Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01723/17.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/01/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; INTEMPESTIVIDADE; RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:
1 – No âmbito do CPTA, ato administrativo impugnável é ato dotado de eficácia externa, atual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos; A lesividade subjetiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante de aferição de impugnabilidade do ato administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao recorrente pleno interesse em agir.
2 - Por outro lado, os n.ºs 4 e 5, do art.º 59.º do CPTA enunciam que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo (...)” e que “a suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares”.
3 – Em concreto, considerando que o Recorrente foi notificada do ato primário em 14/05/2015, temos por assente que, entre o início da contagem do prazo de 3 meses/90 dias, e a sua suspensão, em 28/05/2015, resultante da apresentação da Reclamação Administrativa, e não obstante a suspensão do prazo de impugnação contenciosa operada pela utilização do referido meio de impugnação administrativa, forçoso é concluir que à data de interposição da presente ação em 11/09/2017, há muito que se encontrava esgotado o respetivo prazo.
4 - Nos termos previstos no art. 59º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MASC
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer tendo concluído "no sentido de o presente recurso jurisdicional não obter provimento"
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
MASC, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente, em síntese, à “declaração de nulidade do ato praticado pelo Réu, que indeferiu parcialmente o pedido de pagamento ao autor dos créditos salariais requeridos ...”, inconformado com a decisão proferida no TAF de Braga em 26 de janeiro de 2018 que julgou procedente a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, mais absolvendo o Réu da instância, veio recorrer jurisdicionalmente para esta instância em 1 de março de 2018, aí concluindo:
1. A sentença recorrida considerou que o ato ora impugnado é um ato confirmativo de ato anterior, e que relativamente a este último já decorreu o prazo de impugnação.
2. Acontece que o ato ora impugnado é produtor de efeitos externos,
3. nem se limita a repetir um ato anterior, antes acrescentando informação sobre o valor concreto cujo pagamento foi deferido.
4. O ato anterior apenas mencionava que a pretensão do recorrente seria parcialmente deferida, não fazendo porém qualquer referência ou concretização dos valores que seriam efetivamente pagos.
5. O ato impugnado não é um ato meramente confirmativo de ato anterior, já que inova no que respeita à concretização da situação lesiva do recorrente.
6. O ato impugnado refere, no seu teor, que se encontra a correr o prazo para impugnar judicialmente,
7. não fazendo qualquer sentido essa referência se o prazo para impugnação estivesse já esgotado.
8. A reclamação apresentada pelo recorrente em 28 de maio de 2015 foi expressamente indeferida em 24 de maio de 2017.
9. Entende o recorrente que, existindo decisão expressa sobre a reclamação apresentada, a suspensão do prazo para impugnação judicial só deve cessar com a notificação daquela decisão.
10. A sentença recorrida, ao considerar que o ato impugnado é meramente confirmativo de ato anterior, julgando em consequência procedente a exceção de intempestividade da prática de ato processual, violou o disposto nos artigos 53º e 89º do CPTA.
11. A sentença recorrida, ao considerar que o ato impugnado é meramente confirmativo de ato anterior, julgando em consequência procedente a exceção de intempestividade da prática de ato processual, fez incorreta interpretação e aplicação da lei, pelo que deve ser revogada.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, com as consequências legais, assim se fazendo a costumada Justiça.”
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O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 18 de junho de 2018.
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O Recorrido/FGS não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.
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O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 25 de junho de 2018, veio a emitir Parecer em 4 de julho de 2018, tendo concluído “no sentido de o presente recurso jurisdicional não obter provimento”.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, o suscitado erro de julgamento de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade:
1. Com data de 12.05.2005, foi o Autor notificado do seguinte – cfr. fls. 32 do PA apenso:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
2. Em 28.05.2015, o Autor reclamou do ato notificado referido no ponto anterior – cfr. fls. 50 e seguintes do PA apenso;
3. Em 21.12.2015, o Autor juntou à reclamação apresentada cópia de sentença proferida em sede de processo de reclamação de créditos – cfr. fls. 66 do PA apenso;
4. Em 28.04.2017, foi elaborada informação em que se conclui do seguinte modo – cfr. fls. 70 e seguintes do PA apenso:
“Em face do supra exposto, conclui-se que as alegações improcedem, pelo que se mantém e confirma a decisão proferida em 2015-04-28, e respetivos fundamentos”;
5. Na informação constante do ponto anterior, foi aposto o seguinte parecer por parte da Chefe de Equipa de Fundo de Garantia Salarial – cfr. fls. 70 do PA apenso:
“Parece-se de concordar com a proposta de decisão de improcedência das reclamações sob apreço, inexistindo factos ou fundamentos conducentes à reapreciação da decisão da qual os reclamantes reagem, submetendo à consideração superior”;
6. Foi proferido despacho de concordância em 24.05.2017 – cfr. fls. 73 do PA apenso;
7. Com data de 24.05.2017, mas registo de saída de 31.05.2017, foi o Autor notificado do seguinte – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
8. A petição inicial, que motiva os presentes autos, foi entregue neste Tribunal, em 07.09.2017 – cfr. fls. 3 dos autos em suporte físico.
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IV – Do Direito
No que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“A intempestividade da prática de ato processual é uma exceção dilatória expressamente prevista no artigo 89º, n.º 4, alínea k) do C.P.T.A. vigente à data de entrada do presente processo, que, a ser procedente, determinará a absolvição da instância do Réu, isto é, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.
O prazo de impugnação contenciosa, para atos anuláveis, encontra-se previsto no artigo 58º, n.º 1, alínea b) do C.P.T.A. e é de três meses desde a notificação do ato, o qual se suspende com a utilização de meios de impugnação graciosa, retomando-se ou com a notificação da decisão quanto à impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal de decisão, consoante o que ocorra em primeiro lugar (artigo 59º, n.º 4 do C.P.T.A.).
O Autor impugna o ato pedindo a declaração da sua nulidade por violação de lei. O vício de violação de lei é suscetível, apenas, de gerar a anulabilidade do ato impugnado.
Vem invocado que o ato impugnado é confirmativo do já notificado ao Autor, tendo o prazo de impugnação daquele já terminado.
Apreciando, antes de mais, a tempestividade em função do ato notificado por ofício datado de 12.05.2015, sabe-se que, deste ato, foi apresentada reclamação graciosa em 28.05.2015, a qual só foi decidida a 24.05.2017.
Ora, o prazo de impugnação contenciosa ficou suspenso com a reclamação administrativa, suspensão essa que cessaria ou com o decurso do prazo para decisão ou com a própria decisão, consoante o que ocorrer primeiro. A reclamação tem que ser decidida em 30 dias (de acordo com o artigo 192º, n.º 3 do C.P.A.), os quais obedecem à contagem constante do artigo 87º.
Com facilidade se conclui que não tendo havido decisão da reclamação antes de 24.05.2017, os trinta dias decorreram e o prazo de impugnação contenciosa retomou o seu curso e terminou sem que tivesse sido intentada a respetiva ação judicial (veja-se que a mesma deu entrada cerca de dois anos depois).
Portanto, relativamente a este ato, verifica-se a impossibilidade de impugnação por decurso do prazo legal para tal.
Contudo, na verdade, o Autor vem impugnar o último ato praticado, qual seja o da decisão da reclamação – datado de 24.05.2017 – sendo que o Réu sustenta que tal ato é confirmativo do anterior (e que já não está em tempo de ser sindicado).
Analisando a circunstância de o ato ser confirmativo, interessa que o regime de inimpugnabilidade destes atos decorre da necessidade de garantir o objetivo da consolidação dos atos anuláveis pelo decurso do prazo de impugnação, sem que esta houvesse sido deduzida, surgindo por isso associada a considerações de estabilidade e de ordem pública.
(...)
Na doutrina clássica, o ato confirmativo era aquele que se limitava a repetir um ato anterior, sem nada acrescentar ou retirar do seu conteúdo (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Almedina, 1º vol., p.452).
Na interpretação do preceito vigente até à última alteração legal, quanto a esta matéria (artigo 53º do CPTA), ensinava Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Volume I, 1980, p.411, que: “Para que o ato confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável necessário se torna que estejam preenchidos diversos requisitos, de que as nossas jurisprudência e doutrina se têm feito eco.
Em primeiro lugar é necessário que o ato confirmado e o ato confirmativo hajam sido praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o ato posterior não se considera confirmativo e é suscetível de impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições fácticas que rodeiam a prática do ato.
Em segundo lugar, o ato confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse conhecimento (por qualquer dos modos referidos no art.º 52º do RSTA) do ato confirmado antes da interpretação do recurso contra o ato confirmativo.
O terceiro requisito para que o ato confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito (art. 140 nº 2 do Projeto do CPAG) – e os do ato confirmado; se assim não acontecer, o ato só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se suscetível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstrato) que não pudessem ser deduzidas contra o ato parcialmente confirmado.”
Estes requisitos, não são, no entanto, de aplicação cumulativa mas alternativa.
Como referia Mário Aroso de Almeida, [n]O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição revista e atualizada, p. 163:
“[…] o ato meramente confirmativo também não pode ser impugnado por quem, estando constituído no ónus de impugnar o ato anterior dentro dos prazos legais, não o tenha feito, na medida em que, de outro modo, se estaria a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais. Neste sentido, as alíneas b) e c) do artigo 53.° estabelecem que o ato meramente confirmativo não pode ser impugnado se o ato anterior tiver sido notificado ao interessado ou, em alternativa, se o ato anterior tiver sido publicado, nos casos em que o interessado não tivesse de ser notificado e, por isso, bastasse a publicação para que ele se lhe tornasse automaticamente oponível (cfr., a propósito, artigo 59.º)” .
Um ato confirmativo não é um ato administrativo uma vez que nada inova na esfera jurídica do destinatário que não vê alterado o “status quo ante”, limita-se a manter uma situação (lesiva) anteriormente criada, sem produzir qualquer efeito – Rogério Soares, Direito Administrativo (Lições), p. 346; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, p. 347.
Para que um ato administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois atos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.10.2006, proferido no processo 0614/06).
Dito de outro modo, um ato é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objeto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direito idênticos – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.06.2007, processo n.º 0997/06.
Ora, compulsados os atos aqui em confronto, verifica-se que há identidade de sujeitos (pois que a requerente e a entidade decisora são as mesmas), há identidade de regime jurídico (nada denota que tenha havido alteração do quadro legal) e há identidade de fundamentação (“mantém-se a decisão nos termos e fundamentos já comunicados”).
Deste modo, forçoso é concluir que o ato ora sindicado é confirmativo do anterior, e por ser assim e já se ter demonstrado que o prazo para impugnar o ato anterior já decorreu, verifica-se a exceção de intempestividade da prática de ato processual (artigo 89º, n.º 4, al. k) do CPTA), o que constitui exceção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa (artigo 89º, n.ºs 1 e 2 do CPTA).
Acrescente-se, ainda, quanto à tempestividade da ação em função do ato impugnado (de 24.05.2017), o seguinte: de acordo com o CPTA na redação conferida pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro, o prazo para intentar ações judiciais passou a correr de modo contínuo, não se suspendendo, como até ali ocorria, em férias judiciais – artigo 58º, n.º 2; tendo presente que o ato aqui impugnado foi notificado por ofício datado de 31.05.2017 e a presente ação deu entrada em 07.09.2017, afigura-se que sempre se teria a intempestividade verificada por aqui. Contudo, importa que se desconhece a data efetiva da notificação deste ato, uma vez que nenhuma das partes alude à mesma, e ainda, uma vez que a carta não foi expedida por carta registada, não se pode solicitar informação junto do serviço de correios.
De todo o modo, face ao expendido supra, procede a exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual, absolvendo-se o Réu da instância.
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Veio o Autor interpor recurso jurisdicional da sentença proferida no TAF de Braga, que julgou procedente “…a exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual, absolvendo-se o Réu da instância”, invocando-se predominantemente erro de julgamento quanto à matéria de direito.
Refira-se desde já que se não vislumbra que a Sentença mereça censura, mormente tendo presente que foi apresentada reclamação administrativa, cuja decisão se limitou a confirmar o anteriormente decidido – cfr. Art.ºs 58.° n.º 1 al. b), 59º. nº. 4 do CPTA e 138.°, n.º 1, 2 e 4, do CPC.
Objetivando o afirmado, refira-se que os atos administrativos impugnáveis consubstanciam-se em atos com efeitos externos, lesivos de direitos ou interesses legítimos dos interessados, com exclusão daqueles que sejam meramente instrumentais, como serão os atos preparatórios, complementares, operações materiais ou jurídicas de execução de atos administrativos.
Neste sentido já reiteradamente este tribunal se pronunciou, designadamente em Acórdão de 20/09/2007, no Processo n.º 01503/05.6BEPRT, no qual se refere que "no âmbito do CPTA, ato administrativo impugnável é ato dotado de eficácia externa, atual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos; A lesividade subjetiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante de aferição de impugnabilidade do ato administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao recorrente pleno interesse em agir
Correspondentemente, o n.º 1 do art.º 51.º, do CPTA estatui o princípio geral da impugnabilidade dos atos administrativos com eficácia externa, especialmente daqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Por outro lado, os n.ºs 4 e 5, do art.º 59.º do CPTA enunciam que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo (...)” e que “a suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares”.
Resulta assim do CPTA um regime que confere ao interessado a possibilidade de acumular as prerrogativas da impugnação administrativa hierárquica e do potencial recurso à via judicial.
Em qualquer caso, a regra da impugnação administrativa prévia, para efeitos de recurso à via judicial, apenas ocorre no caso de a lei prever expressamente a impugnação administrativa necessária, por via dos recursos hierárquicos necessários.
No que concerne ao Recurso Hierárquico facultativo, que é o que aqui está em causa, o ato de 1.º grau terá desde logo eficácia externa em função da sua imediata e potencial suscetibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Neste sentido apontaram, designadamente, os Acórdãos do TCAN de 02/07/2009, no Procº n.º 00708/07BECBR e do TCAS, de 03/12/2009, no Procº n.º 04122/08 e de 27/03/2008, no Procº n.º 03297/07.
Com efeito, é manifesto que a situação em apreciação não configura uma situação de recurso hierárquico necessário, mas de mero recurso facultativo, o que em momento algum foi contestado pela aqui Recorrente, o que determina que predominantemente tenha de se atender à data em que foi proferido o ato primário.
Ressalta desde logo que o ato objeto de impugnação na Ação em análise foi, não o ato primário, mas sim a decisão da reclamação administrativa.
Acresce que, contrariamente ao defendido pela Recorrente, os vícios imputados ao ato objeto de impugnação não determinariam a sua nulidade, mas tão-somente a sua potencial anulabilidade.
Como se sumariou no Acórdão do Colendo STA, de 22/04/2015, no Procº n.º 061/15, “(...) II – Caducou o direito de impugnar um ato, aparentemente consolidado há anos, se os vícios que lhe foram atribuídos não eram potencialmente fautores da sua nulidade. III – O ato que, decidindo o pedido de revogação de um outro, o manteve inteiramente na ordem jurídica é confirmativo dele e, nessa medida, contenciosamente inimpugnável”.
Finalmente e no que concerne especificamente à caducidade/tempestividade do direito de ação, sublinha-se que o aqui Recorrente, nos termos do artigo 58.º, n.º 2, al. b), do CPTA, dispunha de um prazo de 3 meses para a propositura da presente ação administrativa, o qual se iniciaria em 14/05/2015, data da notificação do originário ato, prazo, se necessário, convertível em 90 dias.
Assim, e no que respeita à contagem de prazos, resulta do Artº 58.º do CPTA, o seguinte:
a) Quanto aos atos nulos e inexistentes - a todo o tempo (n.º 1);
b) Relativamente ao Ministério Público - o prazo de um ano [n.º 2, al. a)];
c) Quando a conduta da Administração tiver induzido o interessado em erro, quando o atraso deva ser considerado desculpável ou quando se ter verificado uma situação de justo impedimento - o prazo de um ano [n.º 4, alíneas a), b) e c)];
d) nos restantes casos - três meses [n.º 2, al. b)].
Do referido artigo 58.º decorre que os atos administrativos que enfermam de mera anulabilidade só poderão ser impugnados, em regra, no prazo de três meses.
Deste modo, uma vez deixado esgotar o referido prazo pelos particulares, tais atos permanecerão e consolidar-se-ão legitimamente na ordem jurídica, por força do caso resolvido ou decidido.
Relativamente à contagem de prazos refere ainda o artigo 87.º, do CPA, que:
“À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;
b) Não se inclui na contagem o dia em que ocorra o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado suspende-se nos sábados, domingos e feriados;
d) Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses, incluem -se os sábados, domingos e feriados;
e) É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas;
f) O termo do prazo que coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte;
g) Considera -se que o serviço não está aberto ao público quando for concedida tolerância de ponto, total ou parcial.”
Em concreto, e em função dos factos provados importa atender à seguinte cronologia factual:
a) Em 14/05/2015 é notificado o ato primário;
b) Em 28/05/2015 é apresentada Reclamação relativamente ao ato primário;
c) Em 24/05/2017 é decidida a Reclamação, em sentido coincidente com a anterior decisão
c) Por ofício de 24/05/2017 é feita a notificação da precedente decisão.
d) Em 11/09/2017 é apresentada em juízo a presente Ação Administrativa
Assim, retornando e sintetizando o caso sub judice, verifica-se que a Recorrente dispunha de um prazo de 3 meses para a propositura da presente ação administrativa.
Ora, considerando que o Recorrente foi notificada do ato primário em 14/05/2015, temos por assente que, entre o início da contagem do prazo de 3 meses/90 dias, e a sua suspensão, em 28/05/2015, resultante da apresentação da Reclamação Administrativa, e não obstante a suspensão do prazo de impugnação contenciosa operada pela utilização do referido meio de impugnação administrativa, forçoso é concluir que à data de interposição da presente ação em 11/09/2017, há muito que se encontrava esgotado o respetivo prazo.
Com efeito, e reafirmando o precedentemente afirmado, a apresentação da Reclamação em 28/05/2015, apenas determinou que o prazo para apresentação da impugnação judicial tenha ficado suspensa, a partir dessa data até ao termo do prazo de 30 dias contado da remessa do processo ao órgão competente, retomando-se então a contagem do referido prazo de caducidade e, daí, não se iniciando um novo prazo de 3 meses.
Diferente seria, como se disse, a contagem dos prazos se estivéssemos perante um Recurso Hierárquico Necessário, o que não é o caso.
Efetivamente, na situação em apreciação, como resulta da conjugação dos artigos 59.º, n.º 4, do CPTA e 198.º, n.º 1, do CPA, o prazo não se reiniciou com a notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico facultativo, mas antes, no dia seguinte ao do termo do prazo de 30 dias, contado da notificação da remessa do processo ao órgão competente para dele decidir (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Fevereiro de 2008, Processo nº 848/06).
No sumário do referenciado acórdão se diz sintética mas lapidarmente que “nos termos previstos no art. 59º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.”
Assim sendo, atenta a circunstância da Ação ter sido apresentada em 11/09/2017, é manifesto ser a mesma intempestiva, por ter sido apresentada muito para além do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a Sentença proferida em 1ª instância.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido
Porto, 1 de fevereiro de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa