Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00505/17.4BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PASSAGEM À RESERVA; DISCRICIONARIEDADE; AUTO-VINCULAÇÃO
Sumário:
1 – Há desde logo uma questão essencial que passa pelo facto de, se e certo que a passagem à reserva por parte dos militares não constitui um direito, em qualquer caso, o Exército tem discricionariamente a faculdade de a conceder, ou não, o que não pode, nem deve, ser confundido com arbitrariedade, pois que tendo sido estabelecidos critérios de seleção, o incumprimento dos mesmos sempre teria de ser justificado.
2 – Tendo o Recorrido apresentado o seu Requerimento de passagem à Reserva em 2 de fevereiro de 2016, é essa a data que deverá relevar para a verificação dos pressupostos até então aplicáveis, não podendo ser penalizado com o facto de o Exército ter, em 29 de Novembro de 2016, sentido a necessidade de retroativamente alterar os pressupostos em que assentaria o deferimento dos pedidos. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Exército Português
Recorrido 1:RACT
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Exército Português, no âmbito da Ação Administrativa intentada por RACT, tendente à anulação do Despacho do Tenente-General Ajudante-General do Exército, de 13 de fevereiro de 2017 que indeferiu a sua requerida passagem à situação de reserva, mais se peticionando a condenação da Entidade Demandada a deferir a referida pretensão, desde 21 de setembro de 2016, com todos os direitos e obrigações, inconformado com a decisão proferida no TAF de Penafiel de 17 de outubro de 2018, através da qual a ação foi julgada procedente, veio apresentar Recurso para esta instância, tendo concluído:
1.ª – A alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, aplicável ao Autor por força do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de Maio, permitia aos militares requerer a transição para a situação de reserva quando tivessem 20 ou mais anos de tempo de serviço militar e lhes fosse deferida essa pretensão.
2.ª – Como bem se considerou no douto aresto impugnado, o deferimento ou indeferimento dessa pretensão consubstanciava um poder discricionário, para ser usado em função das necessidades e da operacionalidade do ramo das Forças Armadas a que o requerente pertencia, ou seja, da conveniência ou inconveniência para o serviço.
3.ª - Face ao elevado número de requerimentos de transição para a reserva, ao abrigo da mencionada alínea, que foram apresentados ao longo do ano de 2016, a administração do Exército teve necessidade, para a justa e adequada decisão dos mesmos, salvaguardando os interesses do serviço, de estabelecer um critério de orientação para a sua decisão.
4.ª – Para esse efeito, e por despacho proferido em 29 de Novembro de 2016 pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, foi adotado como critério a maior antiguidade no posto e, em caso de igualdade, o maior tempo de serviço efetivo e a maior idade, salvaguardando-se, contudo, eventuais situações de impedimento legalmente previstas, nomeadamente situações decorrentes da obtenção de graus académicos ou de saúde, bem como casos pontuais que, pela sua natureza, aconselhassem o deferimento extraordinário.
5.ª – Ao contrário do que se decidiu na douta Sentença, o despacho que indeferiu o requerimento apresentado pelo Autor, por aplicação daquele critério e considerando os efetivos mínimos imprescindíveis estabelecidos para o posto de sargento-chefe, não padece do vício de violação do disposto no artigo 181.º do atual Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de Maio.
6.ª – Pois o disposto nesse artigo refere-se a uma realidade diferente, que é a da antiguidade relativa entre militares pertencentes a quadros especiais diferentes com o mesmo posto ou postos correspondentes, sendo que a antiguidade no posto é regulada pelo disposto no artigo 176.º do estatuto.
7.ª – Acresce que nenhuma disposição estatutária mandava atender a qualquer critério para a decisão de requerimentos de transição para a reserva, pelo que poderia a administração adotar qualquer critério que, segundo o seu entendimento, permitisse acautelar as necessidades do serviço e, consequentemente, o interesse público.
8.ª – Também não foram violados pelo ato impugnado os princípios da boa-fé e da confiança, nem o da igualdade, ao contrário do que foi decidido na douta Sentença.
9.ª - O Autor não poderia ter uma «confiança legítima» no deferimento da sua pretensão, designadamente porque a transição para a reserva, nas circunstâncias de idade e tempo de serviço em que se encontrava, era insuscetível de gerar qualquer direito na sua esfera jurídica.
10.ª – E, no que concerne a outros militares, a definição da situação do Autor não pode ser comparada com a daqueles cujos requerimentos já tinham sido decididos em data anterior à do referido despacho de 29 de Novembro de 2016, ou que possam ter sido autorizados a transitar para a reserva por razões excecionais, também previstas naquele despacho.
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a douta Sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!
*
O aqui Recorrido/RT, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 22/01/2019, concluindo:
1.º Vem o presente recurso interposto da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 17 de outubro de 2018, que julga procedente a impugnação intentada pelo Recorrido e, em consequência: “Anula-se o despacho impugnado; Condena-se a entidade demandada a reapreciar o requerimento do autor, graduando-o juntamente com todos os requerimentos apresentados por Sargentos-chefe no ano de 2016 para os mesmos efeitos, em função dos critérios de antiguidade fixados no artigo 181.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, e deferindo-o caso fique graduado até à posição 87 ou indeferindo-o caso fique graduado em posição subsequente.”.
2.º Na ótica do Recorrente o Despacho impugnado não padece (i) “do vício de violação do disposto no artigo 181.º do atual Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio.” [conclusão n.º 6] e (ii) também “não foram violados (…) os princípios da boa-fé e da confiança, nem o da igualdade” [conclusão n.º 8].
3.º Todavia e conforme se propõe demonstrar, não assiste razão ao Recorrente, porquanto, e desde logo, mesmo perante o exercício de um poder discricionário por parte do Recorrente aquando da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º do EMFAR, o mesmo não significa que as suas decisões possam ser arbitrárias.
4.º Por outro lado, como resulta da fundamentação do ato impugnado, o Recorrente definiu um critério de atuação, autovinculando-se ao seu cumprimento.
5.º No entanto, mesmo tendo definido um critério de atuação contra legem - pois o mesmo viola o critério legal estatuído no artigo 181.º do EMFAR -, não o aplicou ao Recorrido, tendo sido o mesmo ilegalmente ultrapassado na transição para a situação de reserva por militares com menor antiguidade que o Recorrido (facto 20) com menor tempo de serviço (facto 21) e com menor idade (facto 22).
6.º Violando, o Recorrente, com o Despacho impugnado, o artigo 181.º do EMFAR, o próprio critério subsidiário definido pelo Recorrente, os princípios da boa-fé, da confiança e da igualdade.
7.º Destarte, bem andou o Tribunal a quo na tarefa de interpretação e aplicação da Lei, não merecendo a Sentença recorrida qualquer censura. Vejamos em detalhe:
8.º O tribunal a quo na sentença recorrida, entendeu (e bem) que o ato impugnado viola o artigo 181.º do EMFAR e o princípio da igualdade.
9.º Pois, o Recorrido, em 2 de fevereiro de 2016, apresentou requerimento a solicitar a transição para a situação de reserva para o dia 21 de setembro de 2016 (facto provado 6).
10.º Acontece, porém, que, não obstante ter decorrido mais de dois meses sobre o prazo definido pelo Recorrido para a sua transição para a situação de reserva, o Recorrente, em 29 de novembro de 2016, alterou os critérios que vinham a ser aplicados nos requerimentos de transição para a situação de reserva:
i) alargando a data limite da aceitação dos requerimentos para transição para a situação de reserva, aceitando todos os requerimentos com entrada até 9 de dezembro de 2016, violando, assim, um Despacho anterior do Recorrente, da obrigatoriedade de os requerimentos serem apresentados com 45 dias de antecedência. Pelo que se já muitos requerimentos havia, muitos mais passou a haver e,
ii) definindo um novo citério a aplicar, a partir da mencionada data: maior antiguidade no posto e, em caso de igualdade, o do maior tempo de serviço e o da maior idade.
11.º Todavia, como bem concluiu a douta Sentença, o EMFAR prevê no seu artigo 181.º o critério legal de antiguidade relativa entre militares pertencentes a quadros especiais diferentes, não havendo, assim, “a liberdade de fixar um novo critério” de antiguidade pelo Recorrente.
12.º Porquanto, fixando a Lei um critério legal de antiguidade do posto, não pode o Recorrente criar um critério que não respeite integralmente aquele normativo.
13.º Não obstante, e apesar de o Recorrente ter criado esse critério supletivo (contra legem), o Recorrido, ainda assim, transitaria para a situação de reserva, pois manter-se-ia dentro do universo autorizado para a transição para a situação de reserva (87 Sargentos-Chefes).
14.º No entanto, não foi autorizada a sua transição para a situação de reserva.
15.º Tendo sido autorizados, no entanto, militares mais modernos que o Recorrido (facto 20), ou seja, com menor antiguidade, para além de terem menor tempo de serviço (facto 21) e menor idade (facto 22). Expliquemo-nos:
16.º O citado artigo 181.º do EMFAR, determina que a antiguidade entre militares de quadros especiais diferentes, com o mesmo posto, é determinada pelas datas de antiguidade desse posto e, em caso de igualdade deste, pelas datas de antiguidade no posto anterior.
17.º Por outro lado, a maioria dos Sargentos-Chefes que requereram a transição à situação de reserva durante o ano de 2016, tinham a data de antiguidade na promoção ao atual posto de 1 de janeiro de 2015.
18.º Ficando, assim, todos os aludidos militares, com a mesma antiguidade no posto de Sargento-Chefe, o que, de acordo com o n.º 1 do artigo 181.º do EMFAR, faz eleger o segundo critério: “em caso de igualdade deste, pelas datas de antiguidade no posto anterior”.
19.º Acontece, porém, e como referido supra, o Recorrente não atentou neste segundo critério e deferiu a transição para a situação de reserva a militares com datas de antiguidade de Sargento-Ajudante posteriores ao do Recorrido, ou seja, mais modernos.
20.º O Recorrido tem a data de antiguidade no posto de Sargento-Ajudante de 7.6.2005.
21.º Decorre do expendido, que nos termos do estabelecido no artigo 181.º do EMFAR, o Recorrido é mais antigo que os militares elencados no facto 20.
22.º Tendo aqueles transitado para a situação de reserva enquanto o Recorrido se manteve na situação de Ativo…
23.º Também, por força do aludido critério subsidiário, deveria o Recorrido ter transitado para a situação de reserva.
24.º Por outro lado, o Recorrido nasceu em 6 de novembro de 1965 e foi incorporado em 9 de setembro de 1986, tendo estado sempre na situação de Ativo.
25.º Tendo, assim, maior tempo de serviço que os militares identificados no facto 21.
26.º E, maior idade que os militares identificados no facto 22.
27.º Ou seja, independentemente do critério utilizado pelo Recorrente, fosse o critério legal de antiguidade entre quadros especiais, vertido no artigo 181.º do EMFAR, ou fosse o critério subsidiário eleito pelo próprio Recorrente, chegar-se-á à mesma conclusão:
28.º O Recorrido foi ilegalmente e ilegitimamente ultrapassado por militares mais modernos, com menor tempo de serviço e com menor idade que ele, na passagem à situação de reserva.
29.º Posto isto, o Recorrido acompanha, in totum, a argumentação expendida pelo Tribunal a quo, a qual bem andou na interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, motivo pelo qual o recurso interposto pelo Recorrente está condenado a soçobrar.
30.º Concluiu, igualmente, a douta sentença recorrida que o Despacho impugnado violou, igualmente, o princípio da boa-fé e da confiança.
31.º Porquanto, para além do que vai supradito na douta Sentença, que, com douta vénia, identicamente nos louvamos, desde o ano de 2012 até ao ano de 2015, todos os requerimentos apresentados pelos militares obtiveram despachos de deferimento (vide fls. 259 e ss.).
32.º Sendo certo que, alguns desses militares, detinham menor antiguidade, menor tempo de serviço militar e menor idade que o Recorrido.
33.º E que criaram no Recorrido a fundada e legítima espectativa que o Recorrente não iria alterar o comportamento consuetudinário.
34.º Nem poderá merecer acolhimento, o argumento da imprevisibilidade do aumento dos pedidos, porquanto, como bem refere a douta Sentença Recorrida, “não pode depois vir invocar a existência de muitos requerimentos, quando ela própria permitiu que fossem entregues requerimentos para além da data que definira.”.
35.º Sendo que o Recorrido elaborou e entregou o seu requerimento logo no início do ano, em 2 de fevereiro de 2016 (facto 6), conhecendo o Recorrente, pelo menos desde essa altura a intenção do Recorrido.
36.º Deveria o Recorrente, que não podia desconhecer essa realidade, ter planeado, desde o início do ano, o número de militares que poderiam requerer a transição para a situação de reserva.
37.º Não pode, pois, o Recorrente ter deferido todos os Requerimentos que lhe foram apresentados, sem utilizar qualquer critério e, a um mês do final do ano, alterar o seu comportamento, e vir agora definir um critério para essa transição.
38.º E, em consequência dessa alteração de critério, o Recorrente indeferiu o peticionado pelo Recorrido.
39.º Dando o Recorrente, inclusive, uma nova data limite para apresentar os requerimentos de transição para a situação de reserva (9 de dezembro de 2016), violando Despachos anteriores que definiam prazos de 60 dias de antecedência e o artigo 128.º do CPA a contrario sensu.
40.º Permitindo que militares que não tinham requerido a transição para a situação de reserva e que nos termos expostos já não o podiam fazer, ver surgir, ilegitimamente, uma nova janela de oportunidade para requererem a referida transição.
41.º Acabando alguns desses por transitar para a situação de reserva, em detrimento de militares, que tendo cumprido todas as formalidades, viram-se ultrapassados sobre a “linha de meta”.
42.º Com efeito, pelas razões aduzidas, bem andou o Tribunal a quo ao anular o Despacho impugnado por violação do princípio da boa-fé e da confiança, razão pela qual a Sentença recorrida deverá ser mantida qua tale.
43.º Por fim, resulta por demais evidente que o Despacho impugnado viola, igualmente, o princípio da igualdade, conforme a douta fundamentação da Sentença recorrida:
44.º Pois os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à Lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
45.º Significa isto, desde logo, e como expressamente refere o artigo 3.º do CPA que “os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”.
46.º Ao autorizar a transição para a situação de reserva de militares com menor idade e menor tempo de serviço que o Recorrido e não autorizar o Recorrido, traduz uma flagrante violação do princípio da igualdade consagrado no artigo n.º 13.º da CRP e no artigo n.º 6.º do CPA, e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos previsto no artigo 4.º do CPA.
47.º Como esse Venerando Tribunal não olvida, o princípio da igualdade é um princípio comum a todos os Direitos Fundamentais. Entre os princípios constitucionais vigentes no Estado de Direito, incluem-se os da justiça e da dignidade da pessoa humana e o referido princípio da igualdade - artigos 1.° e 13.° da CRP.
48.º O princípio da igualdade vincula a Administração Pública à não discriminação, positiva ou negativa, dos cidadãos.
49.º Detendo um duplo conteúdo: a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais, e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes.
50.º Assim, o princípio da igualdade desenvolve-se em duas vertentes: A proibição da discriminação e a obrigação da diferenciação.
51.º Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. In Constituição da República Portuguesa Anotada, Almedina, 4ª ed, pág. 339
52.º No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, Rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
53.º Corolário deste princípio é o da auto-vinculação da Administração, por seu turno associado ao princípio da imparcialidade, que implica que os seus poderes discricionários devem ser concretizados segundo os mesmos critérios, medidas e condições relativamente a todos os militares em idêntica situação.
54.º Por conseguinte, inexiste causa justificativa para o tratamento desigual, violando, assim, o princípio constitucional da igualdade. Face ao exposto;
55.º O recurso apresentado pelo Exército Português, com todo o respeito, não merece provimento, devendo confirmar-se a douta decisão recorrida que fez boa e correta aplicação do direito e da lei.
Termos em que, E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, mantendo-se qua tale a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo datado de 17/10/2018. Assim se fazendo justiça!”
*
Em 25 de janeiro de 2019 veio a ser proferido Despacho de Admissão do Recurso.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 13/03/2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
*
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, impondo-se verificar se se mostrarão verificados os vícios invocados.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada:
1) O autor nasceu em 06.11.1965;
P.A., fls. 1
2) O autor é Sargento-Chefe dos Quadros Permanentes das Forças Armadas Portuguesas - Ramo Exército;
P.A., fls. 1
3) O autor foi incorporado no Exército em 09.09.1986 e ingressou no quadro permanente e na situação de ativo em 01.10.1990, após concluir o curso de formação de Sargentos, tendo sido promovido ao posto de Sargento ajudante a 07.06.2005 e ao posto atual em 01.01.2015;
P.A., fls. 1 e ss.
4) Está colocado e a prestar serviço na Direção dos Serviços de Pessoal da entidade demandada;
P.A., fls. 1
5) Integra o Quadro Especial de Artilharia;
P.A., fls. 1
6) O autor apresentou, a 02.02.2016, requerimento solicitado a transição para a situação de reserva a 21.09.2016;
P.A., fls. 35
7) Em 21.12.2016, através da nota n.º RPFES.SRD.DISP-2016-031905, foi o autor notificado para a audiência dos interessados, constando do ofício que o sentido provável da decisão era de indeferimento;
Doc. 1 junto com a p.i.
8) O autor, através do seu ilustre mandatário, respondeu à aludida audiência dos interessados invocando, entre outros, o vício do desvio de poder, do vício de violação de lei por desrespeito do artigo 181.º do EMFAR/2015 e do critério definido pela entidade demandada, do vício de violação do princípio da boa-fé e da confiança, e a ofensa dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade;
Doc. 2 junto com a p.i.
9) Tendo o Autor, em 03.02.2017, requerido a prestação de diversas informações, nomeadamente qual o serviço responsável pelo procedimento, quais as diligências praticadas pela administração no aludido procedimento, bem como, informação sobre todos os despachos praticados pelos diversos intervenientes, no mencionado procedimento;
Doc. 3 junto com a p.i.
10) Foi elaborada a informação n.º 350/2017, de 10.02.2017 que propôs o indeferimento do requerimento do autor;
Doc. 5 junto com a p.i.
11) Da informação resulta, entre o mais, o seguinte:
Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC.
Doc. 5 junto com a p.i.
12) O requerimento do autor foi indeferido por despacho do Tenente-General Ajudante General do Exército, datado de 13.02.2017, que recaiu sobre a informação supra;
P.A., fls. 60
13) Foi elaborado ofício a 14.02.2017 com o propósito de notificar o autor do despacho referido;
P.A., fls. 68
14) O ofício referido foi notificado ao autor a 20.02.2017;
P.A., fls. 70
15) O autor interpôs recurso hierárquico a 07.03.2017;
P.A., fls. 71 e ss.
16) O autor solicitou informações sobre o aludido procedimento administrativo;
Doc. 7 junto com a p.i.
17) A p.i. foi apresentada, via site, a 04.07.2017;
Fls. 1 dos autos
18) No ano de 2016 foram promovidos 152 militares ao posto de sargento-ajudante e 162 militares ao posto de sargento-chefe nos diversos quadros especiais do Exército;
Fls. 288 dos autos
19) No ano de 2016 foram apresentados 41 requerimentos por militares da categoria de Sargentos do quadro de Artilharia, tendo sido deferidos 15;
Fls. 265 dos autos
20) A entidade demandada deferiu os requerimentos apresentados pelos seguintes militares, com a seguinte antiguidade no posto de sargentos-ajudantes e sargentos-chefes:
NIMAPELIDOARMA/SERVIÇOSAJSCH
19xxx87Ta…INF01-07-200501-01-2015
09xxx87Fi…CAV15-07-201501-01-2015
21) A entidade demandada deferiu também os requerimentos apresentados pelos seguintes militares com a seguinte data de incorporação:
NIMAPELIDOARMA/SERVIÇOINCORP
12xxx87Si…INF06-03-1987
14xxx87Pa…TM19-01-1987
03xxx86Sa…ART09-09-1986
10xxx87Co…ART17-08-1987
19xxx87Ta…INF24-08-1987
05xxx87Sa…INF16-03-1987
09xxx87Fi…CAV18-05-1987
11xxx86Ba…SGE17-08-1987
22) A entidade demandada deferiu ainda os requerimentos apresentados pelos seguintes militares com a seguinte data de nascimento:
NIMAPELIDOARMA/SERVIÇODATA NASC.
12xxx87Si…INF05-03-1966
14xxx87Pa…TM06-05-1966
10xxx87Co…ART19-12-1966
19xxx87Ta…INF06-11-1966
05xxx87Sa…INF23-11-1966
09xxx87Fi…CAV31-10-1966
*
IV – Do Direito
Aqui chegados, importa ponderar e decidir tudo quanto é suscitado no Recurso apresentado, a luz da factualidade dada como provada.
Pela sua relevância para a avaliação que se fará do decidido, no que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
IV.2.3 – Artigo 181.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas
Importa então verificar se o requerimento do autor foi preterido, em condições de igualdade, e em face do artigo 181.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
O facto de se atribuir um poder discricionário ou uma margem de liberdade de escolha à Administração Pública não significa que as suas decisões possam ser arbitrárias. Na verdade, a Administração Pública, está obrigada a prosseguir o interesse público dentro de limites juridicamente estabelecidos, desde logo, no respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, como decorre expressamente do artigo 266.º, n.º 1 da CRP. Assim, a Administração Pública está proibida de atuar de modo subjetivo ou arbitrário.
Portanto, na prossecução do interesse público a que está adstrita, a entidade demandada encontra-se vinculada a objetivar as suas decisões, já que só assim respeitará o Estado de Direito Democrático. A discricionariedade, enquanto escolha de uma decisão entre várias alternativas possíveis, só se justifica por razões de interesse público, sendo que a prossecução deste, num Estado de Direito Democrático, não está refém de critérios autoritários, arbitrários ou subjetivos da Administração – cfr. Jaime Rodríguez-Arana Muñoz, «El Derecho Administrativo en el Siglo XXI», in Anuario da Faculdade de Dereito da Universidade da Coruña, 2009, pág. 639.
A atribuição de um poder discricionário à Administração Pública visa permitir-lhe, em face dos contornos específicos da situação jurídica encontrar o interesse público, dentro dos limites legalmente estabelecidos, desde logo, em função do fim subjacente à atribuição desse poder discricionário. Por outro lado, além do controlo do fim, a atividade administrativa encontra-se limitada sempre pelos princípios jurídicos que a Constituição e o CPA estabelecem, os quais são parâmetros de normatividade que não podem ser olvidados, mesmo quando se atue ao abrigo de um poder discricionário, desde logo os princípios da igualdade e da imparcialidade têm um papel fundamental.
Como já se referiu no ponto anterior, efetivamente, o artigo 152.º, n.º 1, al. b) do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho, prevê a atribuição de um poder discricionário à entidade demandada para deferir ou não os requerimentos de passagem à reserva, apresentados nessas condições, em função das necessidades do Exército e da sua operacionalidade.
Dos autos resulta que a entidade demandada entendeu indeferir o requerimento do autor, defendendo o indeferimento do seguinte modo: face ao número de requerimentos apresentados, e o número de efetivos necessários para garantir as necessidades do Exército e a sua operacionalidade não seria possível admitir que todos os militares que apresentaram o requerimento para passagem à reserva o fizessem. Deste modo, a entidade demandada estabeleceu um critério para deferir os requerimentos apresentados, aplicando um critério de maior antiguidade no posto, independentemente do quadro especial de origem e em caso e igualdade a aplicação sucessiva do critério de maior tempo de serviço e de maior idade.
Portanto, a entidade demandada, como resulta da fundamentação do ato impugnado, demonstra que definiu um critério de atuação, autovinculando-se, portanto, ao seu cumprimento.
O autor refere que outros militares com menor antiguidade, menos tempo de serviço e menor idade foram autorizados a passar à situação de reserva.
Vejamos, concretamente, as vinculações a que a entidade demandada estava obrigada a respeitar.
O artigo 181.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, refere o seguinte:
Artigo 181.º
Antiguidade relativa
1 - A antiguidade relativa entre militares pertencentes a quadros especiais diferentes, com o mesmo posto ou postos correspondentes, é determinada pelas datas de antiguidade nesse posto e, em caso de igualdade destas, pelas datas de antiguidade no posto anterior, e assim sucessivamente, aplicando-se para o posto de ingresso o previsto no artigo 178.º.
2 - Dentro de cada posto, para efeitos protocolares, os militares na efetividade de serviço precedem os militares nas situações de reserva fora da efetividade de serviço e reforma.
Este normativo estabelece o critério legal quando seja necessário aferir a antiguidade entre militares pertencentes a quadros especiais diferentes.
Ora, basta confrontar este critério de antiguidade legal com o critério definido pela entidade demandada para perceber que este último não respeita aquele normativo.
O critério definido pela entidade demandada é o da antiguidade do posto, seguido do tempo de serviço e, por fim, a idade. O critério legal é o da antiguidade do posto, seguido da antiguidade no posto anterior, aferido sucessivamente, e, por fim, a ordem de classificação no respetivo curso ou concurso de ingresso, sendo que em caso de igualdade de classificação são estabelecidos vários critérios de igualdade no artigo 178.º, n.º 3, sendo a idade o último.
Portanto, afigura-se que a pretensão do autor tem fundamento.
Na verdade, estabelecendo a lei um critério de antiguidade, a entidade demandada não podia criar um outro critério, mas tinha que aplicar aquele que estava legalmente definido.
Se se compreendem os fundamentos para não deferir todos os requerimentos apresentados, já não se compreende a não aplicação do critério legalmente estabelecido no artigo 181.º do referido Estatuto.
Repare-se que o próprio autor admite expressamente nos artigos 103º e ss. da p.i. que todos os militares promovidos no mesmo ano têm a mesma antiguidade no posto, por a mesma ser referente a 01 de janeiro do ano da promoção.
Consequentemente é de anular o ato impugnado, desde logo porque em resultado da não aplicação do critério legal, foram autorizados a passar à situação de reserva pelo menos dois militares, referidos no ponto 20) da matéria de facto provada, que, em função do critério legalmente previsto, têm menos antiguidade que o autor, já que o autor foi promovido ao posto de sargento ajudante a 07.06.2005, quando esses o foram a 01.07.2005 e 15.07.2015, portanto, em função do critério legalmente estabelecido, o autor teria precedência na antiguidade face a estes dois militares.
E, como alega o autor, mesmo que se aplicasse o critério de decisão definido pela entidade demandada contra legem, ainda assim o autor teria precedência sobre vários militares, referidos nos pontos 21) e 22) da matéria de facto dada como provada, que foram autorizados a passar para a reserva, quando tinham menos tempo de serviço e menos idade.
A isto acresce que, ao contrário do que a entidade demandada procura justificar no ponto 72º da contestação, o ato impugnado não define como critério que teriam precedência no deferimento dos requerimentos os militares a desempenhar funções fora da estrutura das Forças Armadas, sendo que, mesmo a admitir-se tal precedência, que apenas se encontra plasmada na contestação, ainda assim, não justifica a situação dos demais militares que passaram para a situação de reserva, quando tal passagem foi recusada ao autor.
Assim, afigura-se que existe violação do artigo 181.º do mencionado Estatuto e do próprio princípio da igualdade que este artigo plasma.
É certo que, como refere a entidade demandada, o deferimento “ilegal” de requerimentos de outros militares não atribui ao autor o direito a que lhe seja deferida a passagem para a situação de reserva.
No entanto, o autor sempre tem direito à prática de um ato legal, que respeite o princípio da igualdade, aferindo, em função das vinculações legais e do princípio da igualdade, a situação da antiguidade do autor face aos demais requerimentos apresentados, o que no caso não ocorreu.
É que resulta dos autos que, efetivamente, o autor foi ultrapassado por militares mais modernos e com menos tempo de serviço e com menor idade, o que, mesmo que não lese um direito, lesa uma legítima expetativa a que a entidade demandada atuasse respeitando o artigo 181.º do Estatuto e o princípio da igualdade. E repare-se que, seguindo-se a tese da contestação, mesmo que não tenha direito, em função desses critérios, à passagem à situação de reserva, sempre poderá ter direito a uma indemnização, caso estejam reunidos os demais pressupostos legais.
Repare-se que o facto de um particular não ter direito a que se pratiquem a seu favor atos ilegais porque foram praticados em favor de outros particulares, não desobriga a entidade administrativa a repor o princípio da igualdade, quanto mais não seja, pela via indemnizatória.
Em conclusão, é de anular o ato impugnado.
IV.2.4 –Princípios da boa-fé e da confiança
O artigo 266.º, n.º 2 da CRP determina que no exercício das suas funções a Administração Pública está obrigada a atuar com respeito pelo princípio da boa-fé.
A par deste princípio, o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), implica um mínimo de certeza nos direitos dos cidadãos e nas expetativas criadas, sendo, portanto, inadmissíveis, decisões arbitrárias ou com as quais os cidadãos não pudessem moral ou razoavelmente contar.
(...)
Vejamos então se no caso existiu violação dos princípios da boa fé e da confiança.
Com a revogação do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho, e face à norma transitória que determinava que os militares pudessem solicitar a passagem à situação de reserva ao abrigo do artigo 152.º, n.º 1, al. b) desse Estatuto revogado, era previsível a apresentação de um grande número de requerimentos a solicitar a aplicação desse normativo, o que efetivamente veio a suceder.
Assim, a entidade demandada teve que ponderar as suas necessidades com a grande solicitude de passagens à reserva. Depois de verificar qual o número máximo de militares que poderiam passar à situação de reserva, a entidade demandada deferiu que seguiria o critério da antiguidade.
Em função desse critério definido, qualquer normal destinatário contaria que nenhum militar com menos antiguidade, menor tempo de serviço ou menor idade que a sua passaria à situação de reserva antes de si.
Ora, como já se referiu no ponto anterior e é fácil de constatar pela análise dos elementos constantes nos factos 20), 21) e 22), o autor viu serem deferidos requerimentos a colegas com menos antiguidade, menos tempo de serviço e menor idade, quando o seu requerimento foi indeferido.
Portanto, os autos revelam que a entidade demandada definiu um critério de decisão, mas depois não o aplicou com todas as suas consequências, o que viola os princípios da boa-fé e da confiança.
A isto acresce, como refere o autor, que a entidade demandada alargou a data limite em que aceitava a apresentação de requerimentos para transição para a situação de reserva, pelo que se já muitos requerimentos havia, muitos mais passou a haver.
Aliás, tendo a entidade demandada definido que os requerimentos teriam que ser apresentados até determinado momento, não pode depois vir invocar a existência de muitos requerimentos, quando ela própria permitiu que fossem entregues requerimentos para além da data que definira.
Deste modo, é também de anular o ato impugnado com esta fundamentação.
IV.2.5 – Princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade
O princípio da igualdade, protegido no artigo 13.º da CRP, bem como no artigo 6.º do CPA, repousa na necessidade de a Administração Pública dar igual tratamento às situações materialmente iguais e dar tratamento diferenciado às situações substantivamente distintas.
Relativamente ao princípio da igualdade, como decorre já do ponto IV.2.3 da presente decisão, verifica-se efetivamente que a entidade demandada não respeitou a igualdade entre os militares, já que deferiu requerimentos em que os militares em causa tinham menos antiguidade, menos tempo de serviço e menos idade que o autor, quando o requerimento deste foi indeferido.
Como já se referiu no ponto IV.2.3 não é apontada nenhuma circunstância relevante para que existisse o tratamento desigual na situação do autor face à maior antiguidade, tempo de serviço e idade que detém face aos militares cujos requerimentos foram deferidos e que são mencionados nos factos 20), 21) e 22).
Quanto aos demais princípios, e uma vez que o autor apesar de os mencionar não carateriza a violação, não se pode acompanhar o autor nessa parte.
Assim, é de concluir pela anulação do ato impugnado por violação do princípio da igualdade.
(...)
IV.2.8 – Ato legalmente devido
Conforme resulta dos autos, o autor requereu à entidade demandada a transição para a situação de reserva em 21.09.2016.
Como também resulta do ponto IV.2.2 o artigo 152.º, n.º 1, al. b) do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de junho, prevê a atribuição de um poder discricionário à entidade demandada para deferir ou não os requerimentos de passagem à reserva, apresentados nessas condições, em função das necessidades do Exército e da sua operacionalidade.
(...)
Embora no caso em apreço estejamos perante um poder discricionário face à autovinculação da entidade demandada a um critério de decisão, a sua liberdade de decisão ficou amplamente reduzida.
Neste contexto efetivamente, a liberdade de fixar um novo critério não existe. No entanto, o Tribunal não pode no caso em apreço saber o requerimento do autor, em função desse critério definido, deveria ser deferido ou indeferido, porquanto o Tribunal desconhece os elementos de facto dos restantes militares que também apresentaram requerimento, o que era essencial para perceber se o autor teria ficado acima ou abaixo do 87º requerimento na graduação.
Como resulta do ponto IV.2.3, a graduação dos requerimentos deveria seguir o critério de antiguidade legalmente estabelecido, pelo que importa condenar a entidade demandada a reapreciar o requerimento do autor estabelecendo uma graduação de todos os requerimentos apresentados por Sargentos-chefe, em função dos critérios de antiguidade fixados no artigo181.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, e deferindo-o caso fique graduado até à posição 87 ou indeferindo-o caso fique graduado em posição subsequente.”
Analisemos então o suscitado.
Há desde logo uma questão essencial que importa considerar e que acompanhará tudo quanto se discorrerá, e que passa pelo facto de, se e certo que a almejada passagem à reserva não constitui um direito de qualquer militar, de qualquer modo, in casu, o Exército tem discricionariamente a faculdade de a conceder, ou não, o que não pode, nem deve, ser confundido com arbitrariedade.
Acresce que os critérios que determinaram o afastamento da Reserva do Recorrido foram estabelecidos por Despacho de 29 de Novembro de 2016, quando o Requerimento do militar aqui em causa foi apresentado em 2 de fevereiro de 2016, diferindo os seus efeitos de transição para a situação de reserva para 21 de setembro de 2016.
Em qualquer caso, quer os destinatários, quer quaisquer outros interessados, terão de intuitivamente percecionar por que razão a passagem à reserva é viabilizada face a uns militares e não a quaisquer outros, em face do que se impõe a existência de regras e princípios uniformes, coerentes e assentes no direito vigente.
Naturalmente que poderão verificar-se casos excecionais que mereçam decisões aparentemente divergentes, sendo que as mesmas terão, em qualquer caso, de se mostrar adequada e suficientemente justificadas, para que não possam sobressair situações de favor.
Vejamos em concreto o suscitado em sede Recursiva.
DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 181.º DO EMFAR
O tribunal a quo, com a fundamentação que supra se transcreveu, entendeu que o ato objeto de impugnação terá violado o artigo 181.º do EMFAR e o princípio da igualdade.
Na realidade, o Recorrido, em 2 de fevereiro de 2016, apresentou requerimento a solicitar a transição para a situação de reserva, reportada a 21 de setembro de 2016.
No entanto, em 29 de novembro de 2016, antes que tivesse decidido o Requerimento do aqui Recorrido, veio a Entidade Demandada, aqui Recorrente, estabelecer novos critérios a que deveria obedecer a transição para a situação de reserva por parte dos seus militares.
Efetivamente, para além do mais, foi alargado a data limite da aceitação dos requerimentos para transição para a situação de reserva, aumentando assim o leque de potenciais interessados e requerentes.
Por outro lado, foi introduzido um novo critério de seleção, o qual se consubstanciou na maior antiguidade no posto e, em caso de igualdade, o do maior tempo de serviço e o da maior idade.
Em qualquer caso, como evidenciado pelo Tribunal a quo, o EMFAR prevê no seu artigo 181.º critério legal de antiguidade relativa entre militares pertencentes a quadros especiais diferentes, em face do que se não mostra adequado introduzir um novo critério divergente do estabelecido. Se é admissível densificar e concretizar critério anteriormente estabelecido, já se mostra ilegítimo fixar um novo critério autónomo e divergente.
Com efeito, fixando o EMFAR um critério de antiguidade no posto, não pode o Exército criar um critério diferenciador que não respeite o mesmo.
Alega o Recorrido que não obstante ter sido gerado um novel critério, ainda assim o interessado transitaria para a situação de reserva, uma vez que se manteria no universo dos 87 Sargentes-chefe cujo deferimento da passagem à reserva seria autorizado.
Em qualquer caso, e ainda assim, não foi o mesmo autorizado a passar pera a referida situação funcional, não obstante ter sido autorizada a transição de militares mais modernos (facto 20), com menor tempo de serviço (facto 21) e menor idade (facto 22).
Incontornavelmente, resulta do artigo 181.º do EMFAR, que a antiguidade entre militares de quadros especiais diferentes, com o mesmo posto, será determinada pelas datas de antiguidade desse posto e, em caso de igualdade deste, pelas datas de antiguidade no posto anterior.
Em concreto, a maioria dos Sargentos-chefes que requereram a passagem à Reserva durante o ano de 2016, tinham a data de antiguidade na promoção ao atual posto reportada a 1 de janeiro de 2015, em face do que teriam a mesma antiguidade no posto de Sargento-Chefe, o que, nos termos do n.º 1 do artigo 181.º do EMFAR, determinaria que operasse o segundo critério, a saber, a antiguidade no posto anterior.
Não obstante o referido, o Exército terá deferido a transição para a situação de reserva a militares com datas de antiguidade de Sargento-Ajudante posteriores ao do Recorrido.
Tendo o Recorrido iniciado a contagem da sua antiguidade no posto de Sargento-Ajudante de em 7-6-2005, mostra-se assim mais antigo do que os seus camaradas que entretanto transitaram para a reforma, como resulta do facto provado 20:
NIMAPELIDOARMA/SERVIÇOSAJSCH
19xxx87Ta…INF01-07-200501-01-2015
09xxx87Fi…CAV15-07-201501-01-2015
Acresce que o Recorrido terá nascido em 6 de novembro de 1965, tendo sido incorporado em 9 de setembro de 1986, em face de que terá maior tempo de serviço que os militares que transitaram para a Reserva, como resulta do facto provado 21, e mais idade, como decorre do facto provado 22, saber:
NIMAPELIDOARMA/SERVIÇOINCORP
12xxx87Si…INF06-03-1987
14xxx87Pa…TM19-01-1987
03xxx86Sa…ART09-09-1986
10xxx87Co…ART17-08-1987
19xxx87Ta…INF24-08-1987
05xxx87Sa…INF16-03-1987
09xxx87Fi…CAV18-05-1987
11xxx86Ba…SGE17-08-1987
NIMAPELIDOARMA/SERVIÇODATA NASC.
12xxx87Si…INF05-03-1966
14xxx87Pa…TM06-05-1966
10xxx87Co…ART19-12-1966
19xxx87Ta…INF06-11-1966
05xxx87Sa…INF23-11-1966
09xxx87Fi…CAV31-10-1966

Assim e aparentemente, independentemente dos critérios adotados, sempre o aqui Recorrido teria uma posição preferencial para a transição para a situação de reserva, relativamente a muitos dos seus camaradas que obtiveram tal estatuto.
É certo, como se disse já, que a passagem à reserva não é um direito, mas antes uma faculdade conferida ao Exército, a pedido dos militares interessados. No entanto a partir do momento em que o Exército se auto-vinculou, estabelecendo critérios de seleção, o incumprimento dos mesmos sempre teria de ser justificado, o que não ocorreu.
Em face do que precede, não se vislumbram razões para neste aspeto, divergir do entendimento adotado em 1ª instância.
DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA CONFIANÇA
A decisão recorrida concluiu que o Despacho impugnado violou, igualmente, o princípio da boa-fé e da confiança.
Na realidade, resulta da decisão recorrida que entre 2012 e 2015, todos os requerimentos apresentados pelos militares tendentes à passagem à Reserva obtiveram despachos de deferimento, não obstante alguns dos militares em causa deterem menor antiguidade, menor tempo de serviço militar e menor idade que o Recorrido, o que gerou a expetativa que o seu requerimento viesse a obter deferimento.
Tendo o Recorrido apresentado o seu Requerimento de passagem à Reserva em 2 de fevereiro de 2016 (facto 6), é essa a data que deverá relevar para a verificação dos pressupostos até então aplicáveis, não podendo ser penalizado com o facto de entretanto e no decorrer do referido ano terem sido apresentados significativo número de requerimentos, o que levou a que o Exército tenha sentido a necessidade de retroativamente alterar os pressupostos em que assentaria o deferimento dos pedidos.
Em face do que precede, não se vislumbram igualmente quanto ao aspeto analisado, razões para divergir do entendimento adotado em 1ª instância ao ter anulado o Despacho objeto de impugnação por violação do princípio da boa-fé e da confiança.
DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Entendeu-se na decisão recorrida que o Despacho objeto de impugnação terá ainda violado o princípio da igualdade, o que, sem surpresa, é contestado pelo Recorrente.
Efetivamente, tendo o Exército viabilizado a transição para a situação de reserva de militares com menor idade e menor tempo de serviço que o Recorrido, até prova em contrário, que o Exército não logrou demonstrar, tal consubstanciar-se-á na violação do princípio da igualdade.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Almedina, 4ª ed, pág. 339, o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Do mesmo modo se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, Rec. 1187/06, que “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Do mesmo modo afirmou já o Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão nº 186/90, proferido no Proc. nº 533/88, em 06/06/90, que "O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional”.
Lapidarmente afirmam ainda Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, in Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 3ª ed., 2013, pág. 116, que o princípio da igualdade “determina a necessidade de a Administração tratar igualmente os cidadãos que se encontrem em situações objetivas iguais e desigualmente os que se encontrem em situações objetivas distintas. (…) Dele decorre que as diferenças de tratamento radiquem em critérios objetivos que apresentem uma conexão bastante com os fins a prosseguir com a regulação jurídica e nela tenham uma justificação específica (princípio da proibição do arbítrio)”.
Em face do que precede, igualmente neste aspeto se não vislumbram razões para divergir do entendimento adotado em 1ª instância.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 3 de maio de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa