu acerca da razão concreta de responsabilização de cada uma das 3 co-rés terem sido condenadas conjuntamente, ainda que se trate de actividades materialmente administrativas, praticadas por pessoas colectivas de direito privado.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso do A. e, em consequência:
- manter a condenação das co-Rés "Infraestruturas de Portugal, SA" e "Auto Estradas (…), SA" no pagamento ao A. de uma indemnização pelos danos patrimoniais causados, no valor de 33.000,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- condenar as co-Rés "Infraestruturas de Portugal, SA" e "Auto Estradas (…), SA" no pagamento ao A. de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados, no valor de 10.000,00€, acrescido de juros de mora, desde a data deste acórdão até efectivo e integral pagamento;
- absolver a co-Ré "CC---, ACE de todos os pedidos.
*
Custas pelos recorrentes, na proporção dos respectivos decaimentos.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 29 de Abril de 2022

(Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho