Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00066/06.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/15/2011
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
ALEMANHA/ PORTUGAL
IRS
RENDIMENTOS DO TRABALHO DEPENDENTE AUFERIDOS NA ALEMANHA
RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO
Sumário:I – Apesar da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a República da Alemanha (aprovada para ratificação pela Lei nº 12/82, de 3 de Junho) remeter a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna dos Estados contratantes, essa remissão pressupõe que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, abstraindo da situação familiar do sujeito em causa, pois a qualidade de residente para efeitos convencionais tem de ser aferida por critérios que exprimam uma ligação efectiva ao território do Estado, não sendo atendível um mero critério de «residência por dependência» como o constante do artigo 16.º n.º 2 do CIRS.
II - Assim, o conceito de «residência por dependência», acolhido no artigo 16.° n.º 2 do CIRS, não pode sobrepor-se ao conceito convencional de residência constante do artigo 4.º da Convenção, dada a supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário consagrada no artigo 8.º da CRP.
III - Estando demonstrado que durante todo o ano de 2002 o Impugnante residiu e trabalhou na Alemanha, onde foi tributado pelos únicos rendimentos auferidos nesse ano e por aí ter residência habitual, torna-se irrelevante, para efeitos de determinação da residência convencional, o facto de o seu cônjuge e restante agregado familiar manterem residência em Portugal.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:D...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
D…, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 18 de Fevereiro de 2009, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2002, no montante de € 2.001,00, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
1. A mui douta sentença errou no julgamento da matéria de facto e subsidiariamente na aplicação do direito.
2. Além da matéria de facto mui doutamente fixada na mui douta sentença, igualmente se mostra provado no autos que: “No ano de 2002, o impugnante residiu na Alemanha por mais de 183 dias”.
3. Mesmo considerando, que o ora recorrente é residente em Portugal, os rendimentos do ora recorrente, auferidos de um emprego exercido na Alemanha, não estão sujeitos a imposto (IRS) em Portugal.
4. O art. 15° da Convenção estabelece o Estado competente para a tributação, atribuindo competência exclusiva ao Estado de residência se o emprego é aí exercido - cfr. n.° 1, primeira parte; competência cumulativa aos dois Estados se o emprego é exercido no outro Estado, (que não o da residência) - cfr. n.° 1, última parte; e, competência exclusiva ao Estado da fonte (Estado onde o emprego é exercido) não obstante o contribuinte aí não residir, se se verificarem cumulativamente os três requisitos negativos aí referidos cfr. n.° 2 do art. 15.°
5. Está demonstrado nos autos que, no ano de 2002, o ora recorrente permaneceu na Alemanha durante mais de 183 dias, pelo que não se verifica, desde logo, a condição referida na alínea a) do n.° 2 do art. 15°, pelo que, os rendimentos ora em causa, não podem ser objecto de tributação pelo Estado Português
6. Sendo a competência para a tributação dos rendimentos do ora recorrente exclusiva do Estado Alemão (Estado da fonte).
7. O próprio teor literal do n.° 2 do art. 15º expressamente refere “SÓ PODEM SER TRIBUTADOS NO ESTADO PRIMEIRAMENTE MENCIONADO”, pelo que, atento ao advérbio utilizado na referida norma legal “SÓ” uma vez não verificada alguma das condições referidas nas alíneas que a compõe (como é o caso), nunca os rendimentos podem ser tributados no Estado da residência.
8. No caso dos autos, não tem aplicação o disposto no art° 24° da citada Convenção, pois, tal norma só se aplica se a competência para a tributação for cumulativa a ambos os Estados.
9. Havendo uma Convenção de Direito Internacional que contém uma norma de tributação que, desde que preenchidos os seus elementos constitutivos, atribui a competência apenas a um dos Estados contratantes, tal norma impõe-se ao direito interno, «ex vi» do art° 8° da C.R.P.
10. Nos termos do art. 8°, n.° 2 da CRP, as normas constantes de Convenções Internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna Portuguesa vinculando internacionalmente o Estado Português.
A mui douta sentença, violou entre outras as disposições legais contidas nos art. 668° do CPC, art. 8º CRP e art. 15º da Lei 12/82.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXª, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, DEVENDO, A FINAL SER JULGADA PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO OPORTUNAMENTE DEDUZIDA PELO ORA RECORRENTE, ASSIM FAZENDO V. EXª A COSTUMADA E HABITUAL JUSTIÇA.
Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
Questões a decidir:
Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
Assim, as questões sob recurso são as seguintes:
(i)- Saber se à matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser acrescida a invocada pelo Recorrente (conclusões 1 e 2);
(ii) - Saber se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de direito quando considerou legal a liquidação de IRS que sujeitou a tributação em Portugal os rendimentos auferidos pelo Recorrente na Alemanha, em 2002, e que aí haviam sido sujeitos a imposto, por considerar, em síntese, que, no caso, havendo competência tributária cumulativa, o país do emprego (Alemanha) podia tributar, aliás, como fez, cabendo ao país da residência (Portugal) eliminar a dupla tributação mediante o mecanismo a que alude o art. 24º da Convenção, através da sua declaração de rendimento com o anexo “J”.
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
“_ O impugnante foi notificado da liquidação do IRS nº 4133918189, de 2002, cujo prazo de pagamento terminava em 29/10/03, no valor global de €2.001,00€;
_ Discordando da mesma reclamou graciosamente, mas a reclamação foi indeferida por despacho de 13/6/06 com os fundamentos ali expressos (fls.46 a 47);
_ O impugnante trabalha na Alemanha onde auferiu rendimentos do trabalho por conta de outrem, em 2002, no valor de 24.987,00 €, e foi tributado pelo estado Alemão no valor de 954,00 €, como consta do Bescheid de fls. 8 e anexo “J” do processo administrativo e pagou, ainda, contribuições para a segurança social;
_ Em Portugal reside o cônjuge e seus filhos na rua da Escola, V….
FACTOS NÃO PROVADOS.
Nada de relevante a mencionar.
Os factos basearam-se nos documentos juntos ao processo nomeadamente o processo administrativo apenso.
Em função do conteúdo e ordem das conclusões, a questão que, desde já, temos de solucionar prende-se com o julgamento factual efectivado na 1.ª instância, especificamente, avaliar da necessidade, para a correcta decisão da causa, segundo as várias cambiantes possíveis, de lhe aditar a factualidade proposta pelo Recorrente.
Vejamos.
Pretende o Recorrente que este Tribunal considere no probatório que “No ano de 2002, o impugnante residiu na Alemanha por mais de 183 dias”.
Da conjugação do disposto nos artigos 123º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 511º Código de Processo Civil (CPC), resulta que ao probatório da sentença devem ser levados os factos provados relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Do ponto de vista do Recorrente, tal facto torna-se essencial para concluir, face à Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital (doravante, CDT Portugal/Alemanha), sobre a sua residência e, consequentemente, sobre a competência exclusiva do Estado alemão para tributar os rendimentos auferidos pelo Recorrente na Alemanha, em 2002. Pretende, assim, o Recorrente tirar relevantes efeitos jurídicos do apontado facto.
Merece, pois, acolhimento a pretensão do Recorrente, aditando-se ao probatório fixado na sentença recorrida o seguinte ponto:
Durante o ano de 2002, o Recorrente residiu na Alemanha por mais de 183 dias – cfr. declaração de fls. 36 dos autos, tendo este facto sido aceite pela Fazenda Pública na contestação, concretamente no artigo 8º.
Ao abrigo do disposto no art. 712° do CPC, por a entendermos pertinente para a decisão a proferir, adita-se, ainda, a seguinte matéria de facto:
- O Recorrente e mulher apresentaram, em 24 de Julho de 2003, na Repartição de Finanças de Miranda do Corvo, a declaração de rendimentos de IRS, Mod. 3, com respeito ao ano de 2002, na qual declararam unicamente rendimentos obtidos no estrangeiro, resultantes de trabalho dependente do sujeito passivo D…, no montante de € 24.987,00 – cfr. documento junto aos autos a fls. 27 a 29;
- De acordo com a referida declaração Mod 3, Anexo J, tais rendimentos, no valor de € 24.987,00, foram auferidos na Alemanha, sendo a entidade devedora dos mesmos aí identificada como Hotel I…;
- De acordo com a referida declaração Mod 3, Anexo J, foi pago na Alemanha imposto no valor de € 954,00, cifrando-se os descontos para a Segurança Social alemã em € 3.178,00;
- O ora Recorrente, durante o ano de 2002 foi trabalhador do Hotel I…, em Hamburgo, na Alemanha, tendo aí trabalhado durante o ano civil completo, usufruindo de 30 dias de férias nesse ano (cfr. documento de fls.36 dos autos).
2.2. O direito
Tal como resulta das conclusões das alegações de recurso, o Recorrente discorda da sentença recorrida por entender que, contrariamente ao aí decidido, os rendimentos por si obtidos, no ano de 2002, na Alemanha, devem ser tributados unicamente nesse país.
Com efeito, sustenta o Recorrente que “mesmo considerando, para efeitos fiscais, como o faz a mui douta sentença que, o ora recorrente é residente em Portugal, face ao que dispõem, quer a Lei Portuguesa no art. 16º do CIRS, quer no artigo 4º, nº2 da CDT da Alemanha, uma vez que é em Portugal que residem a sua mulher e filhos e por conseguinte é aqui que se situa o seu centro de interesses vitais, entendemos (…) que os rendimentos do ora recorrente, auferidos de um emprego exercido na Alemanha, não estão sujeitos a imposto (IRS) em Portugal”.
Com efeito, acrescenta o Recorrente, “estando demonstrado (…) que, no ano de 2002, o ora recorrente permaneceu na Alemanha durante mais de 183 dias, não se verifica, desde logo, a condição referida na alínea a) do nº2 do art. 15º, pelo que os rendimentos ora em causa não podem ser objecto de tributação pelo Estado português (Estado da residência/ Estado primeiramente mencionado), sendo a competência para a tributação desses rendimentos exclusiva do Estado Alemão (Estado da Fonte)”
A sentença recorrida, contrariamente, entendeu que, “No caso, havendo competência tributária cumulativa, o país do emprego (Alemanha) podia tributar, aliás, como fez, cabendo ao país da residência (Portugal) eliminar a dupla tributação mediante o mecanismo a que alude o art. 24º da Convenção, através da sua declaração de rendimento com o anexo “J”.
Para assim concluir, a Mma. Juiz a quo, após analisar o conteúdo do artigo 15º (profissões dependentes) da CDT Portugal/ Alemanha, considerou que:
“(…)
Da análise desta disposição legal, resulta que as remunerações do trabalho dependente, na Alemanha por residente em Portugal, são tributadas na Alemanha se aquele ai tiver permanecido mais de 183 dias.
Por sua vez o art. 4º, nº1 e nº2, al. a) da Convenção dispõe que «(…) a expressão “residente de um Estado contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, aí está sujeito a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência (…).
2-Quando por força do nº1, uma pessoa singular for residente de ambos os Estados contratantes, a situação será resolvida como segue:
a)Será considerada residente do Estado em que tenha uma habitação permanente à sua disposição. Se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente do Estado com a qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais); (…)»
A lei portuguesa sobre a questão da residência e âmbito da sujeição do imposto prescreve que: são sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo. (art. 16º, nº2 do CIRS).
Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
(sublinhado nosso).
Atendendo ao que dispõe o art. 16º, nº2 do CIRS, direcção do agregado familiar, há que chamar o art. 1671º do Código Civil que estabelece que a direcção da família pertence a ambos os cônjuges, sendo esta constituída pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (art. 13º, nº3, al. a) do CIRS).
Está-se perante uma presunção juris et jure de residência em Portugal, das pessoas que constituem o agregado familiar, desde que aí resida qualquer das
pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo. Cfr. Acórdão do STA de 15/3/06, relatado pelo Consº Brandão de Pinho, disponível in www.Dgsi.pt/
Como a mulher do impugnante tem a sua residência permanente em Portugal, conjuntamente com os filhos do casal, tanto basta para que ele seja considerado residente em Portugal, para efeitos fiscais.
Pese embora o impugnante ser considerado residente na Alemanha, pela lei deste país, onde presta trabalho dependente, é em função da convenção assinada entre Portugal e Alemanha, que se deve averiguar qual das residências prevalece para efeitos fiscais.
Quando o país da residência (Portugal) é diverso do país onde o rendimento é auferido (Estado da fonte/Alemanha) há que estabelecer o que é competente para a tributação, sobre tal rege o art. 15º da Convenção:
_Competência exclusiva do país da residência se o emprego é aí exercido (nº1, 1ªparte);
_Competência cumulativa dos dois Estados se o emprego é exercido no outro Estado [que não o da residência] (nº1, 2ª parte).
O nº2 do art. 15º prevê ainda a hipótese de competência exclusiva do Estado do emprego é exercido (apesar do contribuinte aí não residir) uma vez verificados os três requisitos negativos das als. a), b) e c).
No caso, havendo competência tributária cumulativa, o país do emprego (Alemanha) podia tributar, aliás, como fez, cabendo ao país da residência (Portugal) eliminar a dupla tributação (…)”.
Vejamos, então, tendo por seguro que a questão nuclear a decidir neste recurso é a de saber se o Recorrente deve ser considerado residente em território português ou em território alemão para efeitos de aplicação da CDT Portugal/Alemanha, aprovada para ratificação pela Lei nº 12/82, de 3 de Junho. A questão aqui posta é, de resto, uma situação recorrente entre emigrantes portugueses, quando apenas um membro do agregado familiar se desloca para trabalhar no país de destino, permanecendo os restantes em Portugal.
Para tanto e para mais fácil percepção da questão, tenhamos desde já assente o disposto nos artigos 15º, nºs 1 e 2 e 4º, nº1 da referida CDT e, bem assim, o artigo 16º, nºs 1 e 2, do CIRS (na redacção aplicável à data dos factos, anterior à alteração operada pela Lei nº 60-A/ 2005, de 31/12).
Assim:
Artigo 15.º
Profissões dependentes
1 – Com ressalva do disposto nos artigos 16º, 18º, 19º, 20º e 21º , os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado contratante só podem ser tributados nesse estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.
2 – Não obstante o disposto no nº 1, as remunerações obtidas por um residente de um Estado contratante de um emprego exercido no outro Estado contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se:
a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que, no ano civil em causa, não excedam, no total, 183 dias;
b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado;
c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.
Artigo 4.º
Residente
1 - Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Todavia, esta expressão não inclui qualquer pessoa que está sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado ou ao capital aí situado.
Artigo 16.º
Residência
1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direcção efectiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - Serão sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.
Delineado o quadro normativo aplicável, importa salientar que, como se sabe, não obstante a jurisprudência dos tribunais superiores se ter vindo a dividir no tratamento jurídico da questão em análise, a mais recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo, sufraga, a este propósito, o entendimento inicialmente preconizado pelo acórdão de 25/03/2009, proferido no processo nº 068/09 A título de exemplo, diversos foram os arestos do STA que adoptaram a posição sufragada no acórdão de 25/03/2009 (proc nº 068/09), sendo disso exemplo os acórdãos de 08/07/09, 08/09/10, 27/10/10, 12/01/11 e 24/02/11, proferidos nos processos nºs 0382/09, 0461/10, 0462/10, 0882/10 e 0876/10, respectivamente.
.
De acordo com tal aresto, considerando a supremacia das normas constantes de convenções internacionais por força da norma contida no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, deve ser dada prioridade ao artigo 4º, nº 1 da CDT Portugal/Alemanha na determinação do conceito de residência (fiscal) para efeitos de aplicação dessa Convenção, sendo certo que a remissão para a legislação fiscal interna dos Estados contratantes, constante desse artigo 4º, nº 1, não deve ser vista como uma remissão incondicional, antes impondo a que a análise da questão da residência seja feita pessoa a pessoa, abstraindo da situação familiar do sujeito em causa, estabelecendo limites à natureza das conexões adoptadas pelas leis dos estados contratantes.
Atenta a inteira aplicação ao caso sub judice, passamos, pois, com a devida vénia, a transcrever o citado acórdão de 25/03/2009.
“(…)
Residência do impugnante A... à luz do artigo 4.º, n.º 1 da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital (CDT Portugal/Alemanha).
Importa interpretar o conceito de residência (fiscal) para efeitos de aplicação da Convenção, conceito que não se confunde necessariamente com o conceito de residência (fiscal) para efeitos de direito interno. O conceito de residência (fiscal) para efeitos de direito interno será plenamente aplicável nas situações que apenas apresentem conexão com a ordem jurídica nacional ou nas situações em que, havendo embora conexão com outra ordem jurídica, não há vinculação por via convencional do Estado Português com o Estado com o qual essa conexão se verifica.
Não é esse o caso da Alemanha, como se sabe, que celebrou com Portugal Convenção contra a Dupla Tributação (cfr. o ponto 2 do probatório). Assim, nas relações entre Portugal e a Alemanha em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital é o conceito convencional de residência que deve prevalecer, por via da supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário (art. 8.º da Constituição da República Portuguesa; Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 104).
Dispõe a primeira parte do artigo 4.º, n.º 1 da CDT Portugal/Alemanha, sob a epígrafe “Residente” que: “Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar”.
Embora os conceitos de residência (fiscal) para efeitos convencionais e para efeitos fiscais internos não se confundam, a CDT Portugal/Alemanha, seguindo o Modelo de Convenção da OCDE (art. 4.º, n.º 1 do MCOCDE), remete a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna dos Estados contratantes.
Esta remissão, não significa contudo, como esclarece a melhor doutrina (cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 291), uma remissão incondicional.
Desde logo, pressupõe que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, abstraindo da situação familiar do sujeito em causa. Escreve a propósito ALBERTO XAVIER, op .cit., nota 61 a pp. 291, que «A análise da residência deve ser feita pessoa por pessoa, ainda que casadas, pelo que é frequente a existência de «casais mistos», sendo um dos membros considerado residente num país e o outro, noutro. (…). As Convenções sobrepõem-se portanto aos regimes internos que eventualmente consagrem, por ficção, a «residência» por «dependência» de uma pessoa no país de residência de qualquer dos outros membros do agregado familiar». Expressamente no mesmo sentido, na doutrina portuguesa, RUI DUARTE MORAIS, «Dupla tributação internacional em IRS: Notas de uma leitura em jurisprudência», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano I, n.º 1 (Primavera), 2008, pp. 116/117 e MARIA MARGARIDA CORDEIRO MESQUITA, As Convenções sobre Dupla Tributação, Lisboa, 1998, p. 85, onde se lê: «Relativamente às pessoas singulares, o teste da residência é efectuado contribuinte a contribuinte, independentemente da sua situação conjugal. O conceito convencional de residência sobrepõe-se aos regimes internos que, como o português, consagram a “residência por dependência” de uma pessoa no país da residência de outro membro do seu agregado familiar – cfr. Código do IRS, artigo 16.º, n.º 2».
Estabelece, por outro lado, limites quanto à natureza da conexão adoptada pela lei interna dos Estados contratantes, que deve ser, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da CDT Portugal/Alemanha «o domicílio, a residência, o local da direcção, ou qualquer outro critério de natureza similar» [cfr. ALBERTO XAVIER, op. cit., p. 291; MANUEL PIRES, «Artigo 16.º, n.º 2 do CIRS e as Convenções destinadas a Evitar a Dupla Tributação», in Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques do Santos, vol. II, Coimbra, Almedina, 2005, p. 595; GUSTAVO LOPES COURINHA, «Ainda a propósito da tributação dos trabalhadores portugueses na Alemanha - Algumas notas», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano I, n.º 1 (Primavera), 2008, pp. 292/293 e doutrina estrangeira citada a nota 6 da p. 292).
Ora, ficou demonstrado que o impugnante A..., é residente na Alemanha desde 1973 (cfr. os pontos 1, 4, 1.º parte, e 12 do probatório e documentos junto aos autos aí citados), sendo a qualidade de residente em Portugal que a Administração fiscal portuguesa lhe imputa e que a sentença de 1.ª instância acaba por aceitar, não obstante reconhecer que “a sua residência se encontra em território alemão nos termos ditados pelo direito interno desse Estado” (sentença a fls. 112 dos autos), “fruto da residência da impugnante esposa em território nacional no decurso do ano de 1997” (sentença a fls. 113 dos autos).
Considerando-se, porém, que a análise da qualidade de residente tem de ser feita individualmente, a residência em Portugal da esposa é indiferente para efeitos de determinação da residência fiscal convencional de A.... Acresce que também os critérios atendíveis para efeitos da CDT Portugal-Alemanha para determinar a qualidade de residente convencional do Impugnante A... têm de ser similares aos elencados no n.º 1 do artigo 4.º da CDT Portugal-Alemanha (domicílio, residência, local de direcção), ou seja, têm de ser critérios que exprimam uma ligação efectiva ao território do Estado, não sendo atendível para efeitos convencionais um mero critério de “residência por dependência” como o constante do artigo 16.º, n.º 2 do CIRS, por não exprimir por si mesmo qualquer conexão efectiva e real da maior parte das suas actividades económicas ao território português.
Resulta dos autos, que o impugnante é tributado na Alemanha pelos seus rendimentos do trabalho, únicos de que dispõe, não apenas porque na Alemanha obtém rendimentos do trabalho dependente (competência do Estado da fonte), mas porque aí tem residência habitual (competência do Estado da residência), reconhecendo de forma expressa a sentença impugnada (cfr. o n.º 3 do respectivo relatório, a fls. 105 dos autos) que “em conformidade com as normas do direito tributário interno alemão, o impugnante possui real e efectiva residência na Alemanha, sendo tributado pelo seu rendimento universal (world-wide income). O mesmo se colhe da informação prestada no âmbito do processo de assistência mútua administrativa entre a Administração fiscal portuguesa e as autoridades fiscais alemãs (cfr. documentos juntos a fls. 108 a 115 do apenso administrativo), como consta do probatório (cfr. o n.º 4, supra transcrito).
Pode, pois, concluir-se com segurança que as autoridades fiscais alemãs tributam o impugnante como residente em território alemão, atendendo à residência “real e efectiva” de A... naquele território, enquanto as autoridades fiscais portuguesas fundam a sua pretensão de o tributar como residente atendendo à residência da família em Portugal no ano a que respeitam os rendimentos
Deve, pois, concluir-se que, para efeitos de aplicação da CDT Portugal-Alemanha, o impugnante A... deve considerar-se residente apenas na Alemanha, sendo ilegal, por violação do artigo 4.º, n.º 1 da CDT Portugal-Alemanha, a sua qualificação como residente (fiscal) em Portugal que a Administração fiscal portuguesa lhe atribui.
(…)
Resolvida a questão da residência do Impugnante A... por aplicação do n.º 1 do artigo 4.º da CDT Portugal-Alemanha, concluindo-se no sentido da prevalência da sua qualificação como residente na Alemanha, desnecessário se torna recorrer aos “critérios de desempate” previstos no n.º 2 do artigo 4.º da mencionada Convenção, aplicáveis apenas nos casos em que se esteja perante uma situação de “dupla residência fiscal” lícita em face ao direito convencional que importará então “desempatar”, pois para efeitos convencionais o sujeito passivo apenas pode ser considerado residente num dos Estados contratantes, razão pela qual apenas uma das residências fiscais pode acabar por prevalecer - princípio da unicidade da residência (cfr. ALBERTO XAVIER, op. cit., pp. 292-293).
Nestes termos, fica prejudicado o conhecimento da questão da interpretação do critério do “centro de interesses vitais”, adoptado pelo artigo 4.º, n.º 2 da CDT Portugal–Alemanha, cujo conhecimento se impunha apenas no caso de se ter concluído no sentido da “dupla residência” convencional do impugnante.».
Ora, recuperando o caso concreto, temos que dos autos resulta provado que: o Recorrente, durante todo o ano de 2002 (com excepção de 30 dias de férias) trabalhou no Hotel I…, em Hamburgo, na Alemanha; que, no ano de 2002, o Recorrente auferiu, na Alemanha, rendimentos do trabalho dependente no valor global de € 24.987,00; que por conta desses rendimentos pagou imposto, na Alemanha, no valor de € 954,00, tendo efectuado descontos para a Segurança Social no valor de € 3.178,00; que em Portugal residem a sua mulher e filhos e, ainda, que, no ano de 2002, os únicos rendimentos declarados com respeito ao agregado familiar coincidem com os rendimentos obtidos pelo Recorrente na Alemanha.
Ora, em face da jurisprudência supra transcrita e, portanto, recusando a adopção do designado critério de «residência por dependência» estabelecido no Código do IRS, há que concluir que, para efeitos de aplicação da CDT Portugal/ Alemanha, o Recorrente deve considerar-se residente apenas na Alemanha, sendo ilegal, por violação do artigo 4º, n.º 1 da referida CDT, a sua qualificação como residente (fiscal) em Portugal que a Administração Tributária portuguesa lhe atribui. Nesta perspectiva, como vimos, torna-se irrelevante, para efeitos de determinação da residência convencional do Recorrente (único a auferir rendimentos sujeitos a tributação no ano em questão), a circunstância de a sua mulher e filhos residirem em Portugal.
Assim sendo, não têm de aplicar-se os critérios de “desempate” constantes do artigo 4°, n.° 2 da Convenção, nem as regras de competência cumulativas previstas na parte final do artigo 15°, n.°1, da CDT, conforme pretende a Administração Tributária e como foi entendido pela sentença recorrida. Num caso como o que está em apreciação não se verifica qualquer situação de “dupla residência fiscal” que reclame solução.
Face a tudo o que foi dito, conclui-se que os rendimentos auferidos pelo Recorrente em 2002 e já tributados pelo Estado Alemão não podem ser tributados em Portugal.
A sentença recorrida, ao não decidir assim, padece do alegado erro de julgamento, não podendo, pois, manter-se.
3 - CONCLUSÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida, anulando, em consequência, a liquidação de IRS do ano de 2002, objecto de impugnação judicial.
Custas pela Recorrida, em 1ª instância.
Porto, 15 de Dezembro de 2011
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves