Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01033/11.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IVA
FATURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
INDÍCIOS SUFICIENTES
Sumário:Dispõe o n.º 1, do art.º 74.° da LGT, que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Sobre a administração recai o ónus de provar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação do IVA e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente FAZENDA PÚBLICA, apela da sentença proferida em 02.05.2016, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…, referente ao IVA dos anos de 2005 e 2006 na importância de € 106 849,84 e € 111 193,15 respetivamente.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos exercícios económicos de 2005 e 2006, no montante de € 202.014,52, por a Administração Tributária (doravante, AT), haver concluído, resultante do apuramento de um conjunto de factos e provas, que determinadas facturas registadas na contabilidade da impugnante, não consubstanciam operações reais.

B. Considerou o Tribunal a quo que, para fundamentar a desconsideração das facturas em causa, “Daqui se conclui que não logrou a Administração Tributária fazer qualquer prova da verificação de indícios sérios que pudessem a correcção à matéria tributável ora em discussão, como lhe competia. Nestes termos, e não tendo aquela demonstrado o preenchimento de qualquer pressuposto legal que justificasse a sua actuação, não incumbirá ao impugnante, ao contrário do alegado pela AT, qualquer ónus probatório da veracidade da sua escrita, já que a presunção prevista no artigo 75º da LGT não chegou verdadeiramente a ser posta em crise.”

C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como valorou a prova produzida e constante do relatório de inspecção tributária (RIT), desrespeitado ainda as regras de repartição do ónus da prova, quer da matéria de direito, uma vez que não efectuou correcta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 74º e 75º da LGT e do artigo 19.º, nº 3, do Código do IVA (CIVA), pelas razões que passa a expender.

Vejamos:

D. Em primeiro lugar haverá que referir que o facto de as facturas existirem, especialmente nos presentes autos, só significa que os documentos foram elaborados.

E. Era fundamental que as transacções fossem demonstradas, o que em nosso entender não se verificou.

F. Analisada a prova testemunhal, ninguém afirma a existência em concreto de tais operações,

G. Tanto assim, que a prova testemunhal não foi tida em consideração na formação da convicção do tribunal,

H. pelo que nem as facturas constituem prova de qualquer aquisição de sucata.

I. Quando está em causa a correcção de liquidações de IVA por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de não consubstanciarem operações reais pela AT, tem sido entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime e sólido que, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja,

J. Tendo o juízo da AT assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não correspondem à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada.

Contudo,

K. A lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à AT a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que reflectem, bastando indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade da contabilidade e dos respectivos documentos de suporte, a favor do contribuinte,

L. não sendo necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do Código Civil,

M. sendo bastante o recurso à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154 e Acórdão do TCAN, de 30/09/2014, processo n.º 00544/06.0 BEPNF.

N. Entendeu o Tribunal a quo que, no caso em concreto, a AT não logrou demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações constantes das facturas controvertidas não consubstanciavam operações reais, vulgo “facturas falsas”.

Todavia,

O. Contrariamente ao sentenciado, entende a Fazenda Publica que a factualidade apurada e devidamente explanada no relatório de inspecção, nomeadamente, pela descrição da actividade desenvolvida pelos emitentes das facturas, incongruências evidenciadas nos documentos emitidos e analisados, declarações dos alegados “fornecedores” ou seus representantes legais e meios de pagamento utilizados,

P. é convicção da Fazenda Pública terem sido reunidos factos idóneos e bastantes para se concluir que as visadas facturas não reportam custos correspondentes a operações reais.

Q. No tocante aos indícios, estes podem ser recolhidos tanto na esfera material e económica do utilizador das facturas (a impugnante) como também na esfera de quem as emite.

R. Ou seja, a constatação dos indícios de falsidade das facturas poderá ser efectuada em ambos os sujeitos das operações económicas, devendo, inclusive, direccionar-se preferencialmente ao emitente das facturas.

S. Ora, situando-se a origem da emissão das questionadas facturas nesse outrem, com quem o contribuinte fiscalizado se relacionou comercialmente, a objectiva dos serviços de inspecção tem, necessária e primeiramente, que direccionar-se para os concretos moldes em que o emitente das facturas actuou, procurando conferir a veracidade, a realidade, das operações que este inscreveu em tais documentos.

T. Ou seja, desde logo, a actuação de um emitente de factura, que se revele incompatível com a prestação de serviços ou venda de mercadorias referenciada em tal documento, consubstancia um suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efectiva prestação desses mesmos serviços.

U. No caso de a mesma redundar na recolha de indícios fortes da ocorrência de transacções fictícias, obrigatoriamente, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desconsiderada com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro .

V. Em todo o caso, na situação sub judice, não fossem os indícios recolhidos no terreno dos emitentes das facturas desconsideradas, a factualidade apurada confronta-nos, ainda, com indícios significativos e, sobretudo, típicos dos procedimentos de utilização de “facturas falsas”, susceptíveis de serem preenchidos em função da específica e estrita actuação do aqui impugnante, factualidade essa, devidamente explanada e fundamentada no relatório da inspecção que o Tribunal a quo não atendeu na factualidade apurada pela AT.

W. Perscrutada a douta sentença, com o devido respeito por melhor opinião, deparamo-nos com uma análise da factualidade apurada pela AT, concluindo o Tribunal que por si só é insuficiente para suportar a conclusão a que chegou a AT.

Ora,

X. A AT enunciou diversos factos indiciários que, em seu entender, são demonstrativos de que os emitentes das facturas em causa nos autos não venderam as mercadorias a que estas se referem.

Y. Importa salientar que, quando o que está em causa é uma análise compreensiva, e não parcelar, de todos os indícios no sentido de aferir se a actuação da AT se mostra materialmente fundamentada, é todo este conjunto de indícios que importa atender, como legitimadores da conclusão extraída pela AT.

Z. Analisados tais indícios no seu conjunto, parece-nos evidente que os mesmos são, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, claramente suficientes para suportar a conclusão pretendida pela AT.

AA. Aqui reside, com a ressalva do respeito, que é muito, o referido erro de julgamento.

BB. Recuando no iter procedimental, foi possível a AT apurar, em síntese, a seguinte factualidade com relevância para apreciação e decisão da causa, referindo, no entanto, estar a mesma devidamente explanada nos Capítulos II e III do relatório da inspecção junto aos autos, para o qual, por brevidade, remetemos, dando como reproduzido para todos os efeitos legais.

CC. A actuação do emitente de factura, que se revele incompatível com a venda de mercadorias referenciada em tal documento, consubstancia suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efectiva realidade da venda mencionada na factura.

DD. Na verdade, a Administração Tributária, no relatório de inspecção relativo ao impugnante, ora recorrido, invoca factos, indícios concretos, relativamente aos emitentes das facturas, de que estamos perante facturas que não titularam reais operações materiais.

EE. Não produziu o Impugnante prova capaz de afastar a valia técnica e o valor probatório do Relatório da Inspecção Tributária.

FF. Se junto dos emitentes das facturas em causa nos presentes autos, a AT apurou factos, indícios fortes e concretos, acima enunciados, não pode a AT, com o devido respeito, extrair outra conclusão que não seja a de que as operações constantes das facturas descritas não correspondem à realidade.

GG. A AT, como lhe competia e, conforme comando contido no art. 74º, n.º 1 da LGT, que constitui uma transposição do art. 342º, n.º 1 do CC, cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, i.e., do seu direito de tributar, devidamente explicitado no Relatório de Inspeção Tributária.

HH. O impugnante, por seu turno, não logrou demonstrar, como lhe competia, a materialidade das operações económicas postas em causa pela AT, i. e., que as operações tituladas pelas facturas, utilizadas para o exercício do direito à dedução efectivamente tiveram lugar, foram efectuadas pelas entidades emitentes dessas facturas e pelos valores nas mesmas inscritas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, a esse propósito .

II. Desta forma, e por todo o conjunto de factos apurados, apenas poderia a AT ter concluído como concluiu.

JJ. As constatações retiradas do relatório de inspecção relativos aos emitentes das facturas relevam directamente para a aferição da veracidade das transmissões tituladas pelas facturas em causa,

KK. uma vez que, no ano de 2006, o Impugnante, ora Recorrido, registou na sua contabilidade facturas e vendas a dinheiro emitidas pelos contribuintes e seus “fornecedores” Aug... e F…,

LL. quando relativamente ao primeiro (Aug...) se apurou que, naquele ano (2006), 99,97% das “compras de mercadorias” registadas na (sua) contabilidade foram justificadas como facturas falsas,

MM. ao passo que relativamente ao segundo (F...) se apurou que, naquele ano (2006), mais de 99,9% do valor total das compras foram registadas e declaradas com base em documentos emitidos em nome de “sociedades” e “pessoas” relativamente aos quais ficou demonstrado que não haviam realizado, nem tinham quaisquer condições para realizar qualquer venda de sucata.

NN. Perante os apontados indícios – sérios, fortes e concretos – recolhidos pela AT, no sentido da real inexistência das operações subjacentes às facturas controvertidas nos presentes autos,

OO. cabia ao Impugnante, ora Recorrido, o ónus da prova de que tais indícios não eram fundamentados ou justificados,

PP. fosse através da apresentação de documentos de transporte, talões de pesagem, guias de transporte ou outros que demonstrasse o circuito físico das mercadorias,

QQ. apresentação ou demonstração que em momento algum concretizou.

RR. Logo, a conclusão extraída pela AT não poderia ter sido outra que não a que chegou, a fls. 11/21 do relatório da inspecção tributária, ou seja, “Da fundamentação exposta, verifica-se que as facturas e vendas a dinheiro emitidas por Aug... e F…, e que foram objecto de relevação contabilística, a título de compras de sucata, por parte do sujeito passivo A…, não têm subjacente qualquer operação de natureza comercial.”

SS. Por outro lado,

TT. Tendo o Tribunal a quo concluído como concluiu no que respeita à prova testemunhal (não) produzida, tal facto, atenta a matéria em causa nos autos, em que o ónus da prova reverte sobre o Impugnante, após a apresentação por parte da AT dos indícios sérios da inexistência de operações reais subjacentes à facturação controvertida, deveria ter motivado decisão diversa à tomada na douta sentença.

UU. No que diz respeito aos presentes autos, e relativamente à prova produzida pela AT, como resulta dos Factos provados, relevantes para a boa decisão da causa, o próprio relatório de inspecção encontra-se parcialmente transcrito e dado por reproduzido, assim se tendo por provados os méritos probatórios do seu conteúdo,

VV. dali resultando que a AT logrou provar abundantes indícios demonstrativos de que às facturas e vendas a dinheiro contabilizadas pela impugnante, e cujo aumento de custos pretendiam titular, não subjazem as operações que nelas se referem, por os serviços não terem sido prestados.

WW. E o esforço probatório do Impugnante, não foi de molde a justificar a existência real das referidas operações.

XX. A prova produzida não logrou afastar a valia técnica e o valor probatório do Relatório da Inspecção Tributária e o entendimento de que as facturas e as vendas a dinheiro emitidas pelos “fornecedores” do Impugnante, ora Recorrido, não titulam operações reais, analisados todos os indícios e as provas produzidas no seu conjunto.

Assim,

YY. A actuação do emitente de factura, suportada num inúmero conjunto de factos, que se revele incompatível com a venda de mercadorias referenciada em tal documento, consubstancia suporte adequado a um juízo inicial de suspeita quanto à efectiva realidade da venda mencionada na factura.

ZZ. Se, simultaneamente, se verificar a inexistência dos referidos elementos de suporte contabilístico quanto ao pagamento de serviços facturados aos respectivos emitentes e a ocorrência daquele tipo de conduta e postura destes últimos, que justifiquem um fundado juízo de suspeita sobre a efectivação desses mesmos serviços, como, no caso, acontece, o entendimento final de que as facturas titularam negócios simulados, no sentido de negócios sem adesão à realidade, mostra-se, formal e substancialmente fundamentada a conclusão extraída pela AT, não tendo esta que demonstrar o que quer que fosse mais.

AAA. Não obstante vigorar o princípio da veracidade da contabilidade, nos termos do art. 75º da LGT, tal presunção cessa, quando “...embora a escrita ou contabilidade esteja organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja, indícios fundados de que apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva” – Acórdão do STA – Pleno da Secção do CT, de 7 de Maio de 2003, recurso nº 1026/02.

BBB. As vendas a dinheiro e as facturas emitidas pelos “fornecedores” do Impugnante e por este contabilizadas como compras, não corresponderam a efectivas transmissões de bens, antes configuram operações simuladas, logo não poderiam ter sido consideradas como custo fiscal, uma vez que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, apenas se consideram como custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

CCC. Trataram-se assim de operações simuladas, sem qualquer conteúdo comercial e, uma prática abusiva com um objectivo contrário àquele que o normativo legal pretende acautelar – a salvaguarda da cadeia da dedução do imposto. A prática é abusiva porque, apesar das operações em causa pretenderam dar cumprimento formal aos normativos legais, tal prática tem como resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão é contrária ao objectivo prosseguido por esse mesmo normativo,

DDD. visando com a sua conduta (i) a redução da obrigação de pagamento de IRS, em consequência da diminuição do rendimento declarado e (ii) a redução da obrigação de pagamento de IVA nos períodos de imposto em que, em consequência dessas simulações, foi apurado e declarado um débito de imposto inferior ao devido.

EEE. No seu conjunto, os indícios recolhidos na esfera dos emitentes e na esfera do Impugnante, são fortes, objectivos e suficientes, os quais, analisados, reitera-se, no seu conjunto, só se pode retirar a válida conclusão de existência de facturação fictícia, incorrendo assim, o Tribunal a quo em erro de julgamento, no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, nomeadamente por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova, ao decidir pela procedência da impugnação.

FFF. Tendo a AT satisfeito o seu ónus probatório ao reunir e demonstrar uma miríade de factos que constituem indícios sérios que, interpenetrados e apreciados com recurso às regras da experiência, permitem concluir que às facturas visadas não correspondem operações reais, efectivas,

GGG. Cabia, pois, à impugnante a prova de que estas titulam e documentam efectivos fornecimentos de matérias-primas.

HHH. Do exposto se infere que a sentença recorrida, fez uma aplicação inadequada do disposto nos artigos 74º e 75 da LGT e 19.º nº 3 do CIVA, incorrendo também em erro de julgamento no tocante à apreciação que fez da matéria de facto, e por ter desrespeitado as regras de repartição do ónus da prova.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA! (…)”

1.2. O Recorrido não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de não ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e facto ao considerar que a Administração Fiscal não recolheu indícios credíveis e suficientes para sustentar a não dedução do IVA e que o Recorrido não fez prova que os serviços faturados correspondiam a prestações reais e efetivas.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:


“(…)1. O Impugnante exerceu, em nome individual, a atividade de “comércio por grosso de sucata”;
2. Em 2005 e 2006, desenvolveu a sua atividade em instalações sitas em Cortegaça e ainda num terreno em Silvalde;
3. Em 2005 e 2006, trabalharam para o Impugnante seis e três funcionários, respetivamente, que auferiram rendimentos da categoria A;
4. O Impugnante foi sujeito a uma acão inspetiva relativa aos anos de 2005 e 2006 e no âmbito de IVA e IRS (Ordem de Serviço nº OI200802601);
5. A 06/08/2009, foi elaborado “Relatório de Inspeção Tributária” (e que aqui se dá como integralmente reproduzido);
6. As liquidações adicionais ora impugnadas resultam de correções meramente aritméticas ao valor do IVA deduzido nos exercícios de 2005 e de 2006, e nas quantias globais de € 106.849,84 e € 111.193,15, respetivamente;
7. O Impugnante enquadra-se, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal desde 01/01/2005 e encontra-se enquadrado, em sede de IRS, no regime geral de contabilidade organizada;
8. O Impugnante registou, nos seus elementos de escrituração, faturas ou documentos equivalentes, a título de compras, do sujeito passivo Aug... nas quantias globais de € 513.839,00, referentes a 2005, e de € 223.061,00, referentes a 2006;
9. O Impugnante registou, nos seus elementos de escrituração, faturas ou documentos equivalentes, a título de compras, do sujeito passivo F…, na quantia global de € 295.205,00, referentes a 2006;
10. Através do procedimento de inspeção dirigido à atividade de Aug…, no âmbito de comércio de “sucata”, e relativo aos anos de 2005 e 2006, concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que: “No que diz respeito a 2005, verificou-se que até Maio não dispôs de qualquer tipo de instalações que lhe permitissem desenvolver o tipo de actividade declarada. Posteriormente a isso, e até 01/01/2006, também não conseguiu provar que possuísse tais instalações, uma vez que não existem contratos de arrendamento nem recibos de renda referente a qualquer tipo de instalações. (…) No que diz respeito às «compras de mercadorias», registadas na contabilidade, verificou-se que: () Em 2005 – 99,90% destas são justificadas com facturas falsas, uma vez que, e tal como se demonstrou neste relatório, comprovou-se que os seus emitentes, neste exercício, não tinham qualquer tipo de meios para desenvolver uma actividade de “Comércio por grosso de sucatas”, muito menos nas quantidades e nos valores envolvidos; () Em 2006 (Até 30/09/2006) – 99,97% destas são justificadas com facturas falsas, uma vez que, e tal como também se demonstrou neste relatório, comprovou-se que os seus emitentes, neste exercício, não tinham qualquer tipo de meios para desenvolver uma actividade de “Comércio por grosso de sucatas”, muito menos nas quantidades e nos valores envolvidos. (…) Neste sentido, e no que diz respeito aos exercícios de 2005 e 2006, apesar de todo o esforço em montar uma estrutura aparente, conclui-se que existem indícios seguros de que estamos na presença de facturas falsas, quer a montante quer a jusante, ou seja, são utilizadas e emitidas facturas no sentido de credibilizar transacções comerciais que nunca existiram, uma vez que Aug..., neste período, não possuía os meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade de comércio por grosso de sucatas nos valores por si declarados.(…)”;
11. Através do procedimento de inspeção dirigido à atividade de F…, no âmbito de comércio de “sucata”, e relativo aos anos de 2005 e 2006, concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que: “De tudo quanto foi verificado, considera-se comprovado que a actividade declarada pelo Sr. F… (…) é uma actividade aparente e fictícia. (…) Os factos e averiguações descritas neste ponto III.6 comprovam, não só a completa inexistência de qualquer estrutura empresarial, como também a clara intenção de a dissimular. (…) Tendo em conta tudo o que foi relatado, dá-se portanto por verificado, que o Sr. F... contabilizou e declarou valores de compras de sucata, nos anos de 2005 e 2006, com base em documentos falsos (…). Tendo em conta os elementos constantes desses documentos, nomeadamente os intervenientes, as datas, o tipo e características da mercadoria, as quantidades, os preços unitários, os valores totais e os meios de transportes mencionados, estes não correspondem a transacções efectivamente realizadas. (…) Ora, se conclui que a parte principal das compras escrituradas e declaradas são falsas, pelo que também as vendas terão de ser falsas, exactamente na mesma proporção. (…)”;
12. No que ao Impugnante respeita, concluem os SIT que: “Da fundamentação exposta, verifica-se que as facturas e vendas a dinheiro emitidas por Aug... e F…, e que foram objecto de relevação contabilística, a título de compras de sucata, por parte do sujeito passivo A…, não têm subjacente qualquer operação de natureza comercial. Nesta conformidade: a) Não pode ser deduzido pelo utilizador (“A…”), de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 19º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o IVA constante das facturas e vendas a dinheiro emitidas pelas citadas firmas, nos anos de 2005 e 2006, por traduzirem operações simuladas.(…)”;
13. As correções aritméticas efetuadas pela Administração Tributária operaram pela desconsideração dos documentos emitidos pelos sujeitos passivos Aug... e F... como IVA dedutível, para cálculo do IVA a ser pago a final;
14. A 10/02/2010, o Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações adicionais relativas ao IVA de 2005 e 2006;
15. A 18/06/2010, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa;
16. A 22/07/2010, o Impugnante apresentou recurso hierárquico sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e dirigido ao Ministro das Finanças;
17. A 15/12/2010, foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico pelo Subdirector-Geral da Direcção de Serviços do IVA;
18. A 21/03/2011, foi apresentada a presente impugnação judicial no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2.
*
Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, não se deram quaisquer factos como não provados.
*
Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes. Conforme certidão da ata de inquirição de testemunhas junta aos autos a fls. 349 e seguintes dos presentes autos, foram ouvidas as testemunhas Rui…, S…, R…, C…, J… e Aug…. Foi a inquirição de testemunhas gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, e ao qual se lançou mão para efeitos do disposto no artigo 421º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), aplicável ex vi artigo 2º do CPPT.
A testemunha Rui… revelou conhecimento directo do objeto do processo por ter realizado transporte de mercadorias vendidas por F… ao Impugnante no ano de 2006. As testemunhas S… e R… conhecem o objeto da lide por terem sido motoristas contratados por Aug..., em 2005 e 2006, e durante esses anos terem transportado mercadoria para as instalações do Impugnante. Já a testemunha C… revelou conhecimento direto dos factos em discussão no processo por ser irmão do Impugnante e ter trabalhado para este durante mais de dez anos, até finais de 2006, acompanhando todas as entregas e carregamentos da mercadoria comprada e vendida. A testemunha J… trabalha como empregado de armazém para o Impugnante desde 2003/2004, conhecendo a matéria em causa no processo por acompanhar toda a atividade desenvolvida por aquele nos anos em causa.
Finalmente, a testemunha Aug… conhece a matéria em discussão por ter sido fornecedor de sucata ao Impugnante nos anos de 2005 e 2007.
Pese embora tenham as testemunhas revelado conhecimento direto dos factos em discussão nos presentes autos, não contribuíram os seus depoimentos para a convicção formada por este Tribunal, porquanto todos os factos relevantes resultaram de prova documental, limitando-se as testemunhas R…, S…, C… e J… a corroborar matérias de como se operava a pesagem e entrega de mercadorias nas instalações do Impugnante e de quais os veículos de transporte usados por este na sua atividade. Já quanto à testemunha Aug…, e apesar de também revelar conhecimento direto dos factos em discussão na lide, limitou-se a afirmar que era fornecedor do Impugnante, facto este que não carecia de prova por não estar impugnada.
Assim, e concretamente, a factualidade dada como provada no ponto 1 supra resulta do constante do Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT), junto a fls. 13 e seguintes do Processo Administrativo (doravante PA) apenso aos autos. A factualidade vertida nos pontos 2 e 3 resulta ainda provada do constante no RIT. Já a matéria de facto dada como provada nos pontos 4 a 13 resulta provada atento o conteúdo do RIT, junto a fls. 13 e seguintes do PA.
Por outro lado, a matéria de facto vertida nos pontos 14 e 15 resulta provada atento o conteúdo de fls. 3 e seguintes e 165 e seguintes, respetivamente, do Processo de Reclamação Graciosa junto aos autos. Os factos dados como provados em 16 e 17 resultam do constante a fls. 2 e 27, respetivamente, do Processo de Recurso Hierárquico, também junto aos autos. Finalmente, o facto assente no ponto 18 resulta do registo constante a fls. 4 dos presentes autos(…)”

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO
Decorre da interpretação das motivação de recurso e das extensas conclusões, que a Recorrente, imputa à sentença recorrida erro de julgamento na medida em que considerou que a Autoridade Tributária não reuniu indícios que permitam sustentar a falsidade das faturas, incumprindo o ónus da prova quer sobre si impendia.
Vejamos:
O art.º 20º, n.º 1, do CIVA preceitua que “Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos (…) pelo sujeito passivo (…)
A Administração Tributária fundou a sua atuação no n.º 3 do art.º 19º CIVA não aceitando a dedução do IVA.
A Administração Tributária não aceitou as faturas constantes da contabilidade da Recorrido, emitidas por Aug... e F…, por não corresponderem a aquisição bens e serviços efetivamente prestados.
A principal questão dos autos, é a de saber se a Administração Tributária recolheu indícios sérios credíveis e suficientes que sustentem a não dedução do IVA.
Dispõe o n.º 1, do art.º 74.° da LGT, que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Sobre a administração recai o ónus de provar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação do IVA e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.
É jurisprudência firmada do Supremo Tribunal Administrativo - cfr. acórdão 026635 de 17.04.2002 - no que concerne ao IVA recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.
Neste sentido, vide jurisprudência do STA nos acórdãos nº 0871/02 de 09.10.2002; 001483/02 de 20.11.2002; 001480/03 de 14.01.2004; 0241/03 de 30.04.2003, bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Norte, nos acórdãos n.º 01834/04, de 24.01.2008; 00166/04, de 03.02.2005, 00167/04 de 04.11.2004 e 00143/04 de 11.11.2004, in www.dgsi.pt.
Isto por que é o sujeito passivo que se arroga ao direito à dedução e a administração fiscal põe em causa o facto tributário.
No entanto esta regra só funciona após a Administração ter invocado a existência de indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu.
Como consta do citado acórdão n.º 026635 de 17.04.2002, “ a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.(…)”
Com efeito, é à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
Não obstante vigorar o princípio da veracidade da contabilidade, nos termos do art.º 75.º da LGT, tal presunção cessa, quando “...embora a escrita ou contabilidade esteja organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja, indícios fundados de que apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva” – acórdão do STA - Pleno da Secção do CT, Recurso nº 01026/02, de 07-05-2003.
Refere este acórdão que: Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
Prossegue o mesmo acórdão dizendo que: “…. é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”. (destacado nosso).
No caso em apreço a sentença recorrida considerou que atendendo aos elementos apurados em sede de inspeção entre si conjugados, que a Administração Fiscal não fez prova dos pressupostos legais que legitimam a correção e subsequente liquidação impugnada.
Sobre a questão a sentença recorrida refere que “(…)Contudo, e como resulta do probatório supra, limita-se a fiscalização tributária, no RIT junto aos autos e que foi notificado ao Impugnante, a extrair excertos, com matéria estritamente conclusiva, dos relatórios de inspeção elaborados aquando das ações de fiscalização levadas a cabo sobre os emitentes das faturas ora desconsideradas, ou seja, Aug... e F.... Cumpre questionar se são tais excertos suficientes para considerar que logrou a AT cumprir com o ónus de prova que sobre si impendia.
(…)
Nos termos supra mencionados, não bastará a AT lançar mão dos juízos conclusivos alcançados pela fiscalização em sede de inspeção à atividade desenvolvida pelos fornecedores do Impugnante. Pelo contrário, impõe-se-lhe uma análise à materialidade de cada uma das operações comerciais postas em crise, carreando aos autos fundados indícios, quanto àquelas concretas operações comerciais desenvolvidas pelo Impugnante, que pudessem pôr em causa, à luz de um juízo de razoabilidade, a sua credibilidade.
Ao invés, e no caso em apreço, não cuidou a fiscalização tributária de, munida dos elementos que havia já recolhido em sede de ações de fiscalização várias quanto ao comércio de sucatas, proceder à análise concreta e objetiva das operações comerciais postas em crise e referentes ao Impugnante. Limitou-se a afirmar, num puro juízo conclusivo, destituído de qualquer materialidade, que, e por ter recolhido, alegadamente, fundados indícios da simulação de negócios por parte de dois sujeitos passivos que eram fornecedores do Impugnante, as faturas por aqueles emitidas e tendo este como destinatário, seriam falsas. Não recolheu quaisquer indícios ou circunstâncias objetivas e relativas ao Impugnante (que não apenas quanto aos seus fornecedores) que pudessem sustentar um juízo de falsidade sobre as faturas, ou que estas não titulariam reais operações económicas. Mais se sublinhe que, mesmo quanto aos sujeitos passivos fornecedores do Impugnante, limita-se a AT a formular juízos conclusivos e opinativos, sem contudo arrolar qualquer facto que pudesse consubstanciar um indício sério da simulação de negócios.
Daqui se conclui que não logrou a Administração Tributária fazer qualquer prova da verificação de indícios sérios que pudessem sustentar a correção à matéria tributável ora em discussão, como lhe competia. Nestes termos, e não tendo aquela demonstrado o preenchimento de qualquer pressuposto legal que justificasse a sua atuação, não incumbirá ao Impugnante, ao contrário do alegado pela AT, qualquer ónus probatório da veracidade da sua escrita, já que a presunção prevista no artigo 75º da LGT não chegou verdadeiramente a ser posta em crise.
Face ao supra exposto, vencem os argumentos invocados pelo Impugnante, estando feridas de anulabilidade as liquidações adicionais em causa.(…)”
Desde já se diga que a sentença recorrida não nos merece censura uma vez que fez um julgamento sério e ponderado dos indícios recolhidos pela Administração Fiscal constantes do relatório e notificada à Recorrida.
A questão em causa é a de saber se os indícios recolhidos pela Administração vertidos no relatório são ou não suficientes para não aceitar as deduções de IVA efetuada pelo Impugnante /Recorrido relativamente aos fornecedores Aug... e F….
Antes de mais importa esclarecer que a Administração Fiscal procedeu ao abrigo da ordem de serviço n.º o1200802601 ação inspetiva ao Recorrido, a qual ocorreu entre 17.03.2009 e 17.06.2009. tendo elaborado relatório datado de 06.08.2009.
No Capitulo II desse relatório faz a caracterização da empresa, da atividade e ainda dos meios.
No Capitulo III refere que foram analisados e recolhidos documentos de suporte aos registos contabilísticos e que posteriormente foi efetuado a recolha de elementos de 2005 e 2006 juntos dos Arquivos dos Serviços, nomeadamente relatórios produzidos pelo Serviço de Inspeção, no âmbito das investigações efetuadas no setor das sucatas.
Decorre ainda desse Capitulo III, que a inspeção teve somente por base elementos recolhidos junto dos emitentes das faturas, ou seja dos fornecedores do ora Recorrido, não sendo carreado para o relatório qualquer indício relativo ao utilizador das faturas.
No entanto, sempre se dirá que a Administração Tributária poderá lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Resulta da matéria assente que a Administração desconsiderou as faturas que a impugnante / Recorrido registou na sua contabilidade; faturas de compra de prestação de serviço e aquisição de bens, mais propriamente sucata, a Aug..., nos ano de 2005, com o valor líquido de € 427 083.50 que acrescido de IVA perfazem a quantia global de € 515 839,57 e no do ano de 2006, com o valor líquido de € 184 348,50 0 que acrescido de IVA perfazem a quantia global de € 223 061,69. E relativamente a F… no ano de 2006, com o valor líquido de € 243 971,50 que acrescido de IVA perfazem a quantia global de € 295 205,52.
Como resulta da matéria assente -ponto 10- não impugnada, através do procedimento de inspeção dirigido à atividade de Aug…, no âmbito de comércio de “sucata”, e relativo aos anos de 2005 e 2006, concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que:
“No que diz respeito a 2005, verificou-se que até Maio não dispôs de qualquer tipo de instalações que lhe permitissem desenvolver o tipo de actividade declarada. Posteriormente a isso, e até 01/01/2006, também não conseguiu provar que possuísse tais instalações, uma vez que não existem contratos de arrendamento nem recibos de renda referente a qualquer tipo de instalações.
(…)
No que diz respeito às «compras de mercadorias», registadas na contabilidade, verificou-se que:
Em 2005 – 99,90% destas são justificadas com facturas falsas, uma vez que, e tal como se demonstrou neste relatório, comprovou-se que os seus emitentes, neste exercício, não tinham qualquer tipo de meios para desenvolver uma actividade de “Comércio por grosso de sucatas”, muito menos nas quantidades e nos valores envolvidos;
Em 2006 (Até 30/09/2006) – 99,97% destas são justificadas com facturas falsas, uma vez que, e tal como também se demonstrou neste relatório, comprovou-se que os seus emitentes, neste exercício, não tinham qualquer tipo de meios para desenvolver uma actividade de “Comércio por grosso de sucatas”, muito menos nas quantidades e nos valores envolvidos.
(…) Neste sentido, e no que diz respeito aos exercícios de 2005 e 2006, apesar de todo o esforço em montar uma estrutura aparente, conclui-se que existem indícios seguros de que estamos na presença de facturas falsas, quer a montante quer a jusante, ou seja, são utilizadas e emitidas facturas no sentido de credibilizar transacções comerciais que nunca existiram, uma vez que Aug..., neste período, não possuía os meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade de comércio por grosso de sucatas nos valores por si declarados. .(…)”
Em síntese, no relatório concluiu-se que relativamente à atividade da Aug…, não possuía instalações, em 2005 e 2006, que permitissem desenvolver o tipo de atividade, e até 30.09.2006 não dispunha equipamento imobilizado para a atividade, relativamente às compras de mercadorias em 2005 que 99,90% eram justificadas com faturas falsas e 2006 de 99,97%.
Desde já se diga que estas afirmações não são indícios, são juízos conclusivos despidos de qualquer materialidade, manifestamente insuficientes.
Pese embora a Administração Fiscal no seu relatório de Inspeção ao Recorrido diga que essas conclusões foram efetuadas “ de acordo com o relatório elaborado em 12.07.2006 conforme transcrição constante de páginas 166 a 169 …” a verdade é que do relatório notificado ao Recorrido não existe qualquer anexo ou outros elementos que sustentem as conclusões efetuadas, nem foram extratados os factos subjacentes a tais conclusões.
Embora se diga que não dispõem de quaisquer instalações, não sustentam nem fundamentam os factos para chegar a tal conclusão bem como afirma que em 2005 e 2006, 99,90% e 99,97% das compras de mercadorias são justificadas com faturas falsas, não sendo concretizado, as diligências desenvolvidas ou outros factos, indícios objetivos que levem a concluir tal.
Relativamente ao fornecedor F…, resulta da matéria assente no ponto 11 que : De tudo quanto foi verificado, considera-se comprovado que a actividade declarada pelo Sr. F… (…) é uma actividade aparente e fictícia. (…)
Os factos e averiguações descritas neste ponto III.6 comprovam, não só a completa inexistência de qualquer estrutura empresarial, como também a clara intenção de a dissimular.
(…) Tendo em conta tudo o que foi relatado, dá-se portanto por verificado, que o Sr. F... contabilizou e declarou valores de compras de sucata, nos anos de 2005 e 2006, com base em documentos falsos (…). Tendo em conta os elementos constantes desses documentos, nomeadamente os intervenientes, as datas, o tipo e características da mercadoria, as quantidades, os preços unitários, os valores totais e os meios de transportes mencionados, estes não correspondem a transacções efectivamente realizadas.
(…) Ora, se conclui que a parte principal das compras escrituradas e declaradas são falsas, pelo que também as vendas terão de ser falsas, exactamente na mesma proporção. (…)”;
Em síntese, no relatório concluiu-se que relativamente à atividade de F…, que não possuía instalações, em 2006, que permitisse desenvolver o tipo de atividade e que relativamente às compras de mercadorias em 2006, 99,90% eram justificadas com faturas falsas.
Como supra se disse, também relativamente ao fornecedor F… não consta do relatório factos indiciadores que levem às conclusões efetuadas, uma vez que não relatam factos objetivos e indiciadores retirados de uma investigação aos fornecedores do Recorrido.
Como resulta do art.º 76.º da LGT relativamente ao valor probatório das informações prestadas pela inspeção tributária “fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.”
Assim, a presunção legal de veracidade é relativa aos factos objetivos e concretos relatados no relatório, não abrangendo, opiniões pessoais, conjeturas, ou conclusões, de quem o elabora, devidamente fundamentados, e com indicação das razões de ciência. (Cfr acórdão do TCAN de 12.01.2017 no proc n.º 250/05. 3 BEPRT ainda inédito).
No caso em apreço, não são indicados factos objetivos e concretos, meras conclusões descontextualizadas e retiradas de outros relatórios.
Aqui chegados, concluímos que, no caso sub judice não se verifica a existência de indícios sérios de que as faturas – de Aug... e F… - não correspondam a operações reais. Não estamos, pelas razões atrás expostas, perante indícios que traduzam uma probabilidade elevada que as faturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados emitentes não tenham vendido ou prestado os serviços neles mencionados, mas perante juízos conclusivos despidos de materialidade.
Tendo a Administração Tributária desconsiderado faturas que reputou de falsas competia-lhe fazer prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existiam indícios sérios e credíveis de que as operações constantes da fatura não correspondiam à realidade.
No caso, a Administração Tributária não demonstrou que as faturas não correspondiam a verdadeiras operações (ou que correspondiam a operações simuladas). E só após recaia sobre o impugnante / Recorrido o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, as faturas titulavam efetivamente reais operações.

Assim sendo, como se entende que é, há que concluir, que a sentença recorrida fez uma correta interpretação dos artigos 74.º e 75.º da LGT e 19.º nº 3 do CIVA, bem como da matéria de e das regras de repartição do ónus da prova.

Pelo que improcedem as conclusões das alegações da Recorrente, impondo-se a confirmação a decisão recorrida.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
Dispõe o n.º 1, do art.º 74.° da LGT, que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Sobre a administração recai o ónus de provar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação do IVA e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.


5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Após trânsito em julgado, remeta-se cópia autenticada do presente acórdão ao Comarca do Porto - Inst. Local- Secção Criminal.
Custas pela Recorrente.

Porto, 02 de fevereiro de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento