Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00333/13.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
GERÊNCIA DE FACTO
CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
Sumário:I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
III) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
IV) Quando se analisa o despacho de reversão, não podemos deixar de notar que o ora Recorrente é apontado como gerente da sociedade devedora originária desde 30-04-2011, sendo que estando em causa uma dívida de IRC de 2002 cujo prazo para pagamento esgotou-se em Dezembro de 2004, aquilo que tem de se discutir é a própria reversão, dado que, não está em análise a integração da situação numa das duas alíneas do art. 24º nº 1 da LGT, porquanto, a situação pura e simplesmente não pode subsumir-se ao aí exposto (al. b)), já para não falar da própria referência ao ora Recorrente como gerente nesta sede, que também não encontra qualquer fundamento legal em função do enquadramento da dívida mencionada no processo de execução fiscal, até porque não existe nada que possa fazer a ligação em termos de uma eventual gerência de facto do Recorrente em momento anterior.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M....
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
M..., devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 10-07-2017, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida no âmbito da presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com o processo de execução fiscal (PEF) n.º 2518200501000276 que o Serviço de Finanças de Carregal do Sal lhe moveu por dívidas provenientes de IRC do ano de 2002 e acrescido legal, cujo montante global ascende a 66.676,61 €.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 232-238), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A) Na oposição que deu origem aos presentes autos o Recorrente alegou nos artigos 42º a 43, no seguimento do alegado no artigo 41º, que a crise, aliada às dificuldades de recebimento/falta de pagamentos de um bom número de clientes da devedora originária, asfixiou por completo a vida económica e financeira da devedora originária, impedindo-a de cumprir com todas as suas obrigações, e colocando vários postos de trabalho em causa, e respetivas famílias, que o recorrente procurou desesperadamente manter; do mesmo modo que tentou desesperadamente cumprir com as obrigações perante a Autoridade Tributária.”
B) Sucede que, da análise da sentença recorrida não resulta, nem dos factos provados nem dos factos não provados qualquer referência ao alegado nos supra referidos artigos.
C) Ora, considerando que os mesmos não versam sobre matéria conclusiva, antes contendo factos sobre os quais todas as testemunhas arroladas pelo ora Recorrente foram inquiridas – cfr. melhor resulta da ata de inquirição,
D) Sempre se imporia que a sentença recorrida se pronunciasse quanto aos mesmos, o que, como já se disse não sucedeu,
E) Razão pela qual, está a sentença recorrida, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615º n.º 1 al. d) do C.P.C., ferida de nulidade por omissão de pronúncia.
F) O que requer seja reconhecido e determinado, com as legais consequências.
Sem prescindir,
G) Os factos vertidos nos artigos 38º a 41º e 44º e 45º da petição inicial mostram-se incorretamente julgados (que se especificam nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640º n.º 1 alínea a))
H) Efetivamente na fundamentação da decisão recorrida, a Meritíssima Juiz a quo, consignando que os artigos 38º a 41º e 44º da petição inicial, poderiam ter relevo para a decisão da causa, deu os mesmos como não provados, por entender que os depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente se revelaram insuficientes para a prova dos mesmos.
I) Sucede que, salvo o devido respeito, entende o Recorrente que, o teor daqueles depoimentos e a forma descomprometida e escorreita como os mesmos foram prestados, sempre se imporiam decisão diversa da proferida, no sentido de todos os factos contidos nos citados artigos da petição inicial serem dados como provados – o que, desde já, se indica em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al.) c) do C.P.C.
J) À factualidade contida em tais artigos foram inquiridas todas as testemunhas, nomeadamente:
- a testemunha C…, engenheira civil que trabalhou ao serviço da devedora originária entre 2006 e 2011, cujo depoimento de encontra gravado no sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de inquirição de testemunhas – disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo entre os minutos 00:00:00 e 00:24:49;
- a testemunha Carla…, contabilista que trabalhou ao serviço da devedora originária entre 2006 e março de 2012, cujo depoimento de encontra gravado no sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de inquirição de testemunhas – disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo entre os minutos 00:24:50 e 00:47:36;
- a testemunha L…, gerente da devedora originária no período compreendido entre 1996 e 2010, data a partir da qual passou a ser mera funcionária na área financeira e administrativa, cujo depoimento de encontra gravado no sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de inquirição de testemunhas – disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo entre os minutos 00:47:40 e 01:22:50.
K) Sendo que todas elas foram perentórias em afirmar que, na época a que se reporta a gerência do oponente – posterior a abril de 2011, cfr. despacho de reversão – e nos dois anos que lhe antecederam, a devedora originária viu a sua atividade muito afetada pela crise que se instalou no país,
L) Dificuldades essas traduzidas na diminuição das obras e nos atrasos nos pagamentos das mesmas por parte dos seus clientes, os quais eram na sua grande maioria Câmaras Municipais; o que tudo terá impossibilitado o cumprimento das obrigações da devedora originária, colocando em causa os postos de trabalho dos seus trabalhadores,
M) E o que o oponente tentou combater, nomeadamente negociando com a sociedade Cid... e transferência desses mesmos trabalhadores,
N) Sendo certo que, todas foram claras em afirmar que nunca o oponente e quem o acompanhava baixaram os braços e sempre fizeram o seu melhor para manter a actividade da empresa.
O) Neste sentido, atente-se no depoimento da testemunha C…, nomeadamente nas passagens que se indicam, em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al. b) do C.P.C.: entre os minutos 00:06:00 e 00:06:18; entre os minutos 00:12.20 e 00:13:45; entre os minutos 00:20:21 e 00:20:51, e entre os minutos 00:23:50 e 00:24.30.
P) No mesmo sentido, veja-se o depoimento da testemunha Carla…, nomeadamente nas passagens que se indicam, em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al. b) do C.P.C.: entre os minutos 00:23:50 e 00:29:47; entre os minutos 00:34:50 e 00:35.37.
Q) Ainda no mesmo sentido, atente-se no depoimento da testemunha L…, nomeadamente nas passagens que se indicam, em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al. b) do C.P.C.: entre os minutos 00:56:20 e 00:59:07; entre os minutos 01:00:00 e 01:02.30; entre os minutos 01:03:00 e 01:05:50; entre os minutos 01:07:00 e 01:08:25; entre os minutos 01:09:00 e 01:10:00.
R) De resto, ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera cautela se concede, certo é que o declarado pelas referidas testemunhas conjugado com o teor do acórdão ora junto como documento n.º 1 que, por economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, sempre imporia decisão diversa da recorrida, o que expressamente requer seja reconhecido, procedendo-se à alteração da mesma em conformidade.
S) Tanto mais que, contrariamente ao que resulta da motivação da matéria de facto é absolutamente falso que a testemunha C… tenha afirmado que “ a “transferência” de património para a sociedade Cid... contribuiu para a falência da executada”.
T) Face ao exposto, e contrariamente que vertido na sentença recorrida, atento o teor dos supra mencionados depoimentos, a factualidade contida nos concretos pontos da matéria de facto em causa, revelam-se mais do que suficientes para fazer prova da dedicação e empenho do ora Recorrente no desempenho das suas funções de gerente,
U) Bem como para demonstrar que a gerência do oponente não motivou, nem por ação nem por omissão, a insuficiência patrimonial da devedora originária para assegurar o pagamento das dívidas tributárias e que este adotou todas as diligências que um gerente prudente e responsável teria adotado nas mesmas circunstâncias para assegurar o cumprimento dessas obrigações.
V) De resto, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, ora junto como documento nº 1, que qualificou a insolvência da devedora originária como fortuita é bem evidenciador de tudo quanto supra se deixou exposto.
X) Deste modo e atento tudo o que supra se deixou exposto, ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juiz a quo violou o disposto nos artigos 615º do C.P.C., bem como o disposto os artigos 23º e 24º da LGT,
Y) Razão pela qual, conhecida a nulidade invocada, deverá a decisão recorrida ser substituída por outra que julgue a oposição deduzida pelo oponente totalmente procedente e determine a extinção da execução, com o que farão V. Exas, a acostumada JUSTIÇA!”

A Recorrida ATA não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, apreciar a invocada nulidade por omissão de pronúncia, analisar o apontado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto e ainda indagar da matéria da culpa do Oponente na insuficiência do património societário para fazer face à dívida tributária descrita nos autos.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Em 26/01/2005, o Serviço de Finanças de Carregal do Sal instaurou contra a sociedade A…, Lda., o processo de execução fiscal n.º 2518200501000276, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRC do exercício de 2002, cujo montante global ascende a 87.605,26 € - cfr. fls. 28 dos autos.
B) Serve de base à execução a certidão de dívida n.º 2005/19354, constante de fls. 2 do PEF apenso aos autos, da qual consta como data para pagamento voluntário das dívidas exequendas o dia 22/12/2004 – cfr. fls. 28 dos autos.
C) Em 28/01/2005, a sociedade devedora originária foi citada para o processo de execução fiscal – cfr. fls. 29/30 dos autos.
D) Em 15/03/2005, a sociedade devedora originária deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2002, a qual correu termos neste Tribunal sob o n.º 448/05.4 BEVIS – cfr. informação de fls. 44/45 dos autos; consulta via SITAF [quanto à data da entrada em juízo da impugnação judicial].
E) Em 21/03/2005, no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea A), a sociedade devedora originária procedeu ao pagamento da quantia de 25.000,00 € - cfr. fls. 31 dos autos.
F) Em 22/03/2005, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças emitiu despacho com o seguinte teor:
- imagem omissa -
– cfr. fls. 31 dos autos.
G) Pelo ofício n.º 630, de 02/03/2012, o Município de Viseu foi notificado, pelo Serviço de Finanças de Carregal do Sal, para proceder à penhora dos créditos da sociedade devedora originária, o qual informou que as cauções sobre a forma de depósito em dinheiro, garantia bancária ou seguro-caução, são impenhoráveis - cfr. fls. 111/112 dos autos.
H) Pelo ofício n.º 627, de 02/03/2012, o Município de Vouzela foi notificado pelo Serviço de Finanças do Carregal do Sal, para proceder à penhora dos créditos da sociedade devedora originária, o qual informou que esta não era titular de quaisquer créditos junto do Município - cfr. fls. 113/114 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) Pelo ofício n.º 629, de 02/03/2012, o Município de Tondela foi notificado pelo Serviço de Finanças do Carregal do Sal, para proceder à penhora dos créditos da sociedade devedora originária, o qual informou que esta era titular de créditos no valor de 3.066,93 €, mas que já existiam várias notificações de penhora de créditos efetuadas no âmbito de vários processos judiciais - cfr. fls. 115/116 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) Pelo ofício n.º 628, de 02/03/2012, o Município de Santa Comba Dão foi notificado pelo Serviço de Finanças do Carregal do Sal, para proceder à penhora dos créditos da sociedade devedora originária – cfr. fls. 117 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
K) Pelo ofício n.º 631, de 02/03/2012, o Município de Satão foi notificado pelo Serviço de Finanças do Carregal do Sal, para proceder à penhora dos créditos da sociedade devedora originária – cfr, fls. 117 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
L) Entre setembro e outubro de 2012, o Município de Satão efetuou pagamentos no montante global de 16.821,44 €, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2518200301002970 – cfr. fls. 22/27 dos autos.
M) Em 16/04/2012, a Divisão de Inspeção Tributária I, da Direção de Finanças de Viseu, emitiu a informação constante de fls. 119/123 dos autos, com o seguinte teor:
- i8magem omissa -
N) Em 24/05/2012, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças determinou a cessação da suspensão do processo executivo, caso não fosse prestada garantia idónea – cfr. fls. 181 dos autos.
O) Por sentença datada de 27/11/2012 e transitada em julgado, a sociedade A…, Lda., NIPC 5…, foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 1801/11.0TBVIS, que correu termos pelo 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu. – cfr. fls. 128/143 dos autos.
P) Em 15/03/2013 foi proferido, pelo Sr. Chefe de Finanças, despacho de reversão, com o seguinte teor:
- Imagem omissa -
- cfr. fls. 106/109 dos autos.
Q) O oponente foi citado, na qualidade de devedor subsidiário, para o processo de execução fiscal, em 18/04/2013 – cfr. fls. 32/33 dos autos; facto não controvertido [cfr. artigo 6.º da petição inicial].
R) Em 20/05/2013, foi remetida ao Serviço de Finanças do Carregal do Sal, por correio registado, a petição inicial que deu origem aos presentes autos de oposição – cfr. fls. 5 dos autos.
S) Por decisão de 27/01/2014, proferida no processo de impugnação n.º 448/05.4BEVIS, transitada em julgado em 13/02/2014, a instância foi julgada deserta – consulta via SITAF.

Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente os vertidos nos artigos 38.º a 41.º e 44.º e 45.º da petição inicial.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto teve por base a análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
A prova testemunhal oferecida pelo oponente não contribuiu para dar como assentes os factos vertidos nos artigos 38.º a 41.º e 44.º e 45.º da petição inicial, pelas razões que se passam a explicitar.
C… afirmou que trabalhou para a sociedade executada entre 2006 e 2011. Referiu que a devedora originária tinha créditos sobre várias Câmaras Municipais relativos a cauções retidas.
Mencionou que a crise surgiu em 2010 e que a maioria dos clientes era Câmaras Municipais, os clientes particulares eram pontuais. Referiu que as Câmaras tinham atrasos no pagamento colossais e sublinhou a dificuldade em se receber.
Afirmou que parte das máquinas de que a sociedade dispunha foi “transferida” para uma sociedade com sede em Leiria, chamada Cid....
Referiu ainda que os gerentes da sociedade nunca falaram em propor a insolvência da empresa.
Com relevo para a economia dos autos referiu ainda que a “transferência” de património para a sociedade Cid... contribuiu para a falência da executada.
L… referiu que havia muito dinheiro retido pelas Câmaras Municipais e que só não as colocou em Tribunal porque não podia.
Afirmou que a crise na empresa surgiu em 2007/2008 e que a empresa não tinha liquidez.
Da parte da Fazenda Pública, J…, antigo Chefe de Finanças de Carregal do Sal, afirmou que o oponente nunca efetuou diligências para efetuar o pagamento das dívidas fiscais.
Relativamente aos alegados créditos sobre Câmaras Municipais disse que remeteu ofícios para várias Câmaras tendo apenas respondido positivamente a do Satão. Todas as outras referiram que não estavam retidas quaisquer quantias.
No que tange ao imobilizado, afirmou que o mesmo tinha sido dado de garantia a uma dívida fiscal, em 2004, e que quando o Serviço de Finanças procurou os bens para avaliar o valor da garantia os mesmos tinham sido alienados. Afirmou ainda que o oponente não estava de boa-fé na medida em que apresentou reclamação dos valores atribuídos aos bens, lançando mão do artigo 276.º do CPPT, tendo procedido à sua venda.
Mencionou ainda que a sociedade nunca identificou clientes que devessem dinheiro à executada.
Afirmou, por último, que o ativo imobilizado foi alienado a uma empresa com sede em Leira, de nome Cid… que teria sócios/gerentes comuns com a executada.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente revelaram-se insuficientes para a prova dos factos dados como não provados. Com efeito, importava que tivesse sido reunida prova documental que permitisse aferir a situação patrimonial e financeira da empresa e comprovar os créditos sobre os clientes, devendo ainda ser demonstrada a realização de diligências com o propósito de obter o seu cumprimento.
As testemunhas referiram a existência de créditos sobre os Municípios atinentes com as cauções prestadas a título de “garantias de obra pública”. Todavia, conforme afirmou a testemunha apresentada pela Fazenda Pública, foram remetidos ofícios de penhora de créditos a várias Câmaras Municipais, tendo apenas a Câmara Municipal de Satão respondido afirmativamente.
De qualquer modo, nesta matéria importava que tivesse sido reunida prova documental que permitisse comprovar o valor dos créditos detidos sobre clientes e que alegadamente não foram recebidos, bem como aferir do seu impacto na situação económico-financeira da sociedade devedora originária.
O que resulta do probatório é que os alegados contactos efetuados com as Câmaras Municipais foram estabelecidos por iniciativa do Serviço de Finanças de Carregal do Sal, por indicação dos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Viseu, e não diligências encetadas pelo próprio oponente, e que os pagamentos no montante global de 16.821,44 €, efetuados pelo Município do Satão, foram-no no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2518200301002970, e não no processo de execução fiscal n.º 2518200501000276, a que se reportam os autos.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, nas suas alegações, o Recorrente refere que na oposição que deu origem aos presentes autos o Recorrente alegou nos artigos 42º a 43, no seguimento do alegado no artigo 41º, que a crise, aliada às dificuldades de recebimento/falta de pagamentos de um bom número de clientes da devedora originária, asfixiou por completo a vida económica e financeira da devedora originária, impedindo-a de cumprir com todas as suas obrigações, e colocando vários postos de trabalho em causa, e respectivas famílias, que o recorrente procurou desesperadamente manter; do mesmo modo que tentou desesperadamente cumprir com as obrigações perante a Autoridade Tributária.”, sendo que da análise da sentença recorrida não resulta, nem dos factos provados nem dos factos não provados qualquer referência ao alegado nos supra referidos artigos.
Ora, considerando que os mesmos não versam sobre matéria conclusiva, antes contendo factos sobre os quais todas as testemunhas arroladas pelo ora Recorrente foram inquiridas – cfr. melhor resulta da ata de inquirição, sempre se imporia que a sentença recorrida se pronunciasse quanto aos mesmos, o que, como já se disse não sucedeu, razão pela qual, está a sentença recorrida, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615º n.º 1 al. d) do C.P.C., ferida de nulidade por omissão de pronúncia, o que requer seja reconhecido e determinado, com as legais consequências.
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil (actual art. 608º nº 2), de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.

Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Nesta medida, é manifesto que a Recorrente não tem qualquer razão nesta sede, dado que, não se vislumbra que esteja em causa qualquer questão em termos de reclamar a aplicação das normas acima apontadas, o que equivale a dizer que a situação descrita pela Recorrente poderá relevar ao nível do erro de julgamento mas é insusceptível de suportar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Por outro lado, como bem refere o Tribunal recorrido “extrai-se da sentença recorrida que foram considerados como “factos não provados”, “designadamente os vertidos nos artigos 38º a 41º e 44º e 45º da petição inicial”, e como se infere da petição inicial os factos a que o ora Recorrente se refere alegados nos artigos 42.º e 43.º, decorre o primeiro como facto consequencial dos factos vertidos nos artigos 38.º a 41.º da petição inicial, assentes na decisão ora recorrida como não provados, e o segundo encontra-se vertido no art. 44.º da petição inicial, igualmente assente como não provado na decisão proferida, o que significa que também neste âmbito não é possível descortinar matéria susceptível de suportar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

E quanto ao julgamento de facto?
Para além do exposto, o Recorrente sustenta que os factos vertidos nos artigos 38º a 41º e 44º e 45º da petição inicial mostram-se incorrectamente julgados (que se especificam nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640º n.º 1 alínea a)), pois na fundamentação da decisão recorrida, a Meritíssima Juiz a quo, consignando que os artigos 38º a 41º e 44º da petição inicial, poderiam ter relevo para a decisão da causa, deu os mesmos como não provados, por entender que os depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente se revelaram insuficientes para a prova dos mesmos.
Sucede que, salvo o devido respeito, entende o Recorrente que, o teor daqueles depoimentos e a forma descomprometida e escorreita como os mesmos foram prestados, sempre se imporiam decisão diversa da proferida, no sentido de todos os factos contidos nos citados artigos da petição inicial serem dados como provados – o que, desde já, se indica em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al.) c) do C.P.C, sendo que à factualidade contida em tais artigos foram inquiridas todas as testemunhas, nomeadamente:
- a testemunha C…, engenheira civil que trabalhou ao serviço da devedora originária entre 2006 e 2011, cujo depoimento de encontra gravado no sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de inquirição de testemunhas – disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo entre os minutos 00:00:00 e 00:24:49;
- a testemunha Carla…, contabilista que trabalhou ao serviço da devedora originária entre 2006 e Março de 2012, cujo depoimento de encontra gravado no sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de inquirição de testemunhas – disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo entre os minutos 00:24:50 e 00:47:36;
- a testemunha L…, gerente da devedora originária no período compreendido entre 1996 e 2010, data a partir da qual passou a ser mera funcionária na área financeira e administrativa, cujo depoimento de encontra gravado no sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de inquirição de testemunhas – disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo entre os minutos 00:47:40 e 01:22:50.
Sendo que todas elas foram peremptórias em afirmar que, na época a que se reporta a gerência do oponente - posterior a Abril de 2011, cfr. despacho de reversão - e nos dois anos que lhe antecederam, a devedora originária viu a sua actividade muito afectada pela crise que se instalou no país, dificuldades essas traduzidas na diminuição das obras e nos atrasos nos pagamentos das mesmas por parte dos seus clientes, os quais eram na sua grande maioria Câmaras Municipais; o que tudo terá impossibilitado o cumprimento das obrigações da devedora originária, colocando em causa os postos de trabalho dos seus trabalhadores e o que o oponente tentou combater, nomeadamente negociando com a sociedade Cid... e transferência desses mesmos trabalhadores, sendo certo que, todas foram claras em afirmar que nunca o oponente e quem o acompanhava baixaram os braços e sempre fizeram o seu melhor para manter a actividade da empresa.
Neste sentido, atente-se no depoimento da testemunha C…, nomeadamente nas passagens que se indicam, em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al. b) do C.P.C.: entre os minutos 00:06:00 e 00:06:18; entre os minutos 00:12.20 e 00:13:45; entre os minutos 00:20:21 e 00:20:51, e entre os minutos 00:23:50 e 00:24.30.
No mesmo sentido, veja-se o depoimento da testemunha Carla…, nomeadamente nas passagens que se indicam, em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al. b) do C.P.C.: entre os minutos 00:23:50 e 00:29:47; entre os minutos 00:34:50 e 00:35.37.
Ainda no mesmo sentido, atente-se no depoimento da testemunha L…, nomeadamente nas passagens que se indicam, em cumprimento do disposto no artigo 640º n.º 1 al. b) do C.P.C.: entre os minutos 00:56:20 e 00:59:07; entre os minutos 01:00:00 e 01:02.30; entre os minutos 01:03:00 e 01:05:50; entre os minutos 01:07:00 e 01:08:25; entre os minutos 01:09:00 e 01:10:00.
De resto, ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera cautela se concede, certo é que o declarado pelas referidas testemunhas conjugado com o teor do acórdão ora junto como documento n.º 1 que, por economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, sempre imporia decisão diversa da recorrida, o que expressamente requer seja reconhecido, procedendo-se à alteração da mesma em conformidade, tanto mais que, contrariamente ao que resulta da motivação da matéria de facto é absolutamente falso que a testemunha C… tenha afirmado que “ a “transferência” de património para a sociedade Cid... contribuiu para a falência da executada”.

Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685º-B do CPC, que regulava esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

Em relação à matéria em causa, cremos que apesar do esforço de análise do Recorrente, e após a audição dos depoimentos em causa, tendo presente os elementos destacados pelo mesmo, não é possível atender a sua pretensão neste âmbito, na medida em que está em causa a comprovação do comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito.
Ora, neste ponto, e não seria difícil, tal como refere a decisão recorrida, importava que tivesse sido reunida prova documental que permitisse aferir a situação patrimonial e financeira da empresa e comprovar os créditos sobre os clientes, devendo ainda ser demonstrada a realização de diligências com o propósito de obter o seu cumprimento.
Com efeito, sem estes elementos, a prova testemunhal não revela a necessária consistência em termos de permitir outra leitura da realidade em apreço, mormente quando se conhece os resultados das diligências feitas pela AT junto das Câmaras Municipais e que não tiveram o impacto sugerido.
Isto para dizer que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise.

Nesta sequência, o Recorrente defende que face ao exposto, e contrariamente que vertido na sentença recorrida, atento o teor dos supra mencionados depoimentos, a factualidade contida nos concretos pontos da matéria de facto em causa, revelam-se mais do que suficientes para fazer prova da dedicação e empenho do ora Recorrente no desempenho das suas funções de gerente bem como para demonstrar que a gerência do oponente não motivou, nem por acção nem por omissão, a insuficiência patrimonial da devedora originária para assegurar o pagamento das dívidas tributárias e que este adoptou todas as diligências que um gerente prudente e responsável teria adoptado nas mesmas circunstâncias para assegurar o cumprimento dessas obrigações.
De resto, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, ora junto como documento nº 1, que qualificou a insolvência da devedora originária como fortuita é bem evidenciador de tudo quanto supra se deixou exposto, de modo que, e atento tudo o que supra se deixou exposto, ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juiz a quo violou o disposto nos artigos 23º e 24º da LGT.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.

Sendo as dívidas provenientes de IRC do ano de 2002, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Após a alusão à referida norma, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Assim, relativamente às dívidas tributárias a que se reporta a alínea a) do n.º 1 da citada disposição legal, o administrador ou gerente será responsável se tiver sido por culpa sua que o património se tornou insuficiente para o seu pagamento, recaindo sobre a Fazenda Publica o ónus da prova da culpa. Já no que tange às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do seu cargo, a lei estabelece uma presunção de culpa, cabendo ao administrador ou gerente ilidi-la, demonstrando que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
No caso vertente, não sendo controverso que o prazo legal de pagamento da dívida exequenda terminou no período de exercício pelo oponente da gerência da devedora originária, dúvidas não existem de que estamos perante uma situação subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, cabendo-lhe, assim, ilidir a presunção legal de culpa que sobre si impende, demonstrando que a falta de pagamento do imposto não lhe é imputável, sendo certo que não sendo essa prova feita, ou ficando dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de entrega do imposto, a presente oposição deverá improceder. …”.

Pois bem, quando se analisa o despacho de reversão, não podemos deixar de notar que o ora Recorrente é apontado como gerente da sociedade devedora originária desde 30-04-2011.
Ora, este elemento deveria ter merecido alguma reflexão por parte do Tribunal a quo, até porque torna altamente controversa a afirmação de que o prazo legal de pagamento da dívida exequenda (no caso, Dezembro de 2004) terminou no período de exercício pelo oponente da gerência da devedora originária.
Mais do que controversa, os dados de facto determinam uma conclusão totalmente distinta no que concerne ao facto de a situação ser subsumível ao disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, porquanto, estando em causa uma dívida de IRC de 2002 cujo prazo para pagamento esgotou-se em Dezembro de 2004, não se pode aceitar a afirmação acima descrita na medida em que a mesma não tem qualquer suporte de facto, o que coloca em crise a própria reversão ordenada em relação ao ora Recorrente.
Com efeito, não está em causa a discussão sobre a integração da situação numa das duas alíneas acima apontadas, dado que, a situação pura e simplesmente não pode subsumir-se ao aí exposto, já para não falar da própria referência ao ora Recorrente como gerente nesta sede, que também não encontra qualquer fundamento legal em função do enquadramento da dívida mencionada no processo de execução fiscal, até porque não existe nada que possa fazer a ligação em termos de uma eventual gerência de facto do Recorrente em momento anterior.
Sendo assim, como é, assiste razão ao Recorrente, quando coloca em crise a existência dos pressupostos da reversão, dado que, na situação descrita e por referência à dívida em causa, não se vislumbra que se possam afirmar os pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária no que concerne ao ora Recorrente, o que implica que procede o exposto quanto ao facto de este não poder ser responsabilizado pela dívida exequenda, o que conduz à procedência do presente recurso, com a presente fundamentação, o que acarreta a revogação da sentença recorrida e viabilização da presente oposição.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar procedente a presente oposição e, deste modo, extinta a execução no que concerne à dívida descrita nestes autos (IRC do exercício de 2002, cujo montante global ascende a 87.605,26 €).
Custas pela Recorrida apenas em 1ª Instância.
Notifique-se. D.N..
Porto, 22 de Março de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos