Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00202/16.8BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:REGRAS DE FIXAÇÃO DE MATÉRIA DE FACTO - APOSENTAÇÃO – CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO – AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I – Os juízos conclusivos e/ou de direito não têm lugar no domínio da fixação da matéria de facto, devendo antes ser formulados, se for esse o caso, em sede de direito, em face dos factos dados como provados.
II- Ante o pressuposto que é a vontade do requerente que releva para efeito de definição da sua vontade e não qualquer eventual falta de lisura da condução do procedimento administrativos por parte dos serviços administrativos, não há como senão concluir-se que o Autor formulou um requerimento com a finalidade de obtenção da sua aposentação antecipada e não um pedido de contagem prévia de tempo de serviço.
III- Realmente, ao requerer que lhe seja “(…) “organizado o processo de aposentação antecipada, nos termos do artigo 37°A do Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de dezembro (…)”, o Autor mais não está do que a desencadear o procedimento administrativo tendente à obtenção da sua aposentação antecipada, concorrendo ainda para esta conclusão as evidências emergentes (i) do pedido de contagem prévia do tempo de serviço encontrar-se regulamentado no artigo 34º-A [e não no artigo 37º- A conforme fundamentado no pedido do Autor] do Estatuto de Aposentação, e, bem assim, (ii) do pedido de desistência do pedido de aposentação formulado pelo Autor encontrar-se sustentado “no valor de aposentação que lhe foi calculada” [cfr. artigo 7º do probatório], realidades inequívocas e de valor irrefutável na afirmação da interpretação acolhida por este Tribunal Superior.
IV- Não colhe a desnecessidade de cumprimento da formalidade de audiência prévia de interessados com fundamento na circunstância de “(…) Os elementos constantes do procedimento administrativo conduzirem a uma decisão inteiramente favorável (…)”, já que esta motivação não é enquadrável nas situações em que o interessado pretendia discutir, em sede de audiência prévia, o valor do cálculo da sua aposentação ou mesmo a errónea atribuição desta, como sucede no caso dos autos.
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:BB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos que, em 23.03.2022, julgou a presente ação procedente, e, consequência, anulou o despacho proferido pela Direção da C.G.A. de 28.03.2016, que reconheceu ao Autor, ora Recorrido, o direito à aposentação antecipada e lhe fixou o valor da respetiva pensão.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida padece de erro de julgamento e de violação dos artigos 607°, n°s 4 e 5, e 615°, n°1, alíneas c) e d), do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA e artigo 124°, n°1, alínea f), CPA.
2) Desde logo, há clara contradição entre o facto 1 e o facto 10, dados como provados, com manifesta relevância para a decisão da causa, o que inquina a sentença recorrida de nulidade, nos termos previstos no artigo 607°, n°s 4 e 5, e alínea c) do n° 1 do artigo 615° do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA.
3) Com efeito, se a sentença recorrida dá como provado, no facto 1, que, em 2015-06-22, o Autor apresentou requerimento ao Comandante da Comando Distrital da AA, solicitando que lhe fosse “organizado o processo de aposentação nos termos do artigo 37°-A do Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de dezembro, não é compreensível como depois, no facto 10, conclui que “o Autor, através do requerimento referido no item 1), não pretendeu declarar a sua vontade de requerer a aposentação antecipada”.
4) Aliás, se não tivesse havido a vontade de o Autor em efetivamente requerer a aposentação antecipada, não seria igualmente compreensível que o Departamento de Recursos Humanos da PSP tivesse dinamizado todo processo de aposentação do Autor junto da CGA, designadamente por via dos ofícios de 2015-06-30, dados igualmente como provados nos factos 2 e 3 da Fundamentação de Facto da sentença recorrida.
5) Na verdade, a ora Recorrente entende que se tratam factos relativamente aos quais a lei exige formalidade especial e só podem ser provados por documentos, pelo que, havendo documentos que claramente manifestam a vontade de o Autor em, na altura, querer aposentar-se, esses documentos não podem ser afastados pelo depoimento do Autor que invoca que, afinal, não era essa a sua vontade, havendo assim uma clara violação do disposto no artigo 607°, n°5, do CPC, ex vi, artigo 1° do CPTA.
6) Por outro lado, nos termos do n° 2 do artigo 109° do Estatuto da Aposentação, todas as comunicações efetuadas entre a CGA e os subscritores que estejam no ativo processam-se, sempre, através do serviço ou entidade pública empregadora onde aqueles exercem funções.
7) Depois, porque se o Autor quisesse na verdade dar início a um processo de contagem prévia autónomo, então teria de dinamizar o correspondente processo, por meio de Requerimento para o efeito, conforme artigo 34°, n°1, alínea a), do Estatuto da Aposentação.
8) Na verdade, não há dúvidas que o Autor impulsionou junto do Departamento dos Recursos Humanos da PSP o seu processo de aposentação, tendo, efetivamente, entrado na CGA, por via eletrónica, um pedido de atribuição de pensão (e não um pedido de contagem prévia de tempo de serviço) em 2015-06-30, oriundo do Departamento de Recursos Humanos da PSP (factos 2 e 3), na sequência do qual a CGA tramitou, como não podia deixar de ser, o processo de aposentação do Autor, que culminou no despacho impugnado.
9) Nos termos do artigo 247° do Código Civil (erro na declaração), quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
10) Considerando o encadeamento de todo o processo administrativo, qualquer situação de erro de vontade do Autor no que concerne à aposentação antecipada não era cognoscível por parte da CGA.
11) Por outro lado, a sentença recorrida igualmente não pondera as implicações ao nível da reconstituição da situação atual hipotética do Autor, sendo caso para perguntar quem paga os cerca de 6 anos de remunerações até à data da aposentação do Autor?
12) Tratando-se de matéria do foro laboral, trata-se naturalmente de matéria totalmente alheia ao âmbito das atribuições da CGA, não podendo ser assacada responsabilidade à CGA por qualquer erro que possa eventualmente ter ocorrido com a comunicação entre o Autor e o Comando da PSP.
13) A sentença recorrida é incompleta quanto ao «iter» reconstitutivo da situação em que o Autor estaria se não tivesse sido aposentado, sendo que o mesmo apenas se completaria com a condenação da PSP - que não foi sequer parte no presente processo - na reintegração do Autor no ativo, com efeitos à data em que este foi desligado do serviço, mediante o pagamento retroativo das correspondentes remunerações e, ainda, com a reconstituição da carreira contributiva do Autor para efeitos de aposentação, a fim de esses 6 anos poderem vir a ser considerados numa futura aposentação.
14) Pelo que, salvo o devido respeito, a sentença recorrida padece de erro de julgamento, porquanto não houve uma análise crítica das provas e da documentação constante do processo administrativo as quais contrariam a ilações constantes da decisão, estando assim preterido o disposto no artigo 607°, n° 4, e 615° alínea c) e d) do CPC.
15) Relativamente ao vício de preterição do dever de audiência prévia imputado ao despacho impugnado, certo é que a CGA limitou-se, verificados os pressupostos legais de que dependia a aposentação antecipada que havia sido requerida, a deferir o pedido.
16) Assim, estamos perante um dos casos de dispensa de audiência prévia, conforme alínea f) do n° 1 do artigo 124° do CPA, pois, na verdade, a ora Recorrente limitou-se a deferir o pedido que deu entrada na CGA pelas vias normais e habituais.
17) Pelo que a ora Recorrente igualmente não se pode conformar com o decidido nesta parte da sentença recorrida, a qual, no seu entender e salvo o devido respeito, não interpreta corretamente o disposto no citado artigo 124°, n°1, alínea f) (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido BB produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
1ª O recorrido considera que a matéria de facto impugnada pela recorrente no seu recurso foi corretamente julgada, assim como na parte em análise fez o Tribunal recorrido correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2ª Para justificar uma pretensa Nulidade da Sentença, a recorrente aponta uma alegada “manifesta contradição” entre o facto 1 e o facto 10, dados como provados na Sentença recorrida, considerando que “...se a sentença recorrida dá como provado, no facto 1, que, em 2015-06-22, o Autor apresentou requerimento ao Comandante do Comando Distrital da AA, solicitando que lhe fosse “organizado o processo de aposentação nos termos do artigo 37-A do Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de dezembro não é compreensível como depois, no facto 10, conclui que “o Autor, através do requerimento referido no item 1), não pretendeu declarar a sua vontade de requerer a aposentação antecipada ”, o que significa que o que a recorrente pretenderá, no fundo, é impugnar a matéria de facto, com valoração negativa do facto 10, considerando-se esse como não provado.
3ª Sucede, porém, que aquele facto 10 foi julgado como provado pelo Exmo. Sr. Juiz de Julgamento, no tribunal a quo, que foi quem contactou diretamente com a prova produzida em sede de declarações de parte, e com a prova testemunhal. Foi o Juiz a quo que contactou pessoalmente e diretamente com o A. e com as testemunhas, que os confrontou com os documentos do processo, tudo em nome do princípio da oralidade e de imediação.
4ª E sabe-se o quão importante é esse contacto direto e pessoal quando estão em causa matérias relacionadas com os erros de formação da vontade, previstos nos artigos 247° e sgs. do Código Civil.
5ª O Juiz a quo julgou como provado aquele facto n.° 10, porque entendeu - quanto a nós, bem - que o A. não pretendeu declarar a sua vontade de requerer a aposentação antecipada. E assim já havia entendido o Juiz que julgou a providência cautelar, julgador que também contactou directamente e pessoalmente com a prova.
6ª Pelo exposto, para que esta matéria pudesse ser reapreciada no Tribunal Central exigia-se à recorrente que procedesse à transcrição da prova gravada, da prova por declarações e testemunhal que foi produzida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. O que a recorrente não fez, e que deveria ter feito, até porque o poder de cognição deste mui douto tribunal central sobre a matéria de facto não é tão amplo que permita um julgamento ex novo de facto.
7ª Para efeitos de reanálise da prova, não tendo a recorrente feito as transcrições, nem tendo feito tal indicação por forma a colocar o tribunal ante as passagens dos depoimentos que entendessem relevantes, e com base nelas, facultar ao Tribunal a reapreciação do decidido à luz das suas alegações, e não tendo ainda a recorrente indicado a concreta matéria de facto que pretendia ver respondida de forma diferente, deverá ser aplicada a sanção da imediata rejeição do recurso. - Cfr. art° 640° do CPC, ex vi 1º do CPTA.
Sem prescindir, caso assim não se entenda, mais se alega o que se segue:
8ª Inexiste nos autos qualquer “manifesta contradição entre o facto 1 e o facto 10, dados como provados”, e que inquine a sentença recorrida de nulidade, nos termos previstos no artigo 607°, números 4 e 5, e alínea c), do n.° 1 do artigo 615° do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
9ª Desde logo, considerando a matéria de facto dada como provada, para fundamentar a decisão da matéria de facto, designadamente quanto aos factos 1 e 10 dados como provados, o tribunal a quo, considerou, em suma, que:
- “O item 10) do probatório ressumou da prova declaratória tendente a perscrutar a interpretação do requerimento e da declaração de vontade nele ínsita (cf. Artigo 393°, n.° 3, do CC). Para o efeito, consideraram-se sobretudo as declarações de parte sem hesitações e credíveis do Autor, no sentido de que apenas pretendia obter a prévia contagem do tempo de serviço de forma a poder ter uma noção sobre se seria ou não vantajoso pedir a aposentação antecipada (sublinhado e negrito nosso).
- Para o item 1), a decisão da matéria de facto efetuou-se “mediante o recorte dos factos pertinentes, em função da sua relevância jurídica e atentas as soluções plausíveis de direito (cf. Artigo 94°, n.°2 a 4, do CPTA e artigo 607°, n°s 3 a 5, do CPC), com base no exame da prova documental oferecida pelas partes - não impugnada (cf. Artigos 374° e 376° do CC) - e a constante do processo administrativo instrutor junto aos autos - cuja veracidade não foi colocada em crise (cf. Artigos 370° a 372° do CC) - bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados, na parte em que foi possível obter a admissão por acordo (cf. Artigo 574°, n.° 2, Ia parte, do CPC, sem prejuízo do que dispõe o artigo 83°, n.° 4, do CPTA), tal como se encontra especificado, individualmente, nos itens da matéria de facto provada... ”.
10ª Posto isto, no que concerne ao item 1) do probatório, constituía matéria controvertida a interpretação daquele requerimento do A., sendo certo que “da instrução resultou que o Autor, através do requerimento referido no item 1), não pretendeu declarar a sua vontade de requerer a aposentação antecipada ”, daí que tenha sido dado como provado o item 10) do probatório.
11ª Com o devido respeito, não há qualquer contradição entre aqueles pontos de facto.
12ª Note-se que, conforme resulta dos autos o A. não requereu a aposentação diretamente à R. CGA, tendo apresentado junto do seu comandante requerimento a solicitar a “organização do processo ”, do seu processo de aposentação antecipada. Deste requerimento apresentado pelo A. junto ao seu comandante não resulta de forma clara que o A. pretenda solicitar a aposentação, já que o Autor apenas solicita a organização do processo.
13ª Aliás, de acordo com o artigo 34° do Estatuto da Aposentação existe um procedimento específico destinado à contagem prévia do tempo de serviço para efeitos de aposentação. Note-se que o processo de contagem prévia previsto no artigo 34°, n.° 1, alínea a), do EA, foi concebido fundamentalmente para salvaguardar interesses do administrado, ou seja para lhe permitir, sempre que o entenda por necessário e em cada momento da sua carreira caso existam dúvidas quanto ao efetivo tempo de serviço que possui para efeitos de aposentação, através de um simples requerimento, ter conhecimento desse tempo, já que só assim e em concreto, lhe é dada a possibilidade de poder tomar com rigor as opções que eventualmente entender quanto a escolha do momento da sua vida que considere como o mais adequado para se aposentar, desde que preenchidos os requisitos legais para o efeito (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26-11-1998, proc. N.° 00801/98).
14ª E era essa contagem de serviço que o Autor pretendia, como ele declarou em audiência de julgamento, como sempre declarou desde o início do processo, de forma credível, segura e sem hesitações.
15ª A verdade é que, o próprio requerimento não terá sido tramitado adequadamente, pois a PSP nunca notificou o Autor da remessa do processo ao órgão do titular da competência (i.e., a Caixa Geral de Aposentações), o que devia fazer atento o disposto no artigo 41°, n.° 1 do C.P.A.
16ª Um pedido de aposentação representa um elemento importante na vida profissional de qualquer trabalhador, sobretudo entre os polícias, os quais, por inerência de funções estão particularmente envolvidos na sua atividade profissional. Um pedido destes, ímpar na vida de qualquer trabalhador, de quem trabalha há muitos anos, numa profissão de risco como a do A., é um pedido sério, e que - pelo menos - deveria ser da lavra do Autor.
17ª Ou seja, depois de uma vida de trabalho não seria concebível que o A., querendo saber das condições para a sua aposentação antecipada (como ele declarou em audiência de julgamento), viesse a solicitar - assim sem mais - uma pensão sem ter a noção exata do valor que lhe caberia.
18ª Para isso, exigia-se que o Autor formulasse o pedido à Caixa Geral de Aposentações, com todos os fundamentos e documentos necessários à instrução do processo, conforme resulta do artigo 84°, n.° 1 e 2 do Estatuto da Caixa Geral de Aposentações. Para isso, seria necessário que o A. expusesse os factos em que baseava o seu pedido e os respetivos fundamentos de direito, que indicasse o seu pedido em termos claros e precisos, assim dando cumprimento ao estipulado no artigo 102°, n.° 2, al. c) e al. d) do C.P.A.
19ª Nada disto o A. fez, porque o que ele queria - como reiterou em julgamento - era saber se tinha as condições, se reunia as condições, era ter conhecimento de quanto iria auferir de pensão caso se reformasse naquela altura...
20ª Outrossim, o que se vem alegando não é contraditado pela prova documental junta aos autos, discordando-se que os factos 1 e 10 exijam formalidade especial que só possa ser provada por documentos.
21ª Ora, os documentos que existem não manifestam claramente a vontade do A. em querer aposentar-se antecipadamente, naquela altura.
22ª Desde logo, naquele documento associado ao item 1) do probatório consta a expressão “organização do processo”, não consta qualquer inequívoca expressão de que o A. pretende efetivamente, e naquele momento, pedir a sua aposentação antecipada.
23ª Depois, se atentarmos na demais prova documental junta aos autos, não podemos deixar de dar relevância ao requerimento de junção de documentos da PSP, notificado ao A. pelo despacho com data de 30-08-2016, e no qual procederam à junção dos Docs. 1, 2, 3, 4, 5 e 6, documentação que também consta do PA.
24ª Ora, por análise de tal documentação, constatamos que a real intenção do A. quanto ao requerimento que deu origem à sua aposentação era apenas para tomar conhecimento do cálculo da pensão para efeitos de simulação e que só se aposentaria em função dos valores calculados e que lhe fossem comunicados, pois:
- dos documentos 2 e 3 juntos pela PSP, naquele requerimento, constatamos que foram os serviços internos desta que tramitaram o respetivo procedimento e o enviaram à CGA, sem qualquer intervenção do A. Tanto assim que o formulário do requerimento da Pensão ou contagem de tempo e os documentos que a ele foram juntos, nunca foram preenchidos, nem subscritos ou assinados pelo A., mas antes pelos serviços administrativos da PSP. E toda a documentação que acompanha tal formulário/requerimento foi instruída pela PSP e nunca pelo A.
- dos documentos 4, 5 e 6, daquele requerimento, o A. logo que tomou conhecimento da decisão da CGA deduziu pedido de desistência.
25ª Até hoje, como consta do facto 8) dado como provado, nunca a R. ou a CI responderam a esse pedido de desistência, e desde a apresentação do requerimento referido no item 1) dos factos dados como provados na sentença recorrida até à receção do ofício de notificação mencionado no item 6, o Autor não foi notificado para nenhum termo de qualquer procedimento, seja pela PSP, seja pela CGA.
26ª Este enquadramento, aponta-se a inexistência de qualquer desconformidade interpretativa do artigo 247° do C.C. no âmbito da sentença a quo, rejeitando-se a alegação da R. de que qualquer situação de erro de vontade do A. no que concerne à aposentação antecipada não seria cognoscível por parte da CGA.
27ª De facto, o requerimento do A. constante do item 1) dado como provado aponta para essa cognoscibilidade, na medida em que o teor daquele requerimento é manifestamente ambíguo e não representa um pedido claro e preciso.
28ª A lei fala em conhecimento da essencialidade do elemento e não reconhecibilidade do próprio erro, ou seja, bastará que o declaratário, no caso a R., tivesse conhecimento que o pressuposto de se tratar de um pedido de contagem de serviço ou de um pedido de aposentação antecipada, era determinante para o A. (e esse pressuposto é determinante para qualquer administrado que pensa em pedir a aposentação antecipada). A realidade apurada nos autos permite afirmar esse conhecimento na medida em que a R. sabe que o que consta do requerimento inicial do A. é que corresponderá à manifestação de vontade do A., é nesse requerimento que reside a essencialidade.
29ª Daí que o tribunal a quo tenha julgado, e bem, pela existência de erro na formação da vontade, traduzido em erro nos pressupostos, pois, tal como consignado em sede de Sentença: “no caso vertente, da matéria de facto e do enquadramento jurídico acabado de gizar, verifica-se que, realmente, a R. incorreu em erro na formação da sua vontade — mesmo que não intencional, o que não neutraliza a desconformidade volitiva -, na medida em que não considerou que o Autor pretendia dar início a um processo de contagem prévia autónomo e não a um processo de aposentação antecipada
30ª Por fim, cumpre fazer uma importante ressalva a este douto tribunal superior, aludindo-se ao facto do A., após o ato impugnado, ter continuado no ativo, não se desligando do serviço. Assim, com a sentença prolatada, não há qualquer situação hipotética a ponderar, nem nada a pagar ao A., com os cerca de “6 anos de remunerações até à data da aposentação do A”...
31 ,a Com a procedência da ação, não há qualquer pedido indemnizatório do A. a fazer à PSP ou à CGA. pois tudo se manteve suspenso, continuando o A. a trabalhar, a descontar, a servir a população. Q A. manteve-se no ativo, e quer a CGA, quer a PSP, não têm de ser condenadas a reintegrar o A. no ativo, nem tem que ser realizado qualquer pagamento retroativo das correspondentes remunerações!
32ª A presente ressalva é importante, apontando-se para inexistência de qualquer incompletude da sentença recorrida quanto ao “iter” reconstitutivo da “situação em que o A. estaria se não tivesse sido aposentado
33ª Em função do supra exposto, resulta que não se impunha decisão diversa da proferida, nem no sentido de dar como não provado o item 10) da Matéria de Facto dada como provada, nem no sentido de dar como procedente a nulidade arguida pela recorrente, e nem no sentido de julgar como procedente qualquer erro de julgamento respeitante àquela matéria de facto e àquelas provas, inexistindo qualquer contradição entre as provas e a documentação do PA e as “ilações constantes da decisão
Sem prescindir,
34ª Deve ainda ser julgado improcedente o recurso da recorrente na parte em que defende que pagamento o tribunal a quo errou ao julgar como procedente o vício de preterição do dever de audiência prévia imputado ao despacho impugnado.
35 ª Desde logo, porque do requerimento apresentado pelo A. junto ao seu comandante não resulta de forma clara que o A. pretendesse solicitar a aposentação, já que solicita apenas a organização do processo, sendo que de acordo com o artigo 34° do mesmo Estatuto existe um procedimento específico destinado à contagem prévia do tempo de serviço para efeitos de aposentação.
36ª Além do mais, por aplicação do artigo 6° do DL 361/98, de 18/11, exigia-se do A. uma declaração se estava, ou não, abrangido pelos 2 regimes de proteção social, e se pretendia, ou não, ou em que termos, a pensão unificada, o que o A. nunca declarou.
37ª Pelo que se exigia uma notificação do A. para exercer o seu direito de audiência prévia, por força dos artigos 267°, n.° 5 da C.R.P., 3°, n.° 3 e 266°, n.° 2 da C.R.P., 121°, 122°, 123°, 124° e 125° do C.P.A.,
38ª Por outro lado, não deverá merecer acolhimento a alegação da recorrente de que dispensou a audiência prévia com fundamento na alínea f) do n.° 1 do artigo 124° do CP A,
39 ª Com efeito, prescreve o artigo 124°, n.° 1, alínea f), do CP A, que o responsável pela direção do procedimento pode não proceder à audiência dos interessados quando os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão inteiramente favorável aos interessados.
40 ª Nestes casos, o artigo 124°, n.° 4, do CP A, obriga a que a decisão final indique as razões da não realização da audiência prévia. Ora, as razões da dispensa da audiência prévia nunca foram expressas no próprio procedimento administrativo. Só o foram agora, a posteriori, em sede contenciosa, o que, não pode ser validamente acolhido. A explicação posterior da dispensa da realização da audiência prévia, dada na ação judicial, não serve como fundamentação do acto porque não lhe é contemporânea, mas posterior (Cf. Acórdão do TCA, de 28-06-2018, proc. 00270/17.5BEVIS).
41ª Como muito bem concluiu o Juiz a quo “temos dúvidas que este processo judicial tivesse sequer lugar se a Ré tivesse respeitado o direito de audiência prévia do Autor. Ainda que a R. não tivesse conhecido diretamente o requerimento inicial, se esta tivesse proferido primeiramente um projeto de resolução final e tivesse notificado o Autor para se pronunciar ao abrigo do direito de audiência prévia, muito provavelmente teria sido confrontada com uma desistência, nos termos gerais do artigo 131°do CPA...
42 ª Pelo que se considera, que a sentença recorrida fez correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, e, por conseguinte, deve a Sentença manter-se inalterada tal como foi proferida, com a procedência da ação (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentando a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: (i) nulidade de sentença, nos termos previstos no artigo 607º, nº. 4 e 5, alínea c) e d) do nº.1 do artigo 615º do CPC; (ii) erro de julgamento, por preterição do disposto no artigo 607º, nº 4, e 615º alínea c) e d) do CPC, e (iii) erro de julgamento de direito, por violação do disposto da alínea f) do nº.1 do artigo 124º do CPA.
É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1) Em 22-06-2015, o Autor apresentou requerimento ao Comandante do Comando Distrital da AA, solicitando que lhe fosse “organizado o processo de aposentação antecipada, nos termos do artigo 37º A do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, que lhe aprovou o Estatuto de Aposentação, alterado pelos seguintes diplomas: Lei nº 32-B/2002, de 30 de dezembro, Lei nº 1/2004, de 15 de janeiro, Lei nº 11/2008, de 20 de fevereiro, Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril” [cf. doc. 2 junto com a p.i.].
2) Em 2015-06-30, deu entrada na CGA, via online, remetido pela Polícia de Segurança Pública, e referente ao Autor, um ofício sob o assunto “Contagem de Tempo para Pensão de Aposentação”, do qual consta, como finalidade, a aposentação antecipada com aplicação do regime de pensão unificada [cf. pp. 1-10 do PA].
3) Tendo o Departamento de Recursos Humanos da PSP, através do ofício referência ...15, de 2015-06-30, remetido à CGA “…a fim de completar o Requerimento de Pensão ou de Contagem de tempo, referente ao Agente Principal M/132334 - BB: Mapa de remunerações acessórias; Declaração da Segurança Social; Certidão de tempo de serviço militar; Relação de vencimentos” [cf. pp. 11-15 do PA].
4) Em 2016-02-26, a CGA solicitou ao Centro Nacional de Pensões os períodos contributivos para o regime geral de segurança social e o valor da pensão estatutária e em resposta de 2016-03-10, o CNP confirmou os períodos contributivos para o regime geral de segurança social, de fevereiro de 1976 a agosto de 1980, conferindo o montante de € 57,14 a título de pensão estatutária a considerar no âmbito da pensão unificada [cf. pp. 16-20 do PA].
5) Em 28-03-2016, foi proferido o seguinte despacho:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[cf. pp. 22-23 do PA, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas].
6) A Ré enviou ao Autor o ofício datado de 28-03-2016 e com a refª EAC224AN.912894/00, do qual consta o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[cf. doc. 1 junto com a p.i.]
7) Em 01-04-2016, o Autor enviou um ofício à Ré, por correio postal registado, dirigido ao “Presidente da Caixa Geral de Aposentações”, sob o assunto “Desistência de pedido de Pensão definitiva de Aposentação – Unificada”, do qual consta o seguinte: “BB, agente principal da Polícia de Segurança Pública, na sequência da V. comunicação de reconhecimento do direito à aposentação, por Despacho de 28/03/2016 da Direção da CGA, em face do valor que lhe foi calculado, vem por este meio comunicar a V. Exa. a sua desistência do pedido de aposentação, dando o mesmo sem qualquer efeito” [cf. doc. 3 junto com a p.i.; cf. pp. 41-44 do PA].
8) A Ré não proferiu qualquer despacho quanto ao requerimento referido no item anterior.
9) Desde a apresentação do requerimento referido no item 1) até à recepção do ofício de notificação mencionado no item 6), o Autor não foi notificado para nenhum termo de qualquer procedimento, seja pela PSP, seja pela CGA.
10) O Autor, através do requerimento referido no item 1), não pretendeu declarar a sua vontade de requerer a aposentação antecipada.
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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
IV.1- DA IMPUTADA NULIDADE DE SENTENÇA
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1. Defende a Recorrente que “(…) há manifesta contradição entre o facto 1 e o facto 10, dados como provados, com manifesta relevância para a decisão da causa, o que a inquina de nulidade, nos termos previstos no artigo 607º, nºs 4 e 5, e alínea c) do n° 1 do artigo 615° do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA (…)”.
2. Vejamos, sublinhando já, que se deteta no probatório coligido nos autos uma problemática incontornável de alevantada importância, e que se prende com os limites do julgador na fixação da matéria de causa relevante para a boa decisão da causa.
3. Como é sabido, a matéria de facto a coligir no probatório reporta-se exclusivamente à verificação de “eventos históricos” e não à qualificação subjetiva de eventos e/ou representações jurídicas.
4. De facto, os juízos conclusivos e/ou de direito não têm lugar no domínio da fixação da matéria de facto.
5. Os juízos valorativos, a existir, devem ser formulados, se for esse o caso, em sede de direito, em face dos factos dados como provados.
6. Pois bem, no caso sub juditio, verifica-se que o Tribunal a quo fixou, de entre outra, a seguinte facticidade:”(…)
1) Em 22-06-2015, o Autor apresentou requerimento ao Comandante do Comando Distrital da AA, solicitando que lhe fosse “organizado o processo de aposentação antecipada, nos termos do artigo 37° A do Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de dezembro, que lhe aprovou o Estatuto de Aposentação, alterado pelos seguintes diplomas: Lei n° 32-B/2002, de 30 de dezembro, Lei n° 1/2004, de 15 de janeiro, Lei n° 11/2008, de 20 de fevereiro, Lei n° 3-B/2010, de 28 de abril” [cf. doc. 2 junto com a p.i.].
(…)
10) O Autor, através do requerimento referido no item 1), não pretendeu declarar a sua vontade de requerer a aposentação antecipada (…)”.
7. Como está bom de ver, a realidade coligida sob o facto nº. 10 não integra qualquer ocorrência histórica, antes representando um juízo conclusivo/opinativo a propósito do tecido fáctico elencado no ponto 1 do probatório.
8. Assim, sendo essa a natureza substancial, a mesma não deve integrar o probatório reunido nos autos, impondo-se o seu expurgo, sob pena de se incorrer em violação das regras que devem presidir à fixação da matéria pertinente à boa decisão da causa, tal como supra conformadas.
9. Consequentemente, este Tribunal Superior decide alterar a factualidade vertida pelo tribunal “a quo” expurgando o ponto 10 do probatório coligido nos autos.
10. Dissolvida esta problemática, importaria agora determinar se assiste razão à Recorrente na invocada nulidade de sentença.
11. Julgamos, porém, que tal tarefa é agora destituída de fundamento, considerando o expurgo do facto nº.10 que se vem supra de efetuar.
12. Assim, em razão de tal motivação, desatende-se, sem mais, a nulidade de sentença em análise.
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IV.2- DO IMPUTADO ERRO DE JULGAMENTO POR PRETERIÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 607º, Nº 4, E 615º ALÍNEA C) E D) DO CPC.
13. Esta questão está veiculada nas conclusões 6) a 14) das alegações de recurso supra transcritas, consubstanciando-se na alegação de que “(…) não houve uma análise crítica das provas e da documentação constante do processo administrativo as quais contrariam a ilações constantes da decisão (…)”, já que (…) não há dúvidas que o Autor impulsionou junto do Departamento dos Recursos Humanos da PSP o seu processo de aposentação, tendo, efetivamente, entrado na CGA, por via eletrónica, um pedido de atribuição de pensão (e não um pedido de contagem prévia de tempo de serviço) em 2015-06-30, oriundo do Departamento de Recursos Humanos da PSP (factos 2 e 3), na sequência do qual a CGA tramitou, como não podia deixar de ser, o processo de aposentação do Autor, que culminou no despacho impugnado (…)”,, “(…) não sendo “(…) qualquer situação de erro de vontade do Autor no que concerne à aposentação antecipada era cognoscível por parte da CGA (…)”.
14. Adicionalmente, e já noutro patamar, aduz que “(…) A sentença recorrida é incompleta quanto ao «iter» reconstitutivo da situação em que o Autor estaria se não tivesse sido aposentado, sendo que o mesmo apenas se completaria com a condenação da PSP - que não foi sequer parte no presente processo – na reintegração do Autor no ativo, com efeitos à data em que este foi desligado do serviço, mediante o pagamento retroativo das correspondentes remunerações e, ainda, com a reconstituição da carreira contributiva do Autor para efeitos de aposentação, a fim de esses 6 anos poderem vir a ser considerados numa futura aposentação (…)”.
15. Apreciando, assentando, desde já, que, examinados os termos em que a Recorrente desenvolve a alegação contida no sobredito parágrafo 13), vemos neles a necessidade de responder à questão de saber se o Autor, aqui Recorrido, deduziu um pedido de contagem prévia do seu tempo de serviço ou, como defende a Recorrente, se formulou antes um pedido de aposentação antecipada.
16. Ora, sobre a questão que ora nos ocupa, cabe notar que resulta provado que o Autor, em 22.06.2015, apresentou requerimento ao Comandante do Comando Distrital da AA, solicitando que lhe fosse “organizado o processo de aposentação antecipada, nos termos do artigo 37°A do Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de dezembro, que lhe aprovou o Estatuto de Aposentação, alterado pelos seguintes diplomas: Lei n° 32-B/2002, de 30 de dezembro, Lei n° 1/2004, de 15 de janeiro, Lei n° 11/2008, de 20 de fevereiro, Lei n° 3-B/2010, de 28 de abril”.
17. Cabe ainda notar que está demonstrado que, em 30.06.2015, deu entrada na CGA, via online, remetido pela Polícia de Segurança Pública, e referente ao Autor, um ofício sob o assunto “Contagem de Tempo para Pensão de Aposentação”, do qual consta, como finalidade, a aposentação antecipada com aplicação do regime de pensão unificada, tendo o Departamento de Recursos Humanos da PSP, através do ofício referência ...15, de 2015-06-30, remetido à CGA "...a fim de completar o Requerimento de Pensão ou de Contagem de tempo, referente ao Agente Principal M/132334 - BB: Mapa de remunerações acessórias; Declaração da Segurança Social; Certidão de tempo de serviço militar; Relação de vencimentos”.
18. Resulta ainda processualmente adquirido que, em 26.02.2016, a CGA solicitou ao Centro Nacional de Pensões os períodos contributivos para o regime geral de segurança social e o valor da pensão estatutária e em resposta de 10.03.2016, o CNP confirmou os períodos contributivos para o regime geral de segurança social, de fevereiro de 1976 a agosto de 1980, conferindo o montante de € 57,14 a título de pensão estatutária a considerar no âmbito da pensão unificada.
19. Ao que se seguiu, sem mais, o reconhecimento do direito à aposentação antecipada do Autor, por despacho de 28.03.2016 da Direção da CGA [cfr. factos nº 1. a 5 do probatório reunido nos autos].
20. Cristalizada a realidade que antecede, é de manifesta evidência que, da leitura que se faz, e se tem que fazer, do teor do requerimento formulado pelo Autor em 22.06.2015, não se pode deixar de concluir que se trata, efectivamente, de um pedido de aposentação antecipada.
21. Na verdade, ao requerer que lhe fosse “(…) “organizado o processo de aposentação antecipada, nos termos do artigo 37°A do Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de dezembro (…)”, o Autor mais não está do que a desencadear o procedimento administrativo tendente à obtenção da sua aposentação antecipada.
22. Note-se que é a vontade do requerente que releva para efeito de definição da sua vontade e não qualquer eventual falta de lisura da condução do procedimento administrativos por parte dos serviços administrativos.
23. Assim, não há como concluir doutra forma, ou seja, que o Autor formulou, não um pedido de contagem prévia de tempo de serviço, mas sim requerimento com a finalidade de obtenção da sua aposentação antecipada.
24. Para a conclusão que se vem supra de evidenciar, concorrem ainda as evidências emergentes (i) do pedido de contagem prévia do tempo de serviço encontrar-se regulamentado no artigo 34º-A [e não no artigo 37º- A conforme fundamentado no pedido do Autor] do Estatuto de Aposentação, e, bem assim, (ii) do pedido de desistência do pedido de aposentação formulado pelo Autor encontrar-se sustentado “no valor de aposentação que lhe foi calculada” [cfr. artigo 7º do probatório], realidades inequívocas e de valor irrefutável na afirmação da interpretação acolhida por este Tribunal Superior.
25. Por isso, tem de entender-se que bem andou a Caixa Geral de Aposentações ao tramitar o pedido do Autor em conformidade com o que se expor.
26. Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado pelo Tribunal a quo, é mandatório concluir que este, ao decidir como decidir, interpretou mal a vontade do Autor manifestada no requerimento formulado em 22.06.2015.
27. Procede, portanto, a argumentação do Recorrente, o que determina a prejudicialidade do demais alegado no domínio do presente erro de julgamento.
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IV.3- DO IMPUTADO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO DA ALÍNEA F) DO Nº.1 DO ARTIGO 124º DO CPA
28. Resta-nos, pois, a questão de saber se o julgamento operado na decisão judicial recorrida a propósito da violação da audiência prévia encerra uma violação da normação supra apontada.
29. A resposta é, manifestamente, desfavorável, às pretensões da Recorrente.
30. De facto, é de manifesta evidência que a R. omitiu, por completo, o direito de audiência dos interessados sem proferir qualquer ato ou decisão que justificasse tal omissão.
31. Na verdade, ainda que se pudesse equacionar a existência de justificação para inexistência ou dispensa de audiência dos interessados, certo é que a R., em momento algum, o invocou ou fundamentou no âmbito do referido procedimento.
32. “E, portanto, a decisão final de um procedimento administrativo em que os interessados não foram ouvidos, por se ter considerado, sem a necessária fundamentação, não haver legalmente lugar a audiência, é uma decisão invalidável, por vício de procedimento.” – Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição, Almedina, pág. 463.
33. Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, não colhe a desnecessidade de cumprimento da formalidade de audiência prévia de interessados com fundamento na circunstância de “(…) Os elementos constantes do procedimento administrativo conduzirem a uma decisão inteiramente favorável (…)”, já que esta motivação não é enquadrável nas situações em que o interessado pretendia discutir, em sede de audiência prévia, o valor do cálculo da sua aposentação ou mesmo a errónea atribuição desta, como sucede no caso dos autos [cfr. artigos 65º a 68º do libelo inicial].
34. Por conseguinte, em consonância com a lógica que se vem supra de expor, falece inteiramente o erro de julgamento de direito em análise.
35. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, impõe-se conceder parcial procedência ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida apenas quanto ao fundamento da patenteada preterição de formalidade essencial, desatendo-se quanto ao demais.
36. Ao que se provirá no dispositivo.
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V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida apenas quanto ao fundamento da patenteada preterição de formalidade essencial, desatendo-se quanto ao demais.
Custas pela Recorrente e Recorrida, na proporção de 50%, respetivamente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 28 de outubro de 2022,
Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia