Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00014/19.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Canelas
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; PROVA; DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS; MATÉRIA DE FACTO CONTROVERTIDA
Sumário:
I –O juízo da necessidade da realização de diligências de prova, incluindo a produção da prova testemunhal requerida pelas partes, que compete ao juiz no âmbito cautelar, nos termos do disposto no artigo 118º nº 1 do CPTA, haverá de ser tomado tendo por base os factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem sido alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.
II – Se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração do pressuposto do periculum in mora de que depende para a concessão da providência cautelar. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:TATC
Recorrido 1:Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
TATC (devidamente identificado nos autos) instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela processo cautelar contra o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. no qual requereu a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia dos seguintes atos:
- i) da decisão notificada em 29/11/2018, que determinou a não atribuição de efeito suspensivo ao processo (vertida no Doc. nº 1 que juntou com o RI).
- ii) da decisão da Entidade Requerida de 04/10/2018, que determinou a resolução unilateral do contrato de financiamento n.º 02038014/0 e a reposição do montante pago, no valor de 38.869,95 € acrescido de juros à taxa legal em vigor (vertida no Doc. nº 2 que juntou com o RI).
Por despacho da Mmª Juíza a quo, que antecedeu imediatamente a sentença datada de 15/04/2019, foi indeferida a produção de prova testemunhal, por declarações de parte e por inspeção ao local que tinha sido requerida pelo Requerente no Requerimento Inicial da providência cautelar, e considerado que os autos dispunham de todos os elementos necessários à decisão a proferir. E pronunciando-se na sentença quanto ao mérito da pretensão cautelar, indeferiu-a por falta de verificação do requisito do periculum in mora, abstendo-se de conhecer, por prejudicada, a verificação dos demais requisitos legais necessários para a decretação da providência.
Inconformado, o requerente interpôs o presente recurso de apelação, que dirige quer quanto ao despacho que indeferiu a produção de prova, quer quanto à sentença, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
O recorrente não concorda com o douto despacho e a douta sentença recorrida, porquanto se considera que o Tribunal recorrido realizou uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
De facto, considera, por despacho, o Exmo. Sr. Juiz do Tribunal a quo, que os autos cautelares dispõem dos elementos necessários à apreciação da causa, nos termos do artigo 118°, números 3 e 5 do CPTA. Todavia, o recorrente não concorda, nem se conforma, com este despacho, na medida em que nele se fez errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação do artigo 118°, números 3 e 5 do CPTA, que se mostra, assim, violado.
O recorrente, na sua p.i., requereu a produção de meios de prova, e fê-lo pois o recorrente invocou no seu requerimento inicial factos concretos tendentes a demonstrar os prejuízos resultantes dos actos cuja suspensão de eficácia requereu, nomeadamente os elencados nos artigos 152° a 189° do requerimento inicial.
E o que é facto é que a prova desses prejuízos era, como é, imprescindível para se proceder à análise do requisito do "periculum in mora", traduzido no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação previsto na alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA, que tem de se verificar cumulativamente com o "fumus boni iuris".
O requerente alegou e determinou os prejuízos, pretendendo prová-los, designadamente através da produção de prova testemunhal e através de declarações de parte.
No entanto, tal prova enunciada e a cargo do requerente, foi inviabilizada pelo próprio Tribunal "a quo" ao indeferir a produção de prova, e designadamente a produção de prova testemunhal, o que determinou, a final, que não se tivesse conseguido estabelecer, em concreto, se estavam verificados, ou não, os prejuízos de difícil reparação invocados pelo requerente.
Ou seja, o Tribunal a quo, em primeiro lugar recusa a produção de prova, e depois vem dizer que o A. não demonstrou os factos.
E, mais se diga que, ao contrário do entendimento constante do despacho recorrido e que visou justificar a desnecessidade da produção de prova, os documentos não eram de todo suficientes como prova dos danos alegados.
Ademais, a prova por documentos pode ser feita em qualquer altura do processo, desde que se respeite o vertido no artigo 423° do C.P.C, ex vi art.° 1° do CPTA, até porque existem diversos documentos cuja apresentação não é possível oferecer com o articulado.
10ª Nestes termos, ao dispensar a produção de prova quando esta se mostrava indispensável à correta apreciação dos requisitos da providência cautelar requerida, o despacho recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 118°, números 3 e 5 do CPTA, impondo-se a respetiva anulação e a baixa dos autos ao TAF de Mirandela para aí se proceder à produção de prova, nomeadamente com a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente.
11ª Pois, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, no "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", em anotação ao artigo 118° do CPTA: " [ ...] todos os meios de prova legítimos são, pois, admissíveis ...".
12ª Neste sentido já se pronunciou o TCA Norte, no seu dou Aresto no Proc. n° 276/11.8BEV1S, 2 Sec. do Cont. Tribut., de 12.01.2012, tal como infra se transcreve: "O Tribunal a quo só poderia ter dispensado a produção da prova testemunhal se tivesse concluído que ela era manifestamente impertinente inútil ou desnecessária".
13ª A produção de prova por declarações de parte e a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente revestia-se de extrema relevância para a descoberta da verdade material e consequentemente para a boa decisão da causa, na medida em que os elementos carreados pelas partes para os autos se mostram insuficientes à prolação de uma decisão.
14ª O Tribunal a quo não poderia dispensar a produção de prova testemunhal e decidir a insuficiência de prova dos factos alegados atento o disposto no n° 1 do art. 367° do CPC, aplicável por força do art.° 1° do CPTA, que confere ao juiz o poder de ordenar oficiosamente as diligências probatórias que considerar necessárias ao apuramento dos pressupostos de decretamento das providências cautelares requeridas. É este o poder que está, aliás, vertido no n° 3 do art. 118° do CPTA.
15ª O poder discricionário que é concedido ao julgador cautelar pelo artigo 118°, n° 3, do CPTA, não poderá ser um poder discricionário tout court, sendo antes um poder-dever, isto é, um poder que está vinculado à exigência da busca da verdade material e ao respeito pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva.
16ª Assim, o TM', ao ter proferido decisão sem permitir ao recorrente demonstrar a veracidade das afirmações produzidas em sede de requerimento inicial, violou o direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 2° do CPTA.
17ª E, sem prescindir, o requerente cumpriu os artigos 114', n° 3 alínea g) do CPTA, pois formulou e especificou os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência; o recorrente invocou o direito, fez prova dos factos e requereu a produção de prova; o recorrente respeitou o artigo 342° do Código Civil.
18ª O recorrente não esqueceu o seu ónus de articulação e de prova dos «factos concretos» que permitam e legitimem o julgador cautelar a realizar o «juízo de ponderação de interesses e danos» que é previsto e exigido.
19ª Face ao exposto, o recorrente entende que a recusa da produção de prova e a recusa de inquirição das testemunhas por si arroladas acarreta a violação do disposto no artigo 118°, n° 3, do CPTA, e implica a anulação da sentença recorrida (Cfr. Acórdão do TCA Sul de 15.09.2011, R°07957/11).
20ª Até porque, tal como entendido no Ac. do TCA Sul, Proc. n.° 10394/13, CA2° Juizo, de 24.10.2013, disponível em www.dgsi.pt:
"Na verdade, não pode o Tribunal a quo prescindir de prova testemunhal e julgar não verificado o requisito do periculum in mora com base no facto de o mesmo não resultar provado".
21ª A dispensa da prova influiu na boa decisão da causa incorrendo a sentença recorrida na violação do disposto no art.° 2°, n° 3, 114°, n°3 alínea g), e art. 118° do CPTA, e ainda na violação dos artigos 367° do CPC e 342° do Código Civil
22ª Devendo, em consequência, ser julgado procedente o presente recurso, também nesta parte, revogando-se assim o despacho recorrido.
Sem prescindir,
23ª O recorrente discorda igualmente da sentença recorrida, por considerar que esta incorre em deficiente interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
24ª In casu, o recorrente também alegou estarem preenchidos os critérios de concessão da providência estipulados na r parte do artigo 120°, n° 1, b) do C.P.T.A., e tudo, de acordo com a factualidade vertida em 181° a 206° da p.i..
25ª Mas o tribunal a quo, entendeu ter-se "por inverificado o periculum in mora...".
26ª O recorrente não alcança a razão pela qual entendeu o Tribunal "a quo" não ter sido demonstrado o "periculum in mora", quando ele próprio dispensou a produção de prova ao abrigo do n.° 3 do artigo 118° do CPTA.
27ª Particularmente, no caso de o Tribunal considerar que os elementos juntos com o requerimento inicial da providência cautelar não eram suficientes para demonstrar a existência de "periculum in mora", o que não se concede, então sempre teria de lançar mão da prova por declarações de parte e da prova testemunhal que foi oportunamente indicada pelo recorrente nesse mesmo requerimento.
28ª Não é possível que o Tribunal dispense a audição da parte e as testemunhas oportunamente indicadas pelo recorrente e depois indefira a providência cautelar, faltando a produção de prova sobre os factos efetivamente invocados e relativamente aos quais a parte e as testemunhas estariam habilitadas para testemunhar, enfermando a sentença do Tribunal "a quo" de manifesta deficiência instrutória, não fazendo uso adequado do disposto no n° 3 do artigo 118° do CPTA. (Neste sentido Acórdão do TCA Sul, Processo 10105/13, de 11-07¬2013).
29ª O recorrente indicou as suas declarações de parte, para além da prova testemunhal, sendo que através delas podia o tribunal a quo entender qual a situação de liquidez do recorrente, qual a identificação dos subsídios que declarou fiscalmente (e aqui note-se que nem as Finanças pediram ou pedem tal identificação), e qual o montante dos subsídios que prevê receber do IFAP futuramente (neste ponto diga-se que os projetos de IFAP exigem candidaturas e podem surgir a qualquer momento).
30ª O recorrente apresentou ainda testemunhas habilitadas, pelas funções que desempenham (agricultores e empreiteiros capazes de explicar ao tribunal, por exemplo, os custos de um agricultor com a mão de obra no Douro, i.e. custos com trabalhadores que trabalham à jorna), o recorrente arrolou ainda testemunhas pertencentes ao seu agregado familiar, pai e irmãos, o que tudo provaria minuciosamente o referido requisito do periculum in mora.
31ª A parte e as ditas testemunhas, caso tivessem sido ouvidas, poderiam facilmente demonstrar ao Tribunal que existem factos com interesse para a decisão da causa.
32ª Assim, enferma a sentença recorrida de deficiência instrutória, violando designadamente o disposto na alínea g) do n° 3 do artigo 114° do CPTA, bem como o disposto do n° 3 do artigo 118° do CPTA.
33ª A contradição entre uma decisão que dispensa a audição de testemunhas e que depois julga não provados determinados factos que estas mesmas testemunhas poderiam provar já foi, de resto, identificada e condenada pelo STA [ver AC de 02.11.2007, R° 471/07].
34ª Devidamente ponderado o requerimento cautelar, verifica-se que o recorrente alegou haver manifesto perigo de constituição de uma situação de facto consumado, ou pelo menos de produção de prejuízos de difícil reparação.
35ª A fundamentação da sentença recorrida, relativa à alegada falta de cumprimento do requisito do "periculum in mora", enferma de inarredáveis vícios porquanto os pressupostos em que baseia a inexistência de "periculum in mora" revelam-se, salvo o devido respeito, despiciendos e infundados.
36ª O requisito do "periculum in mora" existe, pois com a não suspensão do acto suspendendo, o recorrente verá insatisfeitas as necessidades essenciais do seu agregado familiar (necessidades que são essencialmente do dia-dia e que não se compadecem com a demora que certamente o processo principal terá), e verá insatisfeitas as suas pretensões na continuação da sua atividade agrícola.
37ª Ora, a alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA [e, de igual modo, também a alínea c) do mesmo preceito] fazem depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspetivas de êxito do requerente no processo principal.
38ª No caso dos autos, o requerente da providência alegou determinados factos [cfr. artigos 352° a 382% e 390° a 393° da p.i], pediu as suas declarações de parte, e arrolou testemunhas, visando demonstrar que a imediata execução do acto suspendendo era susceptível de produzir na sua esfera jurídica prejuízos de difícil, senão impossível reparação, ou seja, para o que aqui importa, alegou factos tendentes a demonstrar que a execução do acto suspendendo e a não autorização requeridas eram adequadas a originar prejuízos de difícil reparação.
39ª Com efeito, para a análise e apreciação dos requisitos previstos na alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA, sempre se imporia considerar os factos alegados pelo recorrente no seu requerimento inicial, nomeadamente através da admissão da produção da prova testemunhal por aquele indicada. Deste modo, a prova desses factos mostra-se imprescindível para que se possa proceder à análise, ainda que perfunctória, dos requisitos previstos na alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA.
40ª E, se o ónus de tal prova recaía sobre o ora recorrente [cfr. artigo 342°, n° 1 do Cód. Civil], o certo é que tendo o mesmo indicado testemunhas no requerimento inicial, a prova pretendida sobre os factos tendentes a demonstrar os requisitos exigidos pela alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA podia - e devia, acrescente-se - ter sido feita através da audição da parte e da inquirição das testemunhas arroladas, o que foi inviabilizado pelo Tribunal "a quo", que proferiu sentença sem que tivesse lugar uma fase de produção de prova.
41ª Em conclusão, mostrava-se indispensável para a apreciação dos requisitos previstos na alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA a produção de prova por declarações de parte e testemunhal oferecida pelo recorrente, pelo que o Tribunal recorrido violou o disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 120º, e nos artigos 118°, n° 3, e 120º todos do CPTA.
Sem prescindir,
42ª O recorrente também considera que o Tribunal a quo não poderia fundamentar a decisão de recusa da providência também com o fundamento de existirem outras meios processuais para impedir a execução do acto, nomeadamente no CPPT, pois, pensar assim, é adulterar o real objeto da pretensão cautelar, que se traduz em suspender a eficácia da decisão substantiva, que modifica/rescinde unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas, da qual a reposição de verbas é consequente.
43ª Ora, independentemente do recorrente ter ou não possibilidade de lançar mão aos mecanismos para obstar à execução de actos materiais que afectem a sua actividade, no âmbito do CPPT e CPTA, o certo é que no processo principal não está somente em causa o pagamento de certa quantia, pois que a sua reposição surge como consequência de caso resolvido sobre a decisão de modificação/rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajudas.
44ª Ressuma, destarte, que provada uma circunstância apta a gerar fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente cautelar defende na ação principal, não é a mera possibilidade desses prejuízos poderem ser evitados em sede de execução fiscal, que serve para arredar o deferimento da suspensão de eficácia do ato que alicerça a ordem de restituição de verbas. Essa solução seria redutora do objeto da pretensão cautelar, e significa uma denegação de justiça.
45ª Em face do exposto, violou o tribunal recorrido a correta interpretação e aplicação da alínea b) do n.° 1 do artigo 120° do CPTA.
*
O recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo:
A. Não assiste qualquer razão ao recorrente, uma vez que, o Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito.
B. Face ao disposto no nº 1 do artº 120.º do CPTA, só perante a verificação destes 2 requisitos materiais é que a providência requerida poderá ser decretada:
- existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal (o que doutrinariamente tem que ver com o denominado periculum in mora e (cumulativamente),
- a probabilidade (material/substantiva) de que a pretensão a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (o que também doutrinariamente tem que ver com a aparência do “bom direito” a ser exercido: o denominado bunus fumus juris)
C. De acordo com o disposto no nº 2 deste preceito, mesmo no caso de verificação objetiva destes 2 requisitos materiais, a providência requerida é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras
D. Ora, não resulta, objectivamente, qualquer, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Recorrente visa assegurar no processo principal.
E. O Recorrente, relativamente a tal questão (periculum in mora) limita-se à formulação de meros juízos de valor e outras tantas meras conjeturas conclusivas relativamente a prejuízos de verificação quão hipotética quanto eventual (e, ainda por cima, absolutamente destituídas de qualquer indício de prova, que fosse).
F. O Recorrente também não alega quaisquer factos concretos acerca da sua atividade e respetivo financiamento e correspondentes despesas, não alegando – e acima de tudo não demostrando - qual o estado da sua atual situação económica e financeira.
G. A falta do requisito periculum in mora é suficiente para que a presente providência não possa ser decretada.
H. Da alínea a) do n° 1 do Arto 120° do CPTA, a providência cautelar só devera ser decretada em situações excepcionais, em que se afigure manifesto ao Tribunal que a pretensão a formular pela requerente na acção principal, irá ser julgada procedente.
I. Ora, basta uma análise perfunctória ao teor da petição apresentada pelo Recorrente, para se constatar que, se há algo que é manifesto, é que o ato impugnado não é manifestamente ilegal.
J. Face ao exposto, salvo melhor entendimento, verifica-se que relativamente a todas as questões suscitadas pela ora recorrente, a sentença recorrida ao julgar improcedente a ação, absolvendo o réu, fez uma correta interpretação dos factos e do direito, não merecendo por isso qualquer censura.
*
Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer.
*
Sem vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, são objeto do presente recurso o despacho da Mmª Juíza a quo, que antecedeu imediatamente a sentença, pelo qual foi dispensada a realização de diligências de prova requerida pelo requerente da providência, e a sentença que julgou improcedente a pretensão cautelar, importando em sede do presente recurso apreciar e decidir, em primeira linha se o Tribunal a quo errou ao dispensar as diligências de prova, em termos que devam os autos baixar à primeira instância para a sua realização, e em segunda linha, se o Tribunal a quo errou ao julgar não verificado o periculum in mora, em termos que, por se encontrarem também verificados os demais requisitos, o pedido cautelar deveria ter procedido com decretação da providência.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1. O Requerente é empresário em nome individual e encontra-se enquadrado junto da Autoridade Tributária com o Código de Atividade Económica n.º 1210.
(cfr. doc. 3 do r.i.).
2. Por despacho de 26.02.2014, a Entidade Requerida deliberou conceder ao Requerente um apoio no montante de EUR 68.937,30, com vista à reconstrução de muros.
(cfr. doc. 4 do r.i.).
3. Em data não concretamente apurada, a Entidade Requerida enviou ao Requerente o ofício n.º 009106/2016 DCO-UCIA-NAPI, com o seguinte teor parcial:
(…)
No âmbito das ações de controlo "in loco" às operações cofinanciadas pelo FEADER previstas no Regulamento (CE) n° 6512011 da Comissão, de 27 de Janeiro de 2011, os pedidos de apoio acima identificados, apresentados por V. Exa à medida Intervenções Territoriais Integradas, do PRODER, foram objeto de controlo conforme é do conhecimento de V. Exa.
No controlo acima referido, foram detetadas algumas desconformidades que passamos a citar, suscetíveis de consubstanciar uma situação de incumprimento da legislação aplicável e do contrato celebrado e, consequentemente, conduzir à rescisão / alteração do contrato e à devolução total / parcial das ajudas recebidas.
a) Os documentos de despesa emitidos pelos fornecedores FRCA e CAA, não cumprem com o artigo 36º do CIVA, visto não se encontrarem suportados por autos de medição com a discriminação das quantidades e preços unitários dos trabalhos executados (horas de mão de obra e máquinas utilizadas) e dos materiais aplicados (pedra);
b) O fornecedor FRCA não possui alvará para realizar obras conforme consulta do site do IMPIC (antigo INCI), pelo que a despesa apresentada no âmbito deste PA não é elegível (Fatura nº A1 de 38.869,95€);
c) Não existe qualquer evidência de os muros terem sido construídos por duas diferentes empresas e em diferentes momentos, conforme faturação apresentada;
d) Independentemente da volumetria construída, constatou-se que o número de muros indicados na candidatura e na comprovação (5) não corresponde ao verificado aquando da visita física (2), sendo de referir que um deles é a continuação de um muro afeto à candidatura nº 18073 do RARRV, campanha de 2013/2014.
e) Após o recebimento da última tranche de ajudas em 31-08-2015 (30.067,35€), foi transferido da conta afeta ao projeto o montante de 29.000,00€, para a conta de CMTC, cuja razão se desconhece;
f) Verificou-se que a IE - Caracterização da Exploração Agrícola, identifica V.Exa. como proprietário da parcela afeta a este PA (Parcela nº 2424690695034), quando em sede de controlo "in loco" constatou-se que explora a propriedade através de contrato de comodato.
Nesta conformidade, solicita-se a V. Exas. que, no prazo máximo de dez dias úteis, nos informe sobre o que se lhe oferecer relativamente aos resultados do controlo.
(cfr. ofício a fls. 89 e 90 do p.a.).
4. Em 03.10.2016, o Requerente apresentou junto da Entidade Requerida requerimento em que formula a seguinte conclusão:
Termos em que se requer que, face a tudo o que foi exposto, se considere que o requerente cumpriu com todas as suas obrigações contratuais e respeitou todas as cláusulas do Contrato, pelo que será ilegal uma decisão de modificação contratual, pois não houve locupletamento injusto do requerente, porque a ajuda que lhe foi concedida foi efetivamente aplicada no projecto de investimento.
(cfr. requerimento a fls. 81 a 86 do p.a.)
5. Em 04.10.2018, a Entidade Requerida enviou ao Requerente o ofício n.º 020113/2018 DAI-UREC, com o seguinte teor parcial:
Finda a fase de instrução do procedimento administrativo, relativo ao assunto supra e com fundamento no disposto no art. 124º, nº 1, e) do CPA, considerando que tem conhecimento da situação de incumprimento que implica o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, cumpre tomar a decisão final, o que se faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Esta operação, que consiste na recuperação/reconstrução de 337,77 m3 de muros de suporte em pedra posta nos socalcos, rege-se pelo Regulamento de Aplicação aprovado pela Portaria nº 596-C/2008, de 8 de julho, com enquadramento comunitário no Regulamento (CE) nº 1698/2005, de 20 de Setembro.
2. Em resultado de uma ação de controlo "in loco", efetuada em 11-05-16 pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte - DRAP Norte, foram detetadas irregularidades/desconformidades na operação em apreço, refletidas no Relatório de Controlo nº 1242, suscetíveis de consubstanciar uma situação de incumprimento da legislação aplicável e do contrato celebrado e, consequentemente, conduzir à modificação contratual e à devolução parcial das ajudas recebidas.
3. Através do ofício nº 9106/2016 de 19-09-16, da DRAP Norte, tomou conhecimento das diversas irregularidades encontradas, destacando-se aquela que determinou a constituição do presente processo devedor, isto é:
a) O fornecedor FRCA não possui alvará para realizar obras conforme consulta do site do IMPIC (antigo INCI), pelo que a despesa apresentada no âmbito desta operação, no primeiro pedido de pagamento (Fatura nº A1, de 10-10-14, no montante de 38.869,95 €), é inelegível. Acresce que este documento de despesa não cumpre com o artigo 36º do CIVA, visto não se encontrar suportado por auto de medição com a discriminação das quantidades e preços unitários dos trabalhos executados (horas de mão de obra e máquinas utilizadas) e dos materiais aplicados (pedra).
4. Respondeu ao referido ofício, através de carta da Sociedade de Advogados JM, PM e Associados, RL, recebida em 27-09-16, para cujo teor se remete, designadamente referindo que "tem conhecimento que o fornecedor FA possui alvará para realizar obras, pois encontra-se em consórcio com empresa que possui alvará", e que "a obra foi sendo construída com o controlo e autorização dos vossos técnicos".
5. A DRAP Norte concluiu que não foram apresentados esclarecimentos, nem outros elementos que permitissem alterar o apurado em sede de controlo "in loco" e referido na notificação mencionada no ponto 3.
6. Assim, nos termos do artigo 11°, do Decreto-Lei nº 37-A/2008, de 5 de março, na sua atual redação e das Cláusulas E e F do contrato de financiamento, determina-se a rescisão unilateral do contrato de financiamento nº 02038014/0, com a consequente exigência da devolução de 38.869,95 €.
7. Para efeitos de reposição voluntária do montante referido no ponto anterior, fica notificada, de que a mesma poderá ser efetuada utilizando uma das modalidades abaixo indicadas, no prazo de trinta dias a contar da data da receção deste ofício.
8. Findo o prazo referido no parágrafo anterior, e caso não se verifique a restituição voluntária da quantia referida, será o montante em divida compensado nos termos legais, com créditos que venham a ser-lhe atribuídos, seguindo-se na falta ou insuficiência destes, a instauração do processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do valor em dívida, no qual serão pedidos para além do capital, os juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral reembolso. (…)
(cfr. ofício a fls. 49 a 51 do p.a.).
6. Em 21.11.2018, a Entidade Requerida enviou ao Requerente o ofício n.º 021907/2018 DJU-UDEV, com o seguinte teor parcial:
Acusamos a receção da V/ carta, através da qual, em resposta à decisão final, vem apresentar reclamação, apresentando argumentos e documentos que considera passíveis de justificar a reanálise do processo, mais requerendo o efeito suspensivo da mesma, com base no artº 189, nº2 do C.P.A., alegando sérias dificuldades económicas que resultarão da compensação da dívida e da interposição do processo de execução fiscal.
Quanto ao pedido de suspensão do processo, esclarecemos que não se encontram reunidos os requisitos legais que permitam promover a suspensão deste processo.
Com efeito, pese embora as dificuldades económicas alegadas, trata-se aqui de uma dívida resultante de um recebimento indevido de uma ajuda comunitária, pelo que este Instituto tem que dar cumprimento às obrigações que sobre si impendem, no sentido de, de forma célere e na salvaguarda dos interesses financeiros nacionais e comunitários, providenciar pela recuperação da presente dívida, adotando, nos prazos e termos instituídos, as diligências administrativas e/ou coercivas adequadas ao efeito, como sejam a promoção da compensação com todos e quaisquer créditos que lhe sejam atribuídos e a instauração, como última alternativa, de processo de execução fiscal, salvaguardando o risco da perda da quantia cuja devolução foi exigida. (…)
(cfr. ofício a fls. 1 e 2 do p.a.)
7. Da declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2017 apresentada pelo Requerente consta a indicação de um valor global de EUR 23.379,92 no campo “Rendimentos Agrícolas, Silvícolas e Pecuários”, subdividido nos valores de EUR 4.157,52 no campo “Vendas de produtos com exceção das incluídas no campo 457”, EUR 1.387,58 no campo “Subsídios à exploração” e EUR 17.834,82 no campo “Outros subsídios”.
(cfr. doc. 3 do r.i.)
E ali consignou o seguinte:
«Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir e inexistem factos não provados com tal relevo».
*
B – De direito
1. Das decisões recorridas
Por despacho imediatamente antecedente à prolação da sentença recorrida de 15/04/2019, a Mmª Juíza a quo indeferiu a produção de prova testemunhal, por declarações de parte e por inspeção ao local que tinha sido requerida pelo Requerente no Requerimento Inicial da providência cautelar, considerando que os autos dispunham de todos os elementos necessários à decisão a proferir. Despacho cujo teor integral é o seguinte:
«Indefiro a produção de prova testemunhal, por declarações de parte e por inspeção ao local que vem requerida pelo Requerente, por tais diligências de prova se afigurarem desnecessárias, nos termos do art. 118.º, n.º 3, do CPTA.
Os autos dispõem de todos os elementos necessários à boa decisão da causa, não subsistindo quaisquer factos alegados controvertidos que justifiquem tal produção de prova, a qual por conseguinte consubstanciaria uma diligência dilatória, num processo que pressupõe uma análise meramente sumária e exige celeridade na decisão, atenta a sua natureza urgente.
Fica assim prejudicado o conhecimento do requerimento de fls. 425 dos autos, no sentido da inadmissibilidade de alteração do rol de testemunhas apresentado pela Entidade Requerida, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC
E passando à prolação da sentença nela pronunciando-se quanto ao mérito da pretensão cautelar, indeferiu-a por falta de verificação do requisito do periculum in mora, abstendo-se de conhecer, por prejudicada, a verificação dos demais requisitos legais necessários para a decretação da providência.
«Do periculum in mora:
Cumpre então desde logo verificar se estamos perante uma situação de periculum in mora, ou seja, se existe o fundado receio de que a decisão que vier a ser proferida em sede de ação principal perca a sua utilidade, nos termos do n.º 1 do art. 120.º do CPTA.
São duas as circunstâncias alternativas que se podem verificar para que se considere verificado o requisito do periculum in mora ao abrigo de tal preceito: a possibilidade de se constituir uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
Há pois que ter em conta a concreta factualidade alegada pelo Requerente e, perante tal factualidade, aferir se é possível, através de uma cognição meramente
sumária - inerente à natureza cautelar dos presentes autos -, afirmar a existência deste “fundado receio” a que alude o art. 120.º, n.º 1, do CPTA.
No que respeita à situação de facto consumado, “(…) deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade de restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” (cfr. AROSO DE ALMEIDA, Mário, e FERNANDES CADILHA, Carlos Alberto, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição. Coimbra: Almedina, 2017, p. 972).
No que respeita à situação de produção de prejuízos de difícil reparação, recorrendo às palavras do Tribunal Central Administrativo Sul, “(…) o critério é o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, devendo o juiz ponderar as concretas circunstâncias do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos.” (cfr. Ac. do TCAS de 30.11.2011, proc. n.º 08210/11, in www.dgsi.pt).
Não pode perder-se de vista que a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido bastante exigente quanto aos ónus de alegação e prova do requisito do “periculum in mora” por parte de quem pretende o acesso a uma tutela cautelar.
Neste sentido, atentem-se a título meramente exemplificativo as seguintes palavras do Tribunal Central Administrativo Norte: “VI. Incumbe ao requerente cautelar tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência porquanto inexiste a consagração duma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do acto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito e com utilização de expressões vagas e genéricas.
VII. Perante acto que determinou a reposição de saldo a determinado ente privado não satisfaz tal ónus a alegação de realidades conclusivas, vagas e genéricas
quanto às consequências económicas, financeiras, para a imagem e para a manutenção do seu pessoal alegadamente decorrentes da execução de tal acto, exigindo-se, mormente, a alegação da estrutura de custos suportados, quais as disponibilidades e proventos auferidos/realizados pelo ente na sua actividade, qual o número de trabalhadores, suas funções e que actividades deixaram ou deixarão de ser desenvolvidas, quais as suas disponibilidades de caixa, os seus valores de depósitos, quais os encargos financeiros, etc.” (in Ac. do TCAN de 31.08.2009, proc. n.º 00107/09.9BECBR. Veja-se ainda, em sentido idêntico, o Ac. do TCAN de 14.09.2012, proc. n.º 03712/11.0BEPRT e o Ac. do TCAN de 17.04.2015, proc. 3175/14.8BEPRT, estando todos os acórdãos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, no r.i. que apresenta, o Requerente invoca que, segundo os atos suspendendos, o montante em dívida, no valor de EUR 38.869,95, será compensado nos termos legais com créditos que venham a ser atribuídos, e, na falta ou insuficiência destes, será instaurado processo de execução fiscal.
Segundo sustenta, sem os subsídios da Entidade Requerida, o Requerente não terá outra hipótese que não abandonar a atividade.
Alega que, sem rendimentos – porque penhorados na execução fiscal – e sem meios para prestar caução para obter a suspensão daquela execução fiscal, o Requerente ficará desprovido durante anos do rendimento do seu trabalho.
Tal situação não lhe permitirá manter, ano após ano, a sua atividade que, como é público e notório, obriga a investimento permanente e constante.
Vejamos então se procedem tais alegações.
É certo que o Requerente invoca ter despesas pessoais e profissionais anuais num montante global superior às receitas das vendas por si declaradas no ano de 2017 (cfr. ponto 7 do probatório).
Contudo, tal factualidade não constitui fundamento suficiente para se poder concluir por uma situação de “periculum in mora”.
Desde logo, o Requerente nada alega quanto à sua situação de liquidez, nem tão pouco junta quaisquer extratos ou declarações bancárias.
Ao que acresce que o Requerente não identifica devidamente os subsídios que declarou fiscalmente no ano de 2017, nem a respetiva origem, nem tão pouco indica qual o montante dos subsídios que prevê receber do IFAP e que serão por este compensados com a quantia exigida pelo ato suspendendo.
Note-se, aliás, que o Requerente alega que os apoios do IFAP de 2017.08.01 até 2018.09.30 foram no valor de EUR 1.395,58 (art. 378.º do r.i.) quando, só no ano de 2017, declarou um valor total de EUR 19.222,40 a título de subsídios (ponto 7 do probatório).
Por outro lado, o receio invocado pelo Requerente não se ancora isoladamente no risco da perda de subsídios, mas é concretizado no r.i. em conjunto com a possível penhora dos seus rendimentos em sede de uma execução fiscal (cfr. arts. 379.º e 380.º do r.i.).
Sucede que, quanto ao risco de execução fiscal, está em causa uma mera situação hipotética, constando de ambos os atos impugnados que um processo de execução fiscal apenas será instaurado caso a compensação com créditos que venham a ser atribuídos ao Requerente não se revele suficiente para a cobrança do valor em dívida (cfr. pontos 5 e 6 do probatório).
Assim sendo, trata-se esta de uma situação que o Requerente antecipa na presente providência, mas que não decorrerá como efeito imediato dos atos suspendendos.
Além disso, o Requerente, para obter o efeito pretendido e que, em sua opinião, constitui o receio da constituição de uma situação de facto consumado que pretende evitar, ou seja a impossibilidade de sustar a execução fiscal, dispõe de mecanismos processuais próprios tipificados na lei processual tributária: a prestação de garantia idónea ou, caso reúna os necessários requisitos, o pedido de isenção da sua prestação, nos termos dos arts. 169º e seguintes do CPPT e art. 52.º, n.º 4, da LGT.
Ou seja, os prejuízos invocados pelo Requerente, tal como descritos, apenas se produziriam por via da instauração e tramitação de processo de execução fiscal. Contudo, tal circunstância, de acordo com o que consta dos autos, ainda não se verificou, e, de qualquer modo, o ordenamento jurídico permite tutelá-la especificamente através de meios instituídos para o efeito.
Assim, os danos invocados pelo Requerente não são suficientemente concretizados ou caraterizados, por forma a que se possa concluir pela existência de um fundado receio que justifique a procedência desta providência.
Há pois que concluir que não resulta demonstrado, face às alegações do Requerente, que a não suspensão do ato em causa acarretaria a criação de um facto consumado ou sequer prejuízos de difícil reparação.»
2. Do recurso dirigido ao despacho que indeferiu a realização das diligências probatórias requeridas pelo requerente – (conclusões 1ª a 22ª e 23ª a 41ª das alegações de recurso)
2.1 A respeito da produção de prova em sede cautelar dispõe o artigo 118º do CPTA o seguinte:
“Artigo 118.º
Produção de prova
1 — Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
2 — Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente.
3 — O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
4 — O requerente não pode oferecer mais de cinco testemunhas para prova dos fundamentos da pretensão cautelar, aplicando -se a mesma limitação aos requeridos que deduzam a mesma oposição.
5 — Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
6 — As testemunhas oferecidas são apresentadas pelas partes no dia e no local designados para a inquirição, não havendo adiamento por falta das testemunhas ou dos mandatários.
7 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, e estando a parte impossibilitada de apresentar certa testemunha, pode requerer ao tribunal a sua convocação.”
2.2 A final do respetivo requerimento inicial o requerente, além da prova documental que juntou (num total de 23 documentos), requereu a produção dos seguintes meios de prova:
- inspeção ao local, requerendo «…a deslocação do Tribunal ao local da questão, para inspeção ao local, por se julgar conveniente para a descoberta da verdade material e consequente boa decisão da causa»;
- declarações de parte do requerente à matéria dos artigos 1º a 396º do Requerimento Inicia, dizendo «…ter conhecimento direto e pessoal dos factos em questão, e se revelar útil e pertinente para a descoberta da verdade material e consequente boa decisão da causa»;
- prova testemunhal, arrolando oito (8) testemunhas, que ali identificou.
2.3 Mas a mera circunstância de ter sido requerida pela parte, em sede de processo cautelar, a produção de prova, não implica que necessariamente o Tribunal a quo esteja adstrito à realização das respetivas diligências, como claramente decorre do disposto no artigo 118º nº 1 do CPTA.
2.4 É consabido que ao requerente de uma providência cautelar incumbe desde logo o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.
O que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5º do CPC novo, aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
O que não deixa de ser também explicitado no artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA nos termos do qual deve o requerente de uma providência cautelar, no seu requerimento inicial, especificar os fundamentos do pedido.
2.5 O que significa que cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e por conseguinte, a adoção da providência requerida.
Deste modo, recai sobre o requerente o ónus de alegação, não podendo o Tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos complementares ou instrumentais que resultem da instrução e bem assim, claro está, daqueles que sejam de seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 5º nºs 1 e 2 alíneas a), b) e c) do CPC novo), (neste sentido, vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 114 ss.).
2.5 Por outro lado, da conjugação do ónus, a cargo do requerente de uma providência cautelar, de no seu requerimento inicial especificar os fundamentos do pedido cautelar, alegando os factos integradores da causa de pedir da concreta pretensão cautelar, nos termos do princípio do dispositivo e do especificamente disposto no artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA, com o efeito cominatório previsto no artigo 118º nº 2 do CPTA de acordo com o qual “na falta de oposição presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente”, fazendo corresponder, assim, à falta de impugnação à admissão, por acordo, dos factos alegados, tem que considerar-se que as diligências de prova necessárias, à luz do disposto do artigo 118º nº 3 do CPTA hão-de incidir desde logo sobre os factos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.
2.6 Isto sem prejuízo de não ter o juiz cautelar que se satisfazer com as provas carreadas ou requeridas pelas partes, podendo ordenar a produção de outros meios de prova que considere necessárias em face das questões suscitadas e a decidir, à luz do princípio da inquisitoriedade na averiguação da verdade material, como também decorre do disposto no artigo 118º nº 3 do CPTA (vide a este respeito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 597 ss. e José Manuel Santos Botelho, in, Contencioso Administrativo – Anotado – Comentado - Jurisprudência, Almedina, 2002, pág. 664).
2.7 Assim, apenas cumpre ao juiz cautelar levar a cabo as diligências de prova relativamente a factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA – (entre muitos outros, vide, a título ilustrativo os acórdãos do TCA Sul de 10/08/2015, Rec. n.º 12.424/15 (Proc. nº 232/15.7BECTB-A), e de 06/10/2016, Rec. nº 13.590/16 (Proc. nº 53/16.0BEBJA), disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca e deste TCA Norte de 15/02/2019, Proc. nº 00593/18.6BECBR e de 03/05/2019, Proc. 00453/18.0BEMDL, disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn, todos de que fomos relatores).
2.8 São de aplicar ao presente processo cautelar os critérios decisórios ínsitos no artigo 120º do CPTA na sua redação atual (dada pelo DL n.º 214-G/2015) que é a seguinte:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 — Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
Sendo que, como é sabido, a razão da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. Significando que a tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes.
Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus boni iuris).
2.9 Simultaneamente, na fase de recurso, em que nos encontramos, o que importa, como é sabido, é apreciar se a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2 do CPTA e 639º nº 1 e 635º do CPC novo (ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), às que integram o objeto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso), mas simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo (vide, neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90). Sendo os recursos jurisdicionais meios de impugnação de decisões judiciais o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal de recurso é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido (ou pedidos) formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância (ressalvada naturalmente a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objeto por anulação do julgado) – cfr. artigos 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artigo 665º nºs 1, 2 e 3 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (a este respeito, vide, António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, in, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2a edição, págs. 524 a 526; Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 309 e 359).
2.10 O recorrente refere no presente recurso ter invocado no requerimento inicial da providência «…factos concretos tendentes a demonstrar os prejuízos resultantes dos atos cuja suspensão de eficácia requereu, nomeadamente os elencados nos artigos 152º a 189º do requerimento inicial».
Pelo que tem que entender-se que é relativamente a eles que propugna terem sido levadas a cabos as diligências instrutórias que foram indeferidas pela Mmª Juíza a quo.
2.13 Compulsado o Requerimento Inicial da providência constata-se que o que consta dos referidos artigos 152º a 189º daquele articulado se refere à sustentação da ilegalidade do identificado despacho, cuja suspensão de eficácia é pretendida no processo cautelar. Trata-se, assim, de invocações (de cariz indistintamente jurídico e factual) atinentes ao requisito do fumus boni iuris, com as quais o requerente pretende demostrar a invalidade (anulabilidade) da decisão que determinou a não atribuição de efeito suspensivo ao processo (vertida no Doc. nº 1 que juntou com o RI), isto é, o primeiro dos dois atos cuja suspensão de eficácia foi requerida no processo cautelar.
2.14 Ora, pela sentença recorrida a Mmª Juíza a quo, pronunciando-se quanto ao mérito da pretensão cautelar dirigida aos dois identificados atos, indeferiu-a por falta de verificação do requisito do periculum in mora, abstendo-se de conhecer, por prejudicada, a verificação dos demais requisitos legais necessários para a decretação da providência.
Isto significa que a baixa do processo à 1ª instância para realização de diligências de prova apenas relevará se for de concluir que a mesma produza efeito útil sobre a decisão de improcedência da pretensão cautelar, em termos de poder ser adequada a alterá-la na decorrência da eventual ampliação da matéria de facto relevante para a decisão.
2.15 Ora não se impunha à Mmª Juíza a quo que levasse a cabo quaisquer diligências de prova quanto a qualquer facto concreto constante da alegação vertida nos artigos 152º a 189º do Requerimento Inicial da providência, na medida em que o ali alegado apenas se enquadraria na apreciação do requisito do fumus boni iuris, isto é, da probabilidade da procedência da ação principal, a qual haverá de ser feita, na nossa perspetiva, no âmbito cautelar, que é o que nos encontramos, mediante uma apreciação perfunctória, e por conseguinte, sem necessidade de um exame minucioso e aprofundado.
2.16 E o que vem de dizer-se vale, também, no que se refere ao vertido nos artigos 181º a 206º do Requerimento Inicial da providência (a que o requerente se refere na conclusão 24ª das alegações de recurso), os quais respeitam à sustentação da ilegalidade do identificado despacho, cuja suspensão de eficácia é pretendida no processo cautelar, as quais constituem, novamente invocações (de cariz indistintamente jurídico e factual) atinentes ao requisito do fumus boni iuris, com as quais o requerente pretende demostrar a invalidade (anulabilidade), da decisão que da Entidade Requerida que determinou a resolução unilateral do contrato de financiamento n.º 02038014/0 e a reposição do montante pago, no valor de 38.869,95 € (vertida no Doc. nº 2 que juntou com o RI), isto é, o segundo dos dois atos cuja suspensão de eficácia foi requerida no processo cautelar (vide especialmente os artigos 190º ss. do RI).
2.17 Pelo que nesta parte não colhem as conclusões do recurso.
2.18 Mas já não é assim no que respeita aos factos (só a estes, naturalmente) que o recorrente alegou nos artigos 352º a 388º do Requerimento Inicial da providência, precisamente sob a epígrafe «Do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e da produção de prejuízos de difícil reparação para os prejuízos que o requerente visa assegurar no processo principal», já que os concretos factos que ali alegou se destinam a demonstrar o preenchimento do pressupostos do periculum in mora.
Quanto a estes (aos quais se refere na conclusão 38ª das alegações de recurso) impunha-se, efetivamente, que fossem levadas a cabo diligências de prova, permitindo ao requerente da providência provar os factos, que alegou, com vista à demonstração daquele requisito do periculum in mora.
2.19 Atenha-se que, com efeito, entre o demais, foi ali alegado:
- que os únicos rendimentos do requerente são os que resultam da exploração da atividade agrícola onde implementou o projeto financiado (vide artigo 356º do RI);
- que tem um rendimento médio anual de cerca de 23.379,92 €, dos quais parte provêm de subsídios à exploração e de outros subsídios, que quantifica (vide artigo 358º do RI);
- que ainda que habite em casa dos pais, contribui para as despesas da casa, nos termos e nos valores que ali descrimina, e suporta despesas próprias, que enuncia e quantifica (vide artigos 359º, 360º, 361º, 372º, 373º, 374º, 375º, 376º, 377º do RI);
- que a atividade agrícola que desenvolve é a única atividade que lhe proporciona os seus únicos rendimentos, com os quais tem de prover ao seu sustento e às despesas enunciadas (vide artigos 369º do RI);
- que não dispõe de meios económico-financeiros que lhe permitam prestar caução que suste a execução futura decorrente do ato administrativo em causa (vide artigos 370º do RI);
- que, assim, a restituição do montante de 38.869,95€ bem como a retenção pelo IFAP dos subsídios futuros, bem como a futura penhora do património e dos demais rendimentos do recorrente em execução fiscal na decorrência do ato administrativo suspendendo, o impedirá de prover ao seu sustento bem como de continuar com a sua atividade profissional, fonte dos seus únicos rendimentos, e que face às despesas e encargos que suporta com a atividade, sem os subsídios terá que a abandonar, paralisando a sua fida profissional, ficando desprovido dos rendimentos do seu trabalho, e a sua vida pessoal (vide designadamente artigos 371º, 379º, 380º e 381º do RI).
2.20 Como refere Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, pág. 260, a propósito do periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar no âmbito do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “ela (a providência cautelar) deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. (...) A providência deve também ser concedida (...) quando, embora não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.”.
Explicitando ainda este autor que o CPTA reformulou os termos em que é concebido o periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar à face do que até então dispunha a LPTA, de molde que“(...) à formula tradicional do “prejuízo de difícil reparação”, que era utilizada no artigo 76º, nº1 alínea a), da LPTA, é, assim, acrescentada, neste domínio, uma outra, que surge colocada em alternativa e faz apelo ao “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” (...) Da conjugação das duas expressões resulta a clara rejeição do apelo, neste domínio, a critérios fundados na suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, pelo seu carácter variável aleatório ou difuso, em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso de o processo vir a ser julgado procedente.” (op. cit., págs. 258 e 259).
Temos assim que à luz do disposto no artigo 120º nº 1 do CPTA, o requisito do periculum in mora para a concessão de uma providência cautelar pode assumir uma das duas vertentes ali previstas: o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
2.21 Perante isto, não se pode dizer que as diligências de prova oportunamente requeridas pelo recorrente no Requerimento Inicial da providência fosse desnecessárias ou que os factos sobre os quais haveriam de recair fossem irrelevantes, nos termos do artigo 118º nºs 3 e 5 do CPTA, se ao recorrente alegou aquelas circunstâncias com vista a demonstrar o requisito do periculum in mora.
2.22 Por outro lado, nenhuma daquela factualidade foi reconduzida ao probatório da sentença recorrida.
Ora, se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração do pressuposto do periculum in mora de que depende para a concessão da providência.
2.23 O que significa que o Tribunal a quo não só errou ao indeferir a realização de diligências de prova (cfr. artigo 118º nº 1 do CPTA), como ocorre nulidade processual, decorrente da omissão de ato processual a que devesse houver lugar com influência sobre a decisão da causa (cfr. artigo 195º nº 1 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA), motivadora da anulação da sentença recorrida.
2.24 Impõe-se, assim, revogar o despacho recorrido, e anulando-se a sentença recorrida, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, com vista a possibilitar ao requerente da providência a prova dos factos que alegou com vista à demonstração do requisito do periculum in mora.
2.25 Cumpre, todavia, explicitar, que não obstante a amplitude dos meios de prova requeridos, apenas deverá haver lugar à produção de prova por declarações de parte e por prova testemunhal, mas já não à inspeção ao local, na exata medida em que esta não se respeitaria à apropriação de elementos factuais atinentes à aferição do periculum in prova.
Acrescentando-se, ainda, que no que respeita à prova testemunhal, se deverá observar o limite máximo de cinco (5) testemunhas, e que estas devem ser apresentadas pela parte no dia e no local designados para a inquirição (cfr. artigo 118º nºs 4 e 6 do CPTA).
E que tendo sido também requerido pela contra-parte a final do seu articulado de oposição a produção de prova testemunhal, juntando o respetivo rol de testemunhas, que ali identificou, deve igualmente ser assegurada, nos mesmos termos, a respetiva inquirição.
2.26 Aqui chegados, merece neste aspeto provimento o recurso, devendo revogar-se o despacho recorrido, com a consequente anulação da sentença, e ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, nos termos supra explicitados, com posterior prolação de sentença cautelar, se a tanto nada entretanto obstar.
O que se decide.
3. Em face do supra decidido fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho que indeferiu a produção de prova, anulando-se consequente a sentença, e ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, nos termos supra explicitados, com posterior prolação de sentença cautelar, se a tanto nada entretanto obstar.
Custas nesta instância pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 12 de julho de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato