Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00917/11.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NEGÓCIO SIMULADO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. - O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no artº 654.º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.
II. Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
III. No procedimento de liquidação da iniciativa da Administração Tributária, terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
IV. Incide sobre a Administração Fiscal indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de diligências necessárias à descoberta da verdade material, só podendo efetuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado (total ou parcialmente) pelo contribuinte (princípio da verdade material - arts. 50º do CPPT e 58º nº 1 da LGT).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:R..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, R..., Lda., pessoa coletiva n.º 5…, interpôs recurso da sentença emitida em 15.01.2015, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação judicial visando a liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2006, nos montantes de € 25.774,50.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. Resulta das actas de julgamento realizadas em 19 de Setembro de 2013 e 14 de Novembro de 2013 que os actos de instrução e discussão foram praticados pela Ilustre Magistrada Dra F….
2. A sentença proferida nos autos foi lavrada pelo Digníssimo Magistrado Dr. R….
3. A sentença foi elaborada por Magistrado que não esteve presente nos actos de instrução e discussão da matéria de facto, torna nula a sentença por violação do princípio da plenitude da assistência do Juiz - art. 605° do NCPC ex vi art. 2°, alínea e) do CPPT.
4. A douta sentença ora recorrida, utilizou, de forma indelével a prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento.
5. Tal nulidade importa a repetição de todos os elementos de prova que foram produzidos em sede de audiência e discussão de julgamento.
6. Os factos dados como provados 16. 17. 18. 21. 27 deveriam ter sido dados como não provados.
7. O facto dado como provado em 16. tem como base uma ficha de registo de comissões, sem qualquer assinatura, mas alegadamente feito por funcionários da J... Lda, onde constam valores parciais de €4.050,00 e €750,00.
8. Não existe nos autos nenhuma prova ou sequer referência que a recorrente pagou o valor de €4.800,000 de comissões à J... Lda.
9. Para obter prova que a recorrente pagou comissões no valor de €4.800,00 à J... Lda a AT teria de, em sede de relatório de inspecção, obter elementos que lhe permitissem estabelecer a ligação entre este valor e pagamentos que tivessem sido realizados, o que não aconteceu.
10. Assim, este documento é insusceptível de provar o preço da venda efectuada pela recorrente ao adquirente João....
11. Os pontos número 17., 21. e 27. da matéria de facto dada como provada, tem de ser dados como não provados.
12. A prova de tais factos assenta em “instrumentos de confissão de divida” que foram apreendidos pela AT, na sede da sociedade J..., em suporte digital, que não se encontram assinados.
13. A recorrente não tinha conhecimento de tais instrumentos de confissão de divida - rir. Depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 19/09/20 13 aos 1h42m35s e seguintes pela testemunha Joaquim….
14. O adquirente An… não tinha conhecimento do instrumento de confissão de divida - cfr depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 19/09/2013 aos 54m15s e ss.
15. A mãe do adquirente João..., não tinha conhecimento do instrumento de confissão de divida apesar acompanhar maior parte dos actos relativos á compra e venda que seu filho efectuou à recorrente cfr. Depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 19/09/2013 aos 2h08m20s e ss.
16. A testemunha Joaquim... veio explicar a razão da existência de minutas de confissões de divida, que eram disponibilizados pela sua agência imobiliária aos clientes, e que serviam para a obtenção de segundo crédito junto da banca, caso fosse necessário - cfr. Depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 19/09/2013 aos 1h39m32s e ss.
17. A AT teve acesso a todo o acervo documental existente na sede da J... Lda no âmbito do processo de inquérito NUIPC 8108.8IDAVR instaurado pelo Ministério Público à Sociedade J... Lda -cfr, depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 19/09/203 aos 1h53m00s e seguintes,
18. Não existe o mais pequeno indício de que os instrumentos de confissão de divida tenham sido impressos, assinados e utilizados pelos adquirentes/confitentes.
19. Os instrumentos de confissão de divida não são aptos, por si só, a demonstrar a existência de valores simulados carecendo de ser corroborados por outros elementos de prova, designadamente com recurso a movimentos das contas bancárias dos adquirentes e da recorrente de forma a demonstrar que os compradores desembolsaram aquelas quantias e que a vendedora as arrecadou.
20. O facto de os instrumentos de confissão de divida existirem apenas em suporte Informático não é uma questão meramente formal, mas sim uma questão de substância da maior importância, pois estamos na presença de documentos sem qualquer tipo de validade jurídica.
21. No que tange à matéria de facto dada como provada em 18, resulta da escritura de compra e venda junta a fls. 128 a 132 dos autos que o empréstimo bancário foi no montante de €80.000,00 e não €135.000,00 pelo que se impõe a correcção da matéria de facto dada como assente em 18. No sentido de que o empréstimo foi no montante de €80.000,00 e não €135.000,00.
22. Pelas razões expostas nas conclusões 12 a 21 terá de se concluir que se impõe a eliminação da matéria de facto incluída nos números 17., 21. e 27 dos factos assentes e a correção da matéria de facto indicada em 18..
23. A acção Inspectiva, Iniciada a 28/07/2010 e concluída em 17/12/2010, desenvolveu-se por uma análise contabilística prévia, sem qualquer efeito prático, pois apesar de terem sido verificadas irregularidades contabilísticas, não foram detectados indícios de que tivessem sido simulados os valores das vendas efectuadas pela recorrente que constavam na contabilidade da recorrente.
24. As diferenças encontradas em sede de contabilidade não foram indicadas no relatório de Inspecção como sendo a justificação para o acréscimo de proveitos que veio a ser apurado à recorrente, mas unicamente como indiciadoras de uma possível ocultação de proveitos.
25. A AT para lançar mão das correcções meramente “aritméticas” terá o ónus de provar o montante exacto a que está sujeita qualquer a correcção que pretende efectuar, sob pena de falta de fundamentação da liquidação a efectuar - cfr. art. 74° da Lei Geral Tributaria ou LGT,
26. A acção de inspecção efectuada pela AT incidiu sobre todas as vendas efectuadas pela impugnante, no ano de 2006, relativas aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 9… e 9… da freguesia da Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo, tendo sido sindicadas as vendas relativas às dez fracções autónomas vendidas pela impugnante – cfr. pág. 6 do relatório de inspeção junto com o PA.
27. A AT veio a concluir que em seis das nove fracções vendidas pela recorrente não existiu qualquer simulação do preço da compra e venda, mais precisamente as dos adquirentes, C... III..4.1.1.1, Ad... III.1.1.1.2, An... III.1.1.1.5, Jo..., adquirente III.1.1.1,7, F... III.1.1.1.9 e Henrique da Costa Vieira III.1.1.1.10 cfr. fls. 10,11, 12, 18, 19, 23, 24, 26, 27 e 28 do relatório de inspecção junto ao PA.
28. Todos os nove adquirentes contactados pela AT no âmbito do procedimento de inspecção negaram a prática de simulação do preço da compra e venda e colaboraram com a AT juntado prova dos meios de pagamento utilizados na aquisição, bem assim como extratos bancários de forma a demonstrar que não tinha existido simulação no preço da compra e venda.
29. A AT relativamente a sete dos adquirentes conformou-se com os preços constantes nas escrituras de compra e venda mas procedeu de forma diferente quanto aos outros três adquirentes.
30. A AT só poderia rematar o procedimento inspectivo e proceder à liquidação de tributo quando possuísse a convicção da existência e da quantificação do facto tributário.
31. Ao adquirente An... imputada uma simulação no preço da compra e venda no valor de €40.000,00.
32. Com os elementos fornecidos pelo adquirente a AT fez constar no seu relatório de inspecção um quadro onde resulta que o adquirente pagou €130.000,00 no dia da realização da escritura com a emissão de 6 cheques - cfr. pág. 17 do relatório de inspecção junto com o PA
33. Diz ainda que houve pagamento a título de sinal da quantia de €25.000,00.
34. A soma dos valores em 32 e 33 perfaz €155.000,00.
35. Sobre a diferença entre o valor da alegada simulação (170.000,00) e o valor documentado pela AT no seu relatório de inspecção (155.000,00), não foi feita qualquer tipo de prova.
36. A AT não apurou, como lhe competia, prova que lhe permitisse adquirir a convicção da existência e quantificação do facto tributário para que pudesse recorrer a correcções meramente “aritméticas”.
37. As provas recolhidas pela AT para a quantificação do valor da alegada simulação no preço da compra e venda são frágeis, insuficientes e contraditórias, sendo por tais motivos inaptas a elidir a presunção de verdade do que foi declarado na escritura de compra e venda (130.000,00), que são documentos autênticos e fazem prova plena dos factos que nele são atestados cfr. art. 363° e 371° ambos do Código Civil.
38. O IMT e Selo pago pelo adquirente João…, não é apto, por si só, a demonstrar que existiu uma simulação no preço da compra e venda por se tratar de declaração confessória que não é apta a demonstrar qual o preço real da compra.
39. Para que tal demonstração fosse efectuada sempre seria necessário que estes adquirentes viessem juntar aos autos documentos comprovativos de que o valor pago à recorrente foi efectivamente €125.000,00 e não os €100.000,00 que constam da escritura pública, designadamente com a remessa ao processo de inspecção de cheques, extratos bancários ou qualquer outro meio de prova que pudesse conferir credibilidade as declarações que fizeram quando procederam à liquidação adicional de IMT e Selo, o que não aconteceu.
40. O adquirente João..., impugnou judicialmente as liquidações de IMT e Selo que lhe foram efectuadas pela AT, em processo que corre seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro sob o nº 953/11.3BEAVR que aguarda a prolação de sentença.
41. A AT nunca curou de averiguar se os compradores pagaram efectivamente a quantia que veio a indicar no seu relatório de inspecção e que originaram a liquidação em IRS ora em crise, pelo que não ficou suficientemente firmado o juízo formulado pela AT, segundo o qual houve simulação dos preços nas indicadas compras e vendas.
42. As correcções efectuadas pela AT não podem ser efectuadas com base em meros pressentimentos, suposições ou palpites da AT.
43. A liquidação de IRC do ano de 2006 que foi efectuada à recorrente não se mostra devidamente fundamentada, violando desta forma o disposto no art. 268.°, n.° 3, da CRP, no art. 77.º da LGT e o art. 125.° do CPA.
44. Caso assim não se entenda e por existir dúvida na quantificação do acto tributário este tem de ser anulado por homenagem disposto no art. 100° do CPPT.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser ordenada a repetição da produção de prova por violação do princípio da plenitude da assistência cio juiz.

Caso assim não se entenda deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos termos já expostos nas conclusões e revogada a douta sentença recorrida e proferindo-se acórdão que declara a nulidade da liquidação nos termos indicados nas conclusões ou a anulação do acto tributário por existência de dúvida quanto à quantificação do mesmo, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA...(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
-
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorre em: (i) nulidade de sentença por violação do princípio da plenitude da assistência do juiz (conclusões 1 a 5); (ii) erro de julgamento de matéria de facto (conclusões 6 a 25); (iiI) erro de julgamento de matéria de direito e de facto ao concluir que a Administração Tributária logrou fazer prova da simulação do negócio e não se mostrando fundamentada a liquidação. (conclusões 25 a 44)


3. JULGAMENTO DE FACTO

3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:


1. A sociedade “R..., Lda.”, agora Impugnante, exerce a actividade de “compra e venda de bens imobiliários (CAE 68100)” – acordo e fls. 4 do PA;
2. No processo de inquérito nº NUIPC 8/08.8IDAVR, instaurado pelo Ministério Público à sociedade “J... – Sociedade de Intermediação Imobiliária, Lda.”, nif 5…, foram apreendidos documentos, quer em suporte de papel quer em suporte digital, que indiciam que nos negócios intermediados foi declarado preço inferior ao real – fls. 3 e 4 do PA;
3. Para proceder à verificação das declarações, relativas aos negócios mediados pela J..., foi emitida a ordem de serviço nº OI201002166, de 23/7/2010, autorizando a inspecção à actividade da agora Impugnante, e, na mesma data, foi enviada carta aviso a qual foi devolvida ao remetente com a anotação “objecto não reclamado” – acordo, e fls. 3 e 51 a 56 do PA;
4. A ordem de serviço foi assinada pela agora Impugnante em 28/7/2010 e a nota de conclusão das diligências foi assinada em 17/12/2010 – fls. 56 e 57 do PA;
5. Na sequência das diligência se inspecção foi elaborado o Relatório, datado de 18/1/2011, que se dá por transcrito – fls. 1 a 50 do PA;
6. Do Relatório da Inspecção Tributária consta, para além do mais, o seguinte:
“III.1.1.1.3 —
Nome do adquirente AN…
NIF do Adquirente 1…
1…
Identificação do Artigo 011003 — 9… — D (matriz predial urbana da Gafanha da Nazaré)
Localização do Imóvel Av….
Data da escritura de compra e venda 1-8-2006
Valor da venda (de acordo com escritura) 130.000,00 €
Valor Patrimonial Tributário (VPT) 87.350,00 €
Trata-se de um dos 3 negócios que foram intermediados pela J..., conforme referimos atrás. Assim, e no que respeita aos elementos apreendidos nas buscas realizadas no âmbito do processo de inquérito n.º NUIPC 8/08.8IDAVR, relacionados com esta operação, estes consistiram:
- ficheiro informático, no formato, word denominado ""cpcv R....DOC", composto por 6 (seis) páginas, sendo as 4 (quatro) primeiras referentes a "contrato promessa de compra e venda" datado de 14-6-2006 e as outras 2 (duas) referente a "Instrumento de Confissão de Dívida" (Anexo 9 —impressão do ficheiro). Analisando-se o ficheiro em questão verifica-se que no "contrato promessa de compra e venda" a empresa R..., LDA, representada pelos seus gerentes JOÃO… e H…, prometem vender e AN… e esposa D…, prometem comprar, pelo preço de 130.000,00 € uma "fracção autónoma de tipo T2 correspondente ao primeiro andar direito" do edifício "sito na Av…no lugar da Praia da Barra" Por sua vez, no citado "Instrumento de Confissão de Dívida" os promitentes compradores "declaram que se constituem devedores e principais pagadores da quantia 40.000, 00 € (Quarenta mil euros) referentes à diferença de preço acordado na compra de uma fracção (...) prometida adquirir Conforme o Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 14 de Junho de 2006 (...) ".
Ou seja, o valor efectivo da transacção em causa ascendeu a 170.000,00 € e não a 130.000,00 €, como foi declarado pelas partes na respectiva escritura de compra e venda, pelo que houve uma omissão de valores de 40.000,00 €.
Note-se que este contrato promessa é exactamente igual à cópia do contrato promessa de compra e venda outorgado entre a R..., LDA e os promitentes compradores (conforme cópia que nos foi apresentada pelos promitentes compradores), o que comprova de forma óbvia que o ficheiro em causa deu origem ao contrato promessa de compra e venda em formato de papel assinado pelas partes. Tal situação atesta de forma irrefutável que o ficheiro referente ao "Instrumento de Confissão de Dívida", também é um acordo escrito celebrado entre as partes, embora estas neguem a sua existência.
Os adquirentes foram notificados, através do ofício n.º 8311939, de 10-11-2008, para apresentar diversos esclarecimentos acerca do modo de pagamento do imóvel em questão, bem como para se pronunciar sobre os indícios de simulação de negócio quanto ao valor.
Desse modo, no dia 26-11-2008, foi recepcionada a resposta apresentada pelos adquirentes (entrada n.º 13321), na qual é negado que o valor real da transacção tenha sido superior ao montante declarado pelas partes na escritura, acrescentando que foram emitidos 6 cheques, disponibilizando –se a fornecer cópia dos mesmos.
Uma vez que, como já foi anteriormente referido, a forma de contabilização adoptada pela R..., LDA, não permite identificar os pagamentos de cada um dos compradores, tornou-se necessário que fossem os próprios adquirentes a fazê-lo. Deste modo, solicitou-se aos adquirentes cópia frente e verso dos cheques emitidos para pagamento do imóvel em referência (ofício n.º 8307825, datado de 9-8-2010). A respectiva resposta foi recepcionada em 26-8-2010 (entrada n.º 8794), tendo sido apresentadas cópias dos seguintes cheques (anexo 8):
• O Cheque n.º 1625073053, da conta n.º 1…do Montepio Geral (Agência de S. Bernardo), datado de 1-8-2006, no valor de 25.000,00 €, emitido em nome de R...; Este cheque foi depositado em 1-8-2006, na conta n.º 4…da Caixa de Crédito em nome da R..., LDA;
• Cheque n.º 7725073057, da conta n.º 1.. do Montepio Geral (Agência de S. Bernardo), datado de 1-8-2006, no valor de 35.000,00 €, emitido em nome de R...; Este cheque foi depositado em 1-8-2006, na conta n.º 4…da Caixa de Crédito em nome da R..., LDA;
• Cheque n.º 4125073061, da conta n.º 1…do Montepio Geral (Agência de S. Bernardo), datado de 1-8-2006, no valor de 17.500,00€, emitido ao portador;
Este cheque não deu entrada em qualquer conta bancária da R..., LDA.
De facto, foi possível apurar que tal cheque foi depositado na conta n.º 2… do Montepio Geral, cujo primeiro titular é MARIA…;
• Cheque n.º 5925073059, da conta n.º 1...do Montepio Geral (Agência de S. Bernardo), datado de 1-8-2006, no valor de 17.500, 00 €,T emitido ao portador;
Este cheque também não deu entrada em qualquer conta bancária da R..., LDA. De facto, foi possível apurar que tal cheque foi depositado na conta N. º 4…da Caixa de Crédito Agrícola, cujo primeiro titular é MARIA…;
• Cheque n.º 6825073058, da conta n.º1...do Montepio Geral (Agência de S. Bernardo), datado de 1-8-2006, no valor de 17.500,00€, emitido ao portador;
Este cheque também não deu entrada em qualquer conta bancária da R..., LDA. De facto, foi possível apurar que este foi depositado na conta N.º 6…da Caixa Geral de Depósitos, cujo primeiro titular é MARIA…;
• Cheque n.º 5025073060, da conta n.º 1...do Montepio Geral (Agência de S. Bernardo), datado de 1-8-2006, no valor de 17.500,00€, emitido ao portador;
Este cheque também não deu entrada em qualquer conta bancária da R..., LDA. De facto, foi possível apurar que este foi depositado na conta N. º 2… do Montepio Geral, cujo titular é a empresa O…, LDA. Este cheque foi contabilizado, por esta empresa, a título de sinal pago por MARIA…, por conta de um apartamento localizado na Praia da Barra, cuja escritura foi outorgada em 5-1-2009.
Note-se que todos os 6 (seis) cheques identificados têm data de 1-8-2006.
Dado que 4 cheques no valor global de 70.000,00 € não foram recebidos pela entidade vendedora, tornou-se necessário notificar os adquirentes, bem como a pessoa que os recebeu para justificar tal facto. Assim, e no que diz respeita a MARIA…, no dia 23-11-2010, foi a mesma ouvida acerca do facto de ter recebido de forma directa ou indirecta os referidos 4 cheques, tendo declarado:
(...) a notificada declara que esses 4 cheques se destinam a ser reembolsada de pagamentos por si efectuados, no valor de 70.000,00 €, à empresa R..., Lda a título de promessa de compra e venda de um apartamento situado na barra. Como desistiu de tal negócio, foi reembolsada pela empresa vendedora. Quanto á prova dos pagamentos por si efectuados à empresa R..., declara:
- no dia 31-8-2005 emitiu o cheque n.º 2613960828 da conta n.º 2…do Montepio Geral, no valor de 15.000,00 €, do qual junta cópia frente e verso;
- no dia 25-5-2006 efectuou um levantamento em numerário, da conta n. º 3…da caixa de crédito, no montante de 40.000,00 €, que declara ter entregue à R..., Ida, de cujo extracto apresenta cópia.
Falta assim justificar, ainda, o eventual pagamento do montante de 15.000,00 €, comprometendo-se a declarante a, no mais breve prazo de tempo possível, identificá-lo e apresentar cópia do mesmo.
Verifica-se que é alegada uma promessa de compra e venda, relativamente à qual terá a declarante entregue sinais no montante de 70.000,00 €, tendo depois sido reembolsada desse valor através de cheques emitidos pelo adquirente final. No que se refere aos pagamentos feitos, a declarante apresenta prova de 2 pagamentos no montante global de 55.000,00 € (faltando, portanto, justificar 15.000,00 €), a saber:
- levantamento em numerário, em 25-5-2006, do valor de 40.000,00 € (recorde-se que na conta bancária da R..., LDA na Caixa de Crédito existe um depósito desse valor nesse mesmo dia, pelo que parece haver de facto uma ligação entre estes dois movimentos);
- cheque N.º 2613960828 da conta n.º 2…do Montepio Geral, no valor de 15.000,00. De acordo com a informação constante no verso desse cheque este terá sido depositado na conta n.º 2-…do BPI. Ora, a R..., LDA não é titular de nenhuma conta bancária no BPI — de acordo com a sua contabilidade — pelo que se questiona quem foi o beneficiário de tal pagamento.
Quanto ao montante de 15.000,00 alegadamente pago à promitente vendedora, nada mais foi esclarecido pela promitente compradora.
Quanto aos adquirentes, foram estes também notificados (ofício n. º 8311297, de 18-11-2010), para justificarem a razão do pagamento parcial do valor a uma pessoa aparentemente estranha ao negócio, bem como para apresentarem cópia do extracto bancário da conta n. º 1...do Montepio Geral (Agência de S. Bernardo) do período de 1-6-2006 a 30-6-2006. No dia 10-12-2012 foi recepcionada a respectiva resposta (entrada n.º 11862), na qual os adquirentes declaram que emitiram os cheques de acordo com as instruções que lhe foram dadas pela empresa vendedora e que não sabem quem é a Sr.a MARIA... Relativamente ao extracto bancário solicitado, o mesmo foi fornecido pelos adquirentes, não se tendo verificado, para o período em causa, qualquer movimento (a débito) que face ao valor indiciasse qualquer relação com a aquisição em análise. Note-se que foi solicitada a exibição do extracto bancário referente a este período pelo facto de o contrato promessa de compra e venda ser datado de 14-6-2006 (sendo que na cláusula terceira do mesmo é dada quitação do sinal no montante de 25.000,00 €), tendo, no entanto, os compradores justificado o pagamento do valor mencionado na escritura de compra e venda através dos seguintes cheques:
DATA ZIB N. CONTA CHEQUE VALOR
01-08-2006 0036 0197 9… 7725073057 35.000,00€
01-08-2006 0036 0197 9… 1625073053 25.000,00€
02-08-2006 0036 0197 9… 4125073061 17.500,00€
02-08-2006 0036 0197 9… 5925073059 17.500,00 €
04-08-2006 0036 0197 9… 6825073058 17.500,00€
04-08-2006 0036 0197 9… 5025073060 17.500,00 €
TOTAL 130.000,00 €
Ou seja, se ao somatório desses cheques, isto é 130.000,00 €, adicionarmos o montante pago na data do contrato promessa em 14-6-2006, isto é 25.000,00 €, obtemos desde logo um valor superior ao declarado na respectiva escritura de compra e venda. Ou seja, nitidamente o valor escriturado é inferior ao valor real praticado pelas partes.
Conclui-se, assim, ter havido uma omissão aos proveitos no montante de 40.000,00 €, parte do qual pago aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda.
(…)
111.1.1.1.6 —
Nome do adquirente J…
E…
NIF do Adquirente 1…
2…
Identificação do Artigo 011003 — 9… — G (matriz predial urbana da Gafanha da Nazaré)
Localização do Imóvel Av… - Barra
Data da escritura de compra e venda 9-11-2006
Valor da venda (de acordo com escritura) 135.000,00€
Valor Patrimonial Tributário (VPT) 69.740,00 €
Trata-se de uma das 3 vendas que foram intermediados pela J..., conforme já foi referido. Assim, e no que respeita aos elementos apreendidos nas buscas realizadas no âmbito do processo de inquérito n.º NUIPC 8/08.8IDAVR, relacionados com esta operação, estes consistiram:
- ficheiro informático, no formato, word denominado ""CPCV R....doc", composto por 6 (seis) páginas, sendo as 4 (quatro) primeiras referentes a "contrato promessa de compra e venda" datado de 14-6-2006 e as outras 2 (duas) referente a "Instrumento de Confissão de Dívida, datado de 5-92006" (Anexo 1 — impressão do ficheiro). Analisando-se o ficheiro em questão verifica-se que no "contrato promessa de compra e venda" a empresa R..., LDA, representada pelos seus gerentes J… e H…, prometem vender e J… e esposa E…, prometem comprar, pelo preço de 135.000,00 € uma "fracção autónoma de tipo T1 (...) correspondente ao terceiro andar esquerdo" do edifício "sito na Av…no lugar da Praia da Barra" Por sua vez, no citado "Instrumento de Confissão de Dívida" os promitentes compradores "declaram que se constituem devedores e principais pagadores da quantia 25.000, 00 € (vinte e cinco mil euros) referentes à diferença de preço acordado na compra de uma fracção (...) prometida adquirir conforme o Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 5 de Setembro de 2006 (...)". Note-se que o contrato promessa de compra e venda é datado de 14-6-2006, mas no "Instrumento de Confissão de Dívida" é feita a alusão de que aquele foi outorgado em 5-9-2006 (ou seja, esses dois contratos teriam sido outorgados no mesmo dia, pelo que a data constante no contrato promessa estaria errada, talvez por ter sido usado como modelo um outro contrato promessa, esse sim outorgado no dia 14-6-2006);
- contrato de mediação imobiliária n.º 8959, datado de 29-5-2006, (anexo 2) no qual é estabelecido que a empresa J... SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA tem direito a receber da R..., LDA, no caso de conseguir encontrar interessados na compra de algum apartamento do imóvel em questão, a "quantia de 3% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescido do respectivo IVA à taxa legal de 21%".
Note-se que é o próprio contrato que estabelece que a comissão devida é calculada "sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado" e não sobre o preço escriturado. É evidente que a imobiliária, seja ela qual for, é remunerada através de uma percentagem aplicada sobre o valor real da transacção e não sobre o valor escriturado, quando um e outro não forem coincidentes.
- mapa de controlo, denominado "registo de comissões" (anexo 3). Tendo presente o referido no item anterior, é lógico que quando existe divergência entre o valor real da transacção e o valor escriturado, a empresa imobiliária tem de ter um controlo sobre essa situação, até porque, diz-nos a experiência, que muitas das vezes a imobiliária apenas factura a parte correspondente à aplicação da percentagem definida ao valor escriturado, sendo que a parte excedente (o valor resultante da aplicação da percentagem ao diferencial entre o valor real e o escriturado) é recebida à margem de qualquer factura ou documento equivalente.
É precisamente o que sucede no caso em apreço. De facto, num dos mapas denominados "registo de controlo" elaborados pela J..., constam os seguintes dados:
• data da venda: "1/9/2006";
• vendedor: "R... Construções, Lda
• comprador: "João...";
• comissão a receber: "4.800,00 (4.050 + 750)"
Ora, a que é que se referem estes valores da comissão a receber? Muito simples e esclarecedor:
• 135.000,00€ (valor da escritura) X 3% (percentagem constante do contrato de mediação imobiliária) .......................................4.050,00€
• 25.000,00€ (valor constante do "Instrumento de Confissão de Dívida') X 3% (percentagem constante do contrato de mediação)…750,00€
4.800,00€
ou seja:
• 160.000,00 € (valor real da venda) X 3% (percentagem constante do contrato de mediação) .....................................................4.800,00€
Quanto ao valor de 4.050,00€, este foi facturado pela J... através da sua factura n.º 331, de 14-11-2006, no valor global de 4.900,50 € (4.050,00 + IVA à taxa de 21%), tendo tal factura sido paga através do cheque n.º 2743612269 da conta do BCP n.º 99304721 da R..., LDA.
Ou seja, os documentos apreendidos no âmbito do processo de inquérito n.º NUIPC 8/08.81DAVR provam de forma evidente que o valor efectivo da transacção em causa ascendeu a 160.000,00 € e não a 135.000,00 €, como foi declarado pelas partes na respectiva escritura de compra e venda, pelo que houve uma omissão de valores de 25.000,00 €.
Note-se, ainda, que o ficheiro informático referente ao contrato promessa de compra e venda é exactamente igual à cópia do contrato promessa de compra e venda outorgado entre a R..., LDA e os promitentes compradores que foi entregue pelos adquirentes na Câmara Municipal de Ilhavo, para efeitos da celebração do contrato n. º A0300741 referente à ligação da água (conforme cópia por nós recolhida junto da Câmara Municipal de Ilhavo — Divisão de Obras, Equipamentos e Ambiente — anexo 4), o que comprova de forma óbvia que o ficheiro em causa deu origem ao contrato promessa de compra e venda em formato de papel assinado pelas partes. Tal situação atesta de forma irrefutável que o ficheiro referente ao "Instrumento de Confissão de Dívida", também é um acordo escrito celebrado entre as partes, embora estas neguem a sua existência.
Os adquirentes foram notificados, na pessoa de FERNANDO…, na qualidade de representante fiscal, através do ofício n. º 8311932, de 10-11-2008, para apresentar diversos esclarecimentos acerca do modo de pagamento do imóvel em questão, bem como para se pronunciar sobre os indícios de simulação de negócio quanto ao valor.
Desse modo, no dia 25-11-2008, foi recepcionada a resposta apresentada pelos adquirentes (entrada n.º 13309), na qual é negado que o valor real da transacção tenha sido superior ao montante declarado pelas partes na escritura, acrescentando que foram efectuados 3 pagamentos (um na data do contrato promessa de compra e venda e os outros dois na data da escritura de compra e venda), disponibilizando-se a fornecer cópia dos mesmos.
Uma vez que, como já foi anteriormente referido, a forma de contabilização adoptada pela R..., LDA, não permite identificar os pagamentos de cada um dos compradores, tornou-se necessário que fossem os próprios adquirentes a fazê-lo. Deste modo, solicitou-se aos adquirentes cópia frente e verso dos cheques emitidos para pagamento do imóvel em referência (ofício n.º 8307824, datado de 9-8-2010).
A respectiva resposta foi recepcionada em 30-8-2010 (entrada n.º 8859), tendo sido apresentada cópia do seguinte cheque:
• Cheque n.º 8192805863, da conta n.º 9…do Banco BPI, datado de 9-11-2006, no valor de 50.000,00 €, emitido em nome de R...;
Este cheque foi depositado em 10-11-2006, (dia seguinte ao da realização da escritura) na conta n. º 4…da Caixa de Crédito em nome da R..., LDA;
Um mês depois foi recepcionada (entrada n.º 9964, de 6-10-2010) cópia dos outros 2 (dois) meios de pagamento, a saber:
• Cheque n.º 1219376794, de uma conta de empréstimo do BPI, datado de 8 -11-2006, no valor de 80.000,00 €, emitido em nome de R...;
Este cheque foi depositado em 10-11-2006, (dia seguinte ao da realização da escritura) na conta n.º 40188061267 da Caixa de Crédito em nome da R..., LDA;
• cópia de um aviso de lançamento enviado em 8-9-2006, pela Caixa de Crédito Agrícola de Vagos para a empresa R..., LDA, na qual é dado conhecimento que no dia 7 -9-2006 foi recebida uma transferência bancária, no valor de 5.000,00 €, ordenada por "J… " através do Banco Fonsecas & Burnay (actual Banco BPI).
Perante todos os indícios apurados e atrás descritos foram os adquirentes notificados (notificação pessoal efectuada, ao seu representante fiscal, em 25-10-2010) para no prazo máximo de 10 dias:
1) identificar os meios de pagamento utilizados para pagar o diferencial entre o valor real da transacção e o valor declarado na escritura de compra e venda;
ü) apresentar cópia do "instrumento de confissão de dívida", datado de 5 -9-2006, celebrado com a empresa "R..., LIMITADA";
iii) apresentar cópia dos documentos de quitação emitidos pela empresa "R..., LIMITADA" referente aos pagamentos do diferencial entre o valor real da transacção e o valor declarado na escritura de compra e venda;
No dia 17-11-2010, foi recepcionada a resposta apresentada pelo adquirente J… (entrada n.º 11362), na qual este declara que a data constante no contrato promessa se encontra errada (o que, como vimos, parece ser um facto) e que o valor pago foi de apenas 135.000,00 €, "pelo que não foi efectuado qualquer outro tipo de pagamento", finalizando dizendo que "nunca foi outorgado com a sociedade vendedora qualquer instrumento de confissão de dívida".
Não obstante seja negado, a verdade é que os elementos recolhidos na busca efectuada à empresa imobiliária indiciam de forma evidente que na escritura de compra e venda em causa, houve omissão de valores no montante de 25.000,00 €.
(….)
111.1.1.1.8 —
Nome do adquirente JOÃO…
MARIA…
NIF do Adquirente 1…
1…
Identificação do Artigo 011003 — 9… — C (matriz predial urbana da Gafanha da Nazaré)
Localização do Imóvel Av…— Barra
Data da escritura de compra e venda 7-8-2006
Valor da venda (de acordo com escritura) 100.000,00 €
Valor Patrimonial Tributário (VPT) 65.370,00 €
Esta transacção trata-se de uma das 3 que foram intermediados pela J..., conforme já foi referido.
Assim, no que respeita aos elementos apreendidos nas buscas realizadas no âmbito do processo de inquérito n.º NUIPC 8/08.8IDAVR, relacionados com esta operação, estes consistiram:
- ficheiro informático, no formato, word denominado ""CPCV R....doc", composto por 5 (cinco) páginas, sendo as 4 (quatro) primeiras referentes a "contrato promessa de compra e venda" datado de 23-22006 e a outra referente a "Instrumento de Confissão de Dívida, também datado de 23-2-2006" (anexo 5 - impressão do ficheiro informático). Analisando-se o ficheiro em questão verifica-se que no "contrato promessa de compra e venda" a empresa R..., LDA, representada pelos seus gerentes J… e H…E, prometem vender e JOÃO… e esposa MARIA…, prometem comprar, pelo preço de 100.000,00 € uma "fracção autónoma de tipo T1 (...) correspondente ao primeiro andar direito" do edifício "sito na Av…. no lugar da Praia da Barra" Por sua vez, no citado "Instrumento de Confissão de Dívida" os promitentes compradores "declaram que nesta data se constituem devedores e principais pagadores da quantia 25.000, 00 € (vinte e cinco mil euros) pelas alterações aos acabamentos de uma fracção de tipo T1 prometida adquirir conforme o Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 23 de Fevereiro de 2006 (...)".
Note-se que tal ficheiro informático referente ao contrato promessa de compra e venda é exactamente igual à cópia do contrato promessa de compra e venda outorgado entre a R..., LDA e os promitentes compradores que foi entregue pelos adquirentes na Câmara Municipal de Ilhavo, para efeitos da celebração do contrato n.º A0297021, referente à ligação da água (conforme cópia por nós recolhida junto da Câmara Municipal de Ílhavo — Divisão de Obras, Equipamentos e Ambiente — Anexo 6), o que comprova de forma óbvia que o ficheiro em causa deu origem ao contrato promessa de compra e venda em formato de papel assinado pelas partes. Tal situação atesta de forma irrefutável que o ficheiro referente ao "Instrumento de Confissão de Dívida", também é um acordo escrito celebrado — em simultâneo com o contrato promessa - entre as partes.
Ou seja, os documentos apreendidos no âmbito do processo de inquérito n.º NUIPC 8/08.8IDAVR provam de forma evidente que o valor efectivo da transacção em causa ascendeu a 125.000,00 € e não a 100.000,00 €, como foi declarado pelas partes na respectiva escritura de compra e venda, pelo que houve uma omissão de valores de 25.000,00 €.
Os adquirentes foram notificados através do ofício n. º 8311930, de 10-11-2008, para apresentar diversos esclarecimentos acerca do modo de pagamento do imóvel em questão, bem como para se pronunciar sobre os indícios de simulação de negócio quanto ao valor.
Desse modo, no dia 19-11-2008, os adquirentes deslocaram-se ao Serviço de Finanças da Guarda, onde solicitaram o pagamento voluntário da liquidação adicional de IMT e SELO, com o seguinte fundamento: "liquidação adicional efectuada nos termos do n. º 1 do art.º 31.º do CIMT, em resultado de fiscalização por parte da inspecção Tributária em que apurou come (SIC) sendo o valor de venda de 125.000, 00 € e não de 100.00 0,00 € como foi declarado na 1.ª liquidação" (Anexo 7 — Documento de liquidação de IMT n.°160108030341903).
Trata-se, portanto, da conformação, por parte dos adquirentes, que na escritura de compra e venda foi declarado, pelas partes, um valor inferior ao efectivamente praticado, no montante de 25.000,00 €, razão pela qual há lugar a um acréscimo ao lucro tributável no referido montante.
(…)
Resumo/Conclusão.
Face ao exposto ao longo das páginas anteriores, consta -se ter havido simulação de valores em algumas vendas efectuadas pela R..., LDA., ao longo do ano de 2006, cujo único objectivo foi o de prejudicar a Administração Fiscal (diminuindo de forma ilícita o IRC a pagar pela entidade vendedora e o IMT e SELO a pagar pelos compradores).
A doutrina e a jurisprudência têm sido concordantes na defesa de que a mera simulação de preço não é causa de nulidade de escritura. A título meramente exemplificativo, podemos fazer referência aos seguintes acórdãos:
• A existência de escritura pública de trespasse na qual se declara um preço, não impede a administração fiscal, atento o artigo 39.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, de corrigir a matéria colectável, se para tanto tiver razões juridicamente válidas, sem necessidade de obter declaração judicial de nulidade do negócio cujo preço foi simulado (Acórdão do S.T.A., de 26.02.2003, in Ac. Dout., Ano XLIII, n.º 508, pág. 553);
• Tendo havido simulação do preço, na escritura definitiva de cessão da quota - onde as partes declararam, intencional e concertadamente, um preço inferior ao real com intenção de enganar o fisco - a nulidade emergente da simulação não se propaga ao negócio jurídico, apenas afectando o objecto imediato da simulação - o preço - que deve ser considerado não o declarado, mas o que realmente foi negocialmente querido (sumário do Acórdão do STJ de 05-06-2007, Processo:07A1 364, Relator: Fonseca Ramos);
• A simulação de preço não implica a nulidade do acto (no caso, uma cessão de quota), que passará a valer pelo preço realmente convencionado (Acórdão do S.T.J. de 20.1.1998);
• É princípio assente na lei e na doutrina que a simulação do preço é uma simulação relativa que, não determinando a nulidade do negócio, apenas implica a determinação do preço real (Acórdão do S.T.J. de 15.5.1990, in BMJ, 397-478);
• I - O artigo 39º da Lei Geral Tributária não impede a Administração Fiscal de, perante uma escritura pública da qual consta determinado preço de venda, tributar em IRS o correspondente provento, considerando, por presunção, um preço superior ao declarado.
II - Aquela disposição legal não impõe à Administração que, para assim proceder, obtenha a declaração judicial de nulidade do negócio jurídico simulado, porque constante de escritura pública, pois a mera simulação do preço não é causa da nulidade de tal negócio, não existem, no caso, dois negócios, um real e outro simulado, e o Fisco pode recorrer a métodos presuntivos, quando a lei lho autorize. (Sumário do Acórdão do S.T.A. de 19-2-2003, Relator Baeta de Queiroz — Proc.° 01757/02).
Assim, pode-se concluir que a mera simulação de preço não é causa de nulidade de escritura, porquanto não existem no caso dois negócios: um real e outro simulado. Não subsiste qualquer dúvida de que ambas as partes quiseram e celebraram uma compra e venda, isto é, transferiram entre si a propriedade de um imóvel, mediante um preço. Simplesmente este, em vez de ser "x", como declarado, pelas partes, aquando da outorga da competente escritura, foi, na verdade, "y" . Por esse facto, é entendimento corrente que a simulação limitada ao preço da compra e venda, não chega sequer a constituir uma simulação relativa, na medida em que se está perante um negócio único, nos seus elementos essenciais - a compra e venda que transparece da escritura pública.
Deste modo, em caso algum a "simulação de preço", é condição suficiente para tornar nulo o negócio, face ao disposto no referido artigo 241° do Código Civil.
A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17.12, contempla no seu artigo 39° mecanismos que permitem à Administração Tributária agir, perante uma escritura pública da qual consta determinado preço de venda, tributar em IRC ou IRS o correspondente provento, considerando um preço superior ao declarado, sem necessidade de obter previamente declaração judicial de nulidade do negócio jurídico simulado, porque constante de escritura pública.
Face ao exposto, resultam as seguintes correcções ao lucro tributável:
Referência Relatório Valor da Correcção
III.1.1.1.1 0
III.1.1.1.2 0
III.1.1.1.3 40.000,00€
III.1.1.1.4 0
III.1.1.1.5 0
III.1.1.1.6 25.000,00€
III.1.1.1.7 0
III.1.1.1.8 25.000,00€
III.1.1.1.9 0
III.1.1.1.10 0
TOTAL 90.000,00€
Pelo que o lucro tributável passa a ascender a:
Valor declarado Valor da correcção Valor corrigido
Lucro tributável 127.944,22 90.000,00 217.944,22
Dedução de prejuízos fiscais 79.370,88 79.370,88
Matéria colectável 48.573,34 138.573,34
7. Após as correcções propostas no Relatório o custo médio de cada metro quadrado de construção das dez fracções vendidas em 2006 pela agora Impugnante será o seguinte:
Adquirente Área Valor declarado Custo m2 Valor corrigido Custo m2
M… 76,42 95.000 1.243 - 1.243
Ad... 74,45 95.000 1.276 - 1.276
An... 103,52 130.000 1.256 170.000 1.642
G… Garcia Catalan 80,35 100.000 1.245 - 1.245
An... 105,95 120.000 1.133 - 1.133
J… 114,30 135.000 1.181 160.000 1.400
João D… 101,26 92.590 914 - 914
João… 86,25 100.000 1.159 125.000 1.449
Fernando… 103,52 135.000 1.304 - 1.304
H… 106,08 130.000 1.225 - 1.225
- fls. 56 a 143 dos autos;
8. Em 31/1/2011 a AT efectuou a liquidação nº 2011 8310000544 de IRC do ano 2006, no montante de 25.774,50, a pagar até 14/3/2011 – fls. 34 e 35 dos autos;
9. Em 6/7/2011 a agora Impugnante apresentou reclamação graciosa relativa à liquidação acima identificada – fls.36 a 46 dos autos;
10. Por despacho de 18/11/2011 a AT indeferiu a reclamação graciosa – fls. 135 a 139 do PA;
11. Essa decisão foi comunicada à agora Impugnante através de oficio nº 201 737, de 22/11/2011, enviado sob registo postal – fls. 140 e 141 do PA;
12. Em 9/12/2011 foi apresentada a petição inicial da presente Impugnação – fls. 1 e 147 dos autos;
Mais se dá como provado que:
13. Em 29/5/2006 foi celebrado o “contrato de mediação imobiliária” nº 8959 entre “J... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Limitada”, pessoa colectiva nº 5…, e “R...” com sede em Rua…, Vagos, em regime de não exclusividade, relativo ao prédio de habitação pertencente à segunda sito na Avenida…, Praia da Barra, Gafanha da Nazaré, Ílhavo, através do qual a primeira se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessados na compra e a segunda se obriga a pagar à mediadora, a titulo de remuneração pela concretização do negócio visado, “A quantia de 3% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescido do respectivo IVA à taxa legal de 21%” – fls. 22 do PA e testemunha Joaquim... (“J...”);
14. Em 14/6/2006 entre a sociedade agora Impugnante, como primeiro outorgante, e J… e mulher, como segundo outorgante, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda da fracção G do artigo urbano inscrito na matriz da freguesia de Gafanha da Nazaré sob o artigo nº 9… pelo preço declarado de € 135.000,00, o qual se encontra autografado pelas partes, onde consta, para além do mais, que a primeira outorgante dá quitação aos segundos da quantia de € 5.000,00 recebida “a titulo de sinal e principio de pagamento” – fls. 25 a 28 do PA;
15. Nos documentos em versão digital apreendidos nos computadores da sociedade mediadora “J..., Lda.”, nos termos do inquérito referido em 2 supra, consta cópia do contrato-promessa acima identificado, sem qualquer assinatura das partes – fls. 19 e 20 do PA;
16. Entre os documentos apreendidos à sociedade mediadora “J..., Lda.”, nos termos do referido inquérito, consta a ficha de “registo de comissões”, sem qualquer assinatura mas feito por um dos colaboradores da “J..., Lda.”, relativa à venda de um imóvel da sociedade agora Impugnante a “João...”, efectuada em 1/9/2006, onde se averbou manualmente que a comissão recebida foi € 1.316,25 e a comissão a receber é € 4.800,00 (4.050 + 750), correspondente ao preço de € 160.000,00 (4800/3%), sendo a comissão de €4.050,00 correspondente ao preço de € 135.000,00 (4050/3% = 135.000) e a comissão de € 750,00 correspondente ao preço de € 25.000,00 (750/3% = 25.000) – fls. 23 do PA e testemunha Joaquim... (“J...”);
17. Com data de 5/9/2006 foi lavrado “instrumento de confissão de divida” no qual J… e mulher “declaram que se constituem devedores e principais pagadores da quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) referentes à diferença de preço acordado na compra de uma fracção autónoma de tipo T1 prometida adquirir conforme o Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 5 de Setembro de 2006 com a sociedade comercial por quotas denominada de R..., LDA., pessoa colectiva número 5…” – fls. 21 do PA e testemunha Joaquim... (“J...”);
18. Em 9/11/2006 entre a sociedade agora Impugnante, como vendedora, e J… e mulher, como compradores, foi celebrada a escritura pública de “compra e venda, mútuo com hipoteca”, na qual a primeira declara vender e os segundos declaram comprar, com a intervenção da mediadora imobiliária “J..., Lda.”, a fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana nº 9… da freguesia da Gafanha da Nazaré, pelo preço de € 135.000,00 financiado com empréstimo bancário de igual valor – fls. 128 a 132 dos autos;
19. Em 14/6/2006 entre a sociedade agora Impugnante, como primeiro outorgante, e An... e mulher, como segundo outorgante, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma de tipo T2 situada no 1º andar direito do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Gafanha da Nazaré, Ílhavo, sob o artigo nº 9…, pelo preço declarado de € 130.000,00, o qual se encontra autografado pelas partes, onde consta, para além do mais, que a primeira outorgante dá quitação aos segundos da quantia de € 25.000,00 recebida “a titulo de sinal e principio de pagamento” – fls. 49 e 50 do PA;
20. Nos documentos em versão digital apreendidos nos computadores da sociedade mediadora “J..., Lda.”, nos termos do inquérito referido em 2 supra, consta cópia do contrato-promessa acima identificado, sem qualquer assinatura das partes – fls. 45 e 46 do PA;
21. Com data de 14/6/2006 foi lavrado “instrumento de confissão de divida” no qual An... e mulher “declaram que se constituem devedores e principais pagadores da quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros) referentes à diferença de preço acordado na compra de uma fracção autónoma de tipo T2 prometida adquirir conforme o Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 14 de Junho de 2006 com a sociedade comercial por quotas denominada de R..., LDA., pessoa colectiva número 5…” – fls. 47 do PA e testemunha Joaquim... (“J...”);
22. Em 1/8/2006 entre a sociedade agora Impugnante, como vendedora, e An... e mulher, como compradores, foi celebrada a escritura pública de “compra e venda, mútuo com hipoteca”, na qual a primeira declara vender e os segundos declaram comprar, com a intervenção da mediadora imobiliária “J..., Lda.”, a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana nº 9… da freguesia da Gafanha da Nazaré, pelo preço de € 130.000,00 financiado com empréstimo bancário de igual valor – fls. 120 a 125 dos autos;
23. Para pagamento da quantia referida no ponto anterior, em 1/8/2006 An... emitiu os seguintes cheques, todos da sua conta nº 0…localizada no Montepio Geral, Aveiro, S. Bernardo:
Nº Cheque Ordem/portador Montante Beneficiário
25073053 Ordem: R..., Lda € 25.000,00 R..., Lda.
25073057 Ordem: R..., Lda € 35.000,00 R..., Lda.
25073058 Ao portador € 17.500,00 Maria…
25073059 Ao portador € 17.500,00 Maria…
25073060 Ao portador € 17.500,00 O…, Lda., a título de sinal pago por Maria…, para compra de imóvel
25073061 Ao portador € 17.500,00 Maria…
- fls. 39 a 44 do PA;
24. Maria… era, na altura dos factos, angariadora de vendas da sociedade “J... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Limitada” e participou em alguns negócios em causa nos autos – 1ª testemunha, Maria…, e fls. 23 do PA;
25. Em 23/2/2006 entre a sociedade agora Impugnante, como primeiro outorgante, e João… e mulher, como segundo outorgante, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, pelo preço de € 100.000,00, da fracção autónoma de tipo T1, 1º andar direito, do prédio urbano em construção no terreno inscrito na Conservatória do registo Predial sob o nº 3… de Gafanha da Nazaré sob o artigo nº 9… pelo preço declarado de € 135.000,00, o qual se encontra autografado pelas partes, no qual consta que a primeira dá quitação da quantia de € 10.000,00 recebida “a título de sinal e principio de pagamento” – fls. 33 a 36 do PA;
26. Nos documentos em versão digital apreendidos nos computadores da sociedade mediadora “J..., Lda.”, nos termos do inquérito referido em 2 supra, consta a cópia do contrato-promessa acima identificado, sem qualquer assinatura das partes – fls. 29 e 30 do PA;
27. Com data de 23/2/2006 foi lavrado “instrumento de confissão de divida” no qual João… e mulher “declaram nesta data que se constituem devedores e principais pagadores da quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) pelas alterações aos acabamentos de uma fracção de Tipo T1 prometida adquirir conforme o Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado em 23 de Fevereiro de 2006 com a sociedade comercial por quotas denominada de R..., LDA., pessoa colectiva número 5…” – fls. 31 do PA e testemunha Joaquim... (“J...”);
28. Em 7/8/2006 entre a sociedade agora Impugnante, como vendedora, e João… e mulher, como compradores, foi celebrada a escritura pública de “compra e venda, mútuo com hipoteca e hipoteca”, na qual a primeira declara vender e os segundos declaram comprar, sem intervenção de mediador imobiliário “J..., Lda.”, a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar direito, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana nº 9…, sito na Av…, Praia da Barra, da freguesia da Gafanha da Nazaré, pelo preço de € 100.000,00 financiado com empréstimo bancário de igual valor – fls. 135 a 140 dos autos;
29. Interpelado pela AT (administração tributária), o referido adquirente, João…, pagou a importância de € 882,84, correspondente à liquidação adicional de IMT e juros compensatórios efectuada em 19/11/2008, devida pela diferença de valores (€ 125.000,00 em vez de € 100.000,00) apurada na acção inspectiva em causa nos autos – fls. 37 e testemunha Al…;
30. Em 31/1/2011 a AT efectuou a liquidação nº 2011 8310000544 relativa a IRC do ano 2006 cujo sujeito passivo é a agora Impugnante, a pagar até 14/3/2011 – fls. 34 e 35 dos autos;
31. Em 6/7/2011 a agora Impugnante apresentou petição na qual disse pretender reclamar graciosamente da liquidação acima identificada – fls. 36 e seguintes dos autos;
32. Por decisão de 18/11/2011, a AT indeferiu a reclamação graciosa, tendo esse facto sido notificado à Reclamante por meio de ofício nº 201737, de 22/11/2011, enviado sob registo postal de 23/11/2011 – fls. 52 a 54 dos autos;
33. Em 9/12/2011, sob registo postal, apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro a petição inicial da presente impugnação – 146 dos autos;
E ainda:
34. Os imóveis em causa situam-se numa das principais ruas na Praia da Barra, em local aprazível, com bons acessos e com boa construção com fachada especialmente duradoura – C…, arquitecto;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Com relevância para a boa decisão das questões a apreciar consideram-se não provados os seguintes factos;
1. Maria… pagou € 70.000,00 à sociedade Impugnante a título de principio de pagamento da aquisição de fracção “D”, em construção, acordada pelo preço total de € 130.000,00, cuja posição contratual cedeu a An... e mulher - 84º a 89º da p.i.;. (…)”

3.2. Aditamento oficioso à decisão da matéria de facto.
Ao abrigo do art.º 662.º do CPC, na redação aplicável, ex vi artigo 2 alínea e) do CPPT, reformula-se o ponto n.º 18.º da materia de facto por constarem dos autos e do processo administrativo apenso documentos que os sustentam:

18. Em 09.11.2006 entre a sociedade Impugnante, como vendedora, e J… e mulher, como compradores, foi celebrada a escritura pública de “compra e venda, mútuo com hipoteca”, na qual a primeira declara vender e os segundos declaram comprar, com a intervenção da mediadora imobiliária “J..., Lda.”, a fração autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana nº 9… da freguesia da Gafanha da Nazaré, pelo preço de € 135.000,00 financiado com empréstimo bancário de valor € 80 000.00 – fls. 128 a 132 dos autos.

3.3 A Recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto. Considera que os factos dados como provados com os números 16. 17. 18. 21. 27 deveriam ter sido dados como não provados.
Vejamos:
Da conjugação dos artigos 662.º e 640.º do CPC decorre que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa e desde que o recorrente especifique nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
Compete ao TCA reapreciar, não apenas a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova indicada e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção, como refere António Santos Abrantes Geraldes in Recurso no Novo Código do Processo Civil, pag. 232, um “juízo autónomo”, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação. E consequentemente modificar a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
O tribunal superior fica legitimado se esses meios de prova conduzirem e impuserem uma decisão diversa da proferida podendo concluir-se ter incorrido, a 1ª instância, em erro de apreciação das provas.
No entanto, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas previsto no n.º 5 do art.º 607º do CPC.
Por força do referido princípio, as provas são apreciadas livremente, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350.º, nº 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais.
A alteração da matéria de facto pelo Tribunal ad quem tem lugar necessariamente nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, traduzida num erro evidente na apreciação das provas, que implica uma decisão diversa.
A modificabilidade da matéria de facto pressupõe uma clara distinção entre erro na apreciação da matéria de facto e a discordância do sentido em que se formou a convicção do julgador.
Assim, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
Analisado o facto n.º 16 da matéria provada constata-se que limita-se a descrever o teor de documento designado por “registo de comissões” que foi apreendido à sociedade imobiliária J..., Lda, relacionado com o negócio realizado com João... no âmbito do processo de inquérito.
Por sua vez, o ponto n.º 18.º reporta-se ao teor da escritura pública de compra e venda, constante no processo administrativo apenso aos autos, e ao qual já se fez, oficiosamente alterações, por imprecisões.
No que tange aos pontos 17.º e 21.º reportam-se a documentos designados por “Instrumentos de confissão de dívida” relativos a J… e esposa e An... e esposa, respetivamente onde consta que se constituem devedores e principais pagadores de determinadas quantias.
A sentença recorrida relativamente a estes factos, com exceção do ponto 18.º, para além de valorizar o documento suporta-se também no depoimento testemunha Joaquim..., cuja convicção motivou eloquentemente.
Ouvida e apreciada a prova testemunhal produzida não se constata qualquer erro de julgamento da matéria que importe corrigir. Como supra se disse a sentença recorrida para além de valorizar os documentos suporta-se também no depoimento testemunha Joaquim... e desvaloriza os depoimentos das restantes testemunhas, uma vez, que as mesmas têm interesse direto na versão sustentada.
Confrontado o teor constante dos referidos documentos identificados nos pontos 16.º, 17.º, 18.º e 21.º conjugada com os depoimentos das testemunhas, não se vislumbra qualquer erro de julgamento de facto.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A Recorrente alega violação do princípio da plenitude e assistência do juiz e da imediação da prova, uma vez que o juiz que procedeu à inquirição de testemunhas foi um juiz diferente do que proferiu a sentença.
Decidindo:
Decorre do n.º 1 do art.º 605.º do CPC que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência final.
Como refere o Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, na anotação n.º 13 do art.º 206.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, Anotado, volume III, 6.ª edição, 2011, fls. 546 e seguintes:
“(...) Estas evoluções legislativas dos processos civil e tributário demonstram que, sendo certo há conveniência em que o julgamento da matéria de facto seja efectuado pelo juiz que assiste à produção de prova, tal regime não deve ser considerado uma regra absolutamente imperativa, que não possa ceder quando imperativos práticos relacionados com o bom funcionamento do serviço público de justiça se lhe devam sobrepor.
Com efeito, como se vê por aquele passado do contencioso tributário, o legislador não teve grande preocupação em assegurar que o julgamento da matéria de facto fosse efectuada por quem preside às diligências e no processo civil abriu-se mesmo uma excepção explícita a essa regra com o aditamento do referido art. 638.-A do CPC.
(…)
De resto, actualmente, com a generalização da gravação da prova nos tribunais tributários, que assegura muito mais proximidade entre o juiz e a produção da prova do que a permitia a redução a escrito, há ainda menos razão do que anteriormente para não sobrepor a mera conveniência da imediação entre o julgador em relação à produção de prova com prejuízo da eficiência global do serviço público de justiça.
(…)
Por outro lado, nos processos tributários regulados pelo CPPT, não há audiência final, nas apenas audiência contraditória para a produção de prova testemunhal (art. 118.º, n.º 2, do CPPT, aplicável ao processo de oposição à execução fiscal por força do disposto no seu art. 211.º, n.º 1) sendo a discussão da matéria de facto de facto sempre efectuada por escrito, termos do art. 120.º do mesmo Código.
Estas constatações revelam que não é aplicável nos seus precisos termos aquela norma art. 654.º, nº 1, do CPC [aplicação que terá de ser subsidiária, por via da alínea e) do art.º 2 do CPPT] e que se optou por prescindir mesmo as possíveis vantagens da imediação do julgador com a discussão oral matéria de facto da causa, que se entendeu ser conveniente processo civil. (…)”
No mesmo sentido vai a jurisprudência quer deste Tribunal quer do STA – de onde se destacam respetivamente os acórdãos n.º 1666/07.6BEPRT de 29.11.2013 do Acórdão n.º 01152/11 de 12.12.2012, onde se concluiu que .” 1- O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no artº 654.º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.
2- Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
3- Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.

4- Ainda assim, o princípio da imediação sofria limitações, pois em tempos não muito distantes, mas em que não existia a nova tecnologia da videoconferência, sempre se utilizou a inquirição por carta precatória concretizada em meios escritos ou áudio que não proporcionavam a imediação na sua plenitude do juiz julgador com a testemunha mas valorizados e aproveitados na busca da verdade material influenciando a fixação do probatório e a realização da justiça.
5- Tais limitações continuam a justificar-se sobretudo quando se tem de ponderar, também, os inconvenientes de um “desaforamento” generalizado de processos ou a sua remessa para prolação de sentença a Magistrados entretanto destacados para equipas extraordinárias de recuperação de processos como as criadas pela Lei n.º 59/2011 de 28 de Novembro.
6- Sopesando as vantagens e inconvenientes, sempre por atenção ao quadro legal supra exposto, o qual, reitera-se, não encerra norma própria que imponha a aplicação do dito princípio na pureza enunciada e, atendendo também à especialidade do processado da impugnação judicial que não tem uma fase autónoma de fixação dos factos provados e não provados somos levados a considerar, numa interpretação sistemática, também pautada por critérios de justiça e equidade, que se justificam as referidas limitações consubstanciadas na prática em dever
ser o juiz a quem o processo está distribuído a elaborar a sentença no momento em que a mesma tem de ser proferida.”
Pese embora o acórdão tenha sido proferido ao abrigo do antigo Código do Processo Civil e neste acórdão se esteja analisar pela perspetiva do novo Código, não se verificou qualquer alteração à redação do anterior artigo nem mesmo se alterou o regime do contencioso tributário pelo que a jurisprudência mantém-se inalterável.
Nesta conformidade a sentença recorrida não incorreu em nulidade pelo que improcede o recurso nesta parte.

4.2. A Recorrente nas conclusões – 23.ª a 43ª - imputa à sentença recorrida erro de julgamento de direito e de facto. Alega que a ação inspetiva, desenvolveu-se por uma análise contabilística prévia, sem qualquer efeito prático, pois apesar de terem sido verificadas irregularidades contabilísticas, não foram detetados indícios de que tivessem sido simulados os valores das vendas efetuadas pela Recorrente que constavam na sua contabilidade.
E que as diferenças encontradas em sede de contabilidade não foram indicadas no relatório de Inspeção como sendo a justificação para o acréscimo de proveitos que veio a ser apurado à Recorrente, mas unicamente como indiciadoras de uma possível ocultação de proveitos.
Alegam que Administração Fiscal para lançar mão das correções meramente “aritméticas” terá o ónus de provar o montante exato a que está sujeita qualquer a correção que pretende efetuar, sob pena de falta de fundamentação da liquidação a efetuar
Prosseguem referindo que a Administração Fiscal relativamente a sete dos adquirentes conformou-se com os preços constantes nas escrituras de compra e venda mas procedeu de forma diferente quanto aos outros três adquirentes.
Entendem que a Administração Fiscal só poderia rematar o procedimento inspetivo e proceder à liquidação de tributo quando possuísse a convicção da existência e da quantificação do facto tributário.
As provas recolhidas pela AT para a quantificação do valor da alegada simulação no preço da compra e venda são frágeis, insuficientes e contraditórias, sendo por tais motivos inaptas a elidir a presunção de verdade do que foi declarado nas escrituras de compra e venda que são documentos autênticos e fazem prova plena dos factos que nele são atestados cfr. art. 363° e 371° ambos do Código Civil.
E que o IMT e Selo pago pelo adquirente João…, não é apto, por si só, a demonstrar que existiu uma simulação no preço da compra e venda por se tratar de declaração confessória que não é apta a demonstrar qual o preço real da compra.
Para que tal demonstração fosse efetuada sempre seria necessário que estes adquirentes viessem juntar aos autos documentos comprovativos de que o valor pago à recorrente foi efetivamente €125.000,00 e não os €100.000,00 que constam da escritura pública, designadamente com a remessa ao processo de inspeção de cheques, extratos bancários ou qualquer outro meio de prova que pudesse conferir credibilidade as declarações que fizeram quando procederam à liquidação adicional de IMT e Selo, o que não aconteceu.
A AT nunca curou de averiguar se os compradores pagaram efetivamente a quantia que veio a indicar no seu relatório de inspeção e que originaram a liquidação em IRS ora em crise, pelo que não ficou suficientemente firmado o juízo formulado pela AT, segundo o qual houve simulação dos preços nas indicadas compras e vendas.
E que as correções efetuadas pela AT não podem ser efetuadas com base em meros pressentimentos, suposições ou palpites da AT.
Vejamos:
Sobre esta matéria, dispõe o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
No procedimento de liquidação da iniciativa da Administração Tributária, terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Incide sobre a Administração Fiscal indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de diligências necessárias à descoberta da verdade material, só podendo efetuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado (total ou parcialmente) pelo contribuinte (princípio da verdade material - arts. 50º do CPPT e 58º nº 1 da LGT).

E foi este o entendimento plasmado na sentença recorrida com o qual se concorda.

Assim, para desconsiderar os preços declarados nas escrituras públicas de compra e venda, a Administração Tributária terá de carrear elementos que demonstrem com um certo grau de certeza que os montantes dos preços declarados não tiveram aquela dimensão quantitativa mas sim uma outra superior, o que pode ser efetuado através de indícios, donde se possa extrair, tal simulação no preço.

Vejamos então se os elementos carreados pela Administração no caso em apreço demonstram a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação, ou seja, se este cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia.

Antes de mais importa referir que a presente correção teve na génese o processo de inquérito n.º NIUPC 8/08.8IDAVR instaurado pelo Ministério Público, à sociedade de mediação imobiliária J.. - Sociedade de Intermediação Imobiliária. Lda., sendo aí aprendidos diversos elementos e disponibilizados à Administração Fiscal.

A Administração procedeu a inspeção à Recorrente, e apurou que no ano de 2006, esta efetuou 10 vendas de imóveis e analisou cada uma de per si, concluindo que em 3 vendas tinham ocorrido com simulação de preço.

Assim as vendas questionadas pela Administração são as vendas efetuadas pela Recorrente a:

a) An... e esposa, relativo à fração 9…, cujo valor da escritura pública é de 130 000,00 €.

b) J… e esposa, relativo à fração 9…, cujo valor da escritura pública é de 135 000,00 €;

c) João… e esposa relativo à fração 9…, cujo valor da escritura pública é de 100 000,00 €.

Perante os elementos recolhidos a Administração concluiu que houve omissão de valores no montante de € 40 000.00, € 25 000,00 e € 25 000,00 respetivamente.

Compulsado o Relatório de inspeção no item III.1.1.1.3, relativamente à compra efetuada por An... e esposa, a Administração carreou para os autos, os documentos aprendidos no âmbito do Processo de inquérito, elementos da contabilidade da Recorrente e recolhidos junto dos compradores.
Foram analisados, o contrato promessa de compra e venda e o Instrumento de confissão de dívida (em ficheiros informáticos), meios de pagamento (6 cheques), com data de 01.08.2006, e seu giro comercial que apontam para o valor de € 170 000,00.
Face a tais elementos a Administração, concluiu pela existência de omissão de proveitos.
Relativamente à compra efetuada por J… e esposa - Relatório de inspeção no item III.1.1.1.6 - a Administração carreou para os autos, os documentos aprendidos no âmbito do Processo de inquérito, elementos da contabilidade da Recorrente e outros recolhidos junto dos compradores.
Foram analisados ficheiros informáticos - contrato promessa de comprar e venda, Instrumento de confissão de dívidas - meios de pagamento que apontam para o valor de € 160 000,00 bem como registo de comissões.
Face a tais elementos a Administração, concluiu pela existência de omissão de proveitos.
No que concerne à compra efetuada por João…, nos pontos III.1.1.8, do Relatório de inspeção foram analisados os documentos aprendidos no âmbito do Processo de inquérito, nomeadamente, ficheiros informáticos, contrato promessa de comprar e venda, Instrumento de confissão de dívida que apontam para o valor de € 125 000,00 bem como documentos da contabilidade da Recorrente e ainda os juntos pelos compradores.

Sendo que, neste caso, os compradores no âmbito da inspeção, após serem notificados para esclarecer a situação, em 19.11.2008, procederam ao pagamento voluntário do IMT e do Imposto de Selo, em falta tendo declarado o valor de € 125 000,00.

In casu, verifica-se que a Administração Fiscal recolheu indícios consistentes de que o preço declarado nas respetivas escrituras de compra e venda são inferiores ao real e procedeu à quantificação dos valores omitidos.

Face aos elementos carreados no procedimento inspetivo teremos de concluir que a Administração Tributária cumpriu o ónus da prova que estava obrigada, não subsistindo dúvidas que a mesma recolheu elementos bastantes que afastaram a presunção de veracidade declaração dos Recorrentes.

Concluindo que a Administração Tributária carreou indícios sérios de que legitimam a sua atuação, importa agora analisar se face à prova produzida se verificou erro de julgamento de facto e de direito o que passa por saber se os elementos recolhidos pela Administração são idóneos para proceder às correções em apreço.

É transversal aos três compradores, que a Administração sustentou-se nos ficheiros informáticos apreendidos à empresa de intermediação imobiliária, a destacar contrato promessa de compra e venda e Instrumento de confissão de dívida.
Os contratos promessas de compra e venda, tem por outorgantes a Recorrente e os respetivos compradores, estabelecem as regras do negócio, identificam a fração e fixam o preço, o qual é igual ao da respetiva escritura pública de compra e venda. Estes contratos promessa não se encontram assinados por qualquer uma das partes.
O ficheiro informático designado por “Instrumento de confissão de dívida” são documentos que os compradores (An... e esposa, J… e esposa e João… e esposa) declaram que se constituem devedores e principais pagadores de determinada quantia (€ 40 000.00, € 25 000,00 e € 25 000,00 respetivamente) referente à diferença de preço acordada na compra das respetivas frações à Recorrente. Declaram por sua livre vontade que se constituem devedores pagadores renunciando a alegar a retenção ou outros fundamentos do pagamento do referido montante sob pena da sociedade poder recusar-se a celebrar a escritura pública de compra e venda até esse montante ser pago. Também estes documentos não se encontram assinados.
Mas daí não decorre que os contratos promessa, não tenham existido, não tenham sido elaborados de acordo com a vontade das partes ou assinados pelas mesmas.
A Administração Fiscal apurou, em duas situações, a sua existência, tendo sido usados pelos promitentes compradores para procederem à ligação de água, junto da Câmara Municipal de Ílhavo (J… e João…).
A existência de uma minuta (em ficheiro informático) de um contrato promessa de compra e venda, na empresa que mediou a transação, e que envolve as mesmas partes e o mesmo imóvel sem ser assinado, bem como outros documentos, não significa que o Tribunal não pudesse atender ao que neles consta uma vez que está sujeito ao principio de livre apreciação da prova.
Acresce que usualmente é a sociedade que medeia o negócio que elabora a minuta dos respetivos contratos promessa a solicitação das partes, e que faculta a cada uma destas cópias assinadas pelo outro contraente, ficando as mais das vezes apenas com cópia da minuta, uma vez que ali não figura como parte contratante na qualidade de mediadora.
Relativamente aos ficheiros designados “Instrumento de confissão de dívida”, tem por titulares os promitentes compradores e a promitente vendedora, aqui Recorrente, onde aqueles, na mesma data do contrato promessa, se declaram devedores e principais pagadores de determinada quantia referente à diferença do preço acordado na compra das respetivas frações conforme o contrato promessa também não podem deixar de serem valorados.
Relativamente à compra de J… e esposa consta do Relatório de inspeção no item III.1.1.1.6 consta ainda um registo de comissões, no qual foram efetuados cálculos matemáticos, com vista ao apuramento de comissões em duas operações, e que a sua soma perfaz o montante constante no contrato-promessa e no Instrumento de confissão de dívida.
Acresce ainda que nas escrituras de compra e venda, com exceção de João…, foi declarado pelos intervenientes que os negócios foram intermediados por mediadora imobiliária.
E não deixa de ser revelador o comportamento de João… e esposa, quando questionados pela Administração Fiscal, relativamente ao negócio, procederam voluntariamente ao pagamento dos impostos em falta assumindo um valor superior ao declarado na escritura pública.
E também, não deixa de ser estranho o comportamento da Recorrente ao afirmar que tinha destruído os contratos promessa, uma vez que já tinham sido elaboradas todas as escrituras, uma vez que constituem documento de quitação constituindo necessário suporte ao registo contabilístico, e devendo ser preservados na contabilidade.
Como refere a sentença recorrida ” (…) essa “coincidência” não pode ser entendida como um acaso, um acontecimento involuntário fortuito, sem qualquer explicação racional, mas antes – como frequentemente, demasiado frequentemente, é observado no fenómeno de “evasão fiscal” - como uma evidência de que as partes contratantes tencionam declarar fiscalmente valores inferiores aos reais, já que disso todas elas retiram vantagens fiscais, umas em sede de IRC (sociedades vendedora e mediadora) e outras em sede de IMT e imposto de selo (os compradores). Sabe-se, por experiência comum e por ser público e notório, que essa comunhão de interesses favorece ou motiva a consumação de acordos com vista à omissão declarativa. (…)”
Ouvida e reapreciada a prova testemunhal, nomeadamente o depoimento da testemunha Joaquim..., sócio gerente da sociedade imobiliária, não nega a existência de tais documentos – contratos promessas, instrumento de confissão de dívida e fichas de registo de comissões – que não se encontram assinados. Admite que esses documentos existem na empresa que eram juntos aos processos relativos aos negócios mediados. Questionado relativamente a cada um dos documentos desvaloriza-os e relativamente ao instrumento de confissão de dívida refere evasivamente que era expediente que usavam para os clientes poderem recorrer a segundos empréstimos permitindo assim, o enquadramento pelas entidades bancárias.
A demais prova testemunhal, na sua maioria demonstraram interesse direto e pessoal na tese defendida pela Recorrente, ou não tem conhecimento pessoal dos detalhes do negócio.
Aqui chegados, teremos de concluir que a prova produzida e suficiente e idónea para se concluir que existiu acordo simulatório, não incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de facto e de direito e não tendo a Recorrente logrado provar que se tratava de negócios reais e efetivos.

4.3. Por fim alega a Recorrente - conclusão 43.ª – que a liquidação de IRC do ano de 2006 que foi efetuada não se mostra devidamente fundamentada, violando desta forma o disposto no art.º 268.°, n.° 3, da CRP, no art. 77.º da LGT e o art. 125.° do CPA.
A sentença recorrida refere quePor outro lado, a Impugnante alega (artigo 40º) que a decisão de corrigir a matéria colectável se alicerçou em “meras conjecturas ou pressentimentos (…) quando necessitava de provar de forma evidente a existência de indícios sérios e credíveis que pudessem afastar a presunção de verdade”. A Impugnante não discute a qualidade formal, mas substancial, do discurso fundamentador, pelo que fica afastado o vício de falta de fundamentação.”
A Recorrente não questiona a sentença recorrida, parecendo mesmo ignorar o que nela foi decidido.
Não contraria os fundamentos e a posição sustentado pelo MMº juiz na sentença, como se a questão não tivesse sido objeto de apreciação judicial.
Importa referir que o objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 676.º do CPC são as decisões judiciais e não os atos administrativos e tributários praticados pela Administração Fiscal.
A propósito da imposição do ónus de alegação ao Recorrente refere Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357 que “(...) em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.(…)”.
O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que o Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.
O Recorrente terá de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
Não tendo impugnado a decisão recorrida improcede a referida alegação de recurso.

4.4. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:
I. - O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no artº 654.º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.
II. Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
III. No procedimento de liquidação da iniciativa da Administração Tributária, terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
IV. Incide sobre a Administração Fiscal indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de diligências necessárias à descoberta da verdade material, só podendo efetuar a liquidação adicional quando os elementos que tiver apurado permitam formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado (total ou parcialmente) pelo contribuinte (princípio da verdade material - arts. 50º do CPPT e 58º nº 1 da LGT).

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Após trânsito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia aos Serviços do Ministério Público da Comarca de Aveiro.
Custas pela Recorrente.

Porto, 28 de setembro de 2017

Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina Travassos Bento