Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01117/09.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
ARTIGO 24.º DA LGT
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Resultando da factualidade assente que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu em data posterior ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente revertido, é de aplicar o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT [e não a alínea b) do mesmo preceito].
II - Nos termos do citado artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT, o ónus da prova da culpa do gerente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias cabe à Administração Tributária.
III - Operada a reversão desacompanhada da prova, por parte da Administração Tributária, da culpa do oponente pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, necessariamente se tem de dar por verificada a ilegitimidade da reversão nessa parte.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

V..., contribuinte n.º 1…, residente na Travessa…, concelho de Viana do Castelo, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 09/03/2011, que julgou improcedente a Oposição ao processo de execução fiscal que contra si foi revertido depois de originariamente instaurado contra a sociedade comercial V…, Lda., por dívidas de IVA e juros, relativas ao ano de 2003 e ao primeiro trimestre de 2004, no valor global de €35 423,44.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1.- A douta sentença sob censura efectuou um errado enquadramento jurídico dos factos que deu como provados.
2.- O Tribunal “a quo” deu como provado que o recorrente exerceu funções de gerente na sociedade executada até 1/07/2004 - vd. item 4) dos Factos Provados.
3.- A reversão abrangeu dívidas de IVA e juros no valor global de €35.423,44, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou quando o recorrente já tinha renunciado ao exercício do referido cargo.
4.- É o caso das dívidas a que se referem as certidões nºs 2007/0312734, 2007/0312735, 2007/0312739 e 2007/0312740, com data limite de pagamento voluntário até 31/10/2007 (a fls.. do apenso de execução fiscal).
5.- Quanto a essas dívidas é aplicável o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 24º da LGT.
6.- O gerente - revertido só responderá por essas dívidas se tiver sido por culpa sua que o património societário se tornou insuficiente para o pagamento da prestação tributária.
7.- O ónus da alegação e prova dessa culpa compete à Administração Tributária.
8.- No que tange às dívidas enunciadas em 4) supra, o douto despacho que ordenou a reversão contra o aqui recorrente devia expressamente conter, como lhe impunham os artigos 23º, n.º 1, 24º, n.º 1, alínea a), e 77º, nºs 1 e 2 da LGT, a menção de que o património da sociedade diminuiu ou deixou de existir por comportamento culposo do gerente - revertido, inviabilizando, assim, a cobrança do imposto em falta.
9.- Porém, o despacho de reversão é completamente omisso quanto à alegação de factos dos quais se pudesse extrair um juízo de censura ou de culpa sobre o aqui recorrente quanto à insuficiência do património da sociedade executada.
10.- A única coisa que alega é que não é conhecido património à executada, sem, contudo, alegar que foi por culpa do gerente - revertido que esse património deixou de existir ou ser conhecido.
11.- O artigo 24º, n.º 1, alínea a) da LGT nem sequer é invocado no despacho de reversão.
12.- Esse despacho está, assim, inquinado de vício de falta de fundamentação.
13.- À luz dos elementos probatórios coligidos para os autos (ou da ausência deles), nada resulta provado quanto à culpa do recorrente na insuficiência / inexistência de património da sociedade executada.
14.- Daí que, em conclusão, quanto às dívidas cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou após a cessação de funções do aqui recorrente como gerente da executada (1/07/2004) não se mostram preenchidos os pressupostos de reversão fixados pelo artigo 24º, n.º 1, alínea a) da LGT, por ausência de prova da culpa que competia à Administração Fiscal.
15.- Assim, nesta parte, o recorrente só pode ser considerado parte ilegítima nos autos de execução, por não ser responsável pelo pagamento da dívida exequenda - cfr. artigo 204º, n.º 1, alínea b) do CPPT.
16.- Ao decidir como decidiu, a douta sentença sob recurso violou, por errada interpretação, os artigos 24º, n.º 1, alínea a), 23º, n.º 1, 77º, nºs 1 e 2, todos da LGT, e o artigo 204º, n.º 1, alínea b) do CPPT.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. que se dignem julgar totalmente procedente, por provado, o presente recurso, revogando, na sequência, a douta sentença “a quo”, substituindo-a por uma outra que julgue o recorrente como parte ilegítima no que toca ao pagamento das dívidas exequendas cujo prazo limite para pagamento voluntário terminou após ter cessado funções como gerente da executada (1/07/2004), com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V. Exas. inteira JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar o Oponente parte legítima no processo de execução fiscal com referência à totalidade das dívidas exequendas.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“2.1. FACTOS PROVADOS
Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso e do depoimento das testemunhas inquiridas, considero provados os seguintes factos:
1. Foi deduzida execução fiscal n.º 2348200401014242 e apensos instaurados pela Fazenda Pública, originariamente contra V…, Lda., por dívidas de IVA e juros, relativos ao ano de 2003 e do primeiro trimestre de 2004, no valor global de 35.423,44€.
2. A sociedade executada tinha por objecto a construção e reparações em metalomecânica.
3. Em 22.05.1996, foi levada a registo a sociedade V…, Lda., tendo por sócios o oponente e J…o, sendo a gerência conjunta de ambos os sócios sendo necessária a assinatura de ambos, para vincular a sociedade (fls. 36 a 39 do PEF);
4. Em 01.07.2004, no 1º Cartório Notarial de Viana do Castelo, foi realizada a escritura de divisão, cessão e verificação de quotas, e alteração de pacto, sociedade V…, Lda., na qual o oponente cedeu as suas quotas e renunciou à gerência (fls. 18 a 23 dos autos);
5. Em 15.04.2009 foi o Oponente notificado do projecto do despacho de reversão, e para se pronunciar em sede de audição, conforme documento constante de fls. 44/45 do PEF apenso aos autos;
6. Em 27.04.2009, o Oponente exerceu o direito de audição prévia, tendo oferecido documentos e arrolado testemunhas (fls. 83 a 85 dos PEF);
7. A administração não procedeu à inquirição de testemunhas arroladas em sede de audiência prévia.
8. Em 09.03.2004, o Oponente e sua esposa, M…, passaram uma procuração, no 1º Cartório Notarial de Viana do Castelo, na qualidade de sócio gerente da sociedade, e constitui bastante procurador J…, a quem concedem poderes específicos, nomeadamente “(…) para podendo fazer negócio consigo mesmo, ceder a quota no valor nominal de sete mil e quinhentos euros que o mandante marido possui na Sociedade Comercial por quotas, sob a firma “V…, Limitada.” com sede na (…) e ou para renunciar à gerência, podendo ainda dividir a referida quota em duas ou mais novas quotas, cedendo-as a quem e pelo preço que entender convenientes, e ainda para autorizar que o seu apelido “C…”, continue a figurar na denominação social.
Concede-lhe também poderes para Levantar e endossar vales de correio ou quaisquer outros títulos de pagamento;
- Receber quantias, passando recibos e dando quitações; (…)
- Intervir e obrigar a sociedade em todos os actos e contratos, incluindo contratos de Leasing, dentro do objecto social da mesma, dentro dos poderes que lhe estejam conferidos para assinar livranças, letras e avales; podendo outorgar e assinar a competente escritura, recebendo o preço, dando quitação, requerendo, praticando e assinando tudo quanto necessário se tornar aos indicados fins; (…)” conforme documento que aqui se dá por integralmente reproduzido e constante de fls. 52 a 54 dos autos.
2.1.1. FACTOS NÃO PROVADOS
Que o oponente tenha renunciado à gerência em 28.02.2004.
2.1.2. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO ASSENTE
Os factos dados como provados resultam dos documentos juntos aos autos, nomeadamente dos elementos do processo de execução, constantes do apenso aos presentes autos, bem como dos documentos juntos com os articulados, devidamente referenciados.
O facto constante no ponto n° 7, da matéria de facto assente, resultou provado por ter sido invocado por ambas as partes, não resultando assim controvertido.
Relativamente ao facto dado como não provado, tal ficou a dever-se à circunstância de não ter sido realizada qualquer prova quanto ao alegado. Foi inquirido, Maria… e Mário…, ex-trabalhadores da executada originária, os quais referiram que o oponente cedeu ao Sr. A… as quotas da sociedade, no início de 2004 e que quem tinha dentro da sociedade um peso relevante era o referido Sr. A…, sendo quem fazia os negócios.
Foi ainda inquirido, João…, funcionário bancário, o qual referiu que sempre contactou o Sr. A… sendo este quem tratava das contas e dos eventuais empréstimos e que o oponente não aparecia, por ser desconhecedor dos negócios e da actividade.
O oponente juntou com a petição inicial, contrato promessa de cessão de quotas, o qual não foi valorizado como prova credível, uma vez, que se trata de uma mera cópia assinada pelo oponente e esposa, sem assinatura de J…, e não contêm qualquer outro elemento pelo qual se possa concluir que esse contrato foi efectivamente aceite pelas partes nele constante.”
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Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do Código de Processo Civil (na redacção aplicável) ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), uma vez que do processo constam os elementos para o efeito e os documentos em causa (fotocópias autenticadas de documentos oficiais), mostrando-se pertinente para a apreciação do recurso, adita-se à factualidade fixada os seguintes factos:
9. Da certidão de dívida n.º 2007/312734, emitida em 01/12/2007, referente a IVA do período de Janeiro a Março de 2003, no valor de EUR 6.670,05, consta como data limite de pagamento voluntário o dia 31/10/2007 (cfr. doc. de fls. 27 da certidão do processo de execução fiscal apensa).
10. Da certidão de dívida n.º 2007/312735, emitida em 01/12/2007, referente a juros relativos ao referido IVA do período de Janeiro a Março de 2003, no valor de EUR 1.097,91, consta como data limite de pagamento voluntário o dia 31/10/2007 (cfr. doc. de fls. 28 da certidão do processo de execução fiscal apensa).
11. Da certidão de dívida n.º 2007/312739, emitida em 01/12/2007, referente a IVA do período de Abril a Junho de 2003, no valor de EUR 1.590,67, consta como data limite de pagamento voluntário o dia 31/10/2007 (cfr. doc. de fls. 29 da certidão do processo de execução fiscal apensa).
12. Da certidão de dívida n.º 2007/312740, emitida em 01/12/2007, referente a juros relativos ao referido IVA do período de Abril a Junho de 2003, no valor de EUR 245,27, consta como data limite de pagamento voluntário o dia 31/10/2007 (cfr. doc. de fls. 30 da certidão do processo de execução fiscal apensa).

2. O Direito

O Recorrente discorda da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por considerar ter havido um errado enquadramento jurídico dos factos provados. Sendo objecto do presente recurso apenas as dívidas cujo prazo limite de pagamento voluntário findou após a cessação de funções do aqui Recorrente como gerente da executada (01/07/2004), a que se reportam as certidões de dívida nºs 2007/0312734, 2007/0312735, 2007/0312739 e 2007/0312740, alegou não se mostrarem preenchidos os pressupostos de reversão fixados pelo artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da Lei Geral Tributária (LGT), por ausência de prova da culpa que competia à Administração Fiscal.
Assim, nesta parte, o Recorrente alega só poder ser considerado parte ilegítima nos autos de execução, por não ser responsável pelo pagamento dessas dívidas exequendas - cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT.
Em causa no presente recurso está a valoração da prova que foi efectuada pelo Tribunal a quo e a aplicação do regime vertido no artigo 24.º da LGT, concretamente o enquadramento da situação objecto dos autos na alínea a) ou b) desse preceito.
Na sentença recorrida afirmou-se o seguinte:
Assim, resulta da factualidade assente, que o oponente exerceu a gerência até 01.07.2004, data em cedeu as quotas e renunciou à mesma.
Face ao exposto, não tendo o oponente logrado elidir a presunção da gerência efectiva é responsável subsidiário pela dívida exequenda.”.
Vejamos então.
Atento o estabelecido no ponto 4 do probatório, o despacho de reversão referir nos seus fundamentos que V... foi gerente até 01/07/2004, constar da motivação da decisão recorrida que o oponente exerceu a gerência até 01/07/2004, data em que cedeu as quotas e renunciou à mesma (conclusão e factualidade que não se mostra questionada no presente recurso), dúvida não existe em como o Tribunal a quo assumiu que, a partir de Julho de 2004, o oponente, ora Recorrente, deixou de exercer a gerência da sociedade devedora originária, deixando, contudo, implícita a aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT à totalidade das dívidas exequendas, normativo expressamente invocado na fundamentação do despacho de reversão.
O Recorrente imputa, portanto, erro de julgamento à sentença recorrida, com o fundamento de que parte da situação presente deveria ser subsumida na previsão da alínea a) do n.º 1, do artigo 24.º da LGT e não da alínea b) do mesmo dispositivo legal.
A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA e juros relativa ao ano de 2003 e ao primeiro trimestre de 2004.
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que sendo a dívida exequenda referente aos anos de 2003 e 2004, dúvidas não restam que é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.
Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) supra] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].
Como se escreveu no Acórdão deste TCAN de 10/10/2013, no âmbito do processo n.º 242/06.5BECBR: «Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, acórdão do TCAN de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.»
Ou seja, no que se refere à alínea a) deste preceito legal, “para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito estabelece, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor. Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (...) De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 2. ao art. 100.º, pág. 719. ) – cfr. Acórdãos deste TCAN, de 29/10/2009, processo n.º 228/07.2BEBRG e de 11/01/2013, processo n.º 630/06.7BEPNF. Portanto, na reversão efectuada com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º, n.º 1 da LGT, ou seja, quando o fundamento da reversão for a culpa na insuficiência do património societário para pagamento das dívidas fiscais, opera a regra geral do ónus da prova do artigo 342.º do Código Civil, recaindo sobre a Administração Tributária o encargo de provar a culpa dos administradores ou gerentes pela insuficiência do património.
Relembramos que o tribunal recorrido, referindo-se a todas as dívidas tributárias, julgou o oponente parte legítima na execução, sem distinguir as situações que se enquadram na alínea a) das que se enquadram na alínea b), vindas a analisar.
No caso dos autos, estabilizada que está a matéria de facto, não se apresenta como controvertido que até Julho de 2004, o oponente, ora Recorrente, exerceu a gerência da sociedade devedora originária (deixando de o fazer depois dessa data; constando mesmo do despacho de reversão que foi Ana… que exerceu a gerência desde 01/07/2004 e J… desde o início da constituição da sociedade executada). Na sequência do aditamento efectuado, constatamos que o prazo legal de pagamento das dívidas tributárias relativas a IVA e juros do primeiro e do segundo trimestre de 2003 terminou em 31/10/2007.
Deste modo, à reversão cujas dívidas estão em causa no presente recurso aplica-se o artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT, uma vez que resulta assente dos autos que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu posteriormente ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente e ora Recorrente. E cabia, assim, à Administração Tributária alegar e provar a actuação ou omissão ilícitas dos membros dos corpos sociais, causadores da insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias – cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão do TCAN, de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 2361/06BEPRT.
Certo é que a Administração Tributária, quer no despacho de reversão, quer na notificação para o exercício do direito de audição prévia, tanto mais que enquadrou a situação na alínea b) do n. 1 do artigo 24.º da LGT, não alegou nem comprovou factualidade donde pudesse resultar a actuação ou omissão ilícita do oponente, causadores da insuficiência do património societário para satisfação dos créditos tributários em questão. Na verdade, a Administração nada disse a esse propósito, nenhum facto concreto alegou susceptível de demonstrar a culpa do oponente (o que passaria pela alegação de factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora).
Efectivamente, a reversão abrangeu, entre outras, dívidas cujo prazo de pagamento findou já após o termo do exercício do cargo de gerente, aliás, tal resulta mesmo da nota de citação enviada ao ora Recorrente. É o caso das dívidas referentes ao período de Janeiro a Junho de 2003, insertas nas quatro certidões de dívida mencionadas no aditamento realizado à decisão da matéria de facto, cujo limite cessou em 31/10/2007.
Em relação a estas específicas dívidas que aqui são objecto de análise, visto o preceituado no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT, tornava-se imperiosa a expressa menção de que o património da sociedade executada diminuíra, inviabilizando a cobrança, por inadimplemento culposo do oponente. Mas é patente que tal pressuposto não figura no aludido despacho de reversão, o que, nessa parte, o inquina inevitavelmente.
No que tange às restantes dívidas exequendas, de Julho a Dezembro de 2003 e do primeiro trimestre de 2004, na medida em que lhe é aplicável o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, o oponente está sujeito ao ónus que lhe impõe a demonstração de que não teve culpa no não pagamento, o que não foi cumprido (tanto mais, que o Recorrente nem sequer questiona a sua responsabilidade por essas dívidas neste recurso).
E, assim sendo, como agora vem defender o Recorrente, reitera-se que à reversão das dívidas do primeiro e do segundo trimestre de 2003 se aplica a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e não a alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito. Logo, tal pressuposto da reversão e a presunção de culpa que nesta alínea funciona a favor da Administração Tributária não são aqui aplicáveis.
Nesta conformidade, e sem necessidade de ulteriores considerações, há que concluir pela total procedência das conclusões da alegação de recurso, devendo considerar-se o Recorrente parte ilegítima na execução das dívidas de IVA e juros de Janeiro a Junho de 2003, revogando-se a sentença nesta parte recorrida.

Conclusões/Sumário

I - Resultando da factualidade assente que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu em data posterior ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente revertido, é de aplicar o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT [e não a alínea b) do mesmo preceito].
II - Nos termos do citado artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT, o ónus da prova da culpa do gerente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias cabe à Administração Tributária.
III - Operada a reversão desacompanhada da prova, por parte da Administração Tributária, da culpa do oponente pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, necessariamente se tem de dar por verificada a ilegitimidade da reversão nessa parte.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar extinta a execução quanto às dívidas de IVA e juros referentes aos períodos de Janeiro a Março e Abril a Junho de 2003, com referência ao Recorrente.

Nesta instância, custas a cargo da Recorrida, salvo quanto a taxa de justiça neste recurso uma vez que não contra-alegou.
Na primeira instância, custas por ambas as partes na proporção do decaimento, que se fixa em 70% a cargo do Oponente e em 30% a cargo da Fazenda Pública.
Porto, 11 de Janeiro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro