Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02530/05.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:FACTURAS; DESCONSIDERAÇÃO DE CUSTOS; MÉTODOS DIRECTOS
Sumário:I - Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a AT ter considerado que as facturas emitidas por determinada empresa que documentavam custos não correspondiam a operações reais, motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções técnicas”, desconsiderou tais custos e acresceu à matéria tributável declarada o montante daquelas facturas, à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável, competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável.

II - Estando assente que a AT demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitem concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais e, assim, que está formal e materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar os custos que têm suporte naquelas facturas, não lhe está imposto o recurso a métodos indirectos para determinar a matéria colectável, podendo e devendo, tão só, proceder a essa determinação, por métodos directos.

III - Perante a desconsideração dos custos pela AT assim legitimada, competia ao Contribuinte, demonstrar que as facturas em causa correspondem a operações realmente efectuadas pela empresa que as emitiu e pelo valor referido nas facturas e, assim, comprovar os custos que contabilizou, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A., SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (A., S.A.), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgada improcedente a impugnação judicial das liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002, no montante de € 484.641,28, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alega a Recorrente, formulando as seguintes conclusões:

«1. A sentença posta em crise fixa como matéria de facto com relevância para a decisão dos autos uma série de factos verdadeiros e que não se contestam, mas não mais do que aqueles que constavam já do relatório de inspecção, desconsiderando para estes efeitos todos os factos trazidos a juízo na impugnação judicial, razão pela qual terá de reavaliar-se a prova produzida em juízo, por forma a ampliar-se a matéria de facto provada com relevância para os autos, de acordo com o invocado na p.i. e com aquela prova, feita nos autos por documento e por depoimento testemunhal com os seguintes:
2. A A. encomendou diversas mercadorias à sociedade S. durante os exercícios de 2001 e de 2002, nomeadamente chapa de alumínio anti-derrapante, a qual foi vendida a clientes da ora Recorrente, nomeadamente à sociedade F..
3. As encomendas de mercadorias eram efectuadas directamente pela Recorrente à S. que, por sua vez, diligenciava junto do seu agente a entrega dos mesmos.
4. As mercadorias eram entregues nas instalações da Recorrente pela sociedade A., Lda., a pedido da S., sendo a factura correspondente à compra e venda daquelas mercadorias emitida pela S..
5. As mercadorias não eram enviadas pelo fornecedor da S. (A., Lda.) para a sede desta na Irlanda, sendo antes directamente entregues nas instalações da Recorrente.
6. O resultado contabilístico das facturas da S. não implicou o apuramento de qualquer custo, pois se tratou de simples compras, daqui resultando que o resultado contabilístico da A. não estava influenciado por um custo que não deveria ter sido reconhecido para efeitos fiscais.
7. Para que o acréscimo ao lucro tributável se pudesse justificar, seria indispensável que a contabilização das facturas tivesse provocado um resultado negativo, que, a não ser fiscalmente aceite, implicasse a necessidade de um acréscimo ao lucro tributável que afastasse a influência desse resultado negativo da matéria colectável declarada pelo sujeito passivo.
8. A prática de um acréscimo ao lucro tributável apenas poderia decorrer da não aceitação para efeitos fiscais de um custo contabilístico. O acréscimo visaria, em tal caso, a desconsideração de um custo que contabilisticamente apareceria vertido no resultado, diminuindo-o. Sucede que, no caso em apreço, nenhum custo existiu em 2001 na contabilidade em relação às facturas da S., pois a Recorrente limitou-se a registar uma compra. E uma compra não é um custo. Ora, se não existe um custo na contabilidade, nunca teria qualquer sentido fazer um acréscimo ao lucro tributável.
9. A administração tributária., ao concluir que a Recorrente não adquiriu quaisquer bens à S., a beneficio da própria avaliação directa que pretendeu prosseguir deveria ter desconsiderado os proveitos correspondentes à venda daqueles bens. Não o fazendo e pretendendo manter o “reconhecimento” contabilístico e fiscal daqueles proveitos correspondentes à comprovada venda de mercadorias que expressamente afirma não terem sido adquiridas, só lhe restava uma alternativa em beneficio da legalidade da correcção que pretendia promover, qual seja, o recurso aos métodos indirectos por forma, a mediante a margem praticada pela impugnante fixar o valor do custo das mercadorias geradoras dos mencionados proveitos e que, aparentemente, não eram tituladas pelas facturas em questão. O que não é de todo aceitável é que se admita a existência de um proveito gerado pela venda de uma mercadoria (que inquestionavelmente existia e foi vendida), sem que à mesma seja reconhecido, por contraponto, um qualquer custo de aquisição.
10. Se a administração tributária tivesse adoptado como válido o método de avaliação indirecto, a tributação que recairia sobre o resultado de tal aplicação incidiria fundamentalmente sobre o rendimento da Recorrente, isto é, a administração tributária teria que reconhecer fiscalmente o custo associado ao proveito obtido pela Recorrente com a venda dos bens adquiridos à S..
11. Efectivamente e em conformidade com o estatuído o método da avaliação directa da matéria colectável permite que a tributação incida “fundamentalmente sobre o rendimento” das empresas, conforme determina o nº 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa (CRP). No caso em apreço, a administração tributária viola o nº 2 do artigo 104º da CRP e o artigo 17º do Código do IRC, uma vez que não leva em atenção os custos incorridos pela Recorrente com a aquisição dos bens que estiveram na origem dos proveitos, fazendo com que a aplicação do método de avaliação directa da matéria colectável se afaste, significativamente, do lucro real.
TERMOS EM QUE deverá o presente recurso ser julgado procedente, reapreciando-se a prova produzida, ampliando-se a matéria de facto provada e procedendo-se à correcta aplicação do Direito aos factos, com a consequente revogação da sentença recorrida, pelos motivos acima expostos, e ordenando-se, a final, a anulação das liquidações impugnadas, com as devidas e legais consequências.»

1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:

As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:

Ø Omissão de instrução e julgamento sobre factos alegados e essenciais à discussão da causa, determinante da anulação do julgado por deficit instrutório, justificativo da ampliação do probatório, para que dele conste como provada a factualidade elencada nas conclusões 1 a 5.
Ø Erro de julgamento relativo ao imputado erro de qualificação e de quantificação da matéria colectável, pois foram desconsiderados os custos incorridos pela Recorrente com a aquisição dos bens que estiveram na origem dos proveitos, fazendo com que a aplicação do método de avaliação directa da matéria colectável se afaste, significativamente, do lucro real, contrariando assim o preceituado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:

«1 – A ora impugnante foi objecto de uma inspecção tributária que incidiu sobre os exercícios económicos dos anos de 2001 e 2002.
2 – Os fundamentos de facto e de direito para as liquidações adicionais ora em discussão, encontram-se exarados no relatório da inspecção tributária constante do PA de fls. 53 a 82 e que aqui se dão por reproduzidas.
3 – Do relatório identificado em 2) transcrevem-se os seguintes extractos: “A empresa em análise encontra-se colectada pelo exercício da actividade de “comércio por grosso de Minérios e de Metais”(...) De facto, a actividade exercida consiste na comercialização de inox, alumínio, cobre, ferro e outros metais sob a forma de chapa, tubo, arame, etc, e ainda de acessórios, tais como parafusos, pregos, ferramentas, etc.(...) No tipo de mercadorias transaccionadas, predominam o inox e, de seguida, o alumínio. (...) As mercadorias só esporadicamente sofrem transformação sendo, de pouco significado, os serviços prestados por terceiros. (...) As aquisições das mercadorias são efectuadas no mercado nacional e no intracomunitário. As transmissões destinam-se ao mercado interno. (...) A contabilidade não se apresenta organizada de forma a evidenciar de modo directo os movimentos inerentes a cada estabelecimento, tornando-se, todavia, possível de proceder ao apuramento desses movimentos já que a empresa possui sistema de gestão de stocks no estabelecimento de (...) (o que acarreta a relevação de todos os movimentos de transferência inter-estabelecimento), e os documentos de venda são distintos em cada um deles. (...) Notificado o sujeito passivo para explicitar os motivos que poderiam justificar a margem de lucro negativa relevada pelo sector de grosso (...) veio esclarecer que este facto se deveu, por lapso, a errada separação de documentos, devendo ser adicionado às do compras de “retalho” o valor de 580.438,29, por sua vez deduzido às compras do “grosso”.(...) Analisados na empresa os documentos que suportaram a explicação apresentada pelo sujeito passivo, verificou-se que os mesmos correspondem a facturas do fornecedor S., Ldt. (...) Do total de compras de mercadorias indicado no ponto 3.1 1.155.942,41€ e 52.276,93€, respectivamente em 2001 e 2002, dizem respeito a aquisições à empresa S. , Ltd., com data de início em 08/ 01/ 1998 e cessação em 01/ 1/ 02. (...) estas facturas, foram objecto de liquidação e dedução no mesmo período, do IVA correspondente, nos termos dos artºs 8º do RITI e, 19º do Código do IVA e 20º do RITI. Todas estas facturas foram dadas como pagas, (...) Na contabilidade, todas estas facturas se encontram arquivadas em três vias, contrariamente ao que sucede com os demais fornecedores (intracomunitários ou nacionais), as quais se encontram arquivadas numa ou duas vias, conforme tenham ou não documento de transporte associado;
(...) nenhuma destas facturas faz qualquer referência a transporte, seguro, ou outro custo nem foram localizados documentos respeitantes a custos desta natureza com referência a estas aquisições. (...) Questionados os representantes da empresa, informaram que tal se devia a estas mercadorias serem sujeitas a preço CIF, ou seja, postas no destino. Este argumento não é razoável, uma vez que dada a natureza das mercadorias em causa (aço inox, etc) e tratando-se de aquisições a outro país tem, forçosamente, de ser utilizado um meio de transporte e, como se referiu, não há qualquer referência a tal, contrariamente ao que sucede nas aquisições aos demais fornecedores intracomunitários da empresa. De facto, independentemente do transporte ser da conta do fornecedor ou do adquirente, existirão sempre documentos onde é efectuada referência ao meio de transporte utilizado, seja na própria factura, seja em correspondência, notas de remessa ou outros. (...) O aço inox é sujeito a certificado de qualidade emitido pelo respectivo fabricante. A empresa dispõe destes certificados, embora nenhum dos quais respeitante a estas aquisições. (...) As facturas da S. Internacional são de modelo igual às emitidas por A., Lda., exceptuando as indicações quanto ao IVA e aos locais de carga e descarga. (...) A., Lda., é um dos principais fornecedores da empresa em apreciação, tendo vendido, essencialmente, aço inox no decorrer dos exercícios analisados. (...) Os pagamentos das facturas da S. constam de “Notas de Pagamentos” (documentos internos em arquivo na contabilidade. Nestas notas de pagamento, é indicado o valor global do pagamento (...) Em nenhum dos casos se encontrou arquivada a fotocópia dos cheques emitidos para pagamento destas facturas, (...)Foi solicitado à Caja de Ahorros de Galicia a remessa da fotocópia frente versos de um cheque e ao Banco Santander de vinte e um cheques.(...) Movimento Financeiro (...) Como síntese do descrito(...)quanto aos cheques respeitantes ao pagamento das facturas da S., emitidas em 2001 e 2002, no total de 1.155.942,41 e 52.276,93€, respectivamente, temos o seguinte: (...) –não foram pedidas fotocópias de cheques no montante de 124.695,08€, por serem desconhecidos os respectivos números; (...)dos cheques solicitados, não foram remetidos cinco, no total de 191.118,86€; (...) dos cheques remetidos, não foi possível identificar a conta(por se encontrar ilegível) e, consequentemente o respectivo beneficiário, num cheque descontado no Montepio Geral, no valor de 87.289,61C.(...)não foi identificada a conta onde foi descontado um cheque que na frente tem carimbo de A., no valor de 93.524,61€; (...) Está identificado um cheque, nominativo para os CTT, no valor de 31.174,87€; (...) estão identificados, os cheques cujos beneficiários foram C., M. L. O. R. e A., nas importâncias de 480.092,97€, 137.169,73€ e 63.153,91€, respectivamente, no total de 628.139,31€; (...) foi ainda identificado o beneficiário do cheque emitido e contabilizado em 2001, mas referente a facturas de 2000, C., na importância de 49.879,79€ (...) não foi possível identificar qualquer cheque que tenha sido objecto de movimentação por alguém que se apresente como responsável pelo fornecedor S. (...).”
4 – As notas de liquidação ora impugnadas foram emitidas em 27.07.2005 e 29.07.2005, cfr. fls. 96 e 97 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
5 – Na Rua (...) existe mais do que um estabelecimento.
6 – Designadamente, num deles, faz-se a comercialização de mercadorias e depósito das mesmas, e nos restantes, encontra-se o stock de mercadorias.
7 – Na Rua (...) efectua-se não só vendas a retalho, como também vendas por grosso.
8 – Os estabelecimentos na Rua (...), destinam-se a satisfazer as necessidades de pequenos consumidores.
9 – A maior parte das vendas por grosso são efectuadas pelos vendedores.
10 – O Sr. A. representava a S. em Portugal.
11 – Dá-se aqui por reproduzido o parecer constante destes autos de fls. 139 a 152 destes autos.
12 – Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de fls. 184 a 191, e que respeitam a cinco facturas, a uma venda a dinheiro e guias de transporte.
*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal nos documentos acima identificados e no depoimento das testemunhas.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a presente decisão, não se provou que as mercadorias mencionadas nas facturas emitidas pela empresa S. correspondam efectivamente a transacções comerciais, porque a prova produzida apresentada foi claramente insuficiente para abalar as conclusões explanadas no relatório dos serviços de inspecção tributária.
Na verdade, as testemunhas apresentadas pela impugnante, não foram claras nem objectivas no que se refere às relações comerciais entre a impugnante e a referida empresa S..
Quanto à primeira testemunha ouvida, a mesma limitou-se a dar uma apreciação global relativamente a questões contabilísticas, desconhecendo em absoluto como eram processadas as relações comerciais entre as duas empresas. O conhecimento desta testemunha, apenas advém do facto de ter analisado os documentos constantes da contabilidade da impugnante, porquanto foi contactada para dar uma opinião técnica na sua qualidade de economista quanto às questões suscitadas.
No que se refere à 2ª testemunha, a mesma prestou um depoimento vago e de algum modo confuso.
Com efeito, referiu que é accionista da impugnante, sem qualquer cargo de direcção e que só esporadicamente se desloca à mesma, porquanto é funcionário da empresa A., estando a exercer funções nesta a 99%.
Desconhece os representantes legais da S., sendo que apenas e por troca de faxes, sabe da existência de uma pessoa ligada aquela empresa de nome “K.”.
Referiu ainda, que o material constante das facturas da S. não saía do País e que era fornecido pelo Sr. A. à S..
No que se refere à questão dos pagamentos, referiu que regra geral os mesmos eram efectuados por cheque, mas não conseguiu esclarecer de forma clara, porque razão havia cheques depositados nas contas particulares dos representantes legais da impugnante. Quanto à terceira testemunha, a mesma exercia funções essencialmente no exterior, atendendo à profissão exercida como técnico comercial. Referiu que não conhecia a empresa S. e que da mesma só conhece o nome, face às consultas efectuadas através do computador em que verificava a entrada de material em nome da referida empresa. Quanto a eventuais pagamentos realizados por aquela empresa, nada sabe.
No que se refere à prova documental apresentada, designadamente quanto ao parecer constante destes autos de fls. 139 a 152, atente-se que o mesmo reflecte uma opinião de âmbito técnico, debruçando-se no essencial quanto à questão da aplicação dos métodos directos e indirectos no apuramento da matéria colectável, bem como a questões contabilísticas inerentes ao uso dos mesmos.»

2.2. De direito

A impugnante, ora Recorrente, foi objecto de uma inspecção tributária à contabilidade com referência aos exercícios de 2001 e 2002, na sequência da qual foram realizadas correcções à matéria tributável em sede de IRC, por desconsideração de facturação relativa a compras de mercadoria que não consubstanciaram quaisquer transacções comerciais e não aceitação como custos para efeitos de IRC. A impugnante discordando daquelas correcções deduziu impugnação judicial.

Efetuadas as diligências probatórias requeridas e admitidas (prova testemunhal apresentada pela impugnante), a que acresce a prova documental junta, a Meritíssima Juíza “a quo” proferiu sentença julgando totalmente improcedente a impugnação, atentando que (i) a administração tributária actuou em conformidade com a lei, ao ter feito uso das correcções técnicas na situação em apreço, (ii) pela não caducidade das liquidações ora em apreciação e que (iii) de acordo com os factos apurados pela fiscalização, é lícita a conclusão, face às regras da experiência, de que as transacções em causa eram fictícias, assim concluindo «… em face de todos os elementos apurados em sede de inspecção entre si conjugados, não pode deixar de concluir-se que a AF fez prova dos pressupostos legais que legitimam a correcção e subsequente liquidação impugnada, pelo que passou a competir à impugnante demonstrar que esse fornecimento foi, de facto, efectuado, comprovando o custo por si contabilizado. Todavia, não o fez, pois que da matéria de facto dada como assente, não resulta qualquer elemento susceptível de abalar a conclusão fáctica a que chegou a AF através daqueles “factos-índices”».

Inconformada a impugnante, ora Recorrente, interpôs o presente recurso jurisdicional, alegando, em síntese, que a sentença incorreu em (i) erro de julgamento de facto, requerendo a reavaliação da prova e o consequente aditamento de factos ao probatório e (ii) erro de julgamento de direito por, face aos factos apurados e ao direito aplicável, ser manifesto que AT deveria ter recorrido aos métodos indirectos em detrimento dos directos, o que permitiria o reconhecimento fiscal dos custos associados ao proveito obtido, o que a não ocorrer viola o disposto no n.º2 do artigo 104º da CRP e o artigo 17º do Código do IRC.

Do erro de julgamento de facto
Iniciaremos a análise do presente recurso pela apreciação do erro de julgamento, o que corresponde ao teor das conclusões 1 a 5 (cumpre a estabilização da matéria de facto, para subsequentemente se proceder à analise do erro de julgamento de direito imputado).

Entende a Recorrente que a prova apresentada nomeadamente a prova testemunhal por si produzida, exige uma reavaliação por este tribunal “ad quem” a qual correctamente apreciada impõe ampliação da matéria de facto provada com relevância para os autos, qual seja:
2. A A. encomendou diversas mercadorias à sociedade S. durante os exercícios de 2001 e de 2002, nomeadamente chapa de alumínio anti-derrapante, a qual foi vendida a clientes da ora Recorrente, nomeadamente à sociedade F..
3. As encomendas de mercadorias eram efectuadas directamente pela Recorrente à S. que, por sua vez, diligenciava junto do seu agente a entrega dos mesmos.
4. As mercadorias eram entregues nas instalações da Recorrente pela sociedade A., Lda., a pedido da S., sendo a factura correspondente à compra e venda daquelas mercadorias emitida pela S..
5. As mercadorias não eram enviadas pelo fornecedor da S. (A., Lda.) para a sede desta na Irlanda, sendo antes directamente entregues nas instalações da Recorrente.” (conclusões 2 a 5)

Para tanto, a Recorrente destaca a prova apresentada: testemunhal e parecer junto aos autos por si.

Quanto à prova decorrente do Parecer emitido pelo Dr. J., cumpre referir que o mesmo consta do item 11 da matéria de facto dada como provada, no qual consta “11 – Dá-se aqui por reproduzido o parecer constante destes autos de fls. 139 a 152 destes autos.” e, em sede de fundamentação de facto refere-se a final que “No que se refere à prova documental apresentada, designadamente quanto ao parecer constante destes autos de fls. 139 a 152, atente-se que o mesmo reflecte uma opinião de âmbito técnico, debruçando-se no essencial quanto à questão da aplicação dos métodos directos e indirectos no apuramento da matéria colectável, bem como a questões contabilísticas inerentes ao uso dos mesmos.”.

Parece-nos que nesta parte o recurso é algo ininteligível, pois fica-se sem saber quais os factos que a Recorrente considera provados e que justificam ser aditados ao probatório para a boa decisão da causa que possam decorrer do Parecer.

Se percebemos bem as alegações e conclusões do recurso, a Recorrente por via da reapreciação da prova produzida mais não quer que a matéria dada por não provada passe a constar como provada, pois que a factualidade descrita nas conclusões 2. a 5. que pretende ver aditada, reconduz à declaração de que as mercadorias mencionadas nas facturas emitidas pela S. foram efectivamente objecto de transacção comercial, sendo que o julgado concluiu precisamente o contrário na especificação dos factos dados por não provados.

Vejamos, então, se a Recorrente cumpriu o ónus que sobre si impende no que concerne à impugnação da matéria de facto, tal como se contempla no artigo 640º do Código de Processo Civil (CPC).

Ora, dispõe tal preceito, na parte que para aqui releva, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Como está bem de ver, nem nas conclusões, nem na alegação de recurso, a Recorrente cumpre o ónus que sobre si impendia quanto à impugnação da matéria de facto por inerência ao Parecer junto aos autos, designadamente porque não indica os pontos que considera terem sido incorrectamente julgados, nem tão-pouco em que medida as afirmações e conclusões inerentes ao Parecer, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

É que, como se vê, a lei impõe ao Recorrente o ónus de indicar os concretos meios de prova constantes do processo, não equivalendo a tal, em nosso entendimento, o caminho seguido neste recurso, ou seja, o de pura e simplesmente, remeter este Tribunal para o conteúdo do Parecer e seus considerandos técnicos. No caso, aliás, importa considerar que a sentença sob recurso sobre o Parecer considerou que “(…) o mesmo reflecte urna opinião de âmbito técnico, debruçando-se no essencial quanto à questão da aplicação dos métodos directos e indirectos no apuramento da matéria colectável, bem como a questões contabilísticas inerentes ao uso dos mesmos”, o que em sede de alegações é corroborado pela Recorrente ao insurgir-se do seguinte modo «Com a devida vénia, nada de mais errado. Senão vejamos:
O parecer em apreço faz uma análise critica à opção pelo método de avaliação directa da matéria colectável e, consequentemente, identifica os erros contabilísticos em que incorre a administração tributária, os quais resultam no acréscimo à matéria colectável da Recorrente das quantias previstas nas facturas emitidas pela S. e que não foram aceites como custo fiscal.
Num primeiro ponto, o parecer explica que a aplicação de métodos directos na presente situação, por força das próprias conclusões do relatório de inspecção, está errada. Esta conclusão assenta em dois argumentos (…)»

A lei, permitindo às partes ver amplamente reapreciado o julgamento da matéria de facto, por parte do tribunal de recurso, não deixa de lhes impor a observância de um critério de rigor, obstando a que a impugnação da matéria de facto seja, simplesmente, uma manifestação vaga de não conformação com o decidido e relegando para o Tribunal Superior a procura e especificação dos documentos aptos a demonstrar a factualidade que a parte pretende ver consignada.
Ora, vertido que está o conteúdo do Parecer no item 11 – da matéria de facto dada por provada a sua consideração, a existir e em que termos, reconduz-se apreciação de erro de julgamento de direito em questão em sede recursiva da utilização do método de avaliação directa da matéria colectável.

Por outro lado, a Recorrente demitiu-se da correspondência evidente, que lhe era exigida, entre o Parecer e as facturas desconsideradas, entre as relações comerciais inerentes às mesmas, deixando para o Tribunal o cumprimento de um ónus que a si competia.

Ora, do nosso ponto de vista, tal modo de proceder à impugnação da matéria de facto está longe de corresponder à exigência legal de especificação dos concretos meios de prova, sendo certo que a não observância de tal exigência dá lugar, nos termos do normativo supratranscrito, à rejeição dessa impugnação.

Prossigamos na análise do erro de julgamento da matéria de facto, em concreto quanto à prova testemunhal.

Entende a Recorrente, em termos mais detalhados no corpo da alegação de recurso, que este Tribunal deveria reapreciar o depoimento das testemunhas ouvidas, registado em áudio (cassetes), com vista a infirmar a valoração feita pelo Tribunal a quo.

Com efeito, para a Recorrente, não é aceitável o entendimento seguido na sentença recorrida, que, com apelo ao princípio da livre convicção do julgador, desvalorizou a prova testemunhal, a qual, sublinha aquela, sustentavam a validade das operações realizadas e que afastavam as correcções efetuadas pela administração tributária com correspondência aos factos vertidos na p.i. nos artigos 33 a 53, 86 a 93, 89 a 96, 115, 118, 119, 121 a 123, 134, 136, 137. A este propósito, sublinha a Recorrente que “…. Atendendo aos factos provados na sentença recorrida, conclui-se que a S. nunca vendeu mercadorias à Recorrente. Acontece que, face à prova testemunhal apresentada pela Recorrente, a qual sustenta a prova documental junta aos autos, fica cabalmente provada a existência de intensas transacções comerciais entre a A., ora Recorrente, e a S., cuja representação em Portugal era assegurada pela sociedade A., Lda. Resulta. Tal como explicitado na p.i. que a Recorrente adquiria diversas mercadorias à S. e que esta sociedade, naturalmente, ia adquirir as matérias-primas ao seu fornecedor, o qual era igualmente o seu representante.”

Vejamos o que dizer sobre este aspecto.
Na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas.

Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.05.11, proferido no processo 334/07.3 TBASL, “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.
Quanto à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso, “(…) o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instânciain acórdão do STA de 27.01.10, proferido no recurso 358/09.

Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada (além do mais) com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo Recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.

No caso concreto, o que a Recorrente pretende é discutir a convicção do julgador que fundamentou aquela decisão de não consideração dos depoimentos, retirando da prova produzida ilações diferentes das que o julgador percepcionou e que explicitou na sua fundamentação.

Ora, no caso, a modificação quanto à valoração da prova testemunhal, tal como foi captada pela 1ª instância, só se justifica se, feita a reapreciação, for evidente e grosseiro o erro de análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.
A fim de apreciarmos esta questão, procedemos à audição das gravações dos depoimentos das testemunhas e, por isso, podemos afirmar, com a sentença recorrida, que, efectivamente, os depoimentos das mesmas não assumem, para os efeitos pretendidos, a relevância que a Recorrente lhes atribui, nada apontando, forçosamente, em sentido diverso daquele que foi acolhido na fundamentação externada pelo julgador.

Antes do mais, cumpre revisitar a fundamentação da sentença recorrida neste particular “(…) Com relevância para a presente decisão, não se provou que as mercadorias mencionadas nas facturas emitidas pela empresa S. correspondam efectivamente a transacções comerciais, porque a prova produzida apresentada foi claramente insuficiente para abalar as conclusões explanadas no relatório dos serviços de inspecção tributária.
Na verdade, as testemunhas apresentadas pela impugnante, não foram claras nem objectivas no que se refere às relações comerciais entre a impugnante e a referida empresa S..
Quanto à primeira testemunha ouvida, a mesma limitou-se a dar uma apreciação global relativamente a questões contabilísticas, desconhecendo em absoluto como eram processadas as relações comerciais entre as duas empresas. O conhecimento desta testemunha, apenas advém do facto de ter analisado os documentos constantes da contabilidade da impugnante, porquanto foi contactada para dar uma opinião técnica na sua qualidade de economista quanto às questões suscitadas.
No que se refere à 2ª testemunha, a mesma prestou um depoimento vago e de algum modo confuso.
Com efeito, referiu que é accionista da impugnante, sem qualquer cargo de direcção e que só esporadicamente se desloca à mesma, porquanto é funcionário da empresa A., estando a exercer funções nesta a 99%.
Desconhece os representantes legais da S., sendo que apenas e por troca de faxes, sabe da existência de uma pessoa ligada aquela empresa de nome “K.”.
Referiu ainda, que o material constante das facturas da S. não saía do País e que era fornecido pelo Sr. A. à S..
No que se refere à questão dos pagamentos, referiu que regra geral os mesmos eram efectuados por cheque, mas não conseguiu esclarecer de forma clara, porque razão havia cheques depositados nas contas particulares dos representantes legais da impugnante. Quanto à terceira testemunha, a mesma exercia funções essencialmente no exterior, atendendo à profissão exercida como técnico comercial. Referiu que não conhecia a empresa S. e que da mesma só conhece o nome, face às consultas efectuadas através do computador em que verificava a entrada de material em nome da referida empresa. Quanto a eventuais pagamentos realizados por aquela empresa, nada sabe.”

A Recorrente discorda do assim expendido.
Vejamos.

Com efeito, e quanto ao depoimento de J. (J.), técnico oficial de contas, o mesmo aufere vencimento como director pela A., S.A., desde 2000/01, sendo sócio da Recorrente desde que a mesma foi adquirida pelos actuais sócios, mais informou que não faz parte do conselho de administração.

Efectivamente, após audição integral do depoimento da testemunha, é certo que a mesma se referiu a variadíssimos fornecedores (A., A., alemães, franceses, italianos, etc… numa 1ª linha e só a instâncias da Mm. ª Juiz afirmou os fornecimentos da S., empresa sediada em Dublin, referindo-se vagamente a um contacto com um “K.”, sem precisar quem e o que relação detém com a emitente das facturas.
O material era “nosso” e era entregue pela A. por ordem da S., num esquema triangular, que foi alvo de inspecção em IVA, a S. era um agente. Nunca visitou os armazéns da Recorrente, quem representava em Portugal a S. era o A.. A testemunha em momento algum concretizou as transacções, nomeadamente através dos seus transportes, cargas e descargas e conteúdo.
Note-se que a testemunha apresenta ligações profissionais a Recorrente e a A., ld.ª, não soube precisar a estrutura empresarial e funcionamento da S., sendo manifesto que tal relação profissional (e de óbvia dependência dupla) determinou que próprio depoimento revestisse um tom genérico, pouco circunstanciado, temporalmente pouco preciso e desprovido de factos concretos quanto à materialidade das concretas operações em causa.
Vejamos, quanto à testemunha A., técnico comercial da A., S.A. desde 2000, contratado por indicação do A., anteriormente àquela data já trabalhava no ramo das “sucatas”. Na qualidade de técnico comercial contacta os clientes externamente, quando na empresa estava no estabelecimento de (...) (onde eram realizados as descargas mais avultadas e escritórios) ou na Rua (...) (loja de comércio tradicional e três armazéns pequenos).
Atestou que as principais clientes eram serralharias, nomeadamente a R., M., A. e A., e entre os principais fornecedores figuravam estrangeiros de várias origem, espanhola, francesa, italianos e irlandeses, tendo mencionado a S., sobre esta última referiu que não conhece a empresa, apenas o nome de papel. Recorda ter chegado bastante chapa de alumínio …, acima das quatro toneladas para reposição, não sabendo precisar as quantidades anuais, o cliente desse material era a F. empresa italiana, com instalações em Setúbal.
O material em questão chegava em camiões do A., desconhecendo a origem do material, sabia no entanto que este era agente da S., não sabe precisar o circuito dos materiais apenas sabia que nas remessas figurava o nome da S., por via das consultas que efetuava no sistema informático para saber o preço das chapas do alumínio.
Nunca presenciou e desconhece como eram efectuados os pagamentos das transacções.
Concluindo, apesar de mencionar conhecer o fornecedor aqui em causa de “papel” e relacioná-lo com o comércio de sucata, mais concretamente placas de alumínio, a verdade é que nada pôde assegurar sobre as concretas transacções que aqui estão em causa e que foram desconsideradas pela AT.
Quanto ao depoimento da 1ª testemunha, A., economista, não foi o mesmo colocado em crise em sede de recurso, no entanto apraz dizer, que a sua razão de ciência advém do pedido efectuado por advogado na sequência da IT e na qualidade de técnico, o mesmo revelou-se esclarecedor em termos técnicos numa tentativa de explicitar as práticas seguidas no registo contabilístico da documentação da contabilidade da Recorrente, tal como facturas e meios de pagamento na generalidade, mas limita-se a isso mesmo. De todo o modo, quanto a este concreto aspecto, deve lembrar-se que a AT jamais pôs em causa a organização e conservação dos elementos contabilísticos da ora Recorrente.
Por conseguinte, para os efeitos pretendidos, pouca utilidade se retira do depoimento em causa, sendo economista nada adiantou sobre a materialidade das compras tituladas pelas concretas facturas não aceites.
Note-se que os vários esclarecimentos prestados a propósito das instalações e funcionamento da Recorrente - todos tendentes a demonstrar a existência de uma estrutura empresarial e organizacional por parte da A. – são aspectos de menor importância, atendendo ao que aqui importa apreciar e decidir.

É que, como resulta evidente do relatório inspectivo, jamais foi afirmado que a A. não negociava em sucata ou que não tinha estrutura empresarial para o exercício da sua actividade. Porém, o que se pretende é saber se a mercadoria identificada nas facturas desconsideradas foi efectivamente adquirida ao concreto fornecedor que a emite – S. [em sede de produção de prova].
Certo que os depoimentos pretenderam esclarecer o funcionamento da empresa entre estabelecimentos e armazém, nomeadamente, entre a venda a grosso e a retalho e o seu armazenamento, o que não lograram.
Perante a actividade fiscalizadora da AT e a desconsideração das facturas em causa, impunha-se, à Impugnante, uma produção de prova consistente, circunstanciada e credível que fosse suficiente para contrariar os indícios recolhidos de facturação não assente em verdadeiras transacções.

Por todo o exposto, constata-se ser acertado o juízo efectuado no julgado, pois que os depoimentos prestados, parcialmente transcritos no corpo das alegações, nada concretizam relativamente a cada uma das compras subjacentes a cada uma das facturas, designadamente, como foram encomendadas, transportadas e recepcionadas as pretensas mercadorias, locais de carga e descarga, posterior venda das mesmas e seu transporte, etc….

Importa deixar claro que não está aqui em causa a questão de saber se a Impugnante adquiria sucata a fornecedores; importava, sim, demonstrar que a adquiriu, nos anos em causa, aquele fornecedor concreto - S., nos exatos termos que subjazem às facturas postas em crise.

Em suma, face à audição da prova gravada por este Tribunal, nenhuma razão se vê para alterar a apreciação crítica que sobre ela recaiu em 1ª instância, não merecendo censura a conclusão extraída na sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, na parte em que daí se extrai que os depoimentos não relevaram para a prova de qualquer factualidade, mormente dos factos dados como não assentes.

Improcede, nos termos expostos, a impugnação da matéria de facto que vínhamos analisando.

Do erro de julgamento de direito

Recapitulando, o presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, em sede de Impugnação Judicial, declarou a legalidade das liquidações de IRC de 2001 e 2002.
Decidiu-se no julgado, fulcralmente que [ para o que releva neste recurso, considerando que não está colocado em apreciação as decisões relativas à caducidade do direito à liquidação nem à falta de fundamentação da actuação da AT ao ter feito uso das correcções técnicas, ambas julgadas improcedentes na sentença recorrida], a Administração Tributária logrou provar os indícios sérios e objectivos que determinaram a desconsideração como custo fiscal de um conjunto de facturas emitidas pela S. por falta de prova da efectividade das transacções comerciais mencionadas nas mesmas e a Impugnante, ora Recorrente, não alcançou provar que as transacções comerciais formalmente tituladas nessas facturas tinham efectivamente ocorrido. Pelo que, prossegue, considerando que a Administração Tributária actuou em conformidade com a lei, ao ter feito uso das correcções técnicas na situação em apreço.
Cristalizada a matéria de facto, decorrente da improcedência do recurso sobre o erro de julgamento de facto imputado, cumpre tão só atentar ao alegado pela Recorrente de que as empresas não podem vender sem comprar e que a as empresas devem ser tributadas pelo seu lucro real, devia a Administração Tributária in causu ter recorrido a métodos indirectos, e não a métodos directos, como fez, para determinar a matéria colectável. Não o tendo feito, conclui-se no julgamento que ora se sindica, foi violado o princípio constitucional consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como o disposto no artigo 17º do Código do IRC (vide conclusões 6 a 11).

Que dizer.
Cumpre em linhas gerais traçar aspectos preponderantes subjacentes ao conspecto de actuação da Administração tributária, quais sejam:

O que releva para se apurar que tipo de correcção foi realizada é o percurso seguido e a natureza dos elementos utilizados para se alcançarem determinados valores (modificações) que posteriormente são vertidos na fundamentação da liquidação, pelo que a natureza ou métodos subjacentes às correcções, ou seja, a sua qualificação não está dependente do nomen que a Administração Tributária ou o contribuinte entendam designá-las, revelando, em sumam, para esse efeito, o que subjaz a essas correcções.

No que respeita aos métodos impostos à Administração Tributária e consequente determinação da matéria colectável, como a doutrina e a jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, Secção tributária, vem esquematizando, existem três tipos de correcções que podem estar na base ou apuramento da matéria colectável:
a) correcções aritméticas - a matéria colectável é a identificada pelo contribuinte na sua declaração anual periódica pelo que, a Administração Tributária, “não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação – directo ou indirecto - para determinar o imposto devido: a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objectivo de garantir a exactidão das autoliquidações. (…) Trata-se, pois, de uma correcção oficiosa que nem careceria de previsão legal expressa”;
b) correcções técnicas – a Administração Tributária faz alterações à matéria tributável “determinada no âmbito da avaliação directa, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte. (…) Estas correcções são também quantitativas, ainda que simultaneamente qualitativas: quantitativas porque alteram a matéria colectável, qualitativas porque esta alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou;
c) correcções quantitativas determinadas pela Administração Tributária por “recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha”, ou seja, por métodos indirecto. (cfr. acórdão da Secção do Contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.04.2014, proferido no processo n.º 1510/13, disponível em www.dgsi.pt).

A avaliação indirecta – que a Recorrente insiste que devia ter estado na base da liquidação impugnada – é subsidiária da avaliação directa, ou seja, e fazendo agora uma relação entre este critério de subsidiariedade e os “tipos de correcção” identificados, a alteração da matéria colectável só deverá realizar-se por recurso a indícios ou presunções, por métodos indirectos se, de todo, essa correcção não for possível de ser concretizada pelas correcções aritméticas e técnicas, uma vez que só assim se observará, no limite do desejável, o princípio constitucional de tributação das empresas segundo a sua capacidade real, in casu, evidenciado pelo lucro real.

Tecidas estas considerações gerais, atento o inconformismo da Recorrente, cumpre atentar que:
- no ordenamento jurídico-português tributário vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, o qual se encontra plasmado no art. 75°, n.° 1 e n.º 2, al. a) da Lei Geral Tributária (LGT), aí se dispondo que, “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, cessando tal presunção quando, entre outras razões, aquelas declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo ou se apresente de uma forma que impeçam precisamente o conhecimento dessa mesma realidade tributável.
- dispõem, o preceituado no art. 81º, n.º 1 da LGT, que a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, constituindo, assim, a avaliação directa o princípio regra a seguir pela Administração tributária e a avaliação indirecta um mecanismo de determinação da matéria tributável meramente subsidiário. Aliás, em conformidade, com o disposto no art. 85º, n.º 1 da mesma Lei, que determina o caracter subsidiário da avaliação indirecta, prevista para a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis de um determinado sujeito passivo, a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha e a que recorra para aquele concreto fim (cf. art. 83º, n.º 2 da mesma Lei citada).
Cumpre ainda referir, de que, nas situações em que a Administração Tributária desconsidera facturas com o fundamento de que “são falsas” se aplicam as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, quais sejam, firmada na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que compete à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

No caso concreto, a Administração Tributária alicerçou a emissão das liquidações em sede de IRC precisamente na existência de facturas emitidas pela S. desconsiderados como custo fiscal por falta de prova da efectividade das transacções comerciais decorrentes das mesmas, vertendo no relatório a fundamentação de tal desconsideração, qual seja sinteticamente na inexistência de documentos relativos ao transporte das mercadorias, no facto do modelo da facturação ser igual ao utilizado pelo principal fornecedor nacional, nas incongruências reveladas nos documentos de pagamento, no facto das facturas da S. se encontrarem arquivadas em três vias, contrariamente ao que sucede com os demais fornecedores (veja-se o factos provados 2 e 3).

Notificada a impugnante para o exercício do direito de audição aquando das correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção tributário, a mesma não se pronunciou quanto às correcções efectuadas nem procedeu à junção de qualquer documento que contrariasse as conclusões exaradas no relatório (in corpo da sentença sob recurso).

Vejamos.
O artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece o princípio de que o ónus da prova em matéria tributária compete a quem invoca os factos que lhe são favoráveis. Este princípio mais não é do que a consagração, no específico campo do direito tributário, do princípio geral contido no artigo 342.º do Código Civil (CC), que estabelece as seguintes regras:
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Na situação de métodos indirectos à administração tributária compete o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação e ao contribuinte a prova do excesso na sua quantificação (artigo 74. ° n.º 3 da LGT).

No caso de se tratar de contabilidade baseada em facturação que apenas pretende dar um crédito de aparência a negócios ou operações simuladas, a Administração Tributária não está obrigada a fazer a prova dessa simulação e muito menos provar a falsidade dos documentos, apenas lhe cabendo o ónus de prova dos indícios objectivos, sólidos e consistentes que colocam em causa a presunção de veracidade dos documentos (cfr. art.º 75.º, n.º 1, da LGT) e que traduzem uma muito elevada probabilidade dos documentos não titularem operações que correspondam à realidade.

Assim sendo, à AT apenas compete provar os indícios sérios da intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração (animus decipiendi), do acordo entre o declarante e o declaratário, com o intuito de enganar o Estado (animus nocendi) - (cfr. artigo 241.º, n.º 1, do Código Civil) -, subjacentes às operações acima referidas, sem que tenha de se colocar na posição de quem invoca a simulação, com o ónus de a provar segundo a regra do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Aliás, a dificuldade de prova directa do acordo simulatório leva a jurisprudência a admitir que a mesma pode resultar de factos que o indiciem ou façam presumir (cfr. entre outros o acórdão do pleno da Secção do Contencioso Tributário de 16.03.2016, proferido no âmbito do processo 400/15).

A avaliação indirecta só pode ser utilizada, designadamente, quando não é possível comprovar e quantificar directamente a matéria tributável de qualquer imposto, como defende a doutrina (vide António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pág. 207).

No caso de se constatar que a contabilidade não é fiável, por se basear em operações “simuladas”, basta desconsiderar as que comprovadamente o sejam para se obter a matéria colectável, apurada nos termos do artigo 17º, nº 1 do CIRC.
É certo, porém, que tal desconsideração pode conduzir a uma tributação assente numa realidade que não reflecte o princípio da tributação do rendimento real, plasmado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, indo de encontro ao alegado pela Recorrente.

Mas não se pode olvidar de que compete ao sujeito passivo o ónus de demonstrar essa desconformidade. É que, afastada que seja a concepção punitiva do ordenamento jurídico-tributário em tudo o que não seja disciplinado por específicas normas sancionatórias (como sucede, v. g., com o Regime Geral das Infracções Tributárias), sendo que alguma doutrina defende em nome dos «fins de prevenção geral da lei fiscal: com a penalização dos contribuintes que se encontram “fora do sistema”» (José Luís Saldanha Sanches, “Custos Mal Documentados e Custos Não-Documentados: o seu Regime de Dedutibilidade”, Fiscalidade, Julho 2000, pág. 90), o princípio da tributação segundo o rendimento real impõe que ao contribuinte seja dada oportunidade de demonstrar que os custos foram efectivamente suportados, ainda que o respectivo suporte documental inicialmente apresentado não possa ser considerado, por falsidade ou outro motivo. Trata-se de permitir que o contribuinte possa demonstrar, em contraste com a simulação absoluta que lhe é imputada, a existência de uma simulação relativa, isto é, do concreto negócio que está encoberto pelo negócio dissimulado.

Mas se o contribuinte não demonstra a existência de uma situação de simulação relativa então terá de arcar com as consequências advenientes da simulação absoluta, isto é, a nulidade do negócio simulado, designadamente com as consequências fiscais daí advenientes, nomeadamente a impossibilidade de serem relevados para efeitos fiscais os alegados “custos” que lhe estão associados.

A sentença sob recurso, bem, considerou improcedente a impugnação, outro resultado não seria possível ao e não ter dado como provados factos donde se possa inferir que as facturas desconsideradas se reportam a transacções efectivamente realizadas, e fê-lo fundamentando que “Deste modo, e tendo por base os princípios consignados nos normativos acima identificados, verifica-se que a regra, é a utilização da avaliação directa como meio de determinação da matéria tributável, em que a Administração Tributária se socorre dos elementos contabilísticos, dos documentos de suporte e se assim for o caso, da desconsideração de facturas contabilizadas, revelando-se o recurso a métodos presuntivos ilegal, uma vez que é comprovadamente possível a determinação por métodos directos. (…)” e, mais adiante “Notificada a impugnante para o exercício do direito de audição aquando das correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção tributário, a mesma não se pronunciou quanto às correcções efectuadas nem procedeu à junção de qualquer documento que contrariasse as conclusões exaradas no relatório.
E assim sendo, e em face de todos os elementos apurados em sede de inspecção entre si conjugados, não pode deixar de concluir-se que a AF fez prova dos pressupostos legais que legitimam a correcção e subsequente liquidação impugnada, pelo que passou a competir à impugnante demonstrar que esse fornecimento foi, de facto, efectuado, comprovando o custo por si contabilizado.
Todavia, não o fez, pois que da matéria de facto dada como assente, não resulta qualquer elemento susceptível de abalar a conclusão fáctica a que chegou a AF através daqueles “factos-índices””.

Explicitando, temos que a prova que a Recorrente logrou é muito escassa, a A. não alcançou provar a materialidade das operações tituladas pela emitente S., bem como não provou factos conducentes da operação triangular que alega com A., Ld.ª na qualidade de agente relacionados em concreto com a aquisição de metais a que as facturas desconsideradas dizem respeito. Designadamente não foi provado, por exemplo, que quaisquer que tenham sido os “carregamentos” e “descarregamentos” efectuados, armazenamento, circuitos de pagamentos, se estes se reportavam a compras e, muito menos, os períodos temporais, especialmente a sua integral ocorrência nos anos de 2001 e 2002, nem que as operações desconsideradas atingiam um percentual tão relevante no conjunto das aquisições da Recorrente que sem as quais as vendas efetuadas a clientes careceriam de justificação.

Revisitando a petição inicial da impugnação apenas se extrai que a Recorrente alega que as transações subjacentes as facturas não consideradas, são reais assente na sua escrita merecedora de credibilidade (expurgando a mesma de vícios), numa gestão de stocks que não pode ser desconsiderada e numa posição enquanto sujeito passivo desconhecedor das relações existentes com o seu administrador, a quem entregava os cheques (A. dos Santos) e a S., etc., etc., mas em momento algum concretizou, apesar de falarmos de quantidades consideráveis e de metais pesados, quem fez o transporte, das cargas e descargas, do armazenamento e sobretudo a concretização de a quem foram vendidas.
Aliás, a factualidade assente não permite dizer que operações materiais de aquisição de mercadorias foram efectivamente realizadas por reporte as facturas não consideradas, sendo certo que, em conformidade com a alínea g) do n.º 1 do artigo 42.° do CIRC (na redacção em vigor previamente à produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, que republicou aquele Código) não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, ainda que contabilizados como custos ou perdas do exercício, os encargos não devidamente documentados, dos custos realizados, no sentido de que apenas poderão ser aceites fiscalmente aqueles em relação aos quais o sujeito passivo faça prova inequívoca da sua concretização, nunca forneceu tal informação, pelo que, assim sendo, a AT não estava vinculada a aplicar métodos indirectos para determinação da matéria colectável.

E, acresce referir, que o universo subjacente “às facturas falsas”, como resultou provado à saciedade in casu, pode ter por base situações distintas, ou seja, na sua origem podem estar aquisições sem emissão de facturas, compra ou venda de mercadorias muito abaixo do preço do mercado, mercadorias de proveniência duvidosa ou mesmo ilícita, etc., sendo a mais comum a emissão de facturas e ausência de transacção, perante a amálgama de situações é legitimo concluir que qualquer eventual determinação da matéria colectável por métodos indirectos podia conduzir a resultados falseados e a um verdadeiro enriquecimento sem causa da recorrida, proibido pelo nosso ordenamento jurídico (cfr. artigo 473.º do Código Civil), obtido à custa dos impostos que deveria pagar e que não pagaria em consequência da determinação de uma colecta baseada em premissas indiciárias (v. g. rácios da actividade em causa), eventualmente erradas na sua aplicação concreta.

É, pois, face ao que ficou exposto, de julgar improcedentes as conclusões de recurso jurisdicional vertidas nas alíneas 6. a 11. das conclusões do recurso, o que, em conformidade, dita a sua improcedência.


2.3. Conclusões

I. Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a AT ter considerado que as facturas emitidas por determinada empresa que documentavam custos não correspondiam a operações reais, motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções técnicas”, desconsiderou tais custos e acresceu à matéria tributável declarada o montante daquelas facturas, à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável, competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável.

II - Estando assente que a AT demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitem concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais e, assim, que está formal e materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar os custos que têm suporte naquelas facturas, não lhe está imposto o recurso a métodos indirectos para determinar a matéria colectável, podendo e devendo, tão só, proceder a essa determinação, por métodos directos.

III - Perante a desconsideração dos custos pela AT assim legitimada, competia ao Contribuinte, demonstrar que as facturas em causa correspondem a operações realmente efectuadas pela empresa que as emitiu e pelo valor referido nas facturas e, assim, comprovar os custos que contabilizou, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito.
*

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
*
Custas pela Recorrente.
*
Registe, notifique e, após, dê conhecimento ao Ministério Público – Procuradoria da Comarca do Porto - processo n.º 44/07.1IDPRT.
*
Porto, 14 de Outubro de 2021

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis