Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00714/19.1BECBR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ESTADO PORTUGUÊS; CITAÇÃO;
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO; NULIDADE;
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL;
Sumário:I - É inconstitucional o disposto nos artigos 11º, n.º 1, in fine, e 25°, n.° 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação conferida pela Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, quando interpretados no sentido de que nas ações instauradas contra o Estado português nos Tribunais Administrativos o Ministério Público não é citado, ficando a sua intervenção processual dependente da solicitação pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado, a quem compete coordenar essa intervenção, por violação do disposto no artigo 219.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

* *
I – RELATÓRIO
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 28 de setembro de 2020, promanado no âmbito da Ação Administrativa [registada sob o nº. 714/19.1BECBR] intentada por «AA» e «BB», com os sinais dos autos, contra, de entre outro, o ESTADO PORTUGUÊS, que, em 28.09.2020, indeferiu o (i) pedido formulado pelo Recorrente de “(…) interpretação restritiva do artigo 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição (…)”; (ii) o pedido subsidiário de “(…) recusa de aplicação normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material (…)”; e (iii) ainda o pedido de “(…) declaração de nulidade por falta de citação do Ministério Público (…)”.
2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

Nos presentes autos, vieram os AA. intentar a presente ação administrativa contra a Autoridade Nacional de Proteção Civil e contra o Estado Português, peticionando, a final, a condenação dos RR. a pagar-lhes um montante global não inferior a € 300.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento, com todas as legais consequências.

Foram remetidos ofícios de citação, datados de 10/02/2020 e de 18/02/2020, nos termos e para os efeitos dos art.ºs. 81.° e 82.° do CPTA, para o Centro de Competências Jurídicas do Estado e para a Autoridade Nacional de Proteção Civil, respetivamente (cfr. docs. de fls. 330 e 361 do suporte eletrónico do processo).
Em 10/02/2020 foi igualmente entregue cópia da petição inicial ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art.° 85.°, n.° 1, do CPTA.

O Ministério Público veio à ação pedir que fosse seguida a interpretação restritiva do art. 25°, n° 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, não se aplicando, assim, à citação do Réu Estado Português, que deve ser citado através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da Constituição e da lei;

E, embora sem conceder, caso assim não fosse entendido, fosse recusada a aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.° 1 do art. 11.° e do n.° 4 do art. 25°, do CPTA, na redação da Lei n.° 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.° 1 do art. 219.° da Constituição e do n.° 2 desta mesma disposição.

E, em qualquer dos casos, que fosse declarada a nulidade por falta de citação do Ministério Público, que deve intervir no processo como parte principal, em representação do Réu Estado Português [art.ºs 187.°, alínea b), e 188.°, n.° 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis, e art.ºs 219.°, n.° 1, da CRP, 51.° do ETAF e 4.°, n.° 1, alínea b), e 9.°, n.° 1, alínea a), do atual EMP], anulando-se o processado posterior à petição e determinando-se a citação do Réu Estado Português através do Ministério Público, enquanto seu representante judiciário, nos termos da CRP e da Lei.

O objeto do presente recurso visa insurgir-se com a decisão proferida pela Mma Juiz “a quo” que indeferiu todos os pedidos conforme despacho judicial que aqui reproduzimos para todos os efeitos legais.

Assim, o disposto no art.187°, n°1, b) do CPC, prevê a anulação do processado posterior à petição, salvando-se apenas esta quando não tenha sido citado, logo no início do processo, o Ministério Público, nos caso em que deva intervir como parte principal.

Assim e, quando o Ministério Público em representação do Estado intervêm aqui como parte principal, (o que é o caso em análise) há que concluir que não foi seguida tal norma legal, que foi violada.
Tal como se deve concluir que o ato de citação foi completamente omitido, pois que o Ministério Público, representante do Estado Português, não foi efetivamente citado, ao arrepio do a) do n°1 do art.188° do CPC, já que apenas lhe foi entregue uma cópia da petição inicial.

Razão pela qual e, conforme pugnamos houve violação de tais normas legais subsidiariamente aplicáveis e, ao disposto nos arts. 219°, 1 da CRP, 51° do ETAF, e finalmente do art.4°,1 b) e 9°,1 a) do EMP, devendo ter sido anulado o processado posterior à petição inicial nos termos da Constituição da República Portuguesa, e da Lei ordinária, pedindo-se a revogação de tal despacho, nesta parte, e a sua substituição que vá de encontro à Lei Fundamental e à Lei ordinária.
10ª
No que diz respeito à inconstitucionalidade material das normas do art. 11°, 1 a final, e do n° 4 do art.25° do CPTA, (sublinhado nosso) na redação dada pela Lei n° 118/2019, por violação do n° 1 (primeira proposição) e n° 2 do art.219° da Constituição da República Portuguesa foi decidido no despacho judicial recorrido pela não ocorrência de tal inconstitucionalidade.
11ª
Considera-se no despacho recorrido que não há qualquer inconstitucionalidade no teor do art. 11°, 1 do CPTA, dado pela nova redação da Lei acima mencionada, - posição que não acolhemos, - pois que nela vem acrescentado que as entidades públicas podem fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria de apoio jurídico, “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”.
12ª
O que quanto a nós, vai contra o estabelecido na primeira proposição do n° 1 do art. 219° da CRP, pois que o Ministério Público foi e é sempre visto e, em primeira linha, e, não esquecendo que a sua função essencial nos tribunais Administrativos é como legítimo representante do Estado Português, não podendo ser considerado, como se quer fazer crer e estabelecer ao arrepio da Lei Fundamental, uma mera possibilidade, entre outras, na representação do Estado.
13ª
Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de “autonomia” (Constituição, art. 219.°/2), com a sua atuação sempre vinculada a “critérios de legalidade e objetividade” (EMP, art. 3.°/2) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial.
Por isso, a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material.
14ª
Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do n.° 1 do art. 11.° do CPTA, na redação conferida pelo art. 6.° da Lei n.° 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade:
A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo “possibilidade”, mas desse modo transforma a regra da "“representação do Estado pelo Ministério Público” em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como, o que pode não ser vez alguma.
15ª
Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do n.° 1 do art.°
11.°: “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”) com a acolhida no CPC (n.° 1 do art. 24.°: “O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio..”), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta.
16ª
A nova redação conferida à parte final do n.° 1 do art. 11.° CPTA torna puramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, em oposição ao exarado na grande revisão do CPTA de 2015, operada pelo D.L. n.° 214-G/2015, onde o respetivo projeto previa a introdução, no art. 11.°, sobre “patrocínio judiciário e representação processual”, de uma redação que, à semelhança do CPC, acentuava a representação-regra do Estado pelo Ministério Público:
“3 - Nas ações propostas contra o Estado em que o pedido principal tenha por objeto relações contratuais ou de responsabilidade, o Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo da possibilidade de patrocínio por mandatário judicial próprio nos termos do número anterior, cessando a intervenção , principal do Ministério Público logo que aquele esteja constituído'’”.
17ª
Por isso, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do n.° 1 do art. 219.° da Constituição, mesmo que se admita que o citado preceito constitucional não confere ao Ministério Público um monopólio ou exclusivo de representação do Estado em juízo, como se considerou no Parecer n.° 8/82 da Comissão Constitucional.
18ª
Devendo a representação do Estado pelo Ministério Público constituir sempre a regra e não a exceção ou uma mera possibilidade.
19ª
A desarmonia dessa norma com a Lei Fundamental torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do n.° 4 do art. 25.°, também aditado pela referida Lei n.° 118/2019.
“Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”.
20ª
No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é ““unicamente” citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação (sublinhado nosso) e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal).
21ª
Pois que, nos termos do art. 2.°/1 do D.L. n.° 149/2017, que aprova a respetiva orgânica, o Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP), “tem por missão prestar consultoria, assessoria e aconselhamento jurídicos, bem como informação jurídica em matéria de contratação pública, procedimentos contraordenacionais e procedimentos disciplinares, aos membros do Governo, ficando, igualmente, responsável por assegurar a representação em juízo do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro e de qualquer outro membro do Governo organicamente integrado na Presidência do Conselho de Ministros ou que beneficie dos respetivos serviços partilhados”.
22ª
Nenhuma norma lhe confere poderes representativos do Estado em juízo (sublinhado nosso).
Esse poder-dever é atribuído ao Ministério Público - desde logo por força da norma constitucional que se tem invocado como parâmetro ofendido pelas normas cuja conformidade com a Constituição se questiona.
23ª
Assim não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do n.° 1 do art. 219.° da Constituição.
24ª
Dito de outra forma, o mecanismo implementado pelo n.° 4 do art. 25.°, conjugado com a parte final do n.° 1 do art. 11.° CPTA, ambos na redação da Lei n.° 118/2019, conduz em linha reta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo.
25ª
Acresce que a norma do n.° 4 do art. 25.° CPTA, na redação da Lei n.° 118/2019, vem atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a competência para coordenar “os termos da (...) intervenção em juízo” dos “serviços” a quem aquele entenda “transmitir” a citação.
26ª
Apesar da sua falta de clareza e desarmonia com a arquitetura do sistema processual, resultará desse preceito que o dito Centro pode, se e quando lhe aprouver, confiar a representação judiciário do Estado ao Ministério Público - tratado como mero “serviço” administrativo - e coordenar “os termos da respetiva intervenção em juízo”.
27ª
A norma ínsita na parte final do novo n.° 4 do art. 25.° CPTA confere à JurisApp competência para coordenar os próprios “termos” da intervenção do Ministério Público quanto a aspetos relativos à técnica do processo.
Desse modo, sai gravemente ofendido o princípio da autonomia (externa) do Ministério Público, consignado no n.° 2 do art. 219.° da Constituição, degradando-se esta magistratura à condição de mera serventuária subordinada da vontade da Administração.
28ª
Nem se diga como vem registado no despacho recorrido, referindo-se ao Ministério Público que “não se vislumbra em que medida tenham sido “esvaziadas ” as suas funções de representante do Estado previstas no art. 219° da CRP. Como aliás. Sucede no caso dos autos, em que o Ministério Público veio contestar, como representante em juízo do Estado.”
29ª
Pois que nos termos das alterações acima mencionadas, a JurisApp podia ter encaminhado a ação a entidade diversa do Ministério Público na defesa e representação do Estado, o que não aconteceu no caso, mas existe essa possibilidade concreta, e já aconteceu noutros casos, o que vai claramente contra a Lei Fundamental, sendo de salientar, espante-se, que a própria JurisApp na ação n°466/19.2BEVIS que corre termos no TAF de Viseu, elaborou e apresentou em juízo a contestação do Estado Português “em sua representação em juízo”.
30ª
Tal ocorrência dá para considerar que, com tais alterações tudo poderá acontecer, até que uma entidade sem poderes de representação do Estado Português em juízo o possa vir a fazer, ao arrepio das leis ordinárias mencionadas e da nossa Lei Fundamental.
31ª
Assim se vê que a questão não se pode resumir, - conforme vem exarado no despacho -, de ser tão só uma mera “opção da organização/escolha do tipo de representação do Estado (seja Ministério Público, seja mandatário judicial Próprio), e que vá contra ao n°2 art. 219 da CRP.... (sic)... e ao princípio da autonomia do Ministério Público”.
32ª
Em suma: as normas constantes do segmento final do n.° 1 do art. 11.° e do n.° 4 do art. 25.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei n.° 118/2019, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no art. 219.° da Constituição, n.° 1, primeira proposição (“Ao Ministério Público compete representar o Estado”} e n.° 2 (“O Ministério Público goza de (...) autonomia...”}, razão pela qual a posição contrária a tal conclusão exarada no despacho deva ser afastada e, consequentemente declaradas inconstitucionais tais dispositivos legais.
33ª
Para finalizar temos a questão sobre a interpretação restritiva do n° 4 do art.25° do CPTA que nós perfilhamos e que foi afastada no despacho recorrido, já que indeferiu também tal pedido.
34ª
Consideramos que pode e, deve ser feita na medida em que, como já o dissemos, o Estado Português é representado pelo Ministério Público, e como tal quem deverá ser citado em representação do mesmo deverá ser o próprio Ministério Público, e não um organismo da Administração Pública, sem personalidade jurídica e sem quaisquer poderes representativos do Estado, e muito menos dar-lhe capacidade para “coordenar os termos da respetiva intervenção em juízo”.
35ª
Tal entidade apenas deveria ser chamado a intervir pelo Ministério Público caso este necessite dos seus serviços, de formar a colher elementos para a instrução da ação, não fazendo sentido que lhe seja dirigida a citação, ato de extrema relevância na defesa do Estado, devendo e podendo o Ministério Público precisar de colher tais elementos a outras entidades para elaborar a defesa do Estado o melhor possível e dentro do prazo estabelecido por lei que se inicia precisamente a partir da citação.
36ª
Assim, e, mais uma vez para que não haja violação da Lei Fundamental e da Ordinária, tal interpretação será a mais correta, na medida em que concentra ou cinge a aplicação do n°4 do art. 25° do CPTA tão só às situações em que relativamente à pessoa coletiva Estado, o CPTA estende a personalidade judiciária aos próprios ministérios, devendo só nesses casos, a parte final do referido n°4 da norma legal ter aplicação. (…)”.
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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Ministério da Administração Interna produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto ao indeferimento das pretensões do Recorrente.
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4. Pelo Acórdão deste TCA-N, de 22.01.2022, foi negado provimento ao recurso.
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5. Interposto recurso de revista, pelo douto Acórdão de 09.06.2021, o S.T.A. não admitiu a revista.
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6. Apresentado recurso para o Tribunal Constitucional, veio a ser, em 16.05.2023, proferido Acórdão a julgar inconstitucionais as normas insertas no Arts. 11.º, n.º1 e 25.º, n.º4 do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, de 17/09, por violação do art.º 219.º, n.º1 da CRP e, consequentemente, a determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com tal juízo de inconstitucionalidade.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
7. O aresto deste TCA-N, de 22.01.2021, assenta, sobretudo, na seguinte convicção: “(…) Tem-se, portanto, por assente que a opção do legislador infra-constitucional de fazer operar a citação da pessoa coletiva Estado, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos Tribunais Administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado, não fere o artigo 219º nº 1 da CRP, não se descortinando, assim, qualquer nulidade processual emergente da falta da citação do Ministério Público, por omissão completa do ato. Deste modo, tendo também sido esta a posição trilhada na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta fez correta subsunção do bloco legal aplicável, não sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige nos domínios da (i) “(…) interpretação restritiva do artigo 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição (…)”; (ii) da “(…) recusa de aplicação normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material (…)”;, e (iii) de “(…) declaração de nulidade por falta de citação do Ministério Público (…)”.
8. O Acórdão do T.C., porém, julgou “(…) inconstitucional o disposto nos artigos 11º,n.° 1, in fine, e 25°, n.° 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação conferida pela Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, quando interpretados no sentido de que nas ações instauradas contra o Estado português nos Tribunais Administrativos o Ministério Público não é citado, ficando a sua intervenção processual dependente da solicitação pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado, a quem compete coordenar essa intervenção, por violação do disposto no artigo 219.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (…)”.
9. Em obediência ao preceituado no nº. 2 do artigo 80º do T.C., impõe-se reformular o aresto produzido por este T.C.A-N em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade das normas insertas no Arts. 11.º, n.º1 e 25.º, n.º4 do C.P.T.A., na redação da Lei n.º 118/2019, de 17/09, por violação do art.º 219.º, n.º1 da CRP.
10. Assim, e por reporte à fundamentação espraiada no aresto do T.C., reformula-se o aresto deste TCAN-N promanado nos presentes autos, que passará a ter a seguinte formulação: ”(…) É inconstitucional o disposto nos artigos 11º. ,n.° 1, in fine, e 25°, n.° 4, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação conferida pela Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, quando interpretados no sentido de que nas ações instauradas contra o Estado português nos Tribunais Administrativos o Ministério Público não é citado, ficando a sua intervenção processual dependente da solicitação pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado, a quem compete coordenar essa intervenção, por violação do disposto no artigo 219.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (…)”, sendo, por isso, descortinável a existência de uma nulidade processual emergente da falta da citação do Ministério Público, por omissão completa do ato. Deste modo, não tendo sido esta a posição trilhada na sentença recorrida, é mandatório concluir que a mesma não fez correta subsunção do bloco legal aplicável, sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige nos domínios da (i) “(…) interpretação restritiva do artigo 25º, nº 4, do CPTA, conforme com a unidade do sistema jurídico e com o disposto no art. 219º, nº 1, da Constituição (…)”; (ii) da “(…) recusa de aplicação normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25º, do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material (…)” e (iii) de “(…) declaração de nulidade por falta de citação do Ministério Público (…)”.
11. Mercê do exposto, impõe-se conceder provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais se nada mais obstar.
12. Ao que se provirá no dispositivo.
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III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso, revogar o despacho recorrido e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais se nada mais obstar.

Sem custas.
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Porto, 19 de maio de 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia