Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00043/08.6BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS, IVA, ERRÓNEA QUANTIFICAÇÃO; EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO
Sumário:I. Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

II. Da conjugação dos artigos 71.º, 81.º e 82.º do Código de Processo Tributário, compete à Administração Fiscal explicitar os motivos que a impedem de comprovar de forma directa e exacta a matéria tributável do sujeito passivo, na decisão de aplicação dos métodos indiciários, indicando quais os critérios que utilizou na determinação daquela matéria.
Após recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, S., Lda., NIPC (...), não se conformou com a sentença emitida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial intentada, visando as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas ao ano de 1994, no valor de € 13.982,73 euros, (2.803.286$00).

A Recorrente interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. “(…)Devia ter sido dada oportunidade à recorrente para a prova testemunhal solicitada, cf. Art.° 392° do C.Civil e Art.° 118°, do CPPT.
2. — A Autoridade Tributária não efetuou qualquer prova ou demonstração sobre a genuinidade das fotocópias e consequentemente, não tendo cumprido o respetivo dever de prova, o douto tribunal não podia concluir no sentido em que efetuou, Art.° 115° do CPPT.
3. — A douta sentença não explicou se os motivos indicados pela Autoridade Tributária eram ou não causa, de per si, ou conjuntamente, para a conclusão e se no final impossibilitava ou não o recurso aos métodos diretos, o que constitui erro de julgamento por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito da decisão, cf. Art.° 125° do CPPT, o que conduz à nulidade da sentença.
4. Pois, primeiro, não indica, a omissão de contabilização de operações e valores relativos à atividade e nomeadamente vendas de produtos;
5. — Depois, quais as informações suficientes e credíveis, acerca da movimentação de meios monetários, que faltavam na contabilidade?
6. — Depois, que fichas de imputação deviam ter sido consideradas para efeitos do Art.° 19° do CIRC?
7. — O que faltou no controlo interno?
8. — Qual seria o saldo real, para aferir o saldo irreal de caixa e depósitos à ordem?
9. — Qual o interesse dos livros sem qualquer timbre ou numeração utilizados pelo contribuinte?
10. — Em que medida impossibilitam aqueles elementos, a determinação direta e exata do rendimento?
11. — Ademais, a prova pericial é no sentido da reconstituição de forma direta e por montante exato dos rendimentos, cf. resposta ao Quesito 10.
12. — Pelo que existe erro de julgamento, pois a escrita comercial e fiscal deve manter a presunção de verdade, cf. Art.° 75° da LGT.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação das liquidações impugnadas e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.. (…)”

A Recorrida não contra alegou.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de os autos baixarem à 1.ª instância para se pronunciar sobre a nulidade de sentença invocada.

Atenta à antiguidade do processo e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se de vistos, nos termos do art.º 657.º, n. º4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, a quais são delimitada pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se (i) a sentença recorrida incorreu em nulidade, (ii) se há erro de julgamento de facto e de direito, por violação dos artigos 115.º e 118.º do CPPT e artigo 392.º do Código Civil, por terem sido dado oportunidade de inquirir testemunhas por si arroladas; (iii) se ocorreu erro nos pressupostos de facto na aplicação dos métodos indiretos e a falta de fundamentação no recurso aos mesmos.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
1. Correu termos o exame à escrita da impugnante, (ao abrigo da Ordem de Serviço n° 19.259 e 19.304 de 12.05.1997 e 28.05.1997, respectivamente), levada a cabo pela Direcção Distrital de Finanças de (...), (que exerce a actividade principal de "fabricação de portas, e janelas, elem. Similares em metal") relativa aos exercícios dos anos de 1993, 1994 e 1995, com início no dia 13.05.1997 e fim no dia 25.07.1997 - cfr. documento cuja junção de ordenou no despacho que antecede esta sentença, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo para todos os que infra se descrevem.
2. Da acção de inspecção realizada à Impugnante resultou o Relatório de exame à escrita, do qual consta com interesse para a decisão:
"(...) 2 — Análise das operações registadas e declaradas
Procedeu-se à análise da situação da empresa, relativamente aos exercícios de 1993, 1994 e 1995, com base nos registos contabilísticos e respectivos suportes, bem como em outros elementos e informações disponíveis.
A análise será efectuada por exercícios, contemplando, prioritariamente, as operações mais significativas da actividade da empresa, ou sejam as "compras" e "venda de produtos", bem como os fluxos financeiros.
2.1 — Exercício de 1993, 1994 e 1995
Foram detectadas várias insuficiências, nomeadamente, falta da discriminação ao nível da facturação, dos materiais efectivamente fornecidos.
a) Controlo interno
O contribuinte não possui qualquer sistema de controlo interno, formalmente instituído, que nos fosse dado observar.
2.1.1 — Tesouraria
a) CAIXA
Todo o movimento é efectuado através desta conta, inclusivamente, todos os pagamentos por cheque. Os saldos evidenciados na contabilidade, constam do anexo n° 1.
Ao longo dos exercícios fiscalizados, há depósitos cuja contabilização ocorreu em datas muito posteriores à do carimbo do banco. Se estes depósitos fossem contabilizados nas datas correctas, os saldos de caixa, não comportariam tais montantes, ficando com valores negativos, nos meses respectivos, conforme se pode verificar através do anexo n° 2.
Este procedimento, evidencia que aos saldos contabilísticos do caixa, não correspondem à realidade.
b) Depósitos à Ordem
Os pagamentos, nomeadamente a fornecedores, são efectuados através desta conta.
Como se referiu no ponto anterior, há depósitos, contabilizados em datas muito posteriores, à real, inclusivamente em anos diferentes (...)
Com este procedimento, torna-se difícil e moroso fazer qualquer conferência dos fluxos financeiros.
c) Empréstimos
Os valores evidenciados no balanço, em 1995, referem-se essencialmente a saldos credores de D/O.
d) Suprimentos
Os valores contabilizados têm por base documentos internos (anexo n° 7), não referindo os meios monetários utilizados, bem como a data exacta em que foram efectuados.
Não foi liquidado nem entregue o respectivo imposto do selo conforme art° 54° e 92° da Tabela Geral do Imposto do Selo.
(…)
2.1.3 — Existências
Foram solicitados e apresentados os inventários, cujos valores coincidem com os contabilizados.
No que respeita a produtos e trabalhos em curso, nas obras de carácter plurianual, o contribuinte não cumpre com o estipulado no art° 19° do CIRC, pelo que se desconhece como foram encontrados os valores contabilizados como existências finais de produtos e trabalhos em curso, com tal procedimento, não se consegue verificar se aqueles valores estão correctos.
2.1.4 — Vendas e créditos de exploração
(...)
As vendas contabilizadas e declaradas, encontram-se tituladas por facturas ou vendas a dinheiro, timbradas e numeradas tipograficamente
No dia 27 de Maio p. p., encontravam-se, nas instalações do contribuinte, treze livros, sem qualquer numeração nem timbre, contendo cada um deles entre 95 a 100 folhas, cujas capas foram de imediato rubricadas e numeradas, tendo sido fotocopiadas as referidas capas, que se anexam com o n° 8 folha 1/4 livros 1, 2, 3 e 4, folha 2/4 livros 5, 6, 7 e 8, folha 3/ livros 9, 10, 11 e 12 e folha 4/4 livro n° 13.
Dado tratar-se de um n° bastante elevado de folhas a analisar, foi efectuado recibo nós termos do art° 108° do CIRC e dado conhecimento ao contribuinte, na pessoa do seu sócio-gerente senhor A., que se recusou assinar, tendo-se oposto, fisicamente, à saída de tais documentos das suas instalações, alegando que se referiam a anos que não constavam na Ordem de Serviço apresentada.
Tentámos por todos os meios recolher o maior número de elementos, nomeadamente fotocópias dos referidos talões, tendo o contribuinte, desligado o fotocopiado, não autorizando a sua utilização, a partir de dada altura.
Estes livros, conforme se concluiu através da análise de algumas folhas, retiradas ao acaso, que conseguimos fotocopiar e que se anexam (anexo n° 9), destinavam-se a registar o valor total do serviço prestado. Das folhas que foram analisadas, conseguimos verificar, que o seu valor é superior ao da correspondente factura emitida. O valor da diferença encontrada, será explanada em ponto próprio. No dia seguinte, quando regressámos, com a ordem de serviço 19.304, para os exercícios de 1993 e 1995, o sócio gerente não se encontrava presente. Verbalmente, foram solicitados à empregada de escritório, os livros que no dia anterior tinham sido por nós rubricados, tendo alegado desconhecer onde se encontravam, pois os mesmos estavam à guarda do senhor A.. Por tal motivo, procedeu-se à notificação da sociedade, para apresentação dos referidos livros, com dia e hora marcados, na pessoa da senhora M., na qualidade de empregada de escritório, que se recusou a assinar a referida notificação, alegando "não estar autorizada a assinar qualquer documento".
(...)
Expirado o prazo indicado na aludida notificação, os livros não nos foram apresentados, tendo o contribuinte declarado que "os mesmos tinham sido destruídos: Pois para além de conterem nota de acontecimentos diários relacionados com a empresa, continham também, anotações de foro pessoal e íntimo, do sócio gerente A., que poderiam pâr em causa a idoneidade moral do próprio"( ...).
Das folhas que conseguimos fotocopiar no curto espaço de tempo, em virtude do que já se referiu, foi solicitado ao contribuinte a identificação das facturas correspondentes. Desta comparação verificou-se que para além de existirem diferenças significativas entre o valor da factura indicada e o documento fotocopiado, o material fornecido, em alguns casos, também não confere, conforme anexo n° 12.
Há a salientar que as facturas n° 1404, passada em nome de A. no total de 300.000$00 e 1406 cujo cliente é M., no Montante de 105.000$00, nada tem a ver com o "talão" emitido em nome de J..
O contribuinte alegou ter efectuado o apontamento em nome do "trolha" que fez a encomenda e ter emitido as facturas em nome do cliente final. No entanto o material referido não é coincidente.
Como se pode verificar através das datas inscritas nas capas dos mencionados "livros de expediente", verifica-se que este procedimento, tem carácter de habitualidade, pelo, que se presume extensivo ao período em análise.
A omissão verificada ascende a uma percentagem não inferior de 24,16% dos valores facturados.
V — CORRECÇÃO COM RECURSO A MÉTODOS INDICIÁRIOS
1 — Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso à aplicação de métodos judiciários. (Art.s 51°, do CIRC elou 84°, do CIVA).
As situações e factos que fundamentam o recurso à aplicação de métodos judiciários e presunções encontram-se descritos ao longo deste relatório, pelo que neste ponto, serão referidos de forma mais sucinta.
a) Motivos que implicaram o recurso à aplicação de métodos indiciários
As situações e irregularidades detectadas, constituem indícios fundamentados de que a contabilidade, não reflecte correctamente, as operações efectuadas, e os resultados efectivamente obtidos, factos previstos na alínea d) n° 1 do art° 51° do IRC.
b) Factos que fundamentam o recurso à aplicação de métodos Judiciários
* - Omissão de contabilização de operações e valores relativos à actividade nomeadamente vendas de produtos;
* - A contabilidade não fornece informações suficientes e credíveis, acerca da movimentação de meios monetários;
* - Inexistência de fichas de imputação dos custos às obras de carácter plurianual, conforme dispõe o art° 19° do CIRC.
* - Falta de controlo interno
* - Saldos irreais da caixa e depósitos à ordem
* - Livros sem qualquer timbre nem numeração, utilizados pelo contribuinte, que posteriormente ao início da visita foram destruídos
2 — Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a Métodos Indiciários. (Art° 52°, do CIRC)
Critérios
Para efeitos de cálculo das correcções a efectuar, iremos considerar, omissão de venda de produtos de 24,16% dos valores declarados (...)." - vide documento cuja junção de ordenou no despacho que antecede esta sentença.
3. A impugnante apresentou reclamação nos termos do artigo 84° do CPT no dia 14.11.1997 - cfr. documento de fls. 61 e sgs. dos autos.
4. Na sequência de pedido de revisão da matéria colectável apresentado pela Impugnante, reuniu-se a Comissão de Revisão,, na qual foi lavrada a acta n° 45, tendo sido proferida decisão pelo Presidente da Comissão no mesmo dia. - vide documentos de fls. 42 e 43 dos autos.
5. Foi apresentado no dia 26.04.2006 o relatório pericial do qual consta, de entre o demais, o seguinte:
" (...) Resposta ao Quesito n° 10
Face à enorme quantidade de documentos para analisar e por uma questão de economia processual, os peritos, por comum acordo, optaram por seleccionar aleatoriamente dois meses, para cada um dos exercícios económicos objecto de perícia.
Para o exercício económico de 1994, foram seleccionados os meses de Março de Dezembro.
Procedimentos realizados:
- Levantamento de todos os recibos e vendas a dinheiro emitidos e contabilizados nos meses seleccionados, com base no extracto da conta corrente do Caixa;
- Levantamento de todos os depósitos efectuados, os quais também se encontram contabilizados na conta Caixa;
Análise dos elementos recolhidos:
Ao analisar-se os recibos emitidos pela impugnante, verifica-se que não é realizada qualquer referência ao número do cheque ou à forma de pagamento utilizada.
Assim, o único elemento que os peritos dispõem para estabelecer a correlação entre os recebimentos e os depósitos é o valor.
Com base nos elementos e tomando por base o critério' do valor, foi possível estabelecer as seguintes. correlações: (...) No mês de Março de 1993 "só foi possível estabelecer 15 correlações". No mês de Dezembro do ano de 1994 "só foi possível estabelecer 12 correlações".
Resposta ao Quesito n° 11.
Com base nos elementos constantes da escrita é possível efectuar reconstruir o arquivo dos documentos por ordem cronológica, de forma directa e objectiva e consequentemente, efectuar os testes que se entenderem por convenientes, tal como fez a própria administração tributária a folhas 70 a 73 do relatório de inspecção. A conferência das vendas a dinheiro e dos recibos com os depósitos não é possível pelos motivos expostos na resposta ao quesito anterior". - cfr. documento de fls. 262 e sás. dos autos.
b) Factos não provados:
1. Relativamente ao Sr. V., nossa factura n.° 1 567, de 96.01.25., o total de serviço executado pela empresa foi real, de 80 000$00 (com IVA incluído).
2. Só foi efectuada pela impugnante, parte da "obra" inicialmente solicitada e que a restante parte não foi executada pela impugnante, logo não a podia facturar.
3. Relativamente ao Sr. L., nossas facturas n.° 1405 e 1729, o total do serviço executado, foi de 650 000$00, com IVA incluído.
4. Era um cliente com vários trabalhos, tendo-lhe sido facturada a 1ª parte dos trabalhos em 10.03.95., 350 000$00, e a 2.ª parte em 16.11.96.
5. Relativamente ao Sr. E., nossas facturas n.° 1470 e 1497, o total do serviço executado totalizou 650 000$00, com IVA incluído.
6. A impugnante recorda-se de ter adjudicado a obra por um valor superior, ao facturado, mas dos trabalhos estimados não chegou a realizara retirada dos, gradeamentos velhos e a preparação da estrutura da cobertura.
7. Relativamente ao Sr. J., era um trolha, que nos encomendava serviços, para facturarmos em nome do proprietário das obras.
8. As facturas n.° 1404, de 300 000$00 e 1406, de 105 000$00, tudo com IVA incluído, foram os trabalhos por nós executados, a pedido do Sr. J., com facturação e recibo respectivo.
lnexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados e não provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.

c) Motivação:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados, resultou do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório, da posição assumida pelas partes e também do relatório pericial.
Os factos não provados resultaram de ausência de prova no sentido preconizado, não tendo a Impugnante logrado comprovar o indicado. (…)”

3.2. A questão que importa resolver de imediato é a de saber se há erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que devia ter sido dada oportunidade à Recorrente para inquirir as testemunhas por si arroladas violando assim o art.° 392. ° do Código Civil e art.° 118° do CPPT.
E que Autoridade Tributária não efetuou qualquer prova ou demonstração sobre a genuinidade das fotocópias e consequentemente, não tendo cumprido o respetivo dever de prova, o douto tribunal não podia concluir no sentido em que efetuou, violando assim, o art.° 115.° do CPPT.
Vejamos:
Compulsados os autos verifica-se que, em 27.10.2010, foi proferido despacho no qual o MM juiz, entendeu que as questões a decidir eram essencialmente de direito e a decisão a proferir passava pela análise dos documentos, juntos aos autos.
E que havendo documentos bastantes para a produção da prova, não se vislumbrava a necessidade de inquirir testemunhas. A Recorrente foi notificada para esclarecer se mantinha interesse na produção de prova testemunhal e na afirmativa indicar os factos (sem suporte documental) sobre os quais haviam de versar os depoimentos requeridos, por referência ao articulado.
Por requerimento, que deu entrada em 11.11.2010, veio a Recorrente manter interesse na produção da prova testemunhal e indicar os nomes das testemunhas e articulados da petição inicial.
Analisados os autos verifica-se que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a pertinência da referida inquirição e elaborou a sentença, aqui recorrida.
Importa analisar se os factos articulados pelo Recorrente, dependiam de prova testemunhal.
Pela Impugnante/Recorrente foram indicados os pontos números 12, 15, 16, 17, 18, 30, 31, 32, 33, 34, 37, 38, 40, 41, 42,45, 46, 50, 52, 60, 63, 64, 65, 68, 70, 71, 72, 74, 75, 76, 77, 83 a 87, 91 e 93 e 105 da petição inicial, para inquirição de testemunhas.
Analisados os referidos pontos concluímos que a maior parte deles são ilações retiradas dos documentos ou tem conteúdo técnico-jurídico, como tal insuscetíveis de prova testemunhal, outros são irrelevantes para a decisão da causa, e outros factos notórios que não carecem de prova.
Dos pontos articulados, somente os n.ºs 70.º a 72.º poderiam ser alvo de prova testemunhal, no entanto, por nos presentes autos estar em questão IVA do ano de 1994 mostram-se irrelevantes, pois reportam-se as faturas do ano de 1996.
A fatura nº 1567 emitida em 25.01.1996 a V., e às faturas nº 1405 e nº 1729 de 10.03.1995 e de 16.11.1996, respetivamente, emitidas a L., faturas que não constam dos autos, mas que se reportam a situações/aquisições de serviços prestados em 1995 e 1996, logo, faturas que nada têm que ver com o exercício a que se reporta os presentes autos (1994).
Pese embora tal factualidade tenha sido dada como não provada, o certo é que, por um lado, mesmo que fosse dada como provada nada adiantaria para a decisão que importava proferir nestes autos, a qual se reporta ao exercício de 1994. Por outro lado, a Recorrente não questiona a quantificação por métodos indiretos, mas apenas o erro sobre os pressupostos de aplicação desses métodos, motivo pelo qual se conclui que esclarecer os quantitativos que constam daquelas faturas de nada interessava à decisão dos presentes autos.
Pese embora, o tribunal a quo tenha feito constar na sentença recorrida que tais factos não estavam provados, nos exatos moldes que constam da factualidade, porém na decisão proferida não foi considerado não tendo influenciado a mesma.
Quanto à questão da prova ou demonstração da genuinidade das fotocópias por parte da Administração Fiscal, a Recorrente nas motivações das alegações, refere que tinha colocado em crise a sua autenticidade nos pontos n.ºs 5 e 6 da petição inicial, no entanto, confrontados aqueles artigos da petição inicial não é isso que deles resulta, pois, nenhuma impugnação de genuinidade é ali formulada.
Destarte, não se verifica o vicio de violação de lei, nomeadamente dos artigos 392° do Código Civil e 115.º e 118.° do CPPT, pelo que improcede a pretensão da Recorrente.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A primeira questão que importa resolver é de saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por não ter explicado os motivos indicados pela Administração Tributária eram ou não causa, per si, ou conjuntamente, para a conclusão e se no final impossibilitava ou não o recurso aos métodos diretos, o que no seu entender, constitui erro de julgamento por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito da decisão, o que conduz à nulidade da sentença (art.º 125º do CPPT) (conclusão 3.ª do recurso).
Vejamos:
Se bem entendemos as alegações de recurso, a Recorrente nas conclusões invoca a nulidade da sentença, sendo este um vício que precede os demais importa conhecer
de imediato.
Nos termos do n.º 1 do art.º 125º do CPPT, [correspondente ao art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Por força do n.º 2 do art.º 123.º CPPT o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Determinava o n.º 2 do art.º 653.º do CPC, relativamente à matéria de facto, que a decisão proferida declarará quais os fundamento de facto que o tribunal julgue provados e quais os que julgue não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
O art.º 655.º do CPC determinava que tribunal aprecia livremente as provas decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
Assim, a fundamentação da matéria de facto, deve consistir na indicação dos factos provados e não provados, elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do julgador e a sua apreciação crítica, de maneira a ser possível conhecer as razões porque se decidiu num sentido e não noutro.
No que se refere à falta de fundamentação de facto da sentença, tem-se entendido a nulidade abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC.
No que concerne exame crítico da prova, o juiz deve revelar, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma e caso haja elementos probatórios divergentes, explicar as razões porque se valorizou um em detrimento do outro.
Se a sentença não contiver análise crítica da prova documental e testemunhal e outras provas produzidas no processo e que foram relevantes para a decisão incorre em nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 125.º n.º 1 do CPPT alínea b) do art.º 668.º do CPC (atual 615.º).
No que concerne à fundamentação de direito deve indicar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Baixando ao caso dos autos, a sentença recorrida fixou factos provados que se deixaram transcritos e factos não provado tendo procedido análise critica dos mesmos bem como indicou as normas legais em que a mesma se fundamentava.
E também não ocorreu a falta de especificação dos fundamentos de direito uma vez que, como supra se disse, a sentença recorrida convocou os diplomas legais ao tempo em vigor e que regulavam esta matéria, como sejam o Código do IVA em vigor à data e o Código de Processo Tributário (CPT) tendo analisado cuidadosamente o enquadramento legal e mesmo jurisprudencial.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não está ferida de nulidade, pelo que improcede o recurso nesta parte.

4.2. Se bem entendemos as alegações de recurso, a Recorrente nas conclusões invoca, também, o erro nos pressupostos de facto na aplicação de métodos indiretos e falta de fundamentação do recurso aos mesmos.
Vejamos.
Está em causa nos presentes autos, a liquidação de IVA e juros compensatórios do ano de 1994, apurado com recurso a métodos indiretos após a realização de uma ação inspetiva.
A Recorrente, inconformada com a sentença prolatada, considera que o tribunal a quo não podia ter concluído no sentido em que o fez, pois não explicita se os motivos indicados pela Administração Fiscal eram ou não causa, de per si, ou conjuntamente, para a conclusão e se no final impossibilitava ou não o recurso aos métodos diretos.
Ao que acresce, segundo indica, que a prova pericial é no sentido de reconstituição de forma direta e por montante exato dos rendimentos (cfr. resposta ao quesito 10), pelo que existe erro de julgamento, pois a escrita comercial e fiscal deve manter a presunção de verdade (cfr. art. 75º do CPPT).
A questão fundamental a decidir nos presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar verificados os pressupostos de facto na aplicação dos métodos indiciários e devidamente fundamentados.
No presente recurso está em causa correções à matéria tributável em sede de IVA do exercício de 1994, por recurso a “métodos indiciários” no valor de € 13 982,79.
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada a liquidação impugnada resultou de uma ação de inspeção à contabilidade da Impugnante/Recorrente, no âmbito da qual apuraram um acréscimo ao lucro tributável do exercício de 1994, com recurso a “métodos indiciários”, tendo a correção por fundamento o art.º 51.º, n.º 1, alínea d) do CIRC e 84.º do CIVA, ao tempo em vigor.
Tendo em conta a data a que se reporta o imposto (1994) convoca-se para o efeito os diplomas legais ao tempo em vigor e que regulavam esta matéria, como sejam o Código do IVA em vigor à data e o Código de Processo Tributário (CPT).
Dispunha o art.º 78.º do Código de Processo Tributário (CPT) que “Quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramento decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte.
Por seu turno o art.º. 81.º do CPT previa que “A decisão de tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação”.
O art.º 82.º do CPT ao tempo aplicável, dispunha que: “A fundamentação dos atos tributários conterá, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.
Resulta destes normativos legais que a contabilidade ou escrita do sujeito passivo deixa de se presumir como verdadeira, quando existam erros, inexactidões ou outros índicios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
Da conjugação dos artigos 71.º, 81.º e 82.º do Código de Processo Tributário, compete à Administração Fiscal explicitar os motivos que a impedem de comprovar de forma directa e exacta a matéria tributável do sujeito passivo, na decisão de aplicação dos métodos indiciários, indicando quais os critérios que utilizou na determinação daquela matéria.
Após recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
No caso sub judice, e tal como resulta da factualidade apurada (cfr. ponto 2 do probatório), a Administração Fiscal em sede inspectiva analisou a contabilidade da Recorrente, verificando as Operações Registadas e Declaradas dos exercicio de 1993, 1994 e 1995; a Tesouraria (nomedamente a conta Caixa; Depósitos à Ordem; empréstimos e Suprimentos) detectando as irregularidades que ali são apontadas.
Tal situação levou a que a Administração Fiscal procedesse a correcções com recurso a métodos indiciários, tendo ainda explicitado os motivos pelos quais entendeu não ser possível comprovar de forma direta e exata a matéria tributável da Recorrente, sustentando-se no art.º 84.º do CIVA.
Analisado o facto 2 do matéria provada e não impugnada consta que ao longo do relatório a descrição de cada uma das irregularidades e em síntese os seguintes: Factos que fundamentam o recurso à aplicação de métodos indiciários
* - Omissão de contabilização de operações e valores relativos à actividade nomeadamente vendas de produtos;
* - A contabilidade não fornece informações suficientes e credíveis, acerca da movimentação de meios monetários;
* - Inexistência de fichas de imputação dos custos às obras de carácter plurianual, conforme dispõe o art° 19° do CIRC.
* - Falta de controlo interno
* - Saldos irreais da caixa e depósitos à ordem
* - Livros sem qualquer timbre nem numeração, utilizados pelo contribuinte, que posteriormente ao início da visita foram destruídos. (…).
Perante estes indícios recolhidos pela a Administração e desenvolvidos no relatório inspectivo, o juíz do tribunal a quo sustentando-se na lei e em jurisprudência do STA, considerou justificado o recurso aos métodos indirectos, dizendo para tanto que “ (…) Tendo em conta os normativos supra citados, verificamos que o relatório do exame à escrita no caso sub judice, está devidamente fundamentado, no que tange à especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e do recurso aos métodos indiciários, indicando quais os critérios utilizados na determinação daquela matéria, não existindo qualquer erro nos pressupostos da sua aplicação, nem nos fundamentos dos critérios utilizados para determinar o lucro tributável.
Dito por outras palavras, o relatório de exame à escrita (facto provado 2) dá conta das irregularidades detectadas (que impediam a possibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável), indicando igualmente os critérios usados na sua determinação(…)” (negrito e sublinhado nosso).
Alega ainda a Recorrente na conclusão 11.ª que a prova pericial é no sentido da reconstituição de forma direta e por montantes exatos dos rendimentos, na resposta ao quesito n.º 10.
Analisado o facto provado n.º 5, dele consta a resposta aos quesitos 10.º e 11.º, cujas as questões eram as de saber “se a escrita comercial da impugnante comporta os elementos necessários para se poder efectuar a conferência dos recibos e das vendas a dinheiro com os montantes depositados. “ e “ se o facto de algum documentos não estarem arquivados, por ordem cronológica é motivo suficiente para impossibilitar a conferência” (quesito 11).
Na resposta dada pelos peritos, dela resulta que para a conferência das vendas e dos recibos com os depósitos não é possivel reconstituir o arquivo uma vez, que único elemento para estabelecer a correlação era o valor.
Com base nos elementos e tomando por base o critério “do valor”, foi possível estabelecer no ano de 1994, 15 correlações.
Por sua vez, na resposta ao Quesito n° 11. referem os peritos que. “Com base nos elementos constantes da escrita é possível efectuar reconstruir o arquivo dos documentos por ordem cronológica, de forma directa e objectiva e consequentemente, efectuar os testes que se entenderem por convenientes, tal como fez a própria administração tributária a folhas 70 a 73 do relatório de inspecção. A conferência das vendas a dinheiro e dos recibos com os depósitos não é possível pelos motivos expostos na resposta ao quesito anterior".
Da leitura do facto 5 da materia de facto não resulta que a materia tributárel pudesse ser corrigida pelo recurso avaliação direta para além das demais irregularidades verificadas que obtava ao apuramento da matéria tributável.
Tendo a Administração Fiscal descrito no relatório, detalhadamente cada uma das irregularidades teremos de concluir que no relatório de exame à escrita estão convenientemente demonstrados os pressupostos de facto e devidamente fundamentados no que concerne à especificação dos motivos da impossibilidade e do recurso a metódos indiciários, não verificando qualquer erro nos pressupostos da sua aplicação bem como se encontra devidamnete fundamentado.
Nesta conformidade a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
II. Da conjugação dos artigos 71.º, 81.º e 82.º do Código de Processo Tributário, compete à Administração Fiscal explicitar os motivos que a impedem de comprovar de forma directa e exacta a matéria tributável do sujeito passivo, na decisão de aplicação dos métodos indiciários, indicando quais os critérios que utilizou na determinação daquela matéria.
Após recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 02 de julho de 2020

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes

Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: