Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01976/16.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:CESSAÇÃO DA COMISSÃO DE SERVIÇO NO CARGO DE VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO NORTE, FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I-O Tribunal a quo, apesar de afirmar o pressuposto da variabilidade da densidade da fundamentação em função do tipo de ato, não procedeu à sua ponderação de um modo adequado;

I.1-o ato impugnado, na sua componente literal, textual, demonstra os motivos pelos quais o Governo decidiu «imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços» e, em consequência, fez cessar a comissão de serviço do vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte;

I.2-assim a sentença recorrida violou a subalínea iv) da alínea e) do nº 1 e o nº 2 do artigo 25º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, já que não integrou na exigência legal de fundamentação circunstâncias que se subsumem a tal previsão;

I.3-é que, reitera-se, não só a fundamentação do despacho de cessação da comissão de serviço permite ao destinatário ou ao leitor perceber quais as razões subjacentes à cessação da comissão de serviço, como se trata de razões que integram a causa legal invocada;

I.4-deste modo o ato impugnado na ação encontra-se adequada e suficientemente fundamentado;

I.5-a fundamentação do acto administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos;

I.6-o grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:Ministério do Planeamento e das Infra-Estruturas
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
C., residente na Rua (…), (…), instaurou acção administrativa contra o Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas, com sede na Av. (…), (…), e contra o Estado Português.
Pediu, a título principal, a anulação do acto impugnado, i.e., o despacho que determinou a cessação da sua comissão de serviço no cargo de vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e que seja “reposta a concreta situação que existiria se tal ato não tivesse sido praticado”, requerendo a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de 106.089,00 €.
A título subsidiário, pediu a condenação dos Réu no pagamento da indemnização correspondente à cessação lícita da comissão de serviço, prevista no art.º 26º da Lei 2/2004, no valor de 33.804,68 €, acrescida de juros à taxa legal desde 24 de julho de 2016.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Anulado o acto impugnado;
b) Absolvido o Réu Ministério do pedido indemnizatório.

Desta vêm interpostos recursos.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
I - Segundo o que é pacificamente aceite pela doutrina e seguido pela jurisprudência, para a procedência do vício e, consequentemente, anulação do ato administrativo com esse fundamento, o autor tem de ser capaz de lograr criar no tribunal com a sua atividade probatória uma convicção de realidade ou verdade do facto, designadamente: i) do fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário (fim legal); ii) do motivo principalmente determinante da prática do ato administrativo em causa (fim real); e, finalmente, se iii) este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legal.
II - A prova stricto sensu não impede que o tribunal forme a sua convicção com base na probabilidade da realidade de um facto, pois, o que interessa é que esse grau de convicção permita excluir outra configuração da realidade que foi considerada como provada. Assim, a prova de um facto com fundamento numa regra de probabilidade não implica que o tribunal considere que esse facto é apenas provável, mas antes que o facto é verdadeiro.
III - O direito à tutela judicial efetiva, previsto nos arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, inclui o respeito, no que à atividade probatória se refere, do princípio da proporcionalidade em sentido amplo. De nada adianta atribuir a alguém um direito – in casu, o de anulação de um ato por desvio de poder – se as regras do ónus da prova e o grau de convicção exigido que as partes (em particular, a onerada) criarem obstáculos reais ao tribunal na busca da verdade.
IV - É que convém não esquecer que os elementos de que depende a procedência do desvio de poder não são evidentes, não surgem por via de regra, expressamente referidos no processo administrativo, nos documentos ou folhas que o compõem ou mesmo na fundamentação do ato, mesmo quando esta existe e esteja completa.
V - Dito de outro modo: o autor do ato compõe-no de modo a esconder ter efetiva e intencionalmente extravasado o espaço de livre margem de decisão concedido, camuflando, com mais ou menos brio e cuidado, estar a atuar a descoberto do espaço de legitimidade e segurança conferido pelo elemento funcional da norma habilitante.
VI - E, neste caso concreto, esse subterfúgio foi a falta de fundamentação ou se se preferir a utilização de um fundamento legal formal e abstrata sem concretização e, portanto, completamente ausente como a própria decisão considerou.
VII - A utilização destes subterfúgios – que pode ser, na prática, mais ou menos conseguida – aproxima o tipo de factos que compete demonstrar no desvio de poder à natureza dos factos que se têm por dar como demonstrados para declarar nulo um negócio por simulação. Exigir que o autor convença o tribunal stricto sensu que o acordo simulatório existiu e, portanto, que existe uma divergência efetiva entre a vontade declarada pelas partes e a vontade real das mesmas, seria perfeitamente desadequado.
VIII - Ora, como é do conhecimento geral, a prova direta de uma intenção raramente sucede, pelo que perante esta evidência, na ausência de uma fundamentação confessória do ato administrativo ou de confissão judicial do autor do mesmo, intimado que foi para prestar declarações em sede de julgamento, o princípio que garante a tutela judicia efetiva tem de assegurar, sob pena de negação de tutela judicial ou, o que é para nós pior, de concessão de uma tutela judicial apenas aparentemente efetiva, que o facto se possa demonstrar de outro modo, ainda que isso implique necessariamente uma descida no grau de convicção exigível ao julgador no caso concreto.
IX - Não é possível que os tribunais administrativos esperem pela confissão do desvio de poder, ou seja, da verdadeira motivação determinante do ato, porque é sabido que essa raramente acontece, precisamente porque o ato assenta numa técnica de embuste. Se a confissão surgir no decurso do processo judicial o tribunal terá de decidir em conformidade com a mesma, pois a esta está vinculado, não interessando se ficou ou não subjetiva ou moralmente convencido da realidade daquele facto (prova objetiva).
X - O motivo principalmente determinante que é discrepante do fim legal só poderá ser encontrado, tal como sucede em situações em tudo análogas – como na simulação e nos casos de discriminação em função de qualquer fator, designadamente do sexo – por via de indícios e não por via da exigência de um grau de prova stricto sensu.
XI - Esses indícios irão permitir que o juiz, com recurso às máximas da experiência, possa presumir como judicialmente provada ou demonstrada a verificação do motivo principalmente determinante diverso do fim legal. Nestes casos, só a prova por presunções com recurso aos indícios e às máximas da experiência podem conduzir à prova dos factos escondidos, competindo à entidade demandada fazer um esforço de contraprova ou de simples abalo desses indícios.
XII - Esta, para além de ser a solução mais consentânea com a tutela dos valores já supra destacados, é, ainda, a solução que, melhor se apresenta para garantir o fim da procura da verdade do processo. É melhor o recurso à prova por presunção do que ficcionar o contrário do facto sujeito à prova pela circunstância da parte onerada com esta não a ter logrado fazer, mesmo quando esse resultado não lhe foi de todo imputável.
XIII - A expansão da doutrina do Conselho de Estado tem permitido em círculos concêntricos crescentes admitir a facilitação da prova do desvio de poder, começando por deixar de admitir apenas as provas que na decisão administrativa impugnada, permitindo, depois, deduzir a mesma prova do processo administrativo e, finalmente, admitindo a aplicação de presunções e das considerações de circunstâncias externas ao litígio, incluindo a sobrevinda conduta da Administração depois da prática do ato impugnado.
XIV - Em Itália, por sua vez, a doutrina orbita em torno dos sintomas externos do desvio de poder, que elenca exemplificativamente como sendo os defeitos de instrução do procedimento, a insuficiência ou incoerência da fundamentação, a injustiça e a irracionalidade manifesta e, finalmente, a desigualdade de tratamento.
XV - Finalmente, de modo mais recente em Espanha, a prova do desvio de poder tem vindo a ser facilitada ao autor atento o uso de presunções judiciais por parte dos tribunais, partindo de indícios daquele desvalor. Esta tendência ficou a dever-se precisamente à tomada de consciência de que a prova de desvio de poder apresenta traços específicos.
XVI - Trata-se da prova de um facto negativo (provar que a Administração não atuou para o cumprimento de um fim) sendo uma prova que resulta não de uma constatação, mas antes da convicção da existência de um embuste, pelo que não pode ser absoluta e plena.
XVII - O tribunal a quo podia e devia ter ao abrigo do princípio da colaboração e da boa fé processual ordenado ao Réu que esclarecesse concreto quais os motivos que conduziram à exoneração do autor. Se este foi exonerado é porque motivos existiram.
XVIII - O Tribunal a quo demitiu-se de apreciar o vício porque apesar de a falta de fundamentação inicial no caso concreto o desvio de poder não se determinou em perguntar ao réu os esclarecimentos que podia e devia ter destinado sobre quais os motivos concretos de tal exoneração. A negação de tal colaboração por parte da Ré poderá ser apreciada livremente pelo tribunal ou in extremis permitir a inversão do ónus da prova por impossibilitar a prova da parte onerada, nos termos em que supletivamente estão previstos nos artigos do CPC.
XIX - O comportamento da parte pode ser tomado em consideração para efeitos probatórios. Aliado à falta de fundamentação concreta à falta de explicação concreta do motivo de exoneração na própria defesa do Recorrido, podia e devia o tribunal a quo ter sido considerada pelo tribunal a quo como um indício claro de desvio de poder., suficiente para invalidar o ato também com este fundamento e, diz a experiência que quando o motivo concreto subjacente à exoneração não é nunca invocado ou é porque não existe por ou que não é julgado relevante pelo fim da norma.
XX - A falta completa de fundamentação, sendo uma causa autonomamente invalidante, assume in casu uma função instrutória ou probatória do qual se podia e devia deduzir o desvio do fim da norma em casa por parte do recorrido, pois a falta de fundamentação, ou mesmo, a insuficiência da mesma são um sinal claro de que o fundamento determinante não coincide com aquele fim ao qual a norma jurídica dá relevo e com o qual vincula a administração.
XXI - A falta de fundamentação é um ato voluntário e que `partida por não revelar a fundamentação coloca em crise a direta apreciação dos motivos subjacentes à decisão. Por isso, quem se coloca nessa posição impede a demonstração e até a possibilidade de alegação do desvio de poder ao destinatário do ato, razão pela qual impede ou dificulta a prova desse facto negativo.
XXII - Assim sendo, e porque foi a recorrida quem se colocou nessa posição e que se manteve nessa mesma posição optando por não revelar os motivos concretos que conduziram a exoneração do aqui Recorrente, deve esse comportamento ter um valor jurídico probatório positivo ou mesmo ter determinado a inversão do ónus da prova no caso concreto o que conduziria ao resultado oposto àquele que chego o Tribunal a quo.
XXIII - Ainda: falta de pelo menos um ensaio de fundamentação do ato administrativo na pendência da causa por parte do recorrido e a circunstância de, perante esta omissão da defesa, o Tribunal a quo não pretender então saber quais os motivos concretos (ainda que não para efeitos de aproveitamento do ato impugnado) que estivessem na base da decisão inquinam também a decisão recorrida nesta parte.
XXIV - Quando contra um mesmo ato e invocada a falta de fundamentação e o desvio de poder, em simultâneo, o recorrido enquanto réu, para prevenir a procedência da falta de fundamentação tinha por ónus processual alegar factos que impediriam a conclusão de que os motivos da prática do ato não foram aqueles juridicamente relevantes.
XXV - Competia-lhe, pela vigência do princípio da eventualidade, não apenas impugnar, mas alegar factos constitutivos do direito de exonerar e, por isso, competia-lhe ter alegado esses factos e não o fez. E não o tendo feito deveria a ação neste ponto ter sido julgada improcedente, sem mais. Quando se alega o desvio de poder o que o recorrente fez é alegar que o motivo que foi “invocado” e que determina sua exoneração não corresponde ao legal.
XXVI - Tal facto não pode ser apenas impugnado, para a sua cabal defesa sem confissão, o recorrido devia ter alegado factos que consubstanciam o motivo por si invocado ainda que formalmente. Mais uma vez: não o fez. Sendo a defesa concentrada na contestação, a falta de exibição desses factos, era mais um motivo para o Tribunal a quo ter julgada provada a tese do Recorrente e ter anulado também o ato de exoneração por desvio de poder.
XXVII - Atenta a falta de fundamentação do ato que o exonerou teria direito a que o Tribunal a quo tivesse apreciado tal pedido de indemnização, deferindo-o parcial ou totalmente, mas ao invés pretende o Tribunal a quo dar ao recorrente algo que ele não pediu e que relativamente ao qual é manifestamente notório que vai degenerar na invocação de uma causa legítima de inexecução a invocar pela recorrida.
XXVIII - A quantificação dessa indemnização está suficientemente alicerçada em factos pelo recorrente e o nexo de causalidade também. Obviamente que o recorrente deixou de receber as quantis alegadas e documentadas porque foi exonerado. Se foi exonerado ilegalmente porque sem fundamentação então só pode ter de as receber porque deixar de as ter recebido foi uma consequência da exoneração do mesmo e é precisamente por isso que invocou na ação as quantias que recebia e as documentou.
XXIX - Mas mesmo que não estivesse – no que não se consente – então o Tribunal a quo tinha por dever de ter convidado ao aperfeiçoamento de uma causa de pedir complexa convidando o recorrente a completar o que não estivesse alegado, e por isso, se, verificada tal insuficiência, tal convite nunca foi feito, agora não se pode considerar a ação improcedente por este motivo sem que a decisão seja nula por violação do dever assistencial do juiz que também vigora no processo administrativo tal como no processo civil. Nulidade essa que se invoca.
XXX - A reintegração nunca estará aqui em causa, dada a vigência concreta e de limitada da comissão de serviço que acabaria em fevereiro de 2020, ou seja, daqui a escassos meses.
XXXI - Como é sabido, e mesmo que não se recorresse de tal decisão o dever de cumprimento voluntário da decisão que incluísse a reintegração do aqui recorrente ultrapassaria o prazo da extinção da comissão de serviço. Isto para já não falar que obviamente o seu lugar foi imediatamente ocupado por outra pessoa. Só isto será suficiente para invocação de causa legítima de inexecução também por parte do recorrido.
XXXII - E sem o decurso desse prazo de execução voluntária, o aqui Recorrente não poderá executar esta sentença exigindo coativamente a prática de um ato fundamentado de exoneração. E, por isso, o pedido de indemnização devia e podia ter sido deferido como o Recorrido peticionou, pois que não faz qualquer sentido nem é sequer um bom serviço para a garantia da tutela judicial efetiva fazer passar o recorrente pela execução desta decisão para depois se concluir que afinal a reintegração não é possível e tudo degenerar na indemnização que agora lhe é negada.
XXXIII - A decidida a falta de fundamentação apesar de ser um vício de forma causou diretamente a exoneração do Recorrente e a sua perda de rendimento durante todos estes anos e até ao fim da sua comissão de serviço. Nem sempre a falta de fundamentação é irrelevante para a produção de danos do recorrido. Este é precisamente um desses casos.
XXXIV - A decisão recorrida violou os artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP e o artigo 2º E 87º, Nº 3 do CPTA.

NESTES TERMOS E NOS MELHOS DE DIREITO DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER REVOGADA.

O MCT juntou contra-alegações, finalizando:

A sentença recorrida procedeu a uma adequada aplicação do direito ao caso concreto, no que diz respeito à improcedência do alegado vício de desvio de poder e à pretensão de uma indemnização por responsabilidade civil do Estado pela prática de ato ilícito, razão pela qual deve, quanto a esses aspetos, ser mantida.
Termos em que deve a sentença apelada ser corroborada, quanto a tais questões, por acórdão que confirme a validade do ato impugnado na ação, assim se fazendo a usual Justiça.




O Ministério da Coesão Territorial (que sucedeu ao Ministério do Planeamento no exercício dos poderes de direção sobre as comissões de coordenação e desenvolvimento regional) no seu recurso concluiu:

A. O Ministério da Coesão Territorial, agora recorrente, entende que a sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do direito, e extraiu uma conclusão que contende com o disposto na subalínea iv) da alínea e) do nº 1 e o nº 2 do artigo 25º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, pelo que não pode deixar de ser revogada.

B. No caso concreto, a cessação da comissão de serviço do titular do cargo dirigente resultou da invocação da causa enunciada na subalínea iv) da alínea e) do nº 1 do artigo 25º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro (necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços).

C. Trata-se de uma causa de cessação da comissão de serviço objetiva, ligada a uma modificação funcional, decorrente de alterações conexas com aspetos da política pública setorial em causa, e que não resulta de qualquer valoração específica do comportamento funcional do titular do cargo dirigente.

D. Deste modo, o que a lei exigia ao membro do Governo que praticou o ato de cessação da comissão de serviço, não era que se pronunciasse sobre a prestação funcional do titular do cargo dirigente, ou sobre a sua capacidade técnica, mas antes que tornasse acessível ao seu destinatário e ao público, em geral, quais as alterações da política pública setorial condicionantes da atuação das comissões de coordenação e desenvolvimento regional que aconselhavam, no seu entender, a mudança de protagonistas.

E. Tal motivação encontra-se subjacente, de forma evidente, à afirmação «No que diz respeito à Região Norte, há necessidade de constituir uma nova direção para dar resposta às novas orientações de política para a região [orientações cujos princípios fundamentais constam do próprio Programa do Governo], tendo-se já procedido à designação de um novo presidente para a CCDR».

F. Ao contrário do que resulta da sentença recorrida, não só a fundamentação do despacho de cessação da comissão de serviço permite ao destinatário ou ao leitor perceber quais as razões subjacentes à cessação da comissão de serviço, como se trata de razões que integram a causa legal invocada.

G. Deste modo o ato impugnado na ação encontra-se adequada e suficientemente fundamentado.

H. Em conclusão, ao decidir em sentido contrário a sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto na subalínea iv) da alínea e) do nº 1 e o nº 2 do artigo 25º da da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, devendo ser revogada.

Termos em que deve a sentença apelada ser revogada e substituída por acórdão que confirme a validade do ato impugnado na ação, assim se fazendo a usual Justiça.
Não foi emitido parecer pelo MP.

Cumpre apreciar e decidir.

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1- Pelo Despacho nº XXXX-X/2015, de 13.02.2015, publicado na 2ª série do Diário da República de 17.02.2015, foi o Autor designado para, em comissão de serviço, e pelo período de cinco anos, exercer o cargo de vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte – cfr. teor do despacho publicado no DR, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- O Autor iniciou o exercício das funções para que foi designado no dia 18.02.2015.
3- O Autor recebeu, no dia 05.07.216, um projecto de despacho de cessação da comissão de serviço, com o seguinte teor:
As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) têm por missão assegurar a coordenação e a articulação das diversas políticas sectoriais de âmbito regional, bem como executar as políticas de ambiente, de ordenamento do território e cidades, e apoiar tecnicamente as autarquias locais e as suas associações, ao nível das respetivas áreas geográficas de atuação, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro, na atual redação.
A necessidade de definir uma nova orientação em matéria de desenvolvimento regional no quadro da política pública de desenvolvimento económico e social do País, que contribua para a competitividade económica e social das regiões e respetiva sustentabilidade, bem como a necessidade de assegurar o cumprimento das responsabilidades de gestão no âmbito da política de coesão da União Europeia em prol desse desenvolvimento, impõem a necessidade de imprimir uma nova dinâmica e gestão às CCDR.
No que diz respeito à Região Norte, há necessidade de constituir uma nova direção para dar resposta às novas orientações de política para a região, tendo-se já procedido à designação de um novo presidente para a CCDR.
O Eng.º C. foi designado para exercer o cargo de vice-presidente da CCDR Norte, em regime de comissão de serviço, pelo período de cinco anos, com efeitos a 18 de fevereiro de 2015, através do Despacho n.º XXXX-X/2015, de 13 de fevereiro, publicado na 2.ª série do Diário da República de 17 de fevereiro de 2015. De acordo com a subalínea iv) da alínea e) do n.º 1 do artigo 25.º do Estatuto do Pessoal Dirigente dos serviços e órgãos da administração central, local e regional do Estado, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, a comissão de serviço dos titulares dos cargos dirigentes pode cessar, mediante despacho fundamentado, pela necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços.
Foram ouvidos os Ministros Adjunto e do Ambiente.
Foi ouvido o Eng.º C., em sede de prévia audição sobre as razões invocadas para a cessação da respetiva comissão de serviço.
Nestes termos, e com os fundamentos acima descritos, determino:
A cessação da comissão de serviço do Eng.º C. do cargo de vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, com efeitos a...” – cfr. doc. 2 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4- O Autor exerceu o direito de audiência prévia, mediante requerimento datado de 19.07.2016, nos seguintes termos:
“2- Por isso, desde sempre demonstrou elevada motivação e dinâmica na sua atuação, interna na CCDR-Norte e no contexto da região, tendo sempre cumprido respeitosa e escrupulosamente todas as orientações superiores emanadas por diferentes tutelas governativas em diversas legislaturas.
3- Consequentemente, considera o signatário ter todas as condições para continuar como até aqui a dar continuidade à comissão de serviço que se pretende agora cessar, continuando como até aqui a submeter-se escrupulosamente às orientações superiores que venham a ser definidas pelo Governo da República Portuguesa e pelo Presidente da CCDR-Norte.
Nestes termos, atentos o meu vasto conhecimento e a experiência do meu comportamento no cargo durante estes anos e, ainda, a manifestação e compromisso de total consonância, respeito e apoio aqui formuladas, julgo faltar o pressuposto legal com que V. Exa, formalmente fundamenta a sua intenção de me exonerar, pelo que requeiro que tal intenção não seja transformada em decisão, permitindo que eu possa terminar a comissão de serviço que me foi concedida e à qual me candidatei.” – cfr. doc. 3 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5- Por e-mail de 21.07.2016, foi o Autor informado de que, por despacho desse mesmo dia, do Ministro do Planeamento e das Infra-estruturas, havia sido determinada a cessação da comissão de serviço referida em 1), constando do referido despacho o seguinte:
“As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) têm por missão assegurar a coordenação e a articulação das diversas políticas sectoriais de âmbito regional, bem como executar as políticas de ambiente, de ordenamento do território e cidades, e apoiar tecnicamente as autarquias locais e as suas associações, ao nível das respetivas áreas geográficas de atuação, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro, na atual redação.
A necessidade de definir uma nova orientação em matéria de desenvolvimento regional no quadro da política pública de desenvolvimento económico e social do País, que contribua para a competitividade económica e social das regiões e respetiva sustentabilidade, bem como a necessidade de assegurar o cumprimento das responsabilidades de gestão no âmbito da política de coesão da União Europeia em prol desse desenvolvimento, impõem a necessidade de imprimir uma nova dinâmica e gestão às CCDR.
No que diz respeito à Região Norte, há necessidade de constituir uma nova direção para dar resposta às novas orientações de política para a região, tendo-se já procedido à designação de um novo presidente para a CCDR.
O Eng.º C. foi designado para exercer o cargo de vice-presidente da CCDR Norte, em regime de comissão de serviço, pelo período de cinco anos, com efeitos a 18 de fevereiro de 2015, através do Despacho n.º XXXX-X/2015, de 13 de fevereiro, publicado na 2.ª série do Diário da República de 17 de fevereiro de 2015.
De acordo com a subalínea iv) da alínea e) do n.º 1 do artigo 25.º do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Órgãos da Administração Central, Local e Regional do Estado, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, a comissão de serviço dos titulares dos cargos dirigentes pode cessar, mediante despacho fundamentado, pela necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços.
Foram ouvidos os Ministros Adjunto e do Ambiente.
Foi ouvido o Eng.º C., em sede de audição prévia sobre as razões invocadas para a cessação da respetiva comissão de serviço.
Nestes termos, e com os fundamentos acima descritos, determino:
A cessação da comissão de serviço do Eng.º C. do cargo de vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, com efeitos a 24 de julho de 2016. – cfr. doc. 4 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6- O despacho referido em 5) foi publicado na 2ª série do Diário da República de 25.07.2016.
7- O Autor deixou de exercer as funções de vice-presidente da CCDR Norte a partir do dia 24.07.2016.
8- No mês de Junho de 2016, o Autor auferiu, na qualidade de vice-presidente da CCDR Norte, a quantia líquida de 3.912,40 € - cfr. doc. nº 7 junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9- No mês de Julho de 2016, o Autor auferiu, na qualidade de vice-presidente da CCDR Norte, a quantia líquida de 2.253,25 € - cfr. doc. nº 6 junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10- No ano de 2011, o Autor trabalhou na sociedade S., Lda., tendo aí auferido o rendimento base anual de 7.200,00 euros € - cfr. doc. 8 junto com a p.i. doc. junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11- A petição inicial que originou a presente acção foi remetida a este Tribunal no dia 21.10.2016, através de e-mail e correio registado – cfr. fls. 1 do SITAF e fls. 44 do suporte físico dos autos.

O Tribunal fez constar: Não existem factos a dar como não provados, com interesse para a decisão da acção.
E em sede de motivação da matéria de facto consignou que resultou da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados e da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos, conforme discriminado em cada alínea do probatório.

DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da decisão:
Está em causa, nos presentes autos, a impugnação do despacho identificado na alínea 5) da matéria de facto provada, o qual fez cessar a comissão de serviço do Autor.
Ao Tribunal cabe apreciar e decidir se o acto impugnado é inválido, sendo que o Autor considera que o despacho em causa deverá ser anulado por padecer dos vícios de falta de fundamentação e de desvio de poder; e, em caso afirmativo, se o Autor tem direito à indemnização peticionada a título de responsabilidade civil; caso se entenda que o acto impugnado é válido, o Tribunal pronunciar-se-á sobre o direito do Autor à indemnização prevista no art.º 26º do Estatuto, que o Autor computa em 33.804,68 €.
*
Passemos então à análise das questões trazidas à consideração deste Tribunal, começando pelos vícios imputados ao acto impugnado, pois que o destino do pedido indemnizatório dependerá do destino do pedido impugnatório. E, no que aos vícios do acto impugnado diz respeito, começaremos pelo vício de desvio de poder, pois a sua procedência impede a renovação do acto bem como o afastamento do efeito anulatório, ao passo que o vício de falta de fundamentação, como vício de forma que é, não impede a Administração de praticar novo acto, desde que expurgado de tal vício, nem impede o Tribunal de afastar o efeito anulatório.

Do desvio de poder
Seguindo a lição de Diogo Freitas do Amaral, diremos que o desvio de poder “é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder”, pressupondo “uma discrepância entre o fim legal e o fim real (quer dizer, o fim efectivamente prosseguido pelo órgão administrativo)” (cfr. Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2ª ed., pp. 432-433).
Actualmente, o CPA refere-se expressamente ao vício de desvio de poder para fins de interesse privado na alínea e), do nº 2, do art.º 161º, cominando-o com o desvalor da nulidade.
Conforme explica Vieira de Andrade, trata-se de um vício que, quando “comparado com o desvio de poder para outros fins públicos, é especialmente grave e, em regra, «evidente numa avaliação razoável das circunstâncias», pois que não só não se cumpre o fim legal como se revela que o agente administrativo utiliza os poderes públicos que lhe foram confiados para proveito pessoal ou, de todo o modo, para satisfazer interesses privados de alguém” (cfr. Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, pp. 323-324).
No caso dos autos, o Autor não toma posição quanto à natureza do vício invocado - desvio de poder para fins privados ou desvio de poder para fins públicos – embora apenas lhe associe o desvalor de anulabilidade.
De todo o modo, quer num caso quer no noutro, o ónus de alegar e provar os factos que demonstrem que o motivo principalmente determinante da actuação administrativa não condiz com o fim que a lei visou, recai sobre o Autor (cfr. acórdãos do STA de 03.02.2010, processo 0844/09 e de 06.04.2006, processo 042939, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) e, in casu, não há sequer matéria de facto alegada que permita concluir pela verificação do referido vício.
Aliás, atento o teor dos art.ºs 42º a 56º da p.i., facilmente se constata que o Autor parte da alegada falta de fundamentação do acto impugnado e da desconsideração dos argumentos por si aduzidos em sede de audiência prévia, para concluir que o acto apenas pode ter sido determinado por motivos políticos.
Trata-se de um juízo conclusivo formulado pelo Autor, mas que é totalmente desprovido de qualquer base factual, não vindo sequer alegado que o substituto do Autor, no cargo de vice-presidente da CCDR-N, é militante ou simpatizante do partido do governo.
Não podemos, por isso, deixar de concordar com a Entidade Demandada quando esta, no art.º 49º da contestação, afirma que “o autor limita-se a produzir insinuações e afirmações conclusivas, destituídas de qualquer suporte factual, e que apenas se compreendem no contexto das afirmações que produz a propósito da fundamentação do despacho que determinou a cessação da sua comissão de serviço”.
Em face do exposto, improcede o alegado vício de desvio de poder.
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Da falta de fundamentação
Para além do vício de desvio de poder, o Autor assaca também ao acto impugnado o vício de falta de fundamentação, considerando que o autor do acto impugnado se limitou a transcrever para o seu despacho expressões que constam da lei, nomeadamente a causa legal que pode conduzir à cessação da comissão de serviço, in casu, a “necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços”, sem nunca concretizar os factos que conduziram a tal conclusão. Ao que acresce o facto de, na opinião do Autor, a decisão final reproduzir ipsis verbis o projecto de exoneração, não tendo sido emitida qualquer pronúncia relativamente aos argumentos trazidos ao procedimento em sede de audiência prévia, o que constituiria ainda uma violação do direito à participação procedimental.
Vejamos, então, em que consiste o dever de fundamentação dos actos administrativos para, de seguida, verificarmos se o mesmo foi cumprido no caso dos autos.
Nos termos do art.º 153º, do CPA, “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas” (nº 1), equivalendo “à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto” (nº 2).
É usual dizer-se, quanto a esta matéria, que a fundamentação do acto deve permitir ao seu destinatário reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelo autor, por forma a permitir ao destinatário conformar-se ou não com o conteúdo, e em caso de discordância, permitir-lhe reagir de modo adequado e consciente.
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 04.11.2016 (processo nº 00190/09.7BEPRT, disponível em www.dgsi.pt):
“A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o particular e permitir-lhe o controlo do acto. Traduz-se isto em dizer que o particular deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve-se-lhe dar, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada de decisão.
Só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão: só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso”.
Não quer isto dizer que o acto deve ser exaustivamente fundamentado. Na verdade, a jurisprudência dos Tribunais Superiores considera, de forma pacífica, que a fundamentação do acto constitui “uma exigência flexível, adaptável às circunstâncias específicas de cada caso, nomeadamente à descrição normativa do acto, devendo, de qualquer modo, a fundamentação apresentar-se como clara, suficiente, concreta e congruente, ou seja, facilmente inteligível por um destinatário dotado de uma mediana capacidade de apreensão e regularmente atento” (cfr. acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 11.11.2004, processo nº 01953/02, disponível em www.dgsi.pt).
Ponto fundamental é que o destinatário do acto fique em condições de conhecer as razões de facto e de direito que determinaram o autor na prática do acto, o que implica a externação das razões ou motivos determinantes da decisão administrativa.
Importa ainda ter presente que a fundamentação do acto administrativo se pode desdobrar em dois elementos, um de presença necessária e o outro de presença eventual: a justificação da prática do acto e a motivação do seu conteúdo.
Tal como explica Mário Aroso de Almeida, a “justificação é uma declaração através da qual o autor do acto explica os termos em que procedeu ao preenchimento dos pressupostos legais, ou seja, descreve as circunstâncias de facto que, correspondendo, no seu entender, à previsão legal, o levaram a concluir que existia uma situação de interesse público à qual se tornava necessário dar resposta através da prática daquele tipo de acto administrativo. No caso de as normas aplicáveis lhe conferirem um maior ou menor poder discricionário na definição do conteúdo do acto, permitindo-lhe, por hipótese, escolher entre a adopção de diferentes soluções alternativas, o autor do acto deve também motivar o acto, isto é, dar conta das razões, dos interesses públicos e privados, que o motivaram, induzindo-o a definir o conteúdo do acto daquela maneira” (in Teoria Geral do Direito Administrativo, Almedina, 3ª ed., p. 299).
No caso em apreço, não há dúvida que o acto impugnado está sujeito a fundamentação, pois nos termos do art.º 25º, nº 1, al. e), subalínea iv), do Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Central, Local e Regional do Estado (Estatuto), a cessação da comissão de serviço dos titulares de cargos dirigentes com fundamento na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços depende de despacho fundamentado.
E vimos já que a fundamentação do acto não se basta com a mera indicação das normas legais aplicáveis, impondo-se ainda ao decisor que indique os factos concretos que na sua opinião permitem preencher a previsão da norma em que fez assentar a sua actuação.
Ora, analisado o teor do despacho impugnado, parágrafo por parágrafo, não podemos senão concordar com o Autor.
Assim, o primeiro parágrafo limita-se a enunciar a missão das CDDR; o segundo afirma que a “necessidade de definir uma nova orientação em matéria de desenvolvimento regional” impõe “a necessidade de imprimir uma nova dinâmica e gestão às CCDR”; o terceiro, referindo-se à região norte, afirma haver “necessidade de constituir uma nova direção para dar resposta às novas orientações de política para a região, tendo-se já procedido à designação de um novo presidente para a CCDR”; o quarto limita-se a identificar o despacho que designou o autor para o cargo; o quinto identifica e reproduz a norma habilitante da actuação administrativa; os restantes parágrafos limitam-se a afirmar que foram ouvidos os Ministros Adjunto e do Ambiente e o próprio visado pelo acto, concluindo-se pela cessação da comissão de serviço.
É manifesto que, no despacho impugnado, apenas se vislumbra alguma matéria factual no terceiro parágrafo do despacho, na medida em que se faz referência à designação de um novo presidente para a CCDR, embora tal circunstância (por si só) não se subsuma na previsão da norma invocada.
Impunha-se à Entidade Demandada explicitar os motivos que conduziram à decidida cessação da comissão, respeitantes quer à concreta prestação funcional do Autor, quer à inadequação do respectivo perfil, relativamente a um novo modelo de gestão, definido para o organismo em causa – cfr. Ac. do STA de 02.04.2009 (proc. nº 0195/08), disponível para consulta em www.dgsi.pt -, o que não fez.
Em situações em que estava em causa a aplicação desta mesma norma ou norma análoga, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo a afirmar o princípio segundo o qual, embora estando em causa o exercício de uma actividade que implica a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, nem por isso a fundamentação do acto se basta com a mera reprodução das palavras da lei ou com referências genéricas, antes se exigindo da autoridade decidente que preenchesse em cada caso concreto os conceitos indeterminados da lei com a correspondente situação fáctica, sob pena de se cometer vício de forma (cfr. acórdãos do STA de 12-10-1993, processo 030894; de 30-10-2002, processo 040635; de 18-12-2002, processo 038240 e de 11-01-2007, processo 01024/06; e ainda os acórdãos do TCAS de 04-11-2004, processo 07045/03 e de 21-09-2006, processo 06768/03, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Em situação idêntica à dos presentes autos, considerou o STA que “está inquinado do vício de forma por falta de fundamentação o acto de exoneração que se alicerçou na invocação meramente literal, abstracta e conclusiva dos pressupostos legais constantes do preceito que permite a exoneração” (acórdão de 05-12-2007, processo 01214/05); também no sumário do acórdão do TCAN de 08-05-2008 (processo 00044/06.9BEPRT) se considerou, em situação análoga à presente, que “traduzindo-se a fundamentação do acto administrativo como a enunciação clara do itinerário cognoscitivo percorrido pelo seu autor por forma a esclarecer de modo perceptível o seu destinatário da sua ratio decidendi, o acto impugnado que se limite, em sede de motivação, a reproduzir o texto legal «necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços» sem aludir a uma qualquer concretização da realidade fáctica a ela subsumível, não se configura como suficientemente fundamentado” (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ao que vem dito, acresce que, tal como resulta da matéria de facto apurada, basta comparar o teor do projecto de despacho com o teor do despacho final para facilmente se constatar que a Entidade Demandada não alterou uma vírgula ao seu projecto de decisão, não tendo esboçado a mínima tentativa de refutação ou de diálogo com os argumentos apresentados pelo Autor em sede de audiência prévia.
Em face de exposto, há que concluir pela verificação do alegado vício de falta de fundamentação, o que determina a anulabilidade do acto impugnado (cfr. art.º 163º, nº 1, do CPA).
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Aqui chegados, e estando em causa apenas um vício formal, impõe-se afrontar a questão de saber se deverá haver lugar ao aproveitamento do acto, nos termos do art.º 163º, nº 5, do CPA.
O princípio do aproveitamento do acto, que hoje tem consagração legal expressa, é desde há muito reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, traduzindo-se na ideia de que, mesmo que o acto administrativo enferme de algum vício que conduza à sua anulabilidade, ainda assim o mesmo não deverá ser anulado quando se possa concluir, face às circunstâncias do caso, que o acto não poderia ser diferente daquilo que foi.
Assim, o efeito anulatório só não se produzirá nas seguintes circunstâncias:
a) O conteúdo do acto anulável não possa ser outro, por o acto ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
Ora, o despacho impugnado não é um acto de conteúdo estritamente vinculado, nem se pode afirmar estarmos em presença de uma situação de redução da discricionariedade a zero (al. a)). Por outro lado, também não se pode afirmar que o fim visado pela exigência formal tenha sido alcançado por outra via, pois em nenhum momento ficou o Autor em condições de apreender o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelo autor do acto (al. b)). Além disso, precisamente porque o acto padece de falta de fundamentação factual, e não tendo a Entidade Demandada alegado qualquer matéria de facto, não é possível a este Tribunal afirmar que o acto sempre teria sido praticado com o mesmo conteúdo (al. c)), não restando senão concluir pela impossibilidade de aproveitamento do acto.
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Em suma, há que concluir pela verificação do vício de falta de fundamentação, não sendo possível proceder ao afastamento do efeito anulatório, pelo que o despacho impugnado será anulado, devendo a Administração reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, nos termos do art. 173º do CPTA.
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Do pedido indemnizatório
Para além da anulação do despacho impugnado, o Autor pretende ainda obter a condenação da Entidade Demandada no pagamento de uma indemnização correspondente “ao valor do vencimento global líquido que deixou de receber por ter cessado a sua comissão de serviço”, o qual corresponderia aos 43 meses que ainda faltavam “para completar os 5 anos que devia durar a sua comissão de serviço”.
Neste ponto, afigura-se-nos que a pretensão do Autor não é totalmente congruente, pois se, por um lado, ainda que não o dizendo expressamente, o Autor a constrói a partir do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei nº 67/2007), alegando os seus pressupostos (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade), tendo inclusivamente demandado o Estado Português, por outro conclui pedindo que seja “reposta a concreta situação que existira se tal ato não tivesse sido praticado requer[endo]-se a condenação dos Réus a pagar ao aqui Autor o valor euros 106.089,00”, com o que remete para o dever, que sobre a Administração impende, “de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele acto, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado” (art.º 173º, nº 1, do CPTA).
Seja como for, diremos, desde já, que se tal pedido for interpretado como um pedido indemnizatório “puro”, o mesmo sempre estaria condenado à improcedência.
Em primeiro lugar porque, estando em causa um vício de forma, nada impede a Administração de renovar o acto anulado, desde que, naturalmente, não reincida no mesmo vício, sendo precisamente este o alcance da parte inicial do nº 1 do art.º 173º do CPTA (“sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”).
Em segundo lugar porque, no que aos danos diz respeito, o Autor limitou-se a alegar que deixou de auferir o vencimento líquido resultante do desempenho do cargo de vice-presidente da CCDR-N e peticionou, desde logo, a quantia correspondente aos restantes 43 meses que a comissão de serviço duraria.
Ora, tal pedido pressupõe que a procedência do pedido impugnatório não permitirá a reconstituição da situação actual hipotética, desde logo, a impossibilidade de o Autor retomar a comissão de serviço em face do decurso total do período da comissão de serviço ou de qualquer outro motivo, circunstancialismo sobre o qual o Autor nada diz, sendo certo que, actualmente – e, por maioria de razão, aquando da instauração da presente acção – não havia ainda decorrido o período de 5 anos.
Em terceiro lugar, o Autor não logra demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta ilícita da Administração e o dano que diz ter sofrido, pois tal como se ponderou no acórdão do STA de 05.12.2007, processo 01214/05 (disponível em www.dgsi.pt) “para existir dano indemnizável, em termos de nexo de causalidade, o Autor teria de demonstrar que se a Administração tivesse optado pela «conduta alternativa legal» (acto convenientemente fundamentado e precedido de audiência prévia) o seu alegado interesse teria sido satisfeito”, e quanto a isto nada vem alegado.
Por outro lado, se interpretarmos este pedido não como um pedido indemnizatório “puro”, mas sim como um pedido dirigido à reconstituição da situação actual hipotética, ainda assim o mesmo terá de improceder, já que, para além de a execução da sentença anulatória, como refere o Réu, acomodar a possibilidade de repetição do acto, expurgado do vício que lhe é imputado, a reconstituição de tal situação não implicaria o pagamento ao Autor das quantias que este auferiria durante os 43 meses que ainda faltavam para o termo da sua comissão de serviço.
Tal como resulta da matéria de facto provada, a comissão de serviço do Autor só terminaria em Fevereiro de 2020, não sendo por isso de excluir a possibilidade de, em sede de execução da sentença anulatória, o Autor retomar o cargo que vinha exercendo, o que, aliás, é a consequência normal da anulação do acto impugnado (só assim não será se existir causa legítima de inexecução, o que caberá à Entidade Demandada alegar).
Em tal cenário, a obrigação da Entidade Demandada reconstituir a situação actual hipotética, implica apenas o pagamento dos vencimentos (ou diferenças remuneratórias) que o Autor deixou de auferir entre a data da cessação do exercício das funções de vice-presidente da CCDR-N e a data em que retomar o exercício desse cargo.
Em face do exposto, conclui-se pela improcedência do pedido indemnizatório.
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Do pedido subsidiário
Como é consabido, “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior” (art.º 554º, nº 1, do CPC).
Significa isto que, tendo o pedido impugnatório procedido, não há necessidade deste Tribunal emitir qualquer pronúncia sobre a indemnização a que se refere o art.º 26º do Estatuto.
X

O Autor na ação supra identificada interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 30 de outubro de 2019, proferida no processo supra referenciado, que julgou a ação parcialmente procedente e anulou o ato administrativo impugnado por vício de forma por falta de fundamentação, na parte em que os fundamentos por si invocados foram considerados improcedentes (anulação por desvio de poder e pagamento de uma indemnização, fundada em responsabilidade civil extracontratual pela prática de ato ilícito).
Vejamos:
O ato impugnado na ação é o Despacho nº 9546-A/2016, do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, datado de 21 de julho de 2016 e publicado na 2ª série do Diário da República, de 25 de julho de 2016, que determinou a cessação da comissão de serviço do Autor como vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, indicando razões justificativas da necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços.
Com a propositura da ação, o Autor formulou os seguintes pedidos:
a. A anulação do ato impugnado (por desvio de poder e por falta de fundamentação);
b. A reconstituição da situação atual hipotética;
c. O pagamento de uma indemnização, fundada em responsabilidade civil extracontratual pela prática de ato ilícito, no montante de 106.089,00 euros
A título subsidiário, pediu o pagamento de uma indemnização fundada na cessação da comissão de serviço, nos termos do artigo 26º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, no montante de 33.804,68 euros.
A sentença agora recorrida determinou a anulação do ato impugnado por falta de fundamentação, afastando as imputações de desvio de poder.
O pedido indemnizatório foi julgado improcedente, não tendo existido pronúncia sobre o pedido subsidiário, já que o ato impugnado foi anulado.

O Recorrente reitera a sua posição sobre o desvio de poder.
O seu argumento é exatamente o mesmo no recurso e na ação: a alegada falta de fundamentação constitui a demonstração do desvio de poder.
Esta argumentação foi ponderada na sentença recorrida, tendo sido liminarmente afastada pelas razões que dela constam e com as quais nos revemos.
Também quanto ao pagamento de uma indemnização, fundada em responsabilidade civil extracontratual do Estado por ato ilício, se manifesta adesão aos fundamentos da sentença recorrida acima transcrita.
A sentença repete-se, determinou a anulação do ato impugnado por falta de fundamentação, afastando as imputações de desvio de poder.
O pedido indemnizatório foi julgado improcedente, não tendo existido pronúncia sobre o pedido subsidiário, já que o ato impugnado foi anulado.
Estando em causa a anulação do ato impugnado por falta de fundamentação, a única matéria de facto relevante é a que diz respeito à relevância fundamentadora do elemento literal do ato.
Fundamentos da sentença recorrida -
O Tribunal a quo procedeu a uma abordagem analítica do texto assumido como fundamentação do ato tendo concluído que tal texto, cuja existência não é, naturalmente, posta em causa, não corresponde às exigências legais de densidade da fundamentação.
Fundamentos do recurso do MCT -
A cessação da comissão de serviço do vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Autor na ação, encontra-se regulada pelo artigo 25º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro (Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública), que reza assim:
«1 - A comissão de serviço dos titulares dos cargos dirigentes cessa:
a) Pelo seu termo, nos casos do n.º 1 do artigo anterior;
b) Pela tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função, salvo nos casos e durante o tempo em que haja lugar a suspensão ou em que seja permitida a acumulação nos termos da presente lei;
c) Por extinção ou reorganização da unidade orgânica, salvo se for expressamente mantida a comissão de serviço no cargo dirigente do mesmo nível que lhe suceda;
d) Nos casos do n.º 7 do artigo 16.º e do n.º 6 do artigo 17.º da presente lei e do n.º 3 do artigo 29.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro;
e) Por despacho fundamentado numa das seguintes situações:
i) Não realização dos objectivos previstos, designadamente dos constantes da carta de missão;
ii) Falta de prestação de informações ou prestação deficiente das mesmas, quando consideradas essenciais para o cumprimento da política global do Governo;
iii) Não comprovação superveniente da capacidade adequada a garantir a observação das orientações superiormente fixadas;
iv) Necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços;
f) Na sequência de procedimento disciplinar em que se tenha concluído pela aplicação de sanção disciplinar;
g) Pela não frequência, por causa que lhes seja imputável, ou pelo não aproveitamento em curso a que se refere o n.º 1 do artigo 12.º;
h) (Revogada.)
i) A requerimento do interessado, apresentado nos serviços com a antecedência mínima de 60 dias, e que se considerará deferido se no prazo de 30 dias a contar da data da sua entrada sobre ele não recair despacho de indeferimento.
2 - A cessação da comissão de serviço com fundamento na alínea e) do número anterior pressupõe a prévia audição do dirigente sobre as razões invocadas, independentemente da organização de qualquer processo».
A cessação da comissão de serviço do titular de cargo dirigente pode ocorrer por quatro espécies de causas:
a. Pelo mero decurso do tempo [alínea a)];
b. Por incompatibilidade superveniente [alínea b)];
c. Por causas ligadas a alterações orgânicas ou funcionais [alínea c) e subalínea iv) da alínea e)];
d. Por causas ligadas ao comportamento do titular do cargo dirigente [todas as restantes alíneas do artigo].
No caso concreto, a cessação da comissão de serviço do titular do cargo dirigente resultou da invocação da causa enunciada na subalínea iv) da alínea e) do nº 1 do artigo 25º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro (necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços). Trata-se de uma causa de cessação da comissão de serviço objetiva, ligada a uma modificação funcional, decorrente de alterações conexas com aspetos da política pública setorial em causa, e que não resulta de qualquer valoração específica do comportamento funcional do titular do cargo dirigente.
Há uma diferença estrutural entre a cessação da comissão de serviço do titular do cargo dirigente porque não cumpriu os seus objetivos, sonegou informação ou não demonstrou capacidade (de acordo com a valoração efetuada pelo membro do Governo) e a cessação da comissão de serviço do titular do cargo dirigente porque o Governo alterou aspetos da política pública setorial em causa, determinante da necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços. No primeiro caso, o texto que acompanha o ato deve tornar percetível ao seu destinatário as razões que fundaram a avaliação da prestação funcional subjetiva determinantes da cessação da comissão de serviço; no segundo caso, o texto que acompanha o ato deve tornar percetível ao seu destinatário a alteração de opções políticas relativas ao setor, que aconselham, objetivamente, uma mudança de protagonistas.
As diferenças entre as exigências de exteriorização da vontade administrativa, num caso e no outro, não resultam da análise jurisprudencial ou doutrinal mas, pura e simplesmente, da utilização pelo legislador de pressupostos distintos.
É por isso que o nº 1 do artigo 26º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, impõe a atribuição de uma indemnização pela mera cessação da comissão de serviço quando o fundamento for a extinção ou reorganização da unidade orgânica ou a necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços: é que não estão em causa comportamentos concretos da pessoa em causa mas questões de política pública sectorial (quer na dimensão organizacional quer na dimensão funcional).
É comum afirmar-se que as exigências de fundamentação (quanto à densidade, quanto aos pressupostos de facto, quanto às avaliações administrativas, etc.) variam consoante o tipo de ato. Ora, o artigo 25º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, fornece um exemplo prático.
Deste modo, o que a lei exigia ao membro do Governo que praticou o ato de cessação da comissão de serviço, não era que se pronunciasse sobre a prestação funcional do titular do cargo dirigente, ou sobre a sua capacidade técnica, mas antes que tornasse acessível ao seu destinatário e ao público, em geral, quais as alterações da política pública setorial condicionantes da atuação das comissões de coordenação e desenvolvimento regional que aconselhavam, no seu entender, a mudança de protagonistas.
Tendo em conta o contexto, é conveniente transcrever a fundamentação do ato que determinou a cessação da comissão de serviço do vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte: «As comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) têm por missão assegurar a coordenação e a articulação das diversas políticas setoriais de âmbito regional, bem como executar as políticas de ambiente, de ordenamento do território e cidades, e apoiar tecnicamente as autarquias locais e as suas associações, ao nível das respetivas áreas geográficas de atuação, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro, na atual redação.
A necessidade de definir uma nova orientação em matéria de desenvolvimento regional no quadro da política pública de desenvolvimento económico e social do País, que contribua para a competitividade económica e social das regiões e respetiva sustentabilidade, bem como a necessidade de assegurar o cumprimento das responsabilidades de gestão no âmbito da política de coesão da União Europeia em prol desse desenvolvimento, impõem a necessidade de imprimir uma nova dinâmica e gestão às CCDR.
No que diz respeito à Região Norte, há necessidade de constituir uma nova direção para dar resposta às novas orientações de política para a região, tendo-se já procedido à designação de um novo presidente para a CCDR.
O Eng.º C. foi designado para exercer o cargo de vice-presidente da CCDR Norte, em regime de comissão de serviço, pelo período de cinco anos, com efeitos a 18 de fevereiro de 2015, através do Despacho n.º XXXX-X/2015, de 13 de fevereiro, publicado na 2.ª série do Diário da República de 17 de fevereiro de 2015. De acordo com a subalínea iv) da alínea e) do n.º 1 do artigo 25.º do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Órgãos da Administração Central, Local e Regional do Estado, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, a comissão de serviço dos titulares dos cargos dirigentes pode cessar, mediante despacho fundamentado, pela necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços.
Foram ouvidos os Ministros Adjunto e do Ambiente.
Foi ouvido o Eng.º C., em sede de audição prévia, sobre as razões invocadas para a cessação da respetiva comissão de serviço».
A fundamentação transcrita foi objeto de um juízo negativo (juízo de não preenchimento das condições legais de validade formal) por parte da sentença agora recorrida. As razões de decidir foram acima integralmente transcritas. Não obstante, o raciocínio decisório encontra-se condensado no seguinte parágrafo: «Impunha-se à Entidade Demandada explicitar os motivos que conduziram à decidida cessação da comissão, respeitantes quer à concreta prestação funcional do Autor, quer à inadequação do respectivo perfil, relativamente a um novo modelo de gestão, definido para o organismo em causa […]», o que, de acordo com o Tribunal a quo, não foi feito.
A Co-recorrente impugna tais pressupostos e a sua conclusão.
Em primeiro lugar, porque a causa de cessação da comissão de serviço não teve que ver com a «concreta prestação funcional» do vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte.
Ora, se a causa da cessação da comissão de serviço não radicava na avaliação da prestação subjetiva do destinatário (nem poderia radicar, sob pena de defraudar a causa legal) o ato administrativo não tinha de conter quaisquer considerações a propósito da capacidade técnica ou da competência do destinatário (não tinha de conter nem podia conter).
Em segundo lugar porque o ato administrativo exteriorizou a mudança da política pública setorial e a consequente necessidade de escolher protagonistas diferentes daqueles que levaram a cabo as opções políticas anteriores, entretanto afastadas ou rejeitadas.
O que resulta da fundamentação do ato é que não faz sentido alterar as opções políticas e manter como seu rosto quem deu a cara pelas anteriores (independentemente de qualquer avaliação funcional).
Deste modo, a divergência entre o Recorrente e o Tribunal a quo não é uma divergência quanto a factos mas quanto à valoração da virtualidade fundamentadora de um texto - lê-se nas alegações do MCT e aqui corrobora-se.
Ora, como alegado por Este, nos casos em que a causa de cessação da comissão de serviço se encontra estabelecida pelo legislador através de uma fórmula que remete para a escolha prévia de valorações políticas (imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços), o dever de fundamentação resulta preenchido quando o autor do ato evidencia que o seu sentido resulta de uma ponderação político-administrativa e indica as razões principais que o motivaram a decidir como decidiu.
Da fundamentação do despacho que determina a cessação da comissão de serviço do Autor retira-se que o Governo, através do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, definiu uma política pública sectorial relativa às atribuições em que intervêm as comissões de coordenação e desenvolvimento regional bem distinta da que até então vinha sendo seguida e aplicada pelo Autor, não se afigurando adequado que o executor da política pública sectorial abandonada fosse o protagonista da nova política pública sectorial definida.
A consequência é que pessoas identificadas com a execução de determinadas políticas públicas setoriais não podem continuar a ser o rosto de políticas públicas setoriais antagónicas ou, pelo menos, divergentes.
Tal motivação encontra-se subjacente, de forma evidente, à afirmação «No que diz respeito à Região Norte, há necessidade de constituir uma nova direção para dar resposta às novas orientações de política para a região [orientações cujos princípios fundamentais constam do próprio Programa do Governo], tendo-se já procedido à designação de um novo presidente para a CCDR».
A razão pela qual o Governo determinou a cessação da comissão de serviço do Autor é aquela que resulta literalmente do texto da fundamentação: com a mudança de políticas públicas setoriais torna-se necessário alterar os protagonistas (ou seja, imprimindo uma nova orientação de política setorial o Governo vê-se na necessidade racional de alterar a gestão dos serviços).
Ao contrário do que resulta da sentença recorrida, não só a fundamentação do despacho de cessação da comissão de serviço permite ao destinatário ou ao leitor perceber quais as razões subjacentes à cessação da comissão de serviço, como se tratam de razões que integram a causa legal invocada (e não seria assim se tivesse sido invocada qualquer avaliação do comportamento subjetivo do titular de cargo dirigente).
Em suma:
-o Tribunal a quo, apesar de afirmar o pressuposto da variabilidade da densidade da fundamentação em função do tipo de ato, não procedeu à sua ponderação de um modo adequado;
-o ato impugnado, na sua componente literal, textual, demonstra os motivos pelos quais o Governo decidiu «imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços» e, em consequência, fez cessar a comissão de serviço do vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte;
-assim a sentença recorrida violou a subalínea iv) da alínea e) do nº 1 e o nº 2 do artigo 25º da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, já que não integrou na exigência legal de fundamentação circunstâncias que se subsumem a tal previsão;
-a contrario sensu, a decisão não violou os artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP e os artigos 2º e 87º, nº 3 do CPTA, apontados pelo Autor;
-é que, reitera-se, não só a fundamentação do despacho de cessação da comissão de serviço permite ao destinatário ou ao leitor perceber quais as razões subjacentes à cessação da comissão de serviço, como se trata de razões que integram a causa legal invocada;
-deste modo o ato impugnado na ação encontra-se adequada e suficientemente fundamentado;
-como é sabido, a fundamentação do acto administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos;
-o grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado;
-no caso posto o vício assacado ao acto não se descortina;
-o Autor não demonstrou que o motivo determinante da cessação da comissão de serviço tenha sido outro que não a necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços;
-no que ao pedido indemnizatório diz respeito, no âmbito do dever de execução de uma eventual sentença de anulação, nada impediria a Entidade Demandada de praticar um novo acto administrativo que produzisse os mesmos efeitos do acto anulado, desde que não reincidente nos mesmos vícios, pelo que a mera anulação sempre seria insuficiente para fundar a pretensão indemnizatória do Autor;

-uma coisa é a falta/insuficiência de fundamentação do acto e outra é a divergência quanto a essa fundamentação, o que ora assola o caso posto.

Do pedido subsidiário –

A título subsidiário, pediu o Autor a condenação dos Réu no pagamento da indemnização correspondente à cessação lícita da comissão de serviço, prevista no art.º 26º da Lei 2/2004, de 15 de janeiro, no valor de 33.804,68 €, acrescida de juros à taxa legal desde 24 de julho de 2016.
Para o efeito alegou, em síntese, o seguinte:
-foi designado para exercer o cargo de Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte em regime de comissão de serviço pelo período de 5 anos, com efeitos a partir de 18.02.2015, tendo tal comissão de serviço cessado por despacho de 21.07.2016 do Ministro do Planeamento e das Infra-estruturas;
-nos termos do art.º 26º do Estatuto tem direito ao pagamento de uma indemnização que corresponderia à diferença da remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respectiva categoria de origem;
-o Réu Ministério, logo em sede de contestação, considerou que o Autor não demonstrou que o motivo principalmente determinante da cessação da comissão de serviço tenha sido outro que não a necessidade de imprimir uma nova orientação à gestão dos serviços; no que ao pedido indemnizatório diz respeito, considera que, no âmbito do dever de execução de uma eventual sentença de anulação, nada o impediria de praticar um novo acto administrativo que produzisse os mesmos efeitos do acto anulado, desde que não reincidente nos mesmos vícios, pelo que a mera anulação sempre seria insuficiente para fundar a pretensão indemnizatória do Autor; já quanto ao pedido subsidiário, reconhece o direito do Autor, adiantando que pretende proceder à sua concretização.
Ora, nos termos da citada lei que aprovou o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, Artigo 26.º, sob a epígrafe:
Indemnização
1 - Quando a cessação da comissão de serviço se fundamente na extinção ou reorganização da unidade orgânica ou na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, os dirigentes têm direito a uma indemnização desde que contem, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções.
2 - A indemnização referida no número anterior será calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço e no montante que resultar da diferença entre a remuneração base do cargo dirigente cessante e a remuneração da respectiva categoria de origem.
3 - O montante da indemnização tem como limite máximo o valor correspondente à diferença anual das remunerações, nelas se incluindo os subsídios de férias e de Natal.
(…).
Como é sabido, o Estado e as demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
Efectivamente, nas “situações, em que a pretensão do autor permanece na mesma relação jurídica (responsabilidade civil extracontratual do Estado) e onde a condenação se atém aos factos alegados pela parte, desde que o contraditório tenha sido assegurado, nada obsta à condenação do réu a título de responsabilidade civil por factos lícitos ainda que o autor tenha formulado a pretensão invocando a responsabilidade delitual.” - Acórdão do STA de 23/11/2010, proc. 444/10).
“I- São pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por actos lícitos praticados no domínio de gestão pública, prevista no art. 9º do DL nº 48.051, de 21.11.67: (I) um acto lícito do Estado ou de outra pessoa colectiva pública; (II) praticado por motivo de interesse público; (III) um prejuízo especial e anormal; (IV) nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo. II – Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração.” - Ac. do STA de 02/12/2010, proc. 629/10, ainda que proferido num contexto diferente.
“A exigência de um dano ou encargo especial e anormal é justificado à luz de um princípio de socialidade. Só são indemnizáveis os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas (dano especial), e que simultaneamente ultrapassem os custos próprios da vida em sociedade e mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito (dano anormal).
“Anormal é, por sua vez, o dano que, pela sua gravidade, tem relevância ressarcitória; de tal modo que não há lugar ao pagamento de indemnização se o dano não exceder os encargos normais exigíveis como contrapartida dos benefícios emergentes da existência e funcionamento dos serviços públicos.”
É que “(...) A ideia da exigência destes dois requisitos de responsabilidade assenta, (...) na necessidade de estabelecer um duplo travão: a) evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um dever indemnizatório do Estado nos casos de danos inequivocamente graves, b) procurar ressarcir danos que, sendo graves, incidem desigualmente sobre certos cidadãos.”
Destarte, a (i) especialidade e a (ii) anormalidade são requisitos do prejuízo passível de indemnização enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
No caso concreto o Estatuto de que beneficia o Autor assegura-lhe a indemnização atrás exposta que, repete-se, o próprio Réu/Ministério reconhece, sem sequer por em causa o quantum peticionado.
Procedem, assim, em parte as pretensões dos Recorrentes.

DECISÃO
Termos em que:
a) se concede parcial provimento ao recurso do MCT, revogando-se a sentença e confirmando-se a validade do ato impugnado na ação;
b )se concede parcial provimento ao recurso do Autor, condenando-se o Réu/Ministério, a título subsidiário, no pagamento da indemnização correspondente à cessação lícita da comissão de serviço, prevista no artigo 26º da Lei 2/2004, de 15/01, no montante de € 33.804,68, acrescido de juros à taxa legal desde 24 de julho de 2016, até integral pagamento.

Custas pelo Autor e pelo Réu, na proporção do decaimento.

Notifique e DN.

Porto, 19/06/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas